quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

As estruturas antropológicas do ciberspaço




Fonte: www.futuro.eng.br/CIBER.html

Por Andre Lemos.
E-mail: lemos@svn.com.br

« Le cyberspace. Une hallucination consensuelle vécue quotidiennement en toute légalité par des dizaines de millions d’opérateurs dans tous les pays, par des gosses auxquels on enseigne les concepts mathématiques... Une représentation graphique de données extraites des mémoires de tous les ordinateurs du système humain. Une complexité impensable. Des traits de lumières disposés dans le non-espace de l’esprit, des amas et des constellations de données. Comme les lumières de villes, dans le lointain... » (1) W. Gibson


O termo ciberespaço aparece quotidianamente na imprensa e nas discussões sobre as novas tecnologias de informação. Entretanto, nada é mais difícil de definir ou simplesmente compreender. Temos uma idéia do ciberespaço como o conjunto de redes de telecomunicações criadas com o processo digital das informações. John Perry Barlow (um dos fundadores da "Electronic Frontier Foundation"), por exemplo, define o ciberespaço como o lugar em que nos encontramos quando falamos ao telefone. Se essa definição nos dá uma imagem do que venha a ser o ciberespaço, ela não ajuda a compreendermos todas as suas facetas. Como a fronteira pela qual a sociedade redefine noções de espaço e de tempo, de natural e de artificial, de real e de virtual, o ciberespaço é uma das grandes questões do século que se aproxima. Daí a urgência em compreender suas estruturas internas.


Nesse artigo tentaremos abordar teorias que podem ser aplicadas ao ciberespaço para mostrar que este se encontra preso em estruturas arcaicas, imaginárias e simbólicas, de toda vida em sociedade. Visamos assim, esclarecer um pouco o conceito de ciberespaço sob a luz do hermetismo, da gnose, dos ritos de passagem, do tempo real, do espaço imaginário e da metáfora evolucionista e organicista da "Noosfera", do "Cybionte", da "Inteligência Coletiva" e dos "Rizomas". O ciberespaço seria assim um espaço mágico, uma rede de inteligências coletivas. Ele não aceita a idéia de árvore, como centralização de sua evolução, sendo um rizoma que vai se comportar como uma entidade complexa (um "Cybionte"), auto-organizante e quase orgânico.


Breve descrição do ciberespaço


O termo "cyberspace" foi inventado pelo escritor "cyberpunk" de ficção científica William Gibson no seu monumental "Neuromancer" de 1984 (2). Para Gibson, o ciberespaço é um espaço não físico ou territorial, que se compõe de um conjunto de redes de computadores através das quais todas as informações (sob as suas mais diversas formas) circulam. O ciberespaço gibsoniano é uma "alucinação consensual" onde podemos nos conectar através de "chips" implantados no cérebro. A Matrix (3), como chama Gibson, é a mãe, o útero da civilização pós-industrial onde os "cybernautas" vão penetrar (4). Ela será povoada pelas mais diversas tribos, onde os "cowboys" do ciberespaço circulam em busca de informações vitais para suas empresas ou suas vidas. A Matrix de Gibson, como toda a sua obra, faz uma caricatura do real, do quotidiano.
Embora ainda estejamos longe da "ligação" neuronal direta com o ciberespaço, esse é em crescimento geométrico. Só para termos uma idéia, a parte dita multimídia da Internet, o "world wide web" (WWW ou Web) vê nascer uma "home page" nova a cada quatro segundos. A rede de redes chamada Internet está em via de se tornar para os anos 90, aquilo que foi o rock para os anos 60: um fenômeno de massa. Toda a economia, a cultura, o saber, a política do século XXI, vão passar por um processo de negociação, distorção, apropriação dessa nova dimensão espaço-temporal que é o ciberespaço.


Hoje entendemos o ciberespaço à luz de duas perspectivas: como o lugar onde estamos quando entramos num ambiente virtual (realidade virtual), e como o conjunto de redes de computadores, interligadas ou não, em todo o planeta (BBS, videotextos, Internet...). Estamos caminhando para uma interligação total dessas duas concepções do ciberespaço, pois as redes vão se interligar entre si e, ao mesmo tempo, permitir a interação por mundos virtuais em três dimensões. O ciberespaço é assim uma entidade real, parte vital da cybercultura planetária que está crescendo sob os nossos olhos.


Mesmo sem ser uma entidade física concreta, pois ele é um espaço imaginário, o ciberespaço constitui-se em um espaço intermediário. Ele não é desconectado da realidade mas, ao contrário, parte fundamental da cultura contemporânea. O ciberespaço é assim um complexificador do real. Como afirma Kellogg (5), ele aumenta a realidade já que ele supre nosso espaço físico em três dimensões de uma nova camada eletrônica. No lugar de um espaço fechado, desligado do mundo real, o ciberespaço colabora para a criação de uma "realidade aumentada". Ele "faz da realidade um ciberespaço".


O ciberespaço é concebido como um espaço transnacional, onde o corpo é suspenso pela abolição do espaço e pelas "personas" que entram em jogo nos mais diversos meios de sociabilização como os BBS, os MUDs, ou o Minitel francês (6). Assim sendo, o ciberespaço é um "não-lugar", uma "u-topia" onde devemos repensar a significação sensorial de nossa civilização baseada em informações digitais, coletivas e imediatas.


O ciberespaço é um enorme hypertexto (Ted Nelson) planetário (7). Um hypertexto é um texto aberto à múltiplas conexões a outros hypertextos. Com os hypertextos, é a figura do leitor que se vê substituída pela do "netsurfista". Esse não é mais um simples leitor, mas um ator, um autor e um agente de interação com as interfaces do ciberespaço (Laurel)(8). O ciberespaço é assim um conjunto de hypertextos interligados entre si onde podemos adicionar, retirar e modificar partes desse texto vivo.


Entretanto, a idéia de hypertexto não é exclusividade do ciberespaço. Na leitura clássica (livros e textos impressos), o texto e o leitor se engajam num processo também hypermediático, pois a leitura é feita de interconexões à memória do leitor, às referências do texto, aos índices e ao índex que remetem o leitor para fora da linearidade do texto. Assim, todo texto escrito é um hypertexto onde o motor da interatividade se situa entre a memória subjetiva do leitor e a interatividade em relação ao objeto livro. Toda leitura exige um estado de atenção, de lapsos e de correlações similares ao surfar no Web.


No entanto, a diferença entre um "hypertexto livro" e um "hypertexto ciberespaço" se situa no fato de que, no ciberespaço, a conexão é em tempo real, imediata, "live". Ela nos permite passar de uma referência à outra, sendo a conexão imediatamente disponível. Essa conexão em relação ao livro obriga a vinculação também do corpo, além da memória e da subjetividade. O leitor deve buscar a referência, procurar numa biblioteca, subir nas estantes e achar a correlação procurada, saindo fisicamente de perto do livro em questão para interagir com um outro.


No ciberespaço isso não acontece pois passamos de referências à referências, de servidor à servidor, de país em país com um simples "click" do "mouse", sem saber onde começa e onde termina o processo. Como afirmava McLuhan, Gutenberg nos fez leitores, a máquina Xerox nos fez editores e a eletrônica e os computadores em rede nos faz autores. Nesse hypertexto planetário que é o ciberespaço, "everyone is an author, which means that no one is an author: the distinction upon which it rest, the author distinct from the reader disappears" (9).


Os novos meios de comunicação que coletam, manipulam, estocam, simulam e transmitem os fluxos de informação criam assim uma nova camada que vem se sobrepor aos fluxos materiais que estamos acostumados a receber. O ciberespaço é um espaço sem dimensões, um universo de informações navegável de forma instantânea e reversível. Ele é dessa forma um espaço mágico; já que caracterizado pela ubiqüidade, pelo tempo real e pelo espaço não físico. Todos esses elementos são característicos da magia como manipulação do mundo.


Depois da modernidade que controlou, manipulou e organizou o espaço físico, nos vemos diante de um processo de desmaterialização pós-moderna do mundo. O ciberespaço faz parte do processo de desmaterialização do espaço e de instantaneidade temporal contemporâneos, após dois séculos de industrialização moderna que insistiu na dominação física de energia e de matérias, e na compartimentalização do tempo. Se na modernidade o tempo era uma forma de esculpir o espaço, com a cybercultura contemporânea nós assistimos à um processo onde o tempo real vai aos poucos exterminando o espaço.


O ciberespaço é assim um operador meta-social (Benedikt), um espaço pós-tribal, uma arena cultural criativa (10). Assim, o ciberespaço é uma geografia metal comum (Benedikt), um universo de pura informação. Ele é a incarnação tecnológica do velho sonho de criação de um mundo paralelo, de uma memória coletiva, do imaginário, dos mitos e símbolos que perseguem o homem. Nos tempos imemoriais, a potência do imaginário era veiculada pelas narrações míticas, pelos ritos. Eles agiam como um verdadeiro mídia entre os homens e os seus universos simbólicos.


Hoje o ciberespaço funciona um pouco dessa forma. Ele coloca em relação, ele incita a abolição do espaço e do tempo, ele é lugar de um culto secular digital. O ciberespaço se constitui assim como um tipo de "espaço imaginal" (Corbin), onde as novas tecnologias mostram todo o potencial de compartilhamento e de "reliance" (11)(Bolle de Bal). A racionalidade tecnológica, herdeira da modernidade, anda lado a lado com o simbólico, o mítico e o religioso. Essa mistura vai marcar toda a cybercultura nascente. O ciberespaço é, em conseqüência, uma casa da imaginação, o lugar onde se encontram racionalidade tecnológica, vitalismo social e pensamento mágico. Não é à toa que Virilio (12) clama por um conhecimento mágico para compreender a tecnologia contemporânea.


Hermetismo e Gnosticismo nas Redes Eletrônicas


O termo hermetismo é empregado para descrever a literatura hermética, atribuída ao deus grego Hermes. Essa literatura se caracteriza pela busca de conhecimentos secretos (gnósticos). Hermes é o deus da comunicação, o mensageiro, aquele que viabiliza as trocas de informações, como o Exú do candomblé afro-brasileiro. O ciberespaço é, como o espaço sagrado de movimentação de conhecimentos e de informações, um espaço de encruzilhadas. Ele é uma casa para as "comunidades de almas" (13). Assim sendo, nós podemos traçar paralelos entre o ciberespaço e a arte hermética da memória, a criptografia demoníaca e a cosmologia gnóstica (14).

O hermetismo é, desde o começo, uma técnica mágica de armazenamento e de tratamento de informações. O pensamento mágico é imerso num mundo de informações das mais diversas (nomes rituais, códigos secretos, correspondências astrológicas, signos, imagens) onde o sucesso da busca se realiza na manipulação dessas informações. O conhecimento hermético visa organizar este vasto saber através de uma arte da memória (Frances Yates) que consiste na criação de espaços imaginários, como uma vasta edificação. Essa arte da memória, ou mnemônica, se aproxima da idéia do poeta grego Simonide de Céos (556-469 aC) que pensava a memória como uma casa onde depositaríamos "souvenirs" em cada peça da casa. A recuperação dessas informações se dava por um percurso imaginário na casa imaginária. Podemos pensar a memória como uma arte de percorrer um "espaço imaginário".


A manipulação mágica das informações no hermetismo e no gnosticismo encontra um paralelo com as manipulações de dados nas redes de computadores e nos sistemas de realidade virtual, pois como um espaço hermético, o ciberespaço é um espaço da memória, um espaço imaginário povoado de imagens, de encruzilhadas, um "inner space" (Santo Agostinho)..


