quarta-feira, 30 de abril de 2014

Como desmonopolizar a Internet


Entrevista com Robert McChestey

 
“Abandonadas ao seu curso atual e impulsionadas pelas necessidades do capital, as tecnologias digitais podem enveredar por caminhos que são terrivelmente adversos à liberdade, à democracia, e qualquer coisa remotamente vinculada ao bom viver. Por isso, as batalhas em torno da internet são de fundamental importância para todos aqueles que buscam construir uma sociedade melhor”, escreve o pesquisador Robert McChestey na conclusão do seu livro sobre a desconexão digital: como o capitalismo está agindo para que a internet se volte contra a democracia. Como professor da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, o trabalho de McChesney abarca a história e a economia política da comunicação. É também co-fundador da Free Press, organização estadunidense pela reforma midiática. Na entrevista a seguir com a Alai, sintetiza os argumentos do seu livro, com ênfase na tendência da economia da internet à promoção de monopólios.
A entrevista é de Sally Burch e publicada no sítio da Alainet, 15-04-2014. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Como você caracteriza a evolução da internet nas últimas duas décadas?
Em síntese, a internet começou como uma função do setor público. Iniciou com subsídios do governo e não era comercial, era inclusive anti-comercial no seu começo. A visão com que surgiu sempre foi como um setor sem fins lucrativos, igualitário, onde as pessoas pudessem reunir-se e compartilhar. Mas o processo a partir do começo dos anos 1990, especialmente depois da invenção da rede mundial (world wide web), viu-se, de um lado, marcada por intensa comercialização; e, por outro, de um agressivo interesse das agências militares, de segurança nacional, de inteligência e da polícia pela importância da internet. Estas duas forças realmente fizeram das suas com a internet nos últimos 20 anos de maneira que muito poucas pessoas, não faz muito tempo, aí por 1993 ou 1995, achavam possível.
Em nível global, quais foram as principais implicações desta evolução?
Uma das grandes pretensões em relação à internet foi que estimularia a eficiência econômica, o crescimento, a competição; que abriria a economia a novos jogadores, especialmente para que pequenas empresas e novos empreendedores pudessem entrar no jogo e competir com as empresas maiores, já arraigadas, porque a internet lhes permitiria circundar as barreiras de entrada que as mantinham afastadas dos consumidores e dos mercados. Também foi visto como um lugar de empoderamento dos consumidores, que teriam mais possibilidades de escolha e mais opções através da internet para obter preços mais baixos e serviços melhores.
Infelizmente, quase nada disto se tornou realidade de maneira significativa, e uma das grandes ironias da internet é que se converteu no maior gerador de monopólio econômico que se conheceu, em qualquer sistema econômico, máxime sob o capitalismo. Em vez de produzir mercados competitivos e uma grande quantidade de empresários de sucesso, a internet fez todo o contrário, e isso devido à economia da rede, que basicamente é uma economia do “tudo para o ganhador’. Uma vez que alguém alcança o primeiro lugar, cria-se um tremendo incentivo para que todo o mundo possa usar esse serviço, como os buscadores, por exemplo, o eBay ou o YouTube. Utiliza-se o mesmo buscador porque se quer estar na mesma rede em que todo o mundo já está, e com isso se obtém o que se chama de “monopólio natural”, devido aos efeitos da rede.
Quando nos fixamos na internet, está cheia desses monopólios, não existe uma “classe média” de 20 ou 30 empresas que competem em uma determinada área. De modo geral, há uma empresa que domina, com talvez uma ou duas mais que têm uma fatia do mercado. E isto acentuou e agravou o problema da monopolização no capitalismo moderno, que é, evidentemente, um dos grandes problemas da economia mundial.
Pois bem, isto é especialmente verdadeiro fora dos Estados Unidos, porque – e talvez não seja por acaso – os monopólios que dominam a internet em nível mundial estão baseados nos Estados UnidosGoogleMicrosoft,AppleAmazoneBayFacebook, são empresas com sede nos Estados Unidos. Estas empresas têm um poder desproporcional fora dos Estados Unidos, e penso que para quem vive fora dos Estados Unidos, seu domínio é de particular preocupação.
