terça-feira, 29 de setembro de 2009

Ajude a preservar a Serra Catarinense




Histórico do projeto

Desde 1960 existem estudos da IFC - Indústria de Fosfatados Catarinense (Antiga Adubos Trevo) para a exploração da mina de fosfato do Rio Pinheiros em Anitápolis.

A IFC é uma empresa da YARA - empresa de fertilizantes químicos norueguesa - e da BUNGE - empresa de soja transgênica americana.

O pouca viabilidade econômica deixou o projeto engavetado durante anos. Agora, a empresa voltou a se interessar no fosfato. O processo de licença ambiental esteve por quatro anos tramitando na FATMA e em 13 de abril de 2009, foi expedida a primeira das três licenças:
a LAP - Licença Ambiental Provisória.

A LAP aceita os laudos do EIA-RIMA apresentados pela empresa. Contudo, há um grande número de falhas no documento. Por conta disto, já existe no Ministério Público Estadual uma Ação Civil Pública que pede a suspensão da LAP através de uma liminar.

Em breve a IFC solicitará a LAI - Licença Ambiental de Instalação, onde começarão as obras. Após a LAI, solicitarão a LAO - Licença Ambiental de Operação, quando começará a fabricação do ácido sulfúrico e do NPK.

Anitápolis, na Serra catarinense, hoje...

e uma fosfateira funcionando nos
mesmos moldes do projeto, em Cajati-São Paulo


Como vai funcionar a fosfateira

Durante os dois primeiro anos acontecerá a construção da fábrica. Um canteiro de obras com 1.400 homens da contrução civil, que virão de fora para morar em Anitápolis. Após a contrução, a fábrica entrará em operação, que será do seguinte modo:

O fosfato retirado da mina será tratado quimicamente e adicionado ao ácido sulfúrico para transformação em adubo solúvel. O ácido será fabricado na própria fosfateira, utilizando como matéria prima o enxofre, que será importado pelo porto de Imbituba e chegará de caminhão até o local.

Deste processo sobram rejeitos químicos altamente poluentes que serão controlados com barragem de rejeitos, tratamento de efluentes e monitoramento de chaminés. Qualquer falha provocará chuva ácida, lama ácida e desastre por rompimento de barragem.Serão duas barragens. O material de contenção é barro (perigosamente frágil).

Será desviado o leito do Rio Pinheiros para a formação de dois lagos de lama. Tecnicamente está decretada a morte do rio e de todo o ecossistema do seu entorno.

Anitápolis

Encravada entre montanhas, Anitápolis é um típico município do interior de Santa Catarina. É uma cidade pacata, com pouco menos de três mil habitantes.

Anitápolis: paraíso ecológico preservado,
é também cenário de nascentes de muitos rios


Sua população descende, em grande parte, de colonos de origem alemã, que começaram a povoar aquelas terras em meados do séc. XIX.

A economia do município de Anitápolis é baseada principalmente em duas atividades: a agricultura e o turismo rural.

A agricultura, nos últimos anos, vem apresentando modificações importantes com a conversão da agricultura convencional para a agricultura orgânica.

O turismo é uma atividade que vem crescendo positivamente, pois o município tem paisagem e geografia que encantam os visitantes. Além disto, o turismo conta com o incentivo da Acolhida na Colônia, associação que auxilia o colono no desenvolvimento da atividade turística sustentável, aumentando os ganhos e a qualidade de vida do agricultor.

Ameaça da fosfateira

A instalação da indústria fosfateira causará um impacto social imprevisível. Na construção da fábrica, o canteiro de obras abrigará 1.400 homens vindos de fora.

Sem estrutura para receber esta população de que não se sabe a procedência, os habitantes do município de Anitápolis, em especial a comunidade do Rio Pinheiros, estão com a segurança perigosamente ameaçada.

Em se tratando de mulheres e crianças, não há como avaliar o risco de estupros e pedofilia, crimes tão horrendos. O contingente policial local não tem capacidade, muito menos estrutura/equipamentos para atender ocorrências deste tipo.