A arte medieval da memória, baseada na alegoria, que o poeta catalão Lull chamava de "Arbor Scientae", se estrutura enquanto un conjunto de conhecimentos agrupados em florestas de árvores, sendo a imagem das árvores uma metáfora para o crescimento da natureza e do saber. Da mesma forma, a metáfora da teia (o WEB) que liga todas as informações disponíveis no planeta, serve hoje como imagem para o ciberespaço. As interfaces gráficas são também metáforas e alegorias para a busca de informações. Manipular os ícones revela a essência da manipulação mágica. Dessa forma, a manipulação mágica do mundo, como a manipulação de dados no ciberespaço, se situam na mesma dinâmica.


As imagens, os totens e os ícones, mais que simples representações, são simulações do mundo: eles funcionam "como se". Da mesma forma que no "voudou" a manipulação da boneca é a manipulação do alvo, na metáfora do "desktop", os ícones simulam objetos reais (como arquivos, pastas, lixeiras, etc.), permitindo a manipulação virtual desses objetos. Assim como as alegorias medievais, as redes de computadores "fusionam as imagens com abstrações, elas tendem para uma complexidade barroca, contendo operações mágicas e hiperdimensionais, e freqüentemente representam espacialmente suas abstrações" (15).


A batalha atual dos "cypherpunks" (16) pela adoção de sistemas públicos de criptografia de mensagens encontra também um eco na mística da cabala e das criptografias antigas. A criptografia de mensagens era vinculada à valorização do poder não como simplesmente saber ou conhecimento, mas como código secreto, como conhecimento hermético, acessível somente aos iniciados. A quebra dos códigos secretos é a fonte do poder máximo pois o hermetismo é fundado nas técnicas de numerologia a partir das quais nós podemos desvendar mensagens esotéricas. O desenvolvimento da criptografia de massa pelos cypherpunks (assim como o de agentes) faz com que o ciberespaço seja um espaço mágico de circulação de códigos secretos e de anjos ou demônios, que aí circulam em busca de informações. Logo, não é ao acaso que McLuhan dizia que com o advento da eletricidade nós entramos num "tempo de iluminação" (17).


A representação de um espaço mágico, pleno de conexões e de estruturas multi-dimensionais é a forma de estruturação do ciberespaço. Como dizia Aggripa no seu "De Occulta Philosophia", existem três tipos de magia: uma magia natural (manipuladora das forcas da natureza), uma magia matemática (influenciada pela filosofia mística de Pitágoras) e uma magia teológica (relativa à comunicação angélica). Essa comunicação angélica se atualiza hoje com a disseminação de agentes electronicos. Ora, os agentes, programas inteligentes que circulam pelo cyberespaco em busca de informações personalizadas, são assim como demônios bem próximos da "magia teológica" de Aggripa. A gnose (do grego conhecimento, ligado ao conhecimento de Deus) é, mais do que uma transcendência mística, uma busca afinada de informações que, colocadas juntas, trazem à tona conhecimentos revelados a poucos. A gnose é assim uma técnica mágica, uma "technè" (18), como manipulação prática de informações (nomes secretos, códigos, etc.). Podemos assim, ver a gnose e o hermetismo como antecipadores do ciberespaço e da cybercultura.


A gnose é atualizada hoje pela nova forma de esoterismo que emerge com a cybercultura na forma do "tecno-paganismo" típico dos "ravers" e "zippies" (19). Esses são personagens da cybercultura que misturam esoterismo e novas tecnologias, principalmente aquelas que dão acesso ao ciberespaço. Os tecnopagãos visam assim restabelecer a tecnologia como parte da cultura, ao mesmo tempo em que refutam as dicotomias entre o sagrado e o profano. Assim, a partir das novas tecnologias, são visados os rituais (festas, sexo e drogas), a busca do espírito e da transcendência da matéria. Para os tecnopagãos, as novas tecnologias do ciberespaço devem ser vistas como parceiras dionisíacas da gnose.


O ciberespaço é para os tecnopagãos, um espaço mágico por excelência, um espaço imaginário. Eles se interessam pela ficção cientifica, pela realidade virtual e, obviamente, pelos MUDs, espaço imaginário por excelência. Como define um "tecnopagão" "viver on-line faz parte da minha pratica diária (...) é um tipo de experiência eremita, como entrar numa caverna" (20). Os tecnopagãos criam dessa forma uma rede eclética que mistura espiritualidade, teosofia, hermetismo e medicina natural. Eles são herdeiros diretos dos hippies e da onda nova era. Eles incorporam esses valores à cybercultura. Entretanto, eles atualizam o movimento hippie de uma nova maneira. Eles aceitam a tecnologia, perspectiva essa oposta aos hippies (retorno à natureza, refutação do artificial, etc.), não de uma forma simplesmente conformista, mas de uma forma apropriativa. Eles implantam assim um "cyberpsicodelismo", valorizando a utilização comunitária e espiritual das novas técnicas já que essas são as ferramentas mais importantes para atingir os objetivos da Era de Aquário.


O ciberespaço, como espaço mágico por excelência, é visto como potencializador das dimensões lúdicas, eróticas, hedonistas e espirituais. Nós podemos dizer que com o advento da cybercultura, estamos diante de uma verdadeira "info-gnose", um rito de passagem em direção à desmaterialização pós-industrial.


Ritos de passagem para a Pós-modernidade


Nós vimos como o ciberespaço se comporta como um espaço mágico. Vimos que, se durante a modernidade o espaço e o tempo eram entidades concretas, transformadas pela industrialização, hoje, com o processo de desmaterialização engendrado pelas economias avançadas, o espaço é aniquilado pelo tempo real. Assim, o ciberespaço pode ser visto também como uma fronteira, um espaço intermediário na passagem do industrialismo para o pós-industrialismo. Ele é também como o espelho de Alice, uma passagem do indivíduo austero para o indivíduo "re-ligado" (do individualismo ao tribalismo), participante do fluxo de informações do mundo contemporâneo. Ele é ainda um rito de passagem obrigatório para os novos cidadãos da cybercultura (21).


Os ritos de passagem são rituais que marcam, na vida de um indivíduo ou grupo, a passagem para um outro estado, seja ele biológico ou social. Esses ritos fazem parte de um processo de iniciação (nascimento, casamento, morte, mudança de estação, etc.) criados com o objetivo de preservar uma certa continuidade espaço-temporal e simbólica. Como um "lugar" de passagem, os ritos se caracterizam por um espaço simbólico intermediário, através do qual um indivíduo ou grupo se integra à globalidade da vida social. O ciberespaço deve ser compreendido como um rito de passagem da era industrial à pós-industrial, da modernidade dos átomos, à pós-modernidade dos bits, como diria Negroponte (22), já que existem várias similaridades entre as estruturas dos ritos de passagem e os mecanismos simbólicos do ciberespaço.


O ato de se conectar ao ciberespaço sugere versões dos ritos de agregação e de separação, onde a tela do monitor possibilita a passagem à um outro mundo. A tela é a fronteira entre o individual e o coletivo; entre o orgânico e o artificial; entre o corpo e o espírito. O ciberespaço é onde se realizam ritos de passagem do espaço físico e analógico ao espaço digital sem fronteiras, do corpo átomo ao corpo bit. Se conectar ao ciberespaço significa ainda, a passagem da modernidade (onde o espaço é esculpido pelo tempo) à pós-modernidade (onde o tempo aniquila o espaço); de um social marcado pelo indivíduo autônomo e isolado ao coletivo tribal e digital. Será pelo ciberespaço que irá passar toda a "socialidade" (23) contemporânea. Como afirma Benedikt, « a post-industrial work environment predicated on a new hardwired communications interface that provides a direct and total sensorial access to a parallel world of potential work space » (24).


Como rito de passagem, hermetismo e gnosticismo o ciberespaço impõe uma interface entre o profano e o sagrado; uma fronteira entre a existência banal do dia a dia, e o espaço eletrônico de circulação do saber. Mais uma vez retornamos à gnose e ao hermetismo. O ciberespaço é uma interface entre a estrutura de máquinas de comunicação e a massa de informações numéricas despejadas na "consciência planetária" (o grande sonho dos enciclopedistas, a saber, reunir num só mídia, todo o conhecimento da humanidade).


O ciberespaço no entanto, não é um lugar asséptico, de informações precisas e utilitárias. O grande interesse do ciberespaço reside justamente no vitalismo social que ele permite (BBS, "chat lines", "MUDs", "newsgroups", "e-mail"). O interesse está no fato de que todas as formas de sociabilidade contemporâneas encontram na tecnologia um potencializador, um catalisador, um instrumento de conexão - que vai contra a lógica iniciada na Escola de Frankfurt e que nos chega contemporaneamente nas vozes de Baudrillard ou Virilio. O ciberespaço não é uma entidade puramente cibernética, mas uma entidade efervescente, caótica e descontrolada.


Tempo, espaço e hierofania de dados


O ciberespaço, como espaço sagrado, é o lugar privilegiado para observarmos esse reencantamento da tecnologia. Como todo espaço sagrado, o ciberespaço acolhe um tempo também sagrado. Ele é um lugar de hierofanias (manifestações do sagrado). Assim como o ciberespaço é o nome desse novo espaço sagrado, o tempo real é o nome desse novo tempo mágico. Podemos utilizar aqui esses conceitos de acordo com o mitólogo romeno Mircea Eliade (25).


Como toda hierofania, se conectar ao ciberespaço é ter a experiência de uma revelação de um outro mundo, uma irrupção do sagrado em plena luz do quotidiano. Isso fica claro com a fascinação que temos ao ver uma máquina fazer coisas (quando na verdade não entendemos direito como é que ela as faz); com o delírio de se conectar à "distance homes" e ver o desenrolar de imagens, textos e ícones os mais diversos; com a absorção de se passar horas sem nos darmos conta; com antiquíssimo desejo de alcançar um mundo do conhecimento, da inteligência ou da consciência planetária, etc. Não é exagero afirmar que, no ciberespaço, temos o sentimento de participarmos de uma hierofania, à uma outra realidade, à um espaço de qualidade distinta (logo sagrado) daquele por onde circulamos nossos corpos (sem falar no potencial para futuros desenvolvimentos da realidade virtual de massa "on line").


O tempo real (acesso instantâneo, como todo toque de varinha de condão) é similar ao tempo sagrado, circular e reversível. O tempo sagrado do mito é um tempo repetitivo que fixa determinada memória coletiva; e ele é reversível, pois o passado é a fonte do saber na preparação do presente e do futuro. Ele atualiza o "ilo tempore", o tempo primordial onde tudo veio à existência. O tempo sagrado do mito (26), assim como o tempo real do ciberespaço, não é o tempo linear e progressivo, mas o tempo de conexões, aqui e agora, um tempo presenteísta (27), correspondente ao presenteísmo social contemporâneo.


Circular pelo Web, participar aos MUDs, recomeçar ao infinito um jogo eletrônico ou um CD Rom, se perder nos "links" dos hypertextos, voltar várias vezes à Home Page preferida, etc., tudo isso faz do tempo real do ciberespaço um tempo sagrado, circular e reversível. O tempo real da informática é assim correlato ao tempo presenteísta da sociedade contemporânea. Mais uma vez encontramos a essência da cybercultura: a imbricação entre uma sociedade tribal, emocional e presenteísta e as máquinas do ciberespaço. Hoje os computadores pessoais são cada vez menos individuais e cada vez mais computadores coletivos, máquinas de comunicação (28).
Após termos visto o ciberespaço como um espaço gnóstico e hermético, dotado de um tempo e de um espaço sagrados, representando um rito de passagem da tecnocultura moderna à cybercultura pósmoderna, veremos o ciberespaço como uma nova camada do planeta (Noosfera) e como um novo organismo complexo (o Cybionte). O ciberespaço pode assim ser visto em termos de evolução da vida na Terra, de acordo com a teoria de Theillard de Chardin, elaborada na década de 50. Essa expansão da Noosfera se traduz pela formação de um "organismo-rede" rizomático e auto-organizante.