E como esta dinâmica da internet repercute no plano da democracia?
A democracia tem uma série de componentes, e uma das grandes asseverações sobre a internet era que favoreceria que as pessoas comuns, pessoas sem propriedade, pudessem participar da política de uma maneira nunca antes pensada. Que se pudesse ter acesso a toda informação que antes estava disponível só para as elites. Que se pudesse comunicar a baixo custo com pessoas de ideias afins e estabelecer redes que seriam muito fortes, que sacudiriam esse poder e o obrigariam, ou a deixar o poder ou a responder às aspirações democráticas do povo. E de fato há algo disso, sejamos claros: são muitos os aspectos positivos da internet para aumentar o poder dos de baixo diante das hierarquias. Mas, quando se fizeram essas asseverações, se esquecia que os de cima também possuíam computadores. Na verdade, fazem os computadores, são donos das redes e eles também sabem o que estão fazendo, e o estão fazendo para ganhar, não estão jogando com as regras do jogo. O que fazem é neutralizar a ameaça de que a internet se torne uma força democrática que possa deter ou desafiar o poder da elite.
Pois bem, uma das áreas cruciais onde isto acontece – sobre o qual estudo e escrevo muito – é a grande crise do jornalismo em todo o mundo e nos Estados Unidos. À medida que se avança no âmbito digital, não há maneira de sustentar o jornalismo satisfatoriamente, contar com jornalistas suficientes para seguir o passo das pessoas no poder e ver como agem.
[...]
Voltando à questão dos monopólios... em uma economia globalizada, necessitam-se de acordos políticos e instituições mundiais para estabelecer as regras, controles e corretivos necessários para o seu funcionamento, em defesa do interesse público (como têm a maioria dos Estados-nação para restringir os monopólios em âmbito nacional). Mas cada vez mais, as mesmas corporações globais que eles deveriam controlar acabam subordinando estes espaços internacionais. No que diz respeito à internet, quais são os principais desafios a assumir em termos de governança global?
A pergunta é tão boa que contém parte da resposta, já que é crucial contar com acordos globais para o comércio, a economia e a governabilidade, especialmente para a internet. Infelizmente, devido a que há tanto dinheiro investido agora na internet, estes acordos de governança estão dominados por enormes empresas monopólicas, que são tão ricas e tão poderosas que podem dispor que o governo dos Estados Unidos seja sua força policial privada. A função global atual do governo dos Estados Unidos é proteger os interesses destes monopólios privados. Nunca faz nada contra os seus interesses. Isto significa que a possibilidade para os estados nacionais na EuropaAmérica Latina,África ou Ásia de reverter estas pressões, para criar seu próprio âmbito digital autônomo, é bastante difícil, já que implicaria em enfrentar praticamente toda a estrutura econômica mundial.
Você participou de algumas das grandes batalhas que se travaram nos Estados Unidos em torno da liberdade, dos direitos, da democracia e da internet. Quais são, atualmente, os temas centrais?
Na minha opinião, os grandes temas nos Estados Unidos, e creio que em diversos graus em todo o mundo, são três. Em primeiro lugar, a questão de conseguir financiamento a sério para instituições midiáticas sem fins lucrativos, independentes e não comerciais, sem censura e competitivas, no plano local e nacional. Com alguns colegas estamos trabalhando a ideia de criar um bônus de 200 dólares de fundos federais que qualquer pessoa disporia para entregar a um meio de comunicação da sua escolha. Desta maneira, se teria um enorme subsídio para os meios de comunicação sem fins lucrativos, mas não seria o governo que controlaria quem recebe o dinheiro, mas as pessoas.