A Prefeitura de Anitápolis, bem como o Governo Estadual e Federal são favoráveis à instalação da fosfateira. Contudo, este empreendimento não trará desenvolvimento.

A instalação da fosfateria poderá trazer desordem, doenças, diminuição da atividade turística, violência e a morte de um rio e uma floresta preservados.

A devastação

Em Anitápolis localiza-se a Nascente do Rio Tubarão (Braço do Norte), interligando os Rios do Meio, Rio das Pedras, do Norte, Branco, dos Pinheiros Alto, do Ouro e da Prata.

É também afluente de vários Rios como: O Rio Branco na divisa com Rancho Queimado tem afluente no Rio Tijucas; O Rio da Serra da Garganta é afluente do Rio Cubatão; Na Serra Geral a nascente do Rio é afluente do Rio Canoas; O Rio Maracujá tem sua nascente que deságua no Rio Itajaí.

Além disso, em Anitápolis a mata é floresta ombrófila densa (mata úmida com árvores adultas). Berço de um ecossistema de grande valor ambiental.

A área pertencente à IFC é de 1800 ha. Deste total, 360 ha serão sumariamente destruídos para a construção da mina para extração do fosfato, bem como da fábrica de ácido sulfúrico.

O leito do Rio Pinheiros será desviado para a construção de dois lagos de rejeitos. A composição dos rejeitos é tóxica e prejudicial à saúde humana e animal.

Serão construídas duas barragens de barro. Material perigosamente frágil, com alto risco de rompimento. Em caso de acidente, a população corre risco de um desastre jamais visto.

Eliminação na atmosfera de gases tóxicos poluentes pela fábrica de ácido sulfúrico. Os gases, levados pelos ventos, atingirão longas distâncias provocando chuva ácida.

A chuva ácida provoca depósito de enxofre nas terras. A saúde das famílias será afetada, num raio de 200 km. Os agricultores orgânicos certificados, poderão perder a certificação de seus produtos.

Acontecerá o transporte de enxofre e ácido sulfúrico. Cargas tóxicas que poderão sofrer acidentes com consequências davastadoras.

As contradições FATMA - EIA/RIMA - IFC

Em visita ao local da fosfateira o Comitê Nascentes da Serra pode observar a presença da CELESC, já desenvolvento o projeto elétrico do canteiro de obras da fábrica. Este fato mostra a certeza da empresa IFC de que irá obter brevemente a licença de instalação para iniciar as obras.

A FATMA, órgão responsável para a emissão das licenças liberou a licença provisória - LAP -baseada no EIA/RIMA desenvolvido por empresas contratadas pela IFC.

O Comitê Nascentes da Serra encontrou uma série de falhas do EIA/RIMA que também foram apontadas na Ação Civil Pública que pede uma liminar suspendendo a LAP.

A comunidade local, também manifestou-se contra o empreendimento no começo. Contudo, as pessoas do local estão sendo ameaçadas e coibidas. Em Anitápolis é proibido manifestar-se contra a IFC, principalmente os professores e funcionários públicos.

Não podemos aceitar esta fábrica por questões meramente financeiras. O patrimônio social e ambiental que está em risco é muito mais valioso do que os empregos e impostos que ela vai gerar.

A denúncia dos riscos ambientais que podem acontecer com a instalação da IFC em Anitápolis não pode ser calada e deve ganhar destaque internacional.

A campanha

Uma série de ações estão sendo encaminhadas sobre os impactos nocivos da IFC:

Denúncias aos órgãos competentes;

Conscientização das comunidades com palestras apresentando os riscos sociais e ambientais;

Divulgação e manutenção do site com notícias sobre as licenças e o processo;

Acompanhamento das licenças solicitada e emitidas;

Organização de manifestações populares pacíficas contra a instalação da IFC.

Acompanhamento do abaixo assinado on-line.