A noosfera eletrônica e a inteligência coletiva


No seu "fenômeno humano" (29), Theillard de Chardin considera a evolução humana em termos intelectuais e espirituais. Segundo o padre jesuíta, no mundo físico existem duas energias: uma energia radial (correspondente ao conceito de força newtoniana de causa e efeito) e uma energia tangencial (que vem de dentro, de onde o divino aparece). Essa energia tangencial seria de três níveis, que Chardin chama de pré vida (para os objetos inanimados), vida (para os seres vivos) e consciência(para os homens). A pré vida corresponde à formação de matéria inorgânicas, a vida corresponde ao aparecimento de matérias orgânicas e a consciência ao aparecimento do homem e, consequentemente, do pensamento reflexivo. Assim, camadas sucessivas vão se empilhando umas sobre as outras : o mundo mineral, o mundo animal e o mundo da consciência. Esse camada da consciência, Chardin chama de Noosfera.


A Noosfera é assim uma rede invisível da consciência humana que virtualmente engloba todo o planeta terra. Noosfera vem de noogênese, ou mais precisamente, o desenvolvimento ou evolução do espírito. Como explica Chardin, "s’étale depuis lors par dessus le monde de plantes et des animaux; hors et au dessus de la biosphère, une Noosphère" (30). A Noosfera é uma camada invisível pela qual circula a consciência humana. Ela é uma nova membrana onde "c’est um Age nouveau qui commence. La Terre fait ‘peau neuve’. Mieux encore, elle trouve son âme" (31).


Com as redes eletrônicas como Internet, o ciberespaço, enquanto Noosfera está diante de nós. O ciberespaço é uma Noosfera na medida em que ele é uma camada abstrata e invisível, pela qual circulam dados, imagens, espectros e fantasmas digitais (32). Esse cyberespaco-Noosfera está em via de expansão planetária como um tipo de consciência coletiva. Isso nos leva à hipótese levantada por Pierre Lévy, segundo a qual o ciberespaço é o receptáculo de uma "inteligência coletiva" (33).


Pierre Lévy mostra como as novas tecnologias do ciberespaço podem verdadeiramente ajudar a criar uma circulação do saber, circulação essa que forma o que ele chama de "Inteligência Coletiva". Partindo de uma análise antropológica do espaço, Lévy vai mostrar que, depois da terra (espaço do mito e do rito, marcado por uma ligação completa do homem ao cosmos), do território (fruto da revolução neolítica onde surge a agricultura, as primeiras cidades, a escrita e o Estado), do mercado (espaço do trabalho e da velocidade, instaurado no século XVI com as conquistas marítimas e a globalização dos mercados com os fluxos de matéria prima, de mão de obra e de capital), o ciberespaço seria o formador de um quarto espaço, um espaço do saber. Esses espaços antropológicos não são excludentes, podendo interagir como camadas (de novo a idéia de Noosfera) comunicantes.


O espaço do saber é criado a partir da expansão dos mídias de comunicação e dos meios de transportes modernos (paradoxalmente existe um relação direta entre a locomoção e os mídias) e, principalmente com o nascimento de uma nova economia baseada na aceleração de trocas, na abolição de limites geográficos e com o surgimento do tempo real. De acordo com Lévy, esse quarto espaço antropológico pode instaurar uma verdadeira inteligência coletiva, "uma inteligência distribuída em todas as direções, valorizada sem cessar, coordenada em tempo real, e que chega à uma valorização e mobilização efetiva de competências"(34). Dessa forma o ciberespaço pode se tornar um meio de discussões pluralista, reforçando competência e laços comunitários específicos.


Um cybionte de estrutura rizomática

O ciberespaço é hoje uma realidade em forma ainda embrionária, conhecido como a estrutura de informação (rede de computadores, satélites, sistemas de telefonia, etc.). A dinâmica atual do desenvolvimento das redes de computadores e seu crescimento exponencial caracterizam o ciberespaço como um organismo complexo, interativo e auto-organizante.


De acordo com Joël de Rosnay (35), o ciberespaço é hoje uma entidade quase biológica, um organismo no sentido orgânico do termo. De Rosnay chama esse organismo de "Cybionte", uma forma emergente da simbiose entre a cibernética e o biológico. Para De Rosnay, o Cybionte é um cérebro planetário (como a Noosfera e a Inteligência Coletiva) formado pelo conjunto de cérebros humanos, de redes conectadas, de computadores e de modens: "um organisme planétaire unique (...), la forme la plus avancée d’un cerveau planétaire em cours de constitution" (36). O Cybionte faz parte assim da tendência pós-orgânica da civilização contemporânea, a saber, a fusão entre os homens e as máquinas (o cyberpunk R. U. Sirius, editor da revista californiana "Mondo 2000", afirma que nós somos já, de certa forma, "cyborgs": lentes de contato, marcapassos, drogas sintéticas, engenharia genética...).


Esse organismo planetário que é o Cybionte vai ganhar a forma daquilo que Guattari e Deleuze (37) chamaram de estrutura rizomática. Uma estrutura rizomática é um sistema de multiplicidade, um sistema de formas as mais diversas, como um verdadeiro rizoma, com extensão ramificada em todos os sentidos. De acordo com Deleuze e Guattari, um rizoma pode ser conectado com qualquer outro rizoma e "deve ser". Como multiplicidade, um rizoma não tem nem sujeito nem objeto e ele cresce de acordo com a dinâmica das conexões. Os rizomas se ramificam e se reticulam permitindo estratificações e territórios, da mesma forma que cria linhas de fuga e de desterritorialização. Existe assim um processo de desterritorialização e reterritorialização à partir de múltiplos "devenirs".


Avessos à centralização, os rizomas não tem um eixo genético como estrutura profunda, como é o caso das estruturas em arborescência. Eles não nos dão a imagem triste de uma hierarquia superior e determinante de um sistema centralizado. O modelo da árvore dominou, segundo os filósofos franceses, todo o pensamento ocidental. Mas a partir das crises da modernidade, esse modelo árvore cede lugar aos rizomas. Assim, dentro do processo civilizatório contemporâneo podemos ver estruturas rizomáticas nos beatniks, no underground, nas tribos de "hackers" e "cyberpunks", nos "tecno-anarquistas" e nos "tecnopagãos" que pulsam lateralmente, sem controle e sem eixo gerador, e que se espalham horizontalmente como os canais de Amsterdã.


É óbvia a semelhança entre as estruturas rizomáticas e o ciberespaço. Ambos são descentralizados, conectando pontos ordinários, criando territorialização e desterritorialização sucessivas. O ciberespaço não tem um controle centralizado, multiplicando-se de forma anárquica e extensa, desordenadamente, a partir de conexões múltiplas e diferenciadas. O ciberespaço permite agregações ordinárias, de pontos a pontos, onde entram em jogo toda a dialógica (Morin)(38) entre o particular e o geral e a formação de comunidades virtuais (ou "quelconques", como quer o filosofo italiano Agamben)(39). As conexões do ciberespaço, assim como aquelas dos rizomas, modificam as suas estruturas, caracterizando-se como sistemas complexos e auto-organizantes (os exemplos do Minitel francês e de Internet ilustram bem esse ponto). Como explica Deleuze e Guattari, a árvore impõe o "ser", o rizoma o "e, e, e,...". Aí está toda a força social do ciberespaço.


Conclusão


Nós tentamos nesse artigo desenvolver rapidamente as similaridades entre o pensamento mágico (hermetismo, gnose, hierofania, tempo cíclico) e a estrutura da Noosfera, do Cybionte, da inteligência coletiva e do rizoma, para trazer à luz algumas particularidades do ciberespaço. Nenhuma delas no entanto, tem a supremacia sobre as outras pois, como entidade escorregadia, o ciberespaço não nos revela tão facilmente seus segredos. Ele é um pouco de tudo isso, sem ser totalmente o conjunto de todas essas particularidades.


Exageramos em alguns pontos para tentar fazer, mais do que um retrato fiel, uma caricatura do ciberespaço. Identificar (pois as caricaturas identificam mais do que diferenciam) essas particularidades pode nos ajudar à compreender melhor esse lugar poroso e rizomático por onde vai passar toda a cultura do próximo século.




1. Gibson, W., "Neuromancien", Paris, La Découverte, 1985., p.64


2. Gibson, W., op. cit.


3. Sobre a Matrix, nome dado ao cyberespaco, ver Quaterman, J.S., "The Matrix. Computer Network and Conferencing Systems Worldwide"., Digital Press, 1990.


4. Sobre a visão erótica do ciberespaço, ver Heim, M., "The Metaphysics of Virtual Reality"., Oxford Press, 1993.


5. Kellogg, W; Carroll, J.M.; Richards, J.T., "Making Reality a Cyberspace". in, Benedikt, M., "Cyberspace. First Steps". Mit Press, 1992.


6. BBS (Bulletin Board Systems), MUDS (Multi Users Dungeons), Minitel (sistema videotexto francês). Sobre o Minitel ver Lemos, A., "The Labyrinth of Minitel"., in Shields, R. (ed). "Cultures of Internet". Sage, Londres, 1996.


7. Ted Nelson é também o mentor do projeto Xanadu. Sobre esse projeto ver Wolf, Gary., "The Curse of Xanadu", in Wired, 3.06, juin 1995, p. 137.


8. Sobre a interface e o utilizador como agentes numa perspectiva teatral ver Laurel, B. "Computer as Theater"., Addison-Wesley, 1993.


9. Wooley, B. "Virtual Worlds. A Journey in Hype and Hyperreality", Penguin Books, 1992., p. 165.


10. Todo o desenvolvimento da micro-informática é ligado à essa "sopa cultural". Os micros computadores, a rede Internet e a explosão do Web não são diretivas tecnocráticas de nenhuma instituição. Essa relação, entre a técnica e o social, sem que nenhum dos dois tenha a chave da equação, é que caracteriza a cybercultura. Ver Lemos, A. "La Cyberculture. Les Nouvelles Technologies et la Société Contemporaine". Tese de Doutorado, Paris V, Sorbonne, 1995.


11. Bolle de Bal mostra como a modernidade é marcada pela separação. A "tentação comunitária" leva a uma nova forma de relação que ele chama de "reliance". Sobre a "reliance" comunitária ver Bolle de Bal, M. "La Tentation Communautaire. Les Paradoxes de la Reliance et de la Contre-Culture". Université de Bruxelles, Bruxelas, 1985.


12. Virilio, P., "Esthétique de la Disparition"., Paris, Galilée, 1989.


13. Ver Zorach, R., "New Medieval Aesthetic", in Wired, n° 2.01, p. 48. Ela analisa a cultura do monastério e a estética dos manuscritos medievais como uma rede de "comunidades de almas".


14. Ver Davis, E., "Techgnosis: Magic, Memory, and the Angels of Information"., in Dery, M., "Flame Wars. The Discourse of Cyberculture"., The South Atlantic Quarterly 92:4, fall 1993.


15. Ver Davis, Erik., "Techgnosis..." op. cit., p. 593.


16. Sobre os cypherpunks ver Levy, S. "Cryptorebels", in Wired, 1.2. e Lemos, A. "Technorebels", in Citizen K, Paris, dec, 1995.


17. Ver McLuhan, M. "La Galaxie Gutenberg.", Paris, Gallimard, 1967.


18. Mauss e Ellul mostram como a magia é uma das primeiras expressões da "technè", da técnica humana. Ver. Mauss, M. "Sociologie et Anthropologie", Paris, PUF, 1962 et Ellul, J., "La Technique ou l’Enjeu du Siècle"., Paris, A. Colin, 1954.


19. Sobre os "ravers" e "zippies" ver Marshall, J., "Zippies", in Wired, 2.05, maio 1994; "The Roots of Techno", in Mondo 2000, n° 2.07 e Davis, E., "Technopagans", in Wired, 3.07, julho, 1995.