A segunda grande problemática neste país é que o controle sobre o acesso à internet e aos telefones celulares limita-se a apenas três empresas: ComcastVerizon e AT&T. Há algumas outras empresas em cena, como Sprint e T-Mobile, mas as três grandes estabelecem os termos e as demais seguem. Dividiram o mercado como um cartel e não competem entre si; cobram altos preços e os estadunidenses pagam uma quantidade incrível de dinheiro para a telefonia celular e o acesso à internet, em troca de um serviço muito medíocre. É realmente indignante. Necessitamos de uma campanha nos Estados Unidos – ou inclusive internacionalmente – para retirar a prestação de serviços da internet das mãos dos monopólios privados, e estabelecer algo parecido com os correios. O acesso à internet deveria ser um direito humano; o governo deveria administrá-lo, o que permitiria que os custos caíssem. Será uma briga difícil, porque estas empresas agem como grupos de pressão de classe mundial, têm os políticos no seu bolso, mas sua existência é totalmente ilegítima. Não criam nada de valor, salvo para nos calotear e obter lucros super-monopólicos para oferecer um péssimo serviço.
O terceiro ponto – e isto nos leva novamente à questão dos monopólios naturais – é que no final das contas há três opções em uma sociedade democrática para fazer frente aos monopólios. Agora, a forma como os economistas utilizam o termo monopólio significa basicamente uma empresa que controla uma parte muito grande do mercado de tal modo que pode fixar os preços em toda a indústria e também determinar quanta competição tem pela frente. Se quisesse apagar todos os outros para ter 100% do mercado, provavelmente poderia fazê-lo, mas isso menosprezaria seus lucros, pelo que se contenta com uma porcentagem menor do mercado e assim menos pessoas ficam à margem, mas consegue o benefício máximo que a indústria permite. Esse é o tipo de domínio monopólico que estamos vendo. John D. Rockefeller, no auge do seu monopólio com a Standart Oil, não contava com 100% do mercado do petróleo nos Estados Unidos; creio que sua porcentagem máxima chegou a pouco mais de 80%, mas encontrava-se em uma situação na qual, se quisesse, tinha o poder de baixar o preço para tirar os outros do negócio. Simplesmente, não era o seu interesse fazê-lo. O GoogleAppleAmazonFacebookeBay e PayPal são todos monopólios do estilo da Standard Oil e, por regra geral, a única competição que enfrentam em seus mercados monopólicos medulares provém dos outros monopólios. Assim que se o Google tem um buscador de sucesso, então evidentemente, a Microsoft terá outro para competir. Já não há empresas independentes capazes de competir com eles, já que todas elas são absorvidas.
Então, o que vamos fazer em relação a estes monopólios que são completamente contraditórios com a teoria democrática? Esta não é sequer uma noção progressista. Milton Friedman – o economista conservador de direita, cujo legado na América Latina, graças a Pinochet, é bastante obscuro – foi o primeiro a argumentar que a defesa do capitalismo em uma sociedade democrática é que as pessoas que administram a economia deixem de administrar o governo. O poder era difuso e isso permitia que a liberdade prosperasse, ao contrário do feudalismo ou do comunismo existente nessas épocas, onde as pessoas que administravam o governo também administravam a economia. A chave do argumento de Friedman era que o mercado econômico tinha que ser competitivo. Se fosse dominado por algumas poucos empresas gigantes, essas empresas, invariável e inevitavelmente, desmoronariam como um castelo de cartas. É por isso que, na teoria democrática, tanto da direita como da esquerda, o poder econômico monopólico sempre representou uma crise.
Neste contexto, há três opções sobre o que uma sociedade pode fazer. A primeira é manter o poder do monopólio privado, para depois tentar regulá-lo em função do interesse público. Nos Estados Unidos fizemos isso durante muito tempo com a companhia telefônica AT&T e ainda procuramos fazê-lo um pouco com as nossas empresas de cabo e de telefonia. Mas a evidência demonstra que não funciona. Estas empresas são muito grandes, capturam os reguladores, são donos do governo e a regulação resulta em grande medida ineficaz; segue-se tendo um monopólio que trapaceia o cliente e os monopolistas administram o governo. Realmente, não é uma boa solução.