Você pode ajudar

Se você também está preocupado com a instalação de uma mega indústria química multinacional em um paraíso ecológico, e gostaria de participar do movimento POR AMOR À VIDA. FORA FOSFATEIRA envie um e-mail para:

nascentesdaserra@gmail.com



Participe e ajude a salvar Anitápolis.

Fonte: http://nascentesdaserra.bio.br/index.htm



Sem redução de CO2, Terra deve esquentar 4 graus Celsius



As temperaturas globais devem subir 4 graus Celsius até meados da década de 2050, caso sejam mantidas as atuais tendências de emissões de gases do efeito estufa, segundo um estudo publicado na segunda-feira pelo Centro Hadley do Departamento Meteorológico da Grã-Bretanha.

A reportagem é de Gerard Wynn e publicada pelo portal do jornal O Estado de S. Paulo, 28-09-2009.

A previsão é compatível com um relatório da ONU na semana passada, segundo o qual as mudanças climáticas estão superando as piores previsões de 2007 do Painel Intergovernamental sobre a Mudança Climática (IPCC).

"Nossos resultados estão mostrando padrões similares (ao IPCC), mas também mostram a possibilidade de que mudanças mais extremas possam acontecer", disse Debbie Hemming, co-autora da pesquisa divulgada no início de uma conferência sobre a mudança climática na Universidade de Oxford.

Líderes dos principais países emissores de gases do efeito estufa reconheceram em julho a opinião científica de que, para evitar as mudanças climáticas mais perigosas, a temperatura média da Terra não pode ficar mais do que 2 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais.

O relatório de 2007 do IPCC estimava um aquecimento de 4 graus Celsius até o final da década de 2050. O novo estudo confirma que tal aquecimento pode acontecer ainda antes, em meados da década de 2050, e sugere efeitos locais mais extremos.

Um avanço em relação a 2007 foi incluir o provável efeito dos "ciclos de carbono". Por exemplo, se parte da Amazônia morrer por causa de uma seca, isso exporá o solo, liberando mais carbono originalmente presente na matéria orgânica à sombra.

"Isso amplifica a quantidade do dióxido de carbono (o mais comum dos gases do efeito estufa) que entra na atmosfera, e portanto (amplifica também) o aquecimento global. Isso realmente está levando a mais certezas (quanto ao aquecimento)", disse Hemming.

As conclusões devem ser levadas em conta nas negociações de cerca de 190 países para a adoção de um novo acordo climático global, numa reunião da ONU em dezembro em Copenhague.

O aumento das temperaturas é sempre avaliado em comparação aos níveis pré-industriais. Cientistas dizem que o mundo já se aqueceu 0,7 grau Celsius desde então.

Um aumento médio de 4 graus Celsius mascara aumentos regionais ainda mais intensos, como por exemplo um aquecimento superior a 15 graus Celsius em partes do Ártico, ou de até 10 graus Celsius no oeste e sul da África, segundo o estudo divulgado na segunda-feira.

"É bastante extremo. Não acho que caia a ficha para as pessoas", disse Hemming. O degelo da calota polar, por exemplo, exporá à luz do sol uma maior superfície de água escura, absorvendo mais radiação e provocando efeitos ainda mais descontrolados sobre o clima global.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Britânicos descobrem que geleiras da Groenlândia e Antártida derretem em velocidade acelerada





Cientistas britânicos descobriram que os mantos de gelo - enormes geleiras que datam da última grande glaciação do planeta - da Groenlândia e da Antártida estão encolhendo a um ritmo muito mais rápido do que se imaginava. Segundo o estudo, publicado no jornal científico "Nature", as geleiras estão perdendo 9 metros de profundidade por ano desde 2003.


Geleiras da Groenlândia são tomadas por águas mais quentes

Os cálculos foram feitos a partir de dados de satélite da Nasa e confirmam o que alguns dos cientistas mais pessimistas já diziam: o derretimento das duas maiores camadas de gelo do mundo está acelerando e se retroalimentando. Em algumas partes da Antártida, as taxas anuais de perda de gelo entre 2003 e 2007 foram 50% maiores do que aquelas registradas entre 1995 e 2003. Na Groenlândia, 81 das 111 geleiras da região estão afinando em ritmo acelerado.