20. Citado por Davis, E., op.cit., p.180.


21. Sobre o ciberespaço como rito de passagem, ver Tomas, D. "Old Rituals for New Spaces. Rites de Passage and William Gibson’s Model of Cyberspace"., in Benedikt, M., op.cit.


22. Negroponte, N., "L’Homme Numérique"., Paris, Fayard, 1995.


23. Sobre a "socialidade" contemporânea ver a obra de Michel Maffesoli, particularmente Maffesoli, M. "La Conquête du Présent. Pour Une Sociologie de la Vie Quotidienne"., Paris, PUF, 1979.


24. Benedikt, M., "Cyberspace. Some Proposals"., in Benedikt (ed). "Cyberspace; First Steps"., op.cit., p. 35.


25. Ver Eliade M. "Le Sacré et le Profane"., Paris, Gallimard, 1965.


26. Ver Eliade, M., "Mito e Realidade", SP, Perspectiva. 1977.


27. Sobre o "presentísmo", ver Maffesoli, M, op.cit.


28. O "netcompute" da Oracle (máquinas sem disco rígido e prontas para se conectarem às redes) comprova essa tendência.


29. Theillard de Chardin, P., "Le Phénomène Humain"., Paris, Seuil, 1955.


30. Theillard de Chardin, op.cit., p. 179.


31. idem.


32. Sobre espectros e fantasmas digitais ver, Guillaume, M., "Téléspectres", in Traverses, número 26, Paris, CGP, outubro de 1982.


33. Lévy, P. "L’Intelligence Collective. Pour une Anthropologie du Cyberspace". Paris, La Découverte, 1995.


34. Lévy, P. op.cit, p. 29


35. De Rosnay, J. "L’Homme Symbiotique". Paris, Seuil, 1995.


36. De Rosnay, op.cit., p. 315.


37. Deleuze, G.; Guattari, F., "Mille Plateaux. Capitalisme et Schizophrénie"., Paris, Minuit, 1982.


38. Sobre a dialógica ver Morin, E., "La Methode I. La Nature de la Nature". Paris, Seuil, 1977.


39. Ver Agamben, G. "La Communauté qui Vient. Essais sur la Singularité Quelconque". Paris, Seuil, 1990.



André L.M. Lemos é doutor em sociologia pela Sorbonne, professor e pesquisador do Programa de Pòs-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Faculdade de Comunicação (FACOM), UFBA/CNPq. E-mail: lemos@svn.com.br



quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

De literatura e sonhos

Transcrevo um belíssimo conto de Borges.

As ruínas circulares[i]
Jorge Luis Borges, por volta de 1941.

Ninguém o viu desembarcar na noite unânime, ninguém viu a canoa de bambu sumindo no lodo sagrado, mas dias depois ninguém ignorava que o homem taciturno vinha do Sul e que sua pátria era uma das infinitas aldeias que estão a montante, no flanco violento da montanha, onde o idioma zend não foi contaminado pelo grego e a lepra é pouco freqüente. A verdade é que o homem cinza beijou o lodo, galgou o barranco da margem sem afastar (provavelmente, sem sentir) o capim-navalha que lhe dilacerava a carne e se arrastou, atônito e ensangüentado, até o recito circular coroado por um tigre ou cavalo de pedra, que um dia foi da cor do fogo e agora é da cor da cinza. Essa arena é um templo que antigos incêndios devoraram, que a selva do pântano profanou e cujo deus não recebe a honra dos homens. O forasteiro estendeu-se sob o pedestal. Foi despertado pelo sol alto. Comprovou sem espanto que as feridas tinham cicatrizado; fechou os olhos pálidos e adormeceu, não por fraqueza da carne, mas por determinação da vontade. Sabia que aquele templo era o lugar exigido por seu invencível propósito; sabia que as árvores incessantes não haviam conseguido estrangular, rio abaixo, as ruínas de outro templo propício, também de deuses incendiados e mortos; sabia que sua imediata obrigação era sonhar. Por volta da meia-noite foi despertado pelo grito inconsolável de um pássaro. Rastros de pés descalços, alguns figos e um cântaro lhe permitiram entender que os homens da região tinham espiado com respeito seu sono e solicitavam sua proteção ou temiam sua magia. Sentiu frio do medo e buscou na muralha dilapidada um nicho sepulcral e se cobriu com folhas desconhecidas.
O propósito que o guiava não era impossível,ainda que sobrenatural. Queria sonhar um homem: queria sonhá-lo com integridade minuciosa e impô-lo à realidade. Esse projeto mágico havia esgotado completamente o espaço de sua lama; se alguém tivesse lhe perguntado seu próprio nome ou qualquer traço de sua vida anterior, não teria dado com a resposta. Era para ele conveniente o templo desabitado e destroçado, p0roque era um mínimo de mundo visível; a proximidade dos lenhadores também, pois estes se encarregavam de suprir suas necessidades frugais.O arroz e as frutas de seu tributo eram alimento suficiente para seu corpo, consagrado à única tarefa de dormir e sonhar.
No início, os sonhos eram caóticos; pouco depois, foram de natureza dialética. O forasteiro sonhava consigo mesmo no centro de um anfiteatro circular que era de algum modo o templo incendiado: nuvens de alunos taciturnos exauriam a arquibancada; as caras dos últimos pendiam a muitos séculos de distância e a uma altura estelar, mas eram inteiramente precisas. O homem ditava-lhe lições de anatomia, de cosmografia, de magia: os rostos escutavam com ansiedade e procuravam responder com entendimento, como se adivinhassem a importância daquele exame, que redimiria um deles de sua condição de vã aparência e o introduziria no mundo rela. Durante o sonho e a vigília, o homem e considerava as respostas de seus fantasmas, não se deixava engambelar pelos impostores, adivinhava em certas perplexidades uma inteligência crescente. Buscava uma alma que merecesse participar do universo.
Depois de nove ou dez noites compreendeu com alguma amargura que nada podia esperar daqueles alunos que aceitavam com passividade sua doutrina, e sim daqueles que arriscavam, ás vezes, uma contradição razoável. Os primeiros, embora dignos de amor e afeição, não podiam ascender a indivíduos; os últimos preexistiam um pouco mais. Uma tarde (agora também as tardes eram tributárias do sonho, agora não velava senão um par de horas durante o amanhecer) dispensou para sempre o vasto colégio ilusório e ficou apenas com um aluno. Era um rapaz taciturno, melancólico, ás vezes indócil, de traços afilados que repetiam os de seu sonhador. A brusca eliminação de seus condiscípulos não o desconcertou por muito tempo; depois de umas poucas aulas particulares, maravilhou o mestre. Contudo, sobreveio a catástrofe. Certo dia, o homem emergiu do sonho como de um deserto viscoso, olhou a luz vã da tarde que de imediato confundiu com a aurora e compreendeu que não sonhara. Toda a noite e o dia seguinte, a intolerável lucidez da insônia se abateu sobre ele. Quis explorar a selva, extenuar-se, mal conseguiu, em meio à cicuta, rajadas de um sonho débil, fugazmente mescladas à visão de qualidade rudimentar: imprestáveis. Quis consagrar o colégio e , mal tinha articulado umas breves palavras de exortação, este se deformou, desfazendo-se. Na quase perpétua vigília, lágrimas de ira queimavam-lhe os olhos envelhecidos.
Compreendeu que o empenho de modelar a matéria incoerente e vertiginosa de que os sonhos são feitos é o mais árduo que um varão pode empreender, embora penetre todos os enigmas da ordem superior e da inferior: muito mais árduo que tecer uma corda de areia ou que amoldar o vento sem rosto. Compreendeu que um fracasso inicial era inevitável. Jurou esquecer a enorme alucinação que a princípio o desviara e buscou outro método de trabalho. Antes de exercitá-lo, dedicou um mês à reposição das forças que o delírio desperdiçara. Abandonou toda premeditação de sonhar e quase ato contínuo consegui dormir um pedaço razoável do dia. As raras vezes que sonhou durante esse período, não reparou nos sonhos. Para reatar a tarefa, esperou que o disco da lua ficasse perfeito. Em seguida, à tarde purificou-se nas águas do rio, adorou os deuses planetários, pronunciou as sílabas lícitas de um nome poderoso e adormeceu. Quase imediatamente, sonhou com um coração que palpitava.
Sonhou-o ativo, quente, secreto, do tamanho de um punho fechado, de cor grená na penumbra de um corpo humano ainda sem rosto nem sexo: sonhou-o com minucioso amor, durante catorze lúcidas noites. Cada noite, percebia-o com maior evidência. Não o tocava: limitava-se a testemunhar sua presença, a observá-lo, talvez a corrigi-lo com o olhar. Percebia-o, vivia-o, de muitas distâncias e muitos ângulos. Na décima quarta noite tocou a artéria pulmonar com o indicador e, em seguida, o coração todo por fora e por dentro. O exame o satisfez. Deliberadamente não sonhou durante uma noite: depois voltou ao coração, invocou o nome de um planeta e empreendeu a visão de outro dos órgãos principais. Antes de um ano chegou ao esqueleto, ás pálpebras. O cabelo inumerável foi, quem sabe, a tarefa mais difícil. Sonhou um homem inteiro, um oco, mas este não se incorporava nem falava nem podia abrir os olhos. Noite após noite, o homem o sonhava adormecido.
Nas cosmogonias gnósticas, os demiurgos moldam um Adão vermelho que não consegue ficar de pé; tão inábil e rude e elementar feito esse Adão de pó era o Adão de sonho que as noites do mago tinham fabricado. Uma tarde, o homem quase destruiu por completo sua obra, mas arrependeu-se. (Melhor teria sido que a tivesse destruído.) Esgotados os votos aos numes da terra e do rio, lanço-se aos pés da efígie que talvez fosse um tigre, talvez um potro, e implorou seu desconhecido socorro. Durante aquele crepúsculo, sonhou com a estátua. Sonhou-a viva, trêmula: não era um atroz bastardo de tigre e proto, mas a uma só vez essa duas criaturas veementes e também um touro, uma rosa, uma tempestade. Esse múltiplo deus revelou-lhe que seu nome terreno era Fogo, que naquele templo circular (e noutros iguais) haviam lhe rendido sacrifícios e culto, e que magicamente animaria o fantasma sonhado, de modo que todas as criaturas, exceto o próprio Fogo e o sonhador, o tomassem por um homem de carne e osso. Ordenou-lhe que, uma vez instruído nos ritos, seria enviado ao outro templo destroçado, cujas pirâmides persistem a jusante, para que alguma voz o glorificasse naquele edifico deserto. No sonho do homem que sonhava, o sonhado despertou.
O mago executou as ordens. Consagrou um prazo (que finalmente abrangeu dois anos) a lhe desvelar os arcanos do universo e do culto do fogo. Intimamente, sentia separar-se dele. Com o pretexto da necessidade pedagógica, todo dia aumentava as horas dedicadas ao sonho. Também refez o ombro direito, quem sabe deficiente3. Às vezes, inquietava-o uma impressão de que tudo aquilo já acontecera... Em geral, seus dias eram felizes: ao fechar os olhos, pensava: “Agora estarei com meu filho”. Ou, mais raramente: “O filho que gerei me espera e não existirá se eu não for”.
Gradualmente, foi habituando-o à realidade. Uma vez lhe ordenou que pusesse uma bandeira num pouco distante. No dia seguinte, a bandeira flamejava no cume. Ensaiou outros experimentos análogos, cada vez mais ousados. Compreendeu com certa amargura que seu filho estava pronto para nascer – e talvez já impaciente. Nessa noite beijou-o pela primeira vez e o enviou ao outro templo, cujos destroços alvejaram rio acima, a muitas léguas de inextricável selva e pântano. Antes (para que ele não soubesse nunca que era um fantasma, para que se julgasse um homem como os outros) lhe infundiu o esquecimento total de seus anos de aprendizagem.
Sua vitória e sua paz ficaram empanadas pelo fastio. Nos crepúsculos da tarde e da madrugada, prosternava-se perante a figura de pedra, talvez imaginado que seu filho irreal executasse idênticos ritos, noutras ruínas circulares, a jusante; de noite não sonhava, ou sonhava como fazem todos os homens. Percebia com certa palidez os sonos e as formas do universo: o filho ausente se nutria dessas diminuições de sua alam. O propósito de sua vida fora cumprido; o homem persistiu numa espécie de êxtase. Depois de algum tempo que certos narradores de sua história preferem computar em anos e outros em lustros, foi despertado por dois remadores à meia-noite: não pode ver o rosto deles, mas lhe falaram de um homem mágico num templo do Norte, capaz de pisar no fogo sem se queimar. O mago recordou bruscamente as palavras do deus. Recordou que, de todas as criaturas que compõem o globo, o Fogo era a única que sabia que seu filho era um fantasma. Essa recordação, apaziguadora de início. Acabou por atormentá-lo. Temeu que seu filho meditasse sobre esse privilégio anormal e descobrisse de algum modo sua condição de mero simulacro. Não ser um homem, será a projeção do sonho de outro homem, que humilhação incomparável, que vertigem! A todo para interessam os filhos que procriou (que permitiu) numa mera confusão ou felicidade; é natural que o mago temesse pelo futuro daquele filho, pensado entranha por entranha e traço por traço, em mil e uma noites secretas.
O término de suas cavilações foi repentino, mas alguns sinais o prenunciaram. Primeiro (no fim de uma longa seca) uma nuvem remota sobre um morro, leve como um pássaro; depois, rumo ao Sul, o céu que era da cor da gengiva dos leopardos; logo as fumaceiras que enferrujam o metal das noites; por fim, a fuga pânica das feras. Porque se repetiu o acontecido havia séculos. As ruínas do santuário do deus do Fogo foram destruídas pelo fogo. Num amanhecer sem pássaros o mago viu o incêndio concêntrico agarrar-se aos muros. Por um instante, pensou se refugiar nas águas, mas depois compreendeu que a morte vinha coroar sua velhice e absolvê-lo dos seus trabalhos. Caminhou contra as línguas de fogo. Elas não morderam sua carne; antes o acariciaram, inundando-o sem calor e sem combustão. Com alívio, com humilhação, com terror, compreendeu que ele também era uma aparência, que outro o estava sonhando.