A segunda solução é dividir o monopólio em unidades menores, que realmente compitam. Assim, em vez de ter uma só empresa petroleira, como a Standard Oil, se poderia dividi-la em 5, 10 ou 15 que competiriam entre si, com os benefícios da competição no mercado e sem ter os inconvenientes do controle monopólico do governo. Infelizmente, no caso da internet, isso não é possível; por causa dos efeitos da rede, convertem-se muito rapidamente em monopólios, porque essa é a lógica da tecnologia. Não há maneira de ter buscadores que compitam, porque as pessoas se inclinarão para o melhor, e todos os outros sairão do mercado.
Assim que com os monopólios naturais, só resta um caminho possível, e de fato foi o próprio mentor de Milton FriedmanHenry C. Simons, quem o disse. Ele observou que, inclusive no capitalismo de livre mercado, é necessário socializar e nacionalizar as empresas monopólicas, porque do contrário vão roubar os lucros das empresas menores e cobrar preços mais altos delas e dos consumidores, e corromperão a operação eficiente da economia de mercado, só para benefício próprio. De modo que, inclusive aqueles que verdadeiramente desejam e respeitam a economia de mercado deveriam apoiar a socialização destes grandes monopólios que não podem funcionar com a competição.
Isso poderia conduzir à nacionalização ou socialização do Google ou da Microsoft?
Bom, esse é o debate que temos que fazer, em última instância. Podemos começar agora, ou podemos esperar 20 anos para falar disso, mas no final das contas vamos ter que fazer algo nesse sentido. Se nos fixamos nas 30 empresas de maior valor de mercado nos Estados Unidos hoje, 12 delas são monopólios da internet; as que eu acabo de mencionar e mais algumas. Elas dominam totalmente a economia política dos Estados Unidos (quando não a economia política mundial), constituem a força vital, tal como é, do capitalismo atual. Este tipo de poder econômico se traduz em um controle total sobre o governo. Nos Estados Unidos, sempre falamos dos bancos muito-grandes-para-quebrar, os que receberam o enorme resgate. Como disse o senador Dick Durbin, de Illinois, são francamente os donos do governo. São os donos do Congresso, sempre conseguem o que querem. Bem, há apenas dois ou três desses bancos entre as 30 maiores empresas dos Estados Unidos, mas há 12 monopólios de internet. De modo que se queremos seriamente fazer frente ao poder monopólico como uma ameaça tanto para a economia como para a democracia política, se seriamente queremos revitalizar a democracia, então mesmo se alguém é defensor do livre mercado, cedo ou tarde vai ter que abordar este problema dos monopólios, e eu diria que quanto antes começarmos esse debate, melhor.
No caso dos monopólios mundiais, significaria considerar a possibilidade de criar empresas públicas globais?
Estas são perguntas muito interessantes, e creio que nos Estados Unidos falta entrar muito mais em debates como esse. Como nossos mercados são muito grandes e as empresas têm sua sede aqui, nós apenas pensamos em soluções nacionais, como se fosse suficiente. No entanto, tão logo se cruza a fronteira para qualquer outro país, seguramente o debate tem que mudar, porque então as soluções puramente nacionais têm limites reais para esses países, inclusive em teoria, e as soluções puramente nacionais ou regionais tornam-se muito mais importantes. Mas, neste ponto da discussão, converto-me em estudante, já não em professor.
Voltando ao nosso ponto de partida, a evolução da internet: entre a utopia digital ou o pesadelo do Grande Irmão, qual é o saldo atual?
Está se deslocando para o pesadelo do Grande Irmão. Sei que são palavras pesadas, pejorativas e qualquer um poderia descartar o que estou dizendo com ‘este cara é um louco’. (Vale dizer, não eram os termos que eu escolhi – que isto fique claro – mas, ao mesmo tempo, eu não vou fugir deles.) Uma das coisas que encontrei quando estava fazendo a pesquisa para o meu livro Desconexão Digital, que não apreciei em sua plena dimensão há apenas dois ou três anos, foi em que grau tudo o que fazemos on-line é conhecido por interesses comerciais e governamentais. Você deve partir da suposição de que tudo o que faz é gravado, se escuta, é monitorado e está disponível para alguém, em algum lugar, de alguma maneira. Assustou-me quando fiz a pesquisa, mas assim que o livro saiu, vieram à tona as revelações de Snowden sobre a NSA e isso despertou a consciência mais generalizada sobre todo este processo.