"O principal problema não é o calor do ar, mas a água próxima aos mantos de gelo", disse Hamish Pritchard, da British Antarctic Survey, um dos autores do estudo. "A água não só está mais quente, como também está se misturando ao gelo e causando um maior derretimento".

Para Pritchard, o derretimento das geleiras é um efeito fora de controle. "A questão é saber até quando ele vai durar", disse o pesquisador.



Imagem de satélite colorida mostra
áreas mais afetadas pelo derretimento dos mantos de gelo
na Antártida e na Groenlândia



A pesquisa não responde à dúvida mais importante motivada pelas novas informações: o quanto as projeções de aumento no nível dos mares deve subir com o derretimento dos mantos de gelo.

Conforme os cientistas observam os recuos das geleiras, os mais otimistas acreditavam que o derretimento poderia ser freado, ou um fenômeno temporário. Mas para o professor Richard Alley, da Penn State University, nos Estados Unidos, as novas medidas das calotas polares acabam com essa visão mais otimista.

"O estudo é alarmante", disse Jason Boz, da Ohio State University, também nos EUA. Para ele, os novos dados mostram que "estamos subestimando quão sensíveis os mantos de gelo são às mudanças [climáticas]".

*Com informações da Associated Press


Fonte: http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude/ultnot/2009/09/23/ult4477u2068.jhtm

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

As últimas palavras de Paul Feyerabend



Também comecei minha autobiografia, principalmente para lembrar meu período no exército alemão e como vivenciei o nacional socialismo. Esta, porém, demonstrou ser uma boa maneira de explicar como minhas "idéias" estavam entrelaçadas ao resto de minha vida.


Prometi para Grazia um livro sobre a "realidade", que está tomando forma muito lentamente e cujo título provisório é A conquista da abundância. O livro deverá mostrar como especialistas e pessoas comuns reduzem a abundância que os cerca o os confunde, e as conseqüências de suas ações.

Ele é principalmente um estudo do papel das abstrações, noções matemáticas e físicas especialmente, e da estabilidade e "objetividade" que parecem trazer consigo. Discute como emergem tais abstrações, como são apoiadas pelos modos comuns de falar e viver, e a mudança como resultado de argumentação e/ou pressão prática.

Procuro também enfatizar a ambigüidade essencial de todos os conceitos, imagens e noções que pressupõem mudança.

Sem ambigüidade não há mudança, nunca. A teoria quântica - como interpretada por Niels Bohr - é um perfeito exemplo disto.


"A conquista da abundância" deveria ser um livro simples, de leitura agradável e fácil compreensão. Entre meus motivos para escrever Contra o Método estava o de libertar as pessoas da tirania dos ofuscadores filosóficos e de conceitos abstratos como "verdade", "realidade" ou "objetividade", que estreitam a visão e as maneiras de ser das pessoas no mundo.

Ao formular o que eu acreditava ser minha própria postura e convicções, infelizmente acabei introduzindo conceitos igualmente rígidos, tais como "democracia", "tradição" ou "verdade relativa". Agora que estou consciente disto, me pergunto como pode ter acontecido.

O anseio de explicar as próprias idéias, não de modo simples, não numa história, mas por meio de uma "explicação sistemática" é de fato muito forte.

De que outra maneira poder-se-ia explicar que um destacado produtor teatral como Herbert Blau - um artista capaz de tornar claras para atores e audiências peças opacas - tenha escrito um tratado sobre teatro com afirmações incompreensíveis e desprovidas de sentido? Não se trata de uma dificuldade inerente ao assunto em questão. Platão, Aristóteles, Brecht e Dürrenmatt escreveram sobre teatro de modo agradável e compreensível. É o desejo de ser grande, profundo e filosófico.

Mas o que é mais importante? Ser compreendido pelo público em geral ou ser considerado um "pensador profundo"?.