[i] Extraído de Ficções. Companhia Das Letras, 2007, p. 46.

Um programa de estudos...


Transcrevo abaixo um programa da disciplina Culturas Contemporâneas, ministrada pelo Prof. Rui Bebiano da Universidade de Coimbra...para dar água na boca e traçar paralelismos com o "nosso" (antigo) programa:

Culturas Contemporâneas

(Licenciatura em Estudos Artísticos e opção oferecida pelo Grupo de História
1º semestre - ano lectivo de 2007/2008)

Objectivos: Propõe-se uma abordagem crítica da definição e do desenvolvimento diferenciado da contemporaneidade, sob a perspectiva da história da teoria da cultura e das transformações das práticas culturais.

Funcionamento: A cadeira é semestral e funciona em regime de 4 horas semanais em 2 horários lectivos.

Avaliação de conhecimentos: 1) contínua: mínimo de 75% das presenças + trabalho ou relatório de 15 páginas (previamente aprovado) + prova escrita final; 2) ou final: prova escrita obrigatória e trabalho facultativo de 30 páginas (previamente aprovado).

PROGRAMA GERAL

Introdução ao programa - Contemporâneo, contemporaneidade e a velocidade do tempo histórico.
1. A herança das metanarrativas. Afirmação e sobrevivência do romantismo, do nacionalismo, do cientismo e do marxismo-leninismo.
2. A experiência totalitária. Fascismo e comunismo numa perspectiva comparada. Política e cultura dos fascismos. O “Socialismo real”, o “realismo socialista” e os “amanhãs que cantam”.
3. Pós-guerra e actualidade. Um mundo em ruínas. O modelo cultural americano e a Guerra-Fria. “Terceiro-Mundismo” e anticolonialismo. A Queda do Muro de Berlim e a nova ordem internacional.
4. Experiências de ruptura. Nietzsche, Bergson, Freud e a subjectividade. Génese, decadência e recuperação das vanguardas. “Crise de consciência”: o existencialismo e a Beat Generation.
5. A aceleração da mudança. A cultura de massas e a nova cultura juvenil. Anos 60: inovação, contracultura e “antidisciplina”. Os anos 80 e a “era do vazio”. Utopias e contra-utopias.
6. Novos alinhamentos. Pós-comunismo, pós-colonialismo. A crise da modernidade: continuidades e rupturas. Reidentificações: cidades, minorias e cultura global. A “guerra das culturas”.
7. Temas e problemas. Heróis, mitos e ficções: as representações contemporâneas do passado. A construção e a comunicação da memória. A revolução digital e a “sociedade da informação”.

Bibliografia geral


Perry Anderson (2005). As Origens da Pós-Modernidade. Lisboa: Edições 70.
João Maria André (2005). Diálogo Intercultural, Utopia e Mestiçagens. Em tempos de globalização. Coimbra: Ariadne.
Julio Aróstegui, e outros (2001). El Mundo Contemporáneo: Historia y Problemas. Barcelona: Biblos.
Rui Bebiano (2003). O Poder da Imaginação. Juventude, Revolta e Resistência nos Anos 60. Coimbra: Angelus Novus.
Neil Ferguson (2006). A Guerra do Mundo. Uma Idade Histórica de Ódio. Lisboa: Civilização Editora.
Eric Hobsbawm (1996). A Era dos Extremos. História Breve do Século XX, 1914-1991. Lisboa: Presença.
Tony Judt (2006). Pós-Guerra. História da Europa desde 1945. Lisboa: Edições 70.
Gilles Lipovetsky (1988). A Era do Vazio. Ensaio sobre o individualismo contemporâneo. Lisboa: Relógio d’Água.
Fernando Martins e Pedro Aires Oliveira, coord. (2005). As Revoluções Contemporâneas. Lisboa: Colibri - IHC.
António Reis, coord. (2003). As Grandes Correntes Políticas e Culturais do Século XX. Lisboa: Colibri - IHC.
Fernando Rosas e Pedro Aires Oliveira, coord. (2006). As Ditaduras Contemporâneas. Lisboa: Colibri - IHC.
Roland N. Stromberg (1994). Historia Intelectual Europea desde 1789. Madrid: Debate [original: European Intellectual History since 1789, 6a. ed. revista e bastante aumentada, New Jersey: Prentice Hall).
John A. Walker e Sarah Chaplin (1997), Visual Culture: an introduction. Manchester: Manchester University Press.
Peter Watson(2002), Historia Intelectual del Siglo XX. Barcelona: Crítica (edição em inglês: A Terrible Beauty. History of The People and Ideas That Shaped the Modern Mind, London, Weidenfeld & Nicholson, 2000).

(extraído de http://ruibebiano.wordpress.com/aulas/culturas-contemporaneas/)
"Lembro-me de quando era criança e via, como hoje não posso ver, a manhã raiar sobre a cidade. Ela não raiava para mim, mas para a vida. Porque então eu, não sendo consciente, eu era a vida. E via a manhã e tinha alegria. Hoje vejo a manhã, tenho alegria, e fico triste. Eu vejo como via, mas por trás dos olhos, vejo-me vendo. E só com isso, se obscurece o sol, o verde das árvores é velho, e as flores murcham antes de aparecidas." (Fernando Pessoa)

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Filme: "A Concepção", de José Eduardo Belmonte


Acabo de assistir ao filme "A Concepção" de Eduardo Belmonte. Recomendo. Não me deterei nos detalhes técnicos, nem nas questões relacionadas aos aspectos puramente "fílmicos".
O filme trata de um grupo de jovens de Brasília que, entendiados com suas vidas pequeno-burguesas, decidem se aventurar em experiências existenciais e produzir suas próprias histórias, ou seja, tornarem-se livres.
Logo surge um novo personagem, "X", assim conhecido porque ninguém sabe ou virá a conhecer seu nome (não por acaso, lembrei-me de "Velvet Goldmine" - sobre o também camaleão David Bowie - nas cenas de apresentação de "X").
Em meio a intermináveis orgias, muita droga e rock´n roll, "X" introduz tais jovens na filosofia-existencial "concepcionista" (a referência ao Situacionismo é explícita e algo caricatural).



Nesse universo, as referências identitárias se esvaecem, tudo é possível e tenta-se a todo instante dissolver o Ego. Dar nascimento a uma nova identidade a "cada dia". As experiências concepcionistas buscam a dissolução de toda e qualquer referência, seja sexual, econômica, jurídica etc.

" O concepcionista é uma fraude que dura 24 horas".

Como é de se esperar, a "experiência" foge do controle, ou melhor, envereda por caminhos inesperados. Não contarei, claro, o final do filme.
Como disse, o ponto de partida é Maio/68 e o Situacionismo, com claras referências a Deleuze (para não deixar dúvidas, um personagem grita - enquanto perseguido pela polícia - "Somos todos máquinas !") e ao xamanismo, havendo inclusive uma alusão a Carlos Castañeda e ao "despertar" nos sonhos lúcidos, bem no final do filme, quando um dos personagens diz que "olhará para as mãos"...
O "sentido" final não é unânime: para mim sua mensagem é otimista, embora não da forma em que os concepcionistas-situacionistas desejavam.

sábado, 22 de dezembro de 2007

A MULTIDÃO E O FUTURO DA DEMOCRACIA NA CIBERCULTURA







Henrique Antoun

Professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ)


“Sem olhos, sem nariz, sem boca, a aranha responde
unicamente aos signos e é atingida pelo menor signo que
atravessa seu corpo como uma onda e a faz pular sobre a presa.”

Gilles Deleuze, Proust e os Signos.

Deleuze


A rede da vida e da sociedade está confundindo-se com a rede da guerra nas comunidades virtuais do ciberespaço. Através desta mistura está sendo jogada uma partida que envolve o sentido tanto da democracia e da política na cibercultura, quanto o da luta de classes no mundo globalizado. Os três principais acontecimentos de 2001 – a marcha do movimento Zapatista de Chiapas para a capital do México, transmitida e acompanhada ao vivo através do ciberespaço; a manifestação de protesto da sociedade civil global em Gênova, na Itália, por ocasião da reunião do G8 e o espetacular atentado terrorista perpetrado pelo grupo Al Qaeda, liderado por Osama Bin Laden, contra as instituições econômicas, políticas e militares do povo norte-americano, resultando na destruição das torres gêmeas da OMC em Nova Iorque e em dezenas de milhares de mortos e feridos – tem sua origem na forma de organização em rede que há muito sustenta tais comunidades. Eles nos fazem perguntar se as redes são características de qualquer organização ou se elas são uma forma própria de organização que – insufladas pelas tecnologias informacionais (TI) e pela comunicação mediada por computador (CMC) – estaria conquistando sua emancipação social. Se, para além disso, considerarmos que vivemos em um Império, como nos propõem Negri e Hardt, a importância da questão torna -se ainda maior. Por um lado porque a rede se confunde com a realidade atual do Império em suas duas cabeças, seus organismos (FMI, BM, G8 OMC e etc..., para a máquina de comando biopolítico, e ONGs e movimentos assistêmicos para a multidão plural de subjetividades de globalização produtivas e criadoras) só existem nesse modo e dele se alimentam. Por outro lado porque a multidão encontra na rede um meio privilegiado de exprimir sua potência de ação, fazendo seus movimentos de luta através da construção de redes desde que a vitória das revoluções políticas burguesas determinou a democracia representativa a principal forma de expressão política e o cidadão/consumidor sua unidade básica de expressão. [1]