Mas acabo de levar um novo susto. O ex-chefe do programa de vigilância da NSA renunciou há pouco tempo, e ele deu algumas entrevistas nas quais disse que a NSA tem acesso a tudo e pode realizar um seguimento de todas as pessoas, em todas as partes do mundo. Realmente, têm esse poder e o estão utilizando. Então, o que fazem agora quando querem prender alguém? É muito mais fácil, podem armar um caso contra alguém (e parece que sempre podem encontrar alguma lei que alguém infringiu, em algum lugar) e apresentar essa informação, recopilada de maneira ilegal, à polícia e dizer: juntem toda a informação que podem obter, para assim contar com um caso documentado legalmente. Com isso, podem prender essa pessoa, caso queiram; têm essa capacidade. Como disse o ex-chefe, esta é a definição de um Estado policial. Mas, embora não o façam, essa ameaça, a noção mesma de que essa possibilidade está presente como pano de fundo, cria exatamente o mundo orwelliano no qual não creio que alguém queira viver.


quarta-feira, 23 de abril de 2014

Internet patrocinada: o começo do fim


"Em breve, ricos e pobres terão acesso à internet – o que é um belo slogan de campanha – resta saber a qual internet. O apartheid digital, antes disfarçado pelas promessas de democratização, é o começo do fim". O comentário é de Pedro Ekman, coordenador do Intervozes em artigo publicado por CartaCapital, 24-03-2014.


Eis o artigo.


Na semana passada, um pequeno fato foi noticiado pela imprensa especializada em tecnologia. Pela primeira vez no Brasil, uma empresa vai pagar para que um usuário acesse determinado conteúdo. O Bradesco fechou um acordo com as operadoras de telecomunicações para que seus clientes possam usar o internet banking (no browser ou aplicativos) sem que o volume de dados consumido nas operações seja descontados dos pacotes de dados. Parece lindo, né? Mas o preço que se paga é o fim da internet como conhecemos hoje, aberta e plural.
Em janeiro, a AT&T já havia anunciado que passaria a trabalhar com esse modelo de negócio, o chamado acesso patrocinado. A partir daí, começou uma grande discussão sobre a possibilidade de a liberação de um conteúdo ser entendida como quebra de neutralidade da rede. A discussão se deu publicamente, mas apenas em sites especializados. A TheVerve, por exemplo, foi assertiva: disse que agora começa a era do controle das operadoras sobre a internet. O argumento faz algum sentido.
Vamos voltar no tempo, quando, em 2005, o YouTube foi criado por três pioneiros do PayPal. Nessa mesma época, aGoogle havia criado seu próprio serviço de vídeo. Na competição pelos usuários, venceu o YouTube, a invenção do ano, vendida para o Google em 2006. Agora, vamos imaginar que o acesso patrocinado já existisse. Daí então, oGoogle, com maior poder econômico, poderia pagar para que os usuários acessassem seu serviço e ganharia apenas com os anúncios.
Neste cenário, a competição não se daria nos parâmetros “o que fizer maior sucesso com o consumidor”, mas sim de acordo com o maior poder econômico: Pay to play, como os americanos estão chamando. O mesmo pode ocorrer agora se e quando surgir uma nova rede social para concorrer com o Facebook. Ela terá que desbancar uma aplicação que permite o acesso sem desconto no pacote, já que, no Brasil, a Claro, a Oi e o Facebook mantêm um acordo de 'acesso patrocinado'.