Escrever de maneira simples, de modo que pessoas sem preparo específico possam entender não significa ser superficial.

Eu exorto todos os autores que querem se comunicar com as pessoas a manter distância da filosofia, ou ao menos que evitem ser intimidados e influenciados por ofuscadores como Derrida, lendo, ao invés disto, os ensaios populares de Schopenhauer ou Kant.



No final de 1993, o título deste capítulo assumiu um novo significado. Estou parcialmente paralisado, num hospital, com um tumor cerebral inoperável.


Eu não gostaria de morrer logo agora que finalmente consegui me "sistematizar" - também em minha vida privada.

Gostaria de ficar com Grazia e apoiá-la e fortalecê-la quando houver problemas. Depois de passar a vida lutando pela solidão, eu queria viver em família, contribuindo com a minha parte, esperando-a, por exemplo, com o jantar e algumas piadas prontas em sua volta do trabalho. Poderíamos mesmo tentar os métodos mais avançados para ter filhos; mas temos que esperar para ver como se desenvolve minha doença, e esta não é uma posição agradável de se estar, justamente agora que Grazia esperava tanto de uma nova vida que teríamos juntos.

Escrever colunas para uma revista pode mesmo ter melhorado meu estilo de escrita, e o livro que prometi a ela poderia vir a ser simpes e luminoso, mostrando como a razão e emoção podem coexistir em uma produção “acadêmica”.

Grazia está comigo no hospital, o que é uma grande alegria, e ela enche o quarto de luz. De certo modo, estou pronto para partir, malgrado todas as coisas que ainda gostaria de fazer; mas por outro lado, estou triste por ter de deixar este mundo esplêndido, e especialmente Grazia, a quem eu gostaria de acompanhar por mais alguns anos.

Estes devem ser os últimos dias. Nós os sorvemos um por um.

Minha última paralisia veio de algum sangramento dentro do cérebro. Eu queria que depois de minha partida ficassem algumas coisas minhas, não escritos, não declarações filosóficas finais, mas amor.

Espero que isto fique e não seja muito afetado pela maneira de minha partida final, que eu gostaria que fosse tranqüila, na forma de um coma, sem luta contra a morte e más lembranças deixadas atrás. O que quer que aconteça agora, nossa pequena família pode viver para sempre - Grazia, eu e nosso amor.

Isto é o que eu gostaria que acontecesse, a sobrevivência não intelectual, mas do amor.





***




Um par de semanas depois de Paul escrever estas palavras, o tumor comprometeu o centro de dor de seu cérebro e ele precisou de doses extremamente elevadas de morfina. Ele estava habituado a analgésicos, tendo sofrido dores lancinantes toda sua vida em conseqüência de seu ferimento de guerra (isto, bem como a prodigiosa quantidade e variedade de suas leituras são aspectos importantes da vida de Paul que ele mal menciona em sua autobiografia), mas os médicos ainda assim se surpreenderam que ele pudesse suportar tanto e por tantos dias. Era 11 de fevereiro de 1994 e Paul estava num tipo de coma induzido há mais de uma semana. O correio trouxe uma carta da editora italiana Laterza, dizendo que estavam entusiasmados com a autobiografia e dispostos a publicá-la em breve. Eu estava angustiada e exausta, mas fiquei feliz com as boas novas e contei-as a Paul com alegria em minha voz. Ele respirava lentamente e de certo modo tranqüilamente. Poucos segundos depois já não estava. Estávamos sozinhos, de mãos dadas, e era meio-dia.




(Paul Feyerabend, Matando o Tempo - Uma autobiografia - Ed Unesp)

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A crise da Civilização nasce com o fim das utopias


Crise da civilização: A união de todas as crises.


Entrevista especial com Jean Pierre Leroy


O francês Jean Pierre Leroy chegou ao Brasil na década de 1970. Padre, ele atuou na região do Pará.