À sombra da Jihad e do McMundo

Desde que em 1993 Howard Rheingold cunhou o conceito de comunidades virtuais, para caracterizar as comunidades em rede construídas através do ciberespaço,[2] um grande debate se desenvolveu girando em torno do tipo de realidade que elas teriam na sociedade contemporânea e do tipo de contribuição que elas trariam para o desenvolvimento da democracia. Em seu livro as tecnologias da informação (TI), que constituíram a Internet e os sistemas hipermídia através da comunicação mediada por computador (CMC), teriam uma dupla origem fundada nas necessidades estratégicas da máquina militar e nos investimentos de desejo da política democrática. Elas foram desenvolvidas, em seu projeto, para permitir tanto a condução e a articulação de forças aliadas num ambiente caógeno de confronto termonuclear, exprimindo os interesses do Departamento de Defesa norte-americano; quanto a colaboração no desenvolvimento acentrado de projetos de grande porte por parceiros dispersos geograficamente, exprimindo os interesses da comunidade científica. Através deste investimento teria sido realizada a maior transferência de renda e poder para um público generalizado que a história humana já conheceu, pois ele além de fundir numa só e mesma rede a telefonia, a computação e as tecnologias da informação – que figuram entre os maiores investimentos do século XX –, pôs esse poderoso e custoso dispositivo de comunicação mediada por computador (CMC) na ponta dos dedos de qualquer criança. A Internet seria um meio de todos os meios de comunicação, constituindo-se como um hipermeio cujas mensagens são novos modos de vida e as comunidades virtuais que emergiram neste hipermeio fariam dele uma mídia para viver.[3] O trabalho de Rheingold surgia neste momento como uma possível resposta ao caustico ensaio de Benjamin Barber, que responsabilizava a globalização e as tecnologias de informação de tornarem a liberdade impossível no mundo, ameaçando sua própria existência. Surgido um ano antes na revista Atlantic Monthly, em seu ensaio Barber dividia o mundo contemporâneo em duas tendências, a do tribalismo por ele apelidada de Jihad (que significa luta em árabe) e a do globalismo por ele apelidada de McMundo (McWorld), ambas ameaçando a democracia e a cultur a do ocidente ora com as forças de desagregação do provincianismo regional, ora com as forças da homogeneização global promovidas pelas tecnologias da informação (TI), de modo proativo no caso do mcmundo e de modo reativo no caso da jihad. Confrontada com estas tendências a sociedade contemporânea correria um sério risco de totalitarismo indiferenciado ou de "libanização" – termo derivado do país árabe Líbano que era uma pacífica e próspera democracia que foi destruída por uma guerra intestina promovida por inconciliáveis forças regionais de diversas origens, umas internacionais e outras nacionais.[4] Embora a posição de Rheingold – que vai considerar as comunidades virtuais capazes de recriar o tradicional sentido de participação e envolvimento das antigas comunidades, constituindo uma revitalização da esfera pública social e da política democrática através do recém nascido ciberespaço[5] – ganhasse diversos adeptos entusiásticos, dois vigorosos senões vieram lançar sobre ela a suspeita de profissão de fé.

Comunidades de araque

Por um lado Fernback e Thompson, em 1995, negaram que a comunicação mediada por computador (CMC) fosse capaz de criar "verdadeiras comunidades", sobretudo no sentido nostálgico evocado pelos defensores da CMC. Para eles as comunidades geradas pela CMC seriam comunidades de interesse desenvolvendo-se no não lugar do ciberespaço como um fenômeno transcultural e transnacional, o que seria antitético com a noção de coletividade gerada numa esfera pública onde uma ação comum é desenvolvida. Além do mais, a cidadania do ciberespaço seria incapaz de resolver os problemas da representação democrática e da renovação da vida ativa de uma verdadeira cidadania, construída na esfera pública real das nações, pois a CMC, como as demais tecnologias da informação (TI), promovem a fragmentação cultural e política nas sociedades – a disjunção com a vizinhança geográfica que pode gerar comunidades de araque, o custo e o conhecimento sobre o uso de computadores que sempre irá gerar a exclusão da maior parte da sociedade, os encontros nas comunidades virtuais que estão reduzindo os encontros face a face –, podendo, quando muito, ter um papel catártico, gerando para um público o sentimento de envolvimento e participação, que não evoluiria na direção da construção da participação atual em ações comuns, na vida de nossos vizinhos ou na vida cívica, que as comunidades verdadeiras exigem.[6]
Por outro lado Robert Putnam vai publicar em 1996 o resultado parcial de uma pesquisa sobre o desaparecimento do capital social e engajamento cívico na vida americana. Considerando capital social os aspectos da vida social – redes, normas e confiança – que capacitam os participantes a agir junto perseguindo objetivos partilhados; e engajamento cívico as conexões do povo com todas as dimensões da vida de suas comunidades; Putnam vai assinalar desde 1965 um decrescimento do tempo gasto pela população com o capital social e engajamento cívico paralelo ao crescimento do tempo gasto com a televisão, que teria se tornado a principal atividade de lazer devorando um tempo cada vez maior na vida da população americana. Com isto ele reforçava, através da pesquisa empírica realizada em diversas fontes independentes, a principal acusação dirigida contra as tecnologias da informação: elas promovem o isolamento individual e o desengajamento político corroendo a vida ativa das sociedades democráticas. Do
esvaziamento dos boliches e dos clubes ao crescimento da abstenção nas eleições, tudo isto viria das gerações que cresceram e se educaram sob a influência da revolução eletrônica nas tecnologias de comunicação que produziriam um efeito profundamente descentralizador e fragmentador na cultura e na sociedade.[7]
O esfriamento, propalado por Mcluhan como conseqüência dos meios eletrônicos de comunicação, ganhava uma inusitada e curiosa explicação nos resultados desta pesquisa, fazendo com que a diferença jihad/mcmundo nos ameaçasse agora, não apenas com a devastação mas, também, com a inanição.

O ciberespaço entre parênteses

Mais recentemente, em 2000, Fred Evans, de modo temporão, vai defender uma posição de conciliação, capaz de manter acesa a chama do otimismo de um pensamento como o de Rheingold embora aceite parte do criticismo de Fernback e Thompson e de Putnam. Por um lado a realidade das comunidades virtuais estaria confinada aos limites topológicos da Internet sem poder fugir de suas estreitas fronteiras. Por outro lado é exatamente este confinamento a que está submetida a Internet, e por extensão o ciberespaço construído em seu interior, que lhe permite revelar um dos mais importantes aspectos subjacente à democracia e à sociedade. Por ter uma realidade virtual ao invés de atual a Internet pode funcionar na casualidade feliz, a forma da epoché fenomenológica, permitindo-nos pôr entre parênteses o mundo que se confunde com nossas crenças correntes. Deste modo poderíamos entender a democracia, não como um processo de tomada de decisão e, sim, como "forma de vida", ou seja, como sendo baseada no aumento de certas características da existência individual e social. No espaço dialógico da realidade virtual da Internet a sociedade se revelaria "um corpo multi-vozes metamorfoseando-se", implicando para a democracia, real ou virtual, a necessidade de sustentar a interação ou a solidariedade das "vozes" do seu corpo e, ao mesmo tempo, de respeitar sua heterogeneidade. O ideal político da democracia seria a interação das vozes igualmente audíveis.[8]
A Internet como epoché ajudou-nos a ver que as comunidades humanas são trocas dialógicas entre vozes; que estas vozes ressoam umas nas outras – que cada uma é simultaneamente interior e exterior, a identidade e o outro, do todo; que as trocas entre sujeitos produzem novas vozes e então exemplificam uma virtude do dom-dando e uma ciber versão de uma economia do dom. Porque as vozes da comunidade são o que são à luz uma da outra, e porque a tensão criativa entre elas serendipituosamente cria novos discursos ou vozes, estas vozes estão continuamente se reajustando umas com as outras e assim continuamente modificando sua identidade. Nós podemos então sumariar o resultado que nossa "ciberepoché" revelou tão longe declarando que a sociedade é um corpo multi-vozes metamorfoseando-se – que o ser deste corpo é esta metamorfose.[9]
Existiria, portanto, um lado luminoso da Internet, se manifestando na criação de novas vozes em seu discurso indireto livre, mas, também, um lado negro que se manifestaria tanto na voz única de um avatar, a dominação de uma única voz ou discurso social direto – palavra de deus, pureza étnica ou racia l –, quanto no fechamento das comunidades em uma pluralidade exclusiva, a linguagem social estratificando-se em uma pletora de discursos indiretos fechados.[10]

O império e as redes

Este debate sobre as manifestações típicas da cibercultura e da sociedade em rede vai se desenvolver paralelamente na área do Departamento de Defesa norteamericano e das ciências sociais e exatas desembocando na questão das redes como modo de organização. Tanto a comunidade científica, quanto a comunidade de defesa, que participaram da construção das tecnologias da informação e da Internet, convergem neste ponto ao considerar esta questão fundamental. Para a comunidade científica a antiga compreensão da vida como "grande cadeia dos seres" ou como uma "progressão de hierarquias aninhadas" está dando lugar à visão de que ou bem o sistema vivo é uma mistura de hierarquias e redes entrecruzadas (Pagels, 1989 e La Porte, 1975), ou bem a rede da vida consiste em redes dentro de redes (Capra, 1996 e Kelly, 1994). Nesta nova forma de pensar as redes, a comunicação torna - se um modo de constituir os seres e não apenas um meio de trocar mensagens.
Para Arquilla e Ronfeldt, representantes do pensamento construtivista da RAND (Research Advanced of National Defense) – uma das principais agência de pesquisa ligada ao Departamento de Defesa norte-americano –, a emergência das formas de organização em rede, na esteira da propalada "revolução da informação", encontra amplo favorecimento no seio da sociedade global e anuncia uma profunda transformação na estruturação do mundo contemporâneo.
As redes parecem ser as próximas formas dominantes de organização – muito tempo depois do surgimento das tribos, hierarquias e mercados – a chegar ao seu próprio modo de redefinir as sociedades e assim fazendo, a natureza do conflito e da cooperação.[11]
Mesmo que, para eles, ainda não se possa prever o que resultará desta mudança radical, já se pode afirmar que as redes modificaram para melhor o perfil das sociedades. A partir de sua presença na estruturação do mundo os cenários de futuro ganharam um novo contorno com curiosas figuras a habitá-lo. Algumas redes vão sustentar a promessa de reformar setores específicos da sociedade gerando os enunciados de "democracia eletrônica", "corporações em rede" e "sociedade civil global".[12] Outras vão acreditar em efeitos mais amplos envolvendo a reconfiguração da sociedade como um todo de onde vão surgir os enunciados de "sociedade em rede" (Castells, 1999), "era da rede" (Kelly, 1994) e até mesmo a redefinição de "nações como redes" (Dertouzos, 1997).[13]
A longo prazo, o pensamento da rede tornar-se-á essencial para todos os ramos da ciência ao mesmo tempo em que lutamos para interpretar a enxurrada de dados vindos da neurobiologia, genôma, ecologia, finanças e da ampla teia mundial (World-Wide Web).[14]
De qualquer maneira, para Arquilla e Ronfeldt, a presença e a importância das redes na organização da sociedade não pode mais ser negada, tendo isto gerado vários estudos acadêmicos sobre a globalização que giram em torno da observação do crescimento da rede global e suas interconexões com as redes locais na sociedade. De todos estes textos, que envolvem tanto a análise do fundamento biológico das redes (ecologia, genética e etologia), quanto a análise da rede como fenômeno tecnológico, social e organizacional, vão se distinguir, para eles, os que emergem do mundo dos negócios, por seu caráter eminentemente prático, procurando determinar com precisão que tipos de estruturas e processos de rede funcionam, e quais não.
Estas análises geraram a distinção entre o sistema de gerenciamento mecânico (hierárquico e burocrático) e o orgânico (em forma de rede embora estratificado), assinalando a superioridade da forma orgânica por sua capacidade de lidar com rápidas mudanças de condições e inesperadas contingências. A capacidade da forma orgânica viria de sua estrutura de controle, autoridade e comunicação em forma de rede, privilegiando mais o direcionamento lateral da comunicação do que o vertical. Desta distinção emergirá a questão: rede se refere a certas características presentes em qualquer organização ou então está referida a uma forma particular de organização? Enquanto a resposta dada por Fukuyama[15] aponta na direção da primeira opção, a resposta dada por Castells16 elege decisivamente a segunda, juntamente com Arquilla e Ronfeldt que descobriram uma inusitada mutação sofrida por certas comunidades virtuais capaz de[16] apagar o "sentimentalismo" em que sua discussão estava imersa, substituindo-o por frias
indagações e assustadoras análises.[17]