O acesso patrocinado basicamente cria uma nova barreira ao acesso à internet como meio de veiculação. O capitalismo informacional derrubou um conjunto de barreiras à replicação dos produtos, mas, para proteger os investimentos, esse processo pode estar sendo revertido e as barreiras de entrada reerguidas, conforme tem apontado análises do professor da Escola de Comunicação da UFRJ Dr. Marcos Dantas. Isso significa que o nível de inovação tende a cair, pois os empreendedores não precisarão apenas criar um aplicativo que valha a pena e que possa se tornar popular, precisarão garantir que uma concorrente de peso e que possa patrocinar o acesso não o faça.
Obviamente, dizer que a nova forma que as teles arrumaram de ganhar dinheiro, sugando um pouco as empresas que estão bem da vida como o Facebook, o Google e outras, não é algo que vai lhe trazer a simpatia das poderosas corporações. Mas esse debate pode ser ainda mais importante de ser travado por aqui. Este é um país onde ainda apenas 40% da população tem internet em casa. 20% desses acessos é feito via modem, conforme pesquisa do IPEA Sistema de Indicadores de Percepção Social dos Serviços de Telecomunicações 2014, um serviço tradicionalmente vendido com limitação de franquia de dados. Ainda, 38% dos domicílios brasileiros têm, ao menos, uma pessoa que acessa a internet pelo celular, serviço que também conta com limite de franquia. Ou seja, há muito mais apelo ao modelo de acesso patrocinado e muita gente pode passar a acessar apenas a internet sob o controle das corporações.
Por hora, apenas o Bradesco avançou neste sentido. Para as instituições financeiras, esse tipo de contrato com as teles faz sentido porque reduz custos com call center, agências e etc, uma vez que mais gente pode fazer as transações online sem apoio de um funcionário. Ou seja, compensa financeiramente. Mas as próprias operadoras já veem o modelo sendo replicado em outras áreas: lojas de e-commerce já se interessaram, por exemplo. Há rumores de que o Netflix negociaria um acordo com as operadoras para que ofereçam os streamings de vídeo com melhor qualidade.
A prática pode chegar até a imprensa. Um dos profissionais de uma grande operadora, que negociou o acordo com oBradesco, afirma que vê muito potencial em um modelo de venda de assinatura de conteúdo já atrelado ao acesso. Na prática, seria a Folha de S. Paulo ou as Organizações Globo pagarem às teles para que os assinantes não precisem ter pacotes de dados. Há aí o potencial para a nova verticalização do modelo de negócio do jornalismo, que desde o surgimento da internet viu a concorrência com blogs e conteúdos independentes crescer rapidamente. O que a internet fez foi diminuir a barreira de entrada (não precisava mais de prensa, ou de sistema de complexos e caros sistemas de distribuição para divulgar um texto). Agora, isso pode mudar.
Para as teles, é o sonho realizado. Há anos elas reclamam que todo o lucro da internet ficava com as empresas que trabalham na camada de aplicações e que estava cada vez mais difícil continuar investindo na infraestrutura. Na verdade, muitas avançaram para a camada de conteúdo e tentam a sorte com o lançamento de redes sociais, serviços de mensagem instantânea Over-The-Top e até sistemas de segurança. Agora, os ânimos apaziguaram e empresas que atuam na camada de conteúdo e operadoras começam a se olhar com menos desconfiança. Todo mundo vai poder ficar com uma parte desse bolo de dinheiro criado com a internet.
Resta saber o que acontece com a diversidade de informação, com a inovação e o empreendedorismo. Alguns dizem que a porta está se fechando. Os Estados Unidos criaram as suas megacorporações da internet. A Europa conta com as remessas de lucros das teles, que dependem muito dos negócios na América Latina. Mas o governo brasileiro, assim como boa parte dos países da região, engatinha em uma política de estímulo ao desenvolvimento de aplicativos e de empresas de tecnologia. Em breve, ricos e pobres terão acesso à internet – o que é um belo slogan de campanha – resta saber a qual internet. O apartheid digital, antes disfarçado pelas promessas de democratização, é o começo do fim.
e não deixe ser enganado ou ludibriado por falsas promessas e discursos vazios que não refletem a pratica de quem fala.