É filósofo e mestre em Educação pelo Instituto de Estudos Avançados em Educação/FGV. Foi Coordenador do Programa de Pesquisa sobre Campesinato em Áreas de Fronteira, Assessor da Comissão Pastoral da Terra e do Programa Nacional Fase Amazônia. Atualmente, é Membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental e assessor do Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e do Xingu.

Escreveu, recentemente, o artigo O lugar da crise do desenvolvimento capitalista na crise de civilização baseado nas ideias que propagou durante o Fórum Social Mundial deste ano.

A IHU On-Line conversou com Leroy, por telefone, sobre o que ele chama crise da civilização.

“Frente à crise política que conhecemos aqui no Brasil, vemos como é complexa e como está nos fazendo falta, de fato, uma esquerda. Um campo político que tenta segurar as pontas e, ao mesmo tempo, tenha um projeto ético de igualdade, que parte das bases da sociedade, e com projeto que resgate essa convivência com a natureza e a possibilidade da humanidade de amanhã continuar conectada com ela e poder continuar vivendo nela e dela”, apontou.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O senhor afirma que vivemos uma crise de civilização. Como se manifesta essa crise?

Jean Pierre Leroy
– O primeiro ponto é que não vislumbramos um projeto portador de utopia. Claro que existem muitos movimentos na base da sociedade que ainda mantêm, mas sempre mínimos. Em todo o lugar que olhamos a tendência majoritária de movimentos sociais se torna cotada, vê o imediato e não mantém a busca de uma utopia. Não falo só do Brasil, falo em termos gerais. Isto existe na base da sociedade, mas ainda podemos dizer que nenhum projeto, desses movimentos de base que mantêm um sentido utópico, consegue impor e fazer com que a sociedade reconheça os seus projetos. Hoje o que há é um vazio frente à possibilidade de renovar e repensar o mundo. O segundo ponto, da crise da civilização, é como os grandes problemas estão afetando o mundo.

Sabemos que a crise, as guerras e as incompreensões em torno do fundamentalismo colocam em perigo o conjunto da humanidade, porque cada um se volta para si mesmo e as diferenças acentuam as incompreensões entre povos e nações. Ninguém sabe onde isto vai nos levar. A crise climática se torna mais profunda a cada dia. Isso ameaça a humanidade de modo desigual, mas é uma ameaça geral. Frente a isso se vê uma paralisia quase total. É neste sentido que falo de crise da civilização. O modelo dominante de produções do consumo no mundo é o industrial, nascido com a Revolução Industrial. A medida de felicidade para a humanidade é ter bens. E isto numa espiral crescente de consumo, inovação, tecnologia, e de novos produtos, aderida pelo conjunto dos países.

Não quer dizer que na base da sociedade todo mundo está envolvido neste modelo, mas pelo desejo quase todo mundo está envolvido, mesmo que não tenha condição de consumir. Talvez isso seja mais profundo que esta falta de utopia alimentada por esse modelo, que nos devora por dentro. Isto é um elemento que faz com que não se pense em utopia, porque pensa em como vamos sobreviver, em como vamos viver amanhã.

IHU On-Line – A partir de que momento histórico o senhor acredita que a humanidade entrou no estágio da crise de civilização?

Jean Pierre Leroy
– Acho que, olhando o passado fica mais fácil dizer, cada civilização porta dentro de si as sementes de seu sucesso e, ao mesmo tempo, as sementes do seu fracasso futuro, de um momento em que ela chegará ao fim. A civilização ocidental, por exemplo, foi muito marcada pelo cartesianismo. Descartes, filósofo francês, separou a raça humana da natureza de modo muito forte, dizendo que a humanidade está acima da natureza e está necessitando dominá-la. Dizendo isso ele permitiu, do ponto de vista da filosofia, que a humanidade pudesse desenvolver a inteligência e as tecnologias, mas ao mesmo tempo, levou o homem a se afastar tanto da natureza, artificializando o mundo, que hoje estamos começando a pagar caro por isso. Em uma sociedade como o renascimento, com gente como Descartes, que ajudou a humanidade a avançar em uma linha onde obteve sucesso, ao mesmo já estava a ruína da sociedade de hoje.