O advento da rede de guerra

Para Arquilla e Ronfeldt a luta pelo futuro que faz o cotidiano de nossas manchetes não está sendo travada por exércitos liderados por Estados ou sendo conduzida por imensas e milionárias armas feitas para os tanques, aviões ou esquadras. Elas se desenvolvem através de grupos que operam em unidades pequenas e dispersas, podendo se desdobrar repentinamente em qualquer lugar ou tempo como uma incontrolável infecção por afluência popular (swarming). Eles sabem como enxamear e dispersar, penetrar e romper ou eludir e evadir. Os combatentes podem pertencer a redes de terroristas como a Al Qaeda, redes de traficantes como Cali, redes de militantes anarquistas como o Black Bloc, redes de luta política como o Zapatismo ou redes de ativistas da sociedade civil global como o DAN (Direct Action Network).[18]
Para compreender este modo emergente de luta e conflito, surgido na sociedade contemporânea a partir da revolução tecnológica que construiu a infra-estrutura do ciberespaço, Arquilla e Ronfeldt criaram em 1993 – mesmo ano do surgimento do conceito de comunidade virtual – o conceito de rede de guerra (netwar), como o oposto correlato do conceito de ciberguerra (cyberwar), também por eles gerado na mesma ocasião, ambos constituindo a maior parte do campo da infoguerra (infowar) no mundo atual.[19] Enquanto a ciberguerra compreenderia a luta de alta intensidade conduzida através de alta tecnologia militar travada por dois Estados (como, por exemplo, a Guerra do Golfo), a rede de guerra seria a luta de baixa intensidade travada de modo assimétrico por um Estado e grupos organizados em rede através do uso de táticas e estratégias que envolvem o intenso uso das novas tecnologias comunicacionais, da CMC e da Internet.
A rede de guerra é a contraparte de baixa intensidade no nível social de nosso conceito de ciberguerra, mais antigo e muito mais militarizado. A guerra de rede tem uma dupla natureza, como o deus romano de duas faces Janus, a qual é composta, por um lado, de conflitos travados por terroristas, criminosos e etnonacionalistas extremistas; e, por outro lado, por ativistas da sociedade civil. O que distingue a rede de guerra como uma forma de conflito é a estrutura organizacional em forma de rede de seus adeptos – com vários grupos estando atualmente estruturados no modo sem líder (leaderless) – e na sua ultra flexível habilidade de chegar rapidamente juntos em ataques de infecção por afluência popular (swarming attacks).
Os conceitos de ciberguerra e de rede de guerra abrange um novo espectro de conflito que emergiu na esteira da revolução da informação.[20]
No que diz respeito à conduta, para Arquilla e Ronfeldt a rede de guerra se refere a conflitos onde um combatente está organizado em forma de rede ou as emprega para as comunicações e o controle operacional.[21]Conforme o método desenvolvido para a análise de rede social, [22] a rede é um grupo (rede) formado por atores (nós) e seus vínculos (ligações) cujo relacionamento tem uma estrutura padronizada.[23]
Embora o modo organizacional que o ator da rede de guerra adote possa ter a forma topológica de estrela ou eixo (hub),[24] com alguns elementos centralizados; ou a de cadeia que é linear;[25] o principal design adotado será o de rede completamente conectada, também conhecida como rede "todos os canais" (all-channel) ou matriz completa (full-matrix), uma arquitetura que permite a comunicação e a interação de cada nó da rede diretamente com qualquer outro nó. De fato os atores da rede de guerra vão desenvolver estruturas híbridas incorporando as diversas for mas de rede dos modos mais variados tendo por base a estrutura "todos os canais".[26]
Mas o principal instrumento que deve ser usado para compreender uma rede é o de sua análise organizacional, pois enquanto para o analista social de redes determinar os grupos de atores com vínculos basta para sua compreensão, a análise organizacional ainda irá se perguntar se os atores se reconhecem como participantes da rede e se eles se comprometem com as suas operações.[27]
Embora os atores de uma rede de guerra possam fazer um intenso uso do ciberespaço, esta não é sua principal característica e eles podem subsistir e operar em áreas para além dele. Sendo um conflito de tipo não linear, a rede de guerra requer um novo paradigma analítico para ser entendida. O jogo oriental Go provê o novo modelo desta luta que não tem frentes de batalha, onde a defesa e o ataque se misturam, a formação de fortificações e acumulação de peças são um sedutor convite para ataques implosivos e a vitória é conquistada através do ganho de controle na maior quantidade do espaço de combate.[28]




O império se investiga

Arquilla e Ronfeldt, consideram essencial efetuar uma análise organizacional para compreender efetivamente a rede de guerra. Segundo um método próprio desenvolvido por eles – tendo por base a análise utilizada na literatura empresarial sobre os negócios e a da sociologia organizacional e econômica – devemos considerar, junto com o nível de seu design organizacional, os demais níveis que a compõem, como o narrativo da história que está sendo contada, o doutrinário dos métodos e estratégias de colaboração, o tecnológico dos sistemas de informação em uso e o social dos vínculos pessoais que asseguram a lealdade e a confiança.[29] De todos estes níveis chama a atenção a recente inclusão do nível narrativo como sendo determinante na compreensão da realidade da rede. Embora eles o apresentem abaixo do nível organizacional, acreditamos que sua importância pode vir a crescer sobrepujando a do design organizacional na constituição da rede. Vamos examinar estes diversos níveis em uma ordem diferente da apresentada pelos autores. Começaremos pelos níveis social e tecnológico por acreditarmos que eles dizem respeito à base material, humana ou técnica, da rede. Em seguida examinaremos o doutrinário que responde por seu modo de ação e o nível organizacional, que fala da ordem da rede. Por último veremos o narrativo, que nos parece o mais importante, pois diz respeito à constituição e sustentação da existência da rede.
O nível tecnológico da análise se pergunta pelo padrão e capacidade dos fluxos de informação e comunicação da rede e pelas tecnologias de suporte deles. Pergunta o quão integrados eles estão com os níveis organizacionais, narrativos e doutrinários. Telefones celulares, máquinas de fax, correio eletrônico e toda parafernália high-tech das tecnologias de informação coexistem aqui com as diversas mídias e os velhos mensageiros e encontros face-a-face. Já o nível social se pergunta o quão bem e de que modos os membros são pessoalmente conhecidos e conectados uns com os outros. É necessário saber o quanto a rede necessita de fortes vínculos pessoais familiares, de amizade ou de experiências unificadoras (escola, clubes, jogos, etc) para assegurar confiança e lealdade entre os membros. Para tanto, deve -se traçar os tipos de comunidades (de práticas, de ofícios, epistêmicas, clãs, etc) que integram a rede e seu sentido de identidade e lealdade pessoal para com ela.[30]
Que doutrina existe para possibilitar o melhor da forma de organização da rede? O que capacita aos seus membros agirem estrategicamente e taticamente sem precisar necessariamente se reportar a um comando central ou a um líder. A partilha de princípios e práticas condutores aceitos profundamente pelos membros pode fazer deles "uma única mente" mesmo que estejam dispersos e dedicados a diferentes tarefas. Isto provê coerência central ideacional, estratégica e operativa que permite a descentralização tática. Duas práticas doutrinárias são particularmente importantes em uma rede de guerra.
A primeira é dar a ela um modo de funcionamento o mais "sem líder" possível, seja pela ausência de lideranças ou pela multiplicação das lideranças, construindo um processo de tomada de decisões através do uso de mecanismos de consulta e formação de consenso. A outra é o uso da infecção por afluência popular (swarming) de um alvo como modo de combate. A infecção por afluência popular (swarming) é um modo estratégico – de aparência amorfa mas deliberadamente estruturado e coordenado – de golpear, vindo de todas as direções, um ponto particular ou vários pontos por meio de uma pulsação sustentável de força ou de fogo mantida a partir de uma posição de resistência próxima.
Esta pulsação sustentável de força ou de fogo será literal no caso de ação policial ou militar, mas metafórica no caso da ação de ativistas ligados às ONGs.[31]
Um exemplo do primeiro princípio é a doutrina da "resistência sem líder" elaborada pelo extremista de direita Louis Beam.[32] Usando o conceito de Resistência Sem Líder a rede se organiza através de células fantasmas e da ação individual de seus membros como "homens do momento" (minutemen)[33], de modo que os grupos e indivíduos operam independentes uns dos outros sem nunca se remeter a um quartel central ou líder único.[34]
A organização subterrânea da rede distingue quatro tipos diferentes de células codificadas e descentralizadas – células de comando, combate, apoio e comunicação – compostas por oito "homens do momento" e um líder cada uma. A partir de 1990 foram incluídos na doutrina a existência de "lobos solitários" que instigam atos violentos, como explodir alvos, fazendo parecer que são de sua própria iniciativa.[35]
Mas nas ONGs de ativistas da sociedade civil globalizada ambos os princípios serão manejados de modo mais flexível e bem elaborado: Hoje, uma das mais sofisticadas doutrinas para a rede de guerra social vem da Rede de Ação Direta (Direct Action Network) (DAN), que emergiu de
uma coalizão de ativistas dedicados a usar ação direta não violenta e desobediência civil para paralisar o encontro da OMC (WTO) em Seattle.
Sua abordagem da rede de guerra aproveita o essencial das idéias de infecção por afluência popular (swarming). Os participantes são convidados a se organizarem, a partir de sua própria escolha, em pequenos (5 a 20 pessoas) "grupos de afinidades" – "equipes de pessoas autosuficientes, pequenas e autônomas, que partilham certos princípios, objetivos, interesses, planos ou outras similaridades que as tornem capazes de trabalhar junto bem".[36]
Cada grupo decide por si quais ações seus membros vão responsabilizar-se, abrangendo do teatro de rua ao risco de ser preso [37]. Onde os grupos operam em proximidade uns para com os outros, eles são além disso organizados em "células" – mas podem também existir "grupos flutuantes" que se movem de acordo com o lugar onde são necessários. Diferentes pessoas em cada grupo assumem diferentes funções (por exemplo, ligação com a polícia), mas todo o esforço é feito para acentuar o fato de que nenhum grupo tem um líder único. Tudo isto é coordenado em um encontro de um conselho de porta-vozes para onde cada grupo envia um representante e as decisões são alcançadas através da consulta democrática e do consenso (em um outro tipo de abordagem que transforma o modo de organização em completamente "sem líder".[38]
Em que extensão um ator ou grupo de atores está organizado como uma rede? O que faz a rede ter sua disposição? Estas são as principais questões a serem respondidas na análise do nível organizacional. Como o design organizacional em uma rede de guerra diz respeito a híbridos o mais das vezes, os aspectos mais importantes a serem analisados são a variedade de "buracos estruturais"[39] e "pontes"[40] existentes e se os "atalhos"[41]
são utilizados de modo fácil e freqüente. Nas organizações de negócios a constituição de grupos de disciplinas entrecruzadas tornou-se fundamental para ajustar a empresa ao meio, rompendo com distinções de hierarquia, equipe, linhagem e um sem número de outras. As redes de guerra social desenvolvidas por ativistas de ONGs podem incluir instituições oficiais de governo em sua atuação, embora sua campanha não tenha nem escritórios centrais nem burocracia, funcionando através da livre coordenação e comunicação aberta entre seus diversos grupos a partir do objetivo comum. Esta flexibilidade e abertura serão impossíveis para as redes de guerra violentas como as formadas por terroristas ou criminosos que dependem da ocultação e do segredo em seu funcionamento. Elas precisarão misturar grupos de superfície difusos com grupos subterrâneos coesos para manter a integridade da cadeia de comandos através da coordenação horizontal entre grupos semi-autônomos com a liderança disseminada entre eles.[42]
Por que os membros assumiram e permanecem na rede? Esta é a questão que orienta o nível narrativo. Narrativas ou histórias sempre foram muito importantes para manter as pessoas unidas em uma organização pois elas podem exprimir o sentido de identidade e pertencimento – elas são capazes de dizer quem somos, porque estamos juntos e o que nos faz diferentes dos outros. Elas podem igualmente comunicar um sentido de causa, propósito e missão, exprimindo objetivos, métodos e disposições culturais – o que acreditamos, o que queremos fazer e como. A história certa pode manter as pessoas conectadas à rede que por sua flutuação não consegue antecipar a defecção.
Pode, também, gerar pontes entre diferentes redes e a percepção de que o movimento tem um momento vitorioso. "A rede mais forte será aquela na qual o design organizacional é sustentado por uma história vitoriosa e uma doutrina bem definida, e na qual tudo isto está de antemão reproduzindo-se como brotos em uma superfície."[43]