IHU On-Line – Não se trata de uma incongruência falar em crise de civilização, considerando que essa mesma civilização – manifestação da possibilidade da convivência humana – é responsável pela crise?

Jean Pierre Leroy
– Sim, mas quando se diz crise da civilização não se está lamentando forçosamente que esta civilização esteja em crise, se constata que está em crise e, é claro, que é produzida por ela mesma. No início das civilizações está sua destruição futura. Ela mesma se destrói. Este modelo de produção e de consumo é inerente a esta civilização ocidental, que se estende hoje a todo o mundo. É claro que este modelo é destrutivo porque não consegue universalizar os bens, marginaliza e sempre marginalizará parte da humanidade, e porque não há recursos naturais capazes de dar conta e de fornecer os recursos necessários para a reprodução desse modelo.

IHU On-Line – O liberalismo e a esquerda clássica são tributárias da mesma racionalidade: a crença no progresso infinito. Ambas têm a mesma responsabilidade pela crise de civilização?

Jean Pierre Leroy
– Não devíamos esquecer que a União Soviética, com o capitalismo de estado, também reproduzia esse modelo do ponto de vista econômico e de uso dos recursos naturais. Tanto que hoje, na ex Alemanha Oriental e na Europa do leste, há muitos lugares onde já se deixou uma catástrofe de destruição ambiental, de contaminação de solos, de áreas industriais extremamente contaminadas, e não falo só de Chernobyl, elas mesmas estavam implicadas neste modelo. Aliás a gente vê, no caso do Brasil, que boa parte do PT e da esquerda está achando que há o progresso e o desenvolvimento, e quer continuar com esse modelo. Isto, sem dúvida, permeou as esquerdas também.

IHU On-Line – O capitalismo nos últimos dois séculos assistiu a duas grandes revoluções: a Revolução Industrial e a Tecnológica. Sob a perspectiva cultural, qual das duas impactou mais a sociedade humana?

Jean Pierre Leroy
– Ambas. A Revolução Tecnológica é diretamente ligada à Revolução Industrial. A Industrial levou à produção e ao consumo de massa e isso impactou no sentido de que permitiu a organização maciça, e que a população possa aumentar de modo exponencial. A morte jovem não se tornou a única alternativa para a maioria da humanidade. Esta revolução ajudou enormemente a humanidade a poder aumentar, o que levou a uma corrida tecnológica permanente, com o aperfeiçoamento de produtos. Isto renova a capacidade de alimentar mais população, de permitir que as pessoas vivam mais e dar qualidade de vida, ainda a uma minoria. Como isso foi capturado pelas empresas e pelo mercado, leva a uma corrida onde se explora a mão-de-obra e muita vezes a marginaliza e a torna inútil.

Com esse esquema sempre temos mais povos e classes sociais que ficam sobrando. E por outro lado, leva a uma superexploração dos recursos naturais. Não tem jeito. Tem gerações de celulares que fazem cada vez mais coisas, mas para cada uma delas deve ter muita água, recursos naturais, energia e minerais. A base da produção da sociedade não muda com essas novas tecnologias. Por que cada nova tecnologia leva a mais produto. Esta combinação da industrialização do artefato, sempre a um grau mais sofisticado de tecnologia, está nos levando à catástrofe. Esta também é a lei do mercado. As empresas buscam seu lucro. E como, hoje, as empresas estão sempre mais anônimas com investidores do capital e muito distantes da produção, então, só interessa mesmo o lucro. Tecnologia e lucro combinados nos levam a esse buraco. Progressivamente a impressão que se tem é que quem está “dando as cartas” e está dizendo qual deve ser nosso futuro são as grandes multinacionais e os grandes lotes empresariais. Todos os governos estão presentes em todas as grandes negociações internacionais. Hoje, para não se buscar mais longe, aqui no Brasil vemos claramente o poder dos grandes grupos empresariais.

Eles que dizem para onde deve ir o consumo e a produção de energia, o que devemos produzir no campo e como devemos produzir. Não imaginemos que sejam só produtores rurais na bancada ruralista no Congresso, é todo um grupo do agronegócio e grandes multinacionais que estão por trás disso também. Isto é uma incoerência e uma catástrofe.

IHU On-Line – Quais seriam as bases de um projeto de esquerda radicalmente transformador frente à crise de civilização?

Jean Pierre Leroy
– Frente à crise política que conhecemos aqui no Brasil, vemos como é complexa e como está nos fazendo falta, de fato, uma esquerda. Um campo político que tenta segurar as pontas e, ao mesmo tempo, tenha um projeto ético de igualdade, que parte das bases da sociedade, e com projeto que resgate essa convivência com a natureza e a possibilidade da humanidade de amanhã continuar conectada com ela e poder continuar vivendo nela e dela. O que há provavelmente, e talvez mais do que investir em espaços formais de poder no plano local, nacional, regional e mundial, é costurar, aos poucos, espaços em que setores da base da sociedade tentem viver de outra maneira e tentem conectar estas questões econômica, ecológica, da igualdade e da justiça, conjuntamente num projeto de vida.

Hoje existem tantas coisas fantásticas que se fazem, mas a necessidade que haveria é de costurar aos poucos isso, mostrando que, no fundo, todas as iniciativas de setores da sociedade e movimentos sociais de pequenos grupos, poderiam ser interpretadas como a busca de um outro modo de viver e de se relacionar com os outros e com o mundo.

IHU On-Line – É possível identificar movimentos sociais que interpretam corretamente a natureza da essência da crise civilizacional e trazem consigo o gérmen de outra sociedade? Quem são esses movimentos?

Jean Pierre Leroy
– Hoje eu diria que nenhum movimento por si lançou algo que traga isso. Acho que isto é um problema, inclusive. A Via Campesina coloca questões fundamentais. Primeiro por que resgata a percepção de que, lá na base da sociedade, existem setores ainda excluídos e marginalizados, que devem ser considerados, e que tem direito à igualdade e dignidade. Também resgata a percepção que existem classes sociais, e que ainda existem setores sociais que querem eliminar outros. E, ao mesmo tempo, dentro deste movimento há muita gente que também tem a clareza de que deve reatar esse laço com a natureza e que tem um papel pela agricultura camponesa, pela produção de água e cuidar da biodiversidade.

Esses movimentos, com todas as suas ramificações são muito interessantes, mas também enfrentam a questão do machismo com os movimentos de mulheres. Do outro lado eu, pessoalmente, não acho que sozinhos podemos dizer “aqui está o nosso futuro” ou “este movimento é o exemplo acabado”. Não vejo nenhum movimento sozinho capaz de dizer “eu o represento”. É buscar dentro de novas formas, não digo de organização mas de conexão a novas redes, que juntas dizem “estamos cada um com nossas diferenças, mas avançando na mesma direção”. Hoje tem muita gente na universidade, indivíduos que individualmente não são nada, mas coletivamente, cada um no seu lugar, trabalham para um novo movimento, para novas ideias. As escolas que tentam dar outra direção ao ensino, isto em uma ou duas escolas, não é movimento pois é pequeno e isolado, mas temos que ver e tentar pensar que é de um conjunto ainda muito pulverizado, mas que pode surgir alguma coisa. Internacionalmente é a mesma coisa. Hoje, talvez a Via Campesina seja o exemplo maior de movimento que ainda consegue congregar. Hoje tem movimentos indígenas, como o movimento que está partindo dos Andes e da Bolívia pelo bem viver. Politicamente não tem um peso no Brasil, o peso dele é quase nulo, mas ao mesmo tempo eles colocam questões superimportantes que vão na mesma linha da Via Campesina ou de um pequeno movimento urbano que perceba que não dá para ir como a gente está indo. Acho que mais do que apontar um só movimento, vamos buscar se conectar com outros que já avançam, mas que estes movimentos tenham também a percepção que “uma andorinha só não faz a primavera”.