As redes de guerra e a multidão

Das diferentes formas híbridas de rede que se pode compor – as de topologia em grade ou reticulado, as de centro/periferia, as de turminha, as de "mundo pequeno", as esparramadas ou de teia de aranha, as policêntricas segmentadas (SPIN) – Arquilla e Ronfeldt vão sublinhar duas que prevalecem em dois tipos diferentes de redes de guerra. A primeira é a rede policêntrica segmentada que o sociólogo Luther Gerlach identificou ao estudar os movimentos sociais dos anos 60 nos Estados Unidos, batizando-a com a sigla SPIN – que significa retorcer ou revolver.[44]
Na definição de Gerlach:

Por segmentada quero dizer que ela é celular, composta de muitos grupos diferentes... . Por policêntrica quero dizer que ela tem muitos diferentes líderes ou centros de direção... . Por tendo forma de rede quero dizer que os segmentos e os líderes são integrados em um reticulado de sistemas ou redes através de vários vínculos estruturais, pessoais e ideológicos. Redes normalmente são ilimitadas e expansivas... . Este acrônimo [SPIN] nos ajuda a figurar esta organização como sendo uma fluida, dinâmica, expansiva espiral giratória dentro da sociedade corrente.[45]
Arquilla e Ronfeldt consideram esta forma topológica de rede paradigmática para o design das redes de guerra, tendo uma grande relevância para o entendimento de sua teoria e prática. Além de caracterizar as redes de vários movimentos ambientalistas e sociais desde os anos 60, caracterizaria também atualmente as redes terroristas, criminosas, etnonacionalistas e fundamentalistas em todo mundo.[46]
A outra deriva de um dos padrões ordenados descobertos por teóricos da complexidade na área das ciências exatas e sociais interessados em discernir os princípios comuns que explicam "a arquitetura da complexidade" através dos sistemas naturais e humanos; padrões presentes na estrutura e na dinâmica dos sistemas biológicos, ecológicos e sociais onde as redes são o princípio de organização. Este padrão se assemelha a uma rede teia de aranha com multi-eixos bem estruturados; ou um grupo de redes centro/periferia interconectados. Sua topologia se caracteriza por um pequeno número de nós fortemente interconectados que agem como eixos (hubs), aos quais se conectam um grande número de nós de fraca conexão mesmo que partilhando uma ligação "todos os canais". Socialmente este tipo de padrão se caracteriza por um ou mais atores operando como eixos chaves, em torno dos quais estão ordenados um grande
número de atores ligados aos eixos mas menos ligados uns com os outros, mesmo que as informações estejam disponíveis e partilhadas no modo "todos os canais" para todos os atores. Este padrão é muito resistente aos choques sistêmicos, a menos que algum eixo chave seja rompido ou destruído. Ele caracterizaria a rede de guerra do movimento Zapatista ou da Batalha de Seattle.[47]
Em uma rede de guerra arquetípica, as unidades provavelmente se parecem com um arranjo disperso de nós interconectados, agrupados para agir como uma rede "todos-canais". Casos recentes de rede de guerra social de ONGs ativistas contra o estado e atores das corporações – por exemplo, a série de campanhas ativistas contra o globalismo conhecidas como J18, N30, A16, etc. – mostra os ativistas formados em um design multi-eixo, aberto e "todos-canais", cuja força depende do livre fluxo de discussão e da partilha de informação.[48]
No exame dos dois tipos de modelo dominante das redes de guerra o nível narrativo reaparece em sua faceta constituinte por influenciar diretamente o problema da liderança tanto no que diz respeito à organização, quanto o que diz respeito à doutrina nas redes em geral e nas redes de guerra. Na rede de guerra a liderança permanece importante mesmo que os protagonistas façam todo o esforço para terem um design "sem líder". Um modo de conseguir isso é ter muitos líderes disseminados através da rede que procura funcionar por coordenação, sem controle central ou uma hierarquia. Isto pode criar problemas de coordenação – uma típica fraqueza do design das redes – mas, como foi freqüentemente notado, isso pode, também, evitar a eleição de um alvo pela contraliderança. Talvez o ponto mais significante e menos notado seja que o tipo de líder que pode ser mais importante para o desenvolvimento e conduta de uma rede de guerra não é o "grande homem" ou o líder administrativo que as pessoas estão acostumadas a ver, mas de preferência o líder doutrinário – o indivíduo ou grupos de indivíduos que, longe de agir como um comandante, está encarregado de dispor o fluxo de comunicações, a "história" exprimindo a rede de guerra, e a doutrina guiando sua estratégia e táticas.[49]
Embora nesta conceituação da relação entre narrativa e liderança Arquilla e Ronfeldt já apontem o aspecto mais relevante – o lugar central que a narrativa ocupa na organização e doutrina da rede – parecem ainda presos ao velho problema da autoria na narrativa. Se esta descrição se encaixa perfeitamente em redes de guerra fundamentalistas, etnonacionalistas ou criminosas, o mesmo não se pode dizer dela quando se trata da rede de guerra do movimento Zapatista ou a da Batalha de Seattle.
Nestas redes a narrativa é indissociável, como veremos, das conversações recorrentes que geram a montagem e o desenvolvimento da rede e dos testemunhos que acompanham o desenrolar de seus acontecimentos. Dito de outra maneira, se a forma da narrativa mítica parece ainda apropriada para caracterizar a coesão de uma rede como, por exemplo, a de Bin Laden, ela é completamente inapropriada para, por exemplo, a rede Zapatista e inconcebível para a rede de guerra social de ONGs ativistas, grupos anarquistas, grupos hackers, movimento estudantil e movimento ciberpunk contra o estado e atores das corporações que emergiu na Batalha de Seattle. Nas duas últimas redes a narrativa mais se assemelha ao roteiro de um filme experimental que vai sendo escrito não só pelo diretor, mas pelos atores e equipe, conforme a filmagem se desenrola.

Micropolítica da multidão

Examinemos, para uma diferenciação mais acurada, as análises convergentes do Departamento de Defesa norte-americano, através de Arquilla e Ronfeldt (2001, 2001 editores, 1997, 1996), e do economista, e ativista do movimento Zapatista, Harry Cleaver (1999, 1998, 1995,1994) sobre o zapatismo. Eles mostram de modo inequívoco como diferentes movimentos – o do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), o das comunidades indígenas de Chiapas e o de diversas Organizações Não-Governamentais (ONGs) mexicanas e internacionais – reuniram-se para montar a rede de guerra Zapatista. O movimento EZLN, quando emergiu com seu manifesto contra o NAFTA, era um grupo formado por pessoas oriundas da classe média educada mexicana, com pouca ou nenhuma ascendência indígena. Seu objetivo era criar um exército de guerrilha infiltrando-se na região de Chiapas – rica em urânio, madeira e petróleo – onde viviam diversas comunidades indígenas. Eles pretendiam sustentar uma estratégia bem tradicional de luta armada, conhecida no meio militar como "guerra da pulga", consistindo em manter a iniciativa através de ataques surpresa em pequenas unidades.
Em meio a desastrosos resultados militares, surgidos de problemas organizacionais e táticos durante as primeiras semanas de luta (que quase levaram o EZLN à extinção), eles buscavam o apoio das ONGs e outros membros da sociedade civil global e o apoio das comunidades indígenas. Os ativistas das ONGs, por seu lado, estavam interessadas em estimular uma forma de democracia no México na qual os atores da sociedade civil fossem fortes o bastante para contrabalançar o poder dos atores do estado e do mercado, ganhando um lugar de destaque nas tomadas de decisão da política pública que afetassem a sociedade civil. Seus ativistas, porém, não estavam nem um pouco interessados em conquistar o governo e tampouco queriam ajudar que algum grupo viesse a conquistá-lo.
Como resultado destas conversações o EZLN abandonou a conquista do governo mexicano como o principal objetivo de sua luta, retirando-o de seu discurso. Nele, a partir de então, os direitos das populações indígenas, o reconhecimento da participação da mulher e dos seus direitos na sociedade, a proteção ambiental, a luta pelos direitos humanos e pelos direitos dos trabalhadores subiram para o primeiro plano. Encorajados a vir para o México por Marcos e outros membros do EZLN, as ONGs já contatadas convidaram outras ONGs a se juntar a sua mobilização gerando um efeito em cadeia de grandes proporções. Um dinâmico movimento de afluência da multidão[50] cresceu pondo o governo mexicano e seu exército na defensiva paralisando sua investida militar. Uma coalizão de ONGs, misturando ONGs temáticas (direitos humanos, direitos indígenas, proteção do meio ambiente, etc) locais e globais com a APC (uma ONG que provê infra estrutura e meios técnicos para a construção de redes eletrônicas), formou-se e 4 congressos foram realizados em Chiapas, reunindo-as com o EZLN e as comunidades indígenas, fazendo emergir uma agenda comum de reivindicações e ações. O que havia começado como uma tradicional insurgência guerrilheira havia se transformado em uma
rede de guerra social pertencente a era da informação.
O processo de construção da aliança criou uma nova forma de organização – uma multiplicidade de grupos autônomos rizomaticamente conectados –, conectando várias espécies de lutas, através da América do Norte, que estavam anteriormente desconectadas e separadas.[51]
Tanto Arquilla e Ronfeldt, quanto Cleaver querem ver no EZLN o principal ator da coalizão e apontam Marcos como um excelente porta-voz do movimento Zapatista mais do que um líder. Para o pensamento do Departamento de Defesa norteamericano, Marcos faria parte de uma sofisticada tentativa do EZLN de quebrar seu isolamento político, permitindo-lhe combinar as suas pequenas unidades de ataque com as mobilizações nacionais e os apelos internacionais. Entretanto o EZLN não tem seus próprios laptops , conexão com a Internet, máquinas de fax e telefones celulares que estão com as ONGs mexicanas e internacionais. Mas Cleaver mostra como o apoio e a divulgação do movimento Zapatista se estruturou em torno de uma rede de trabalho voluntário ativista coordenada através da Internet de forma descentralizada composta por digitadores, tradutores, webdesigners, escritores, organizadores de listas de discussão e administradores de sítio. Stefan Wray, por sua vez, expõe como os hackers, depois do massacre de índios em Chiapas em fins de 1997, conceberam um modo de fazer da Internet um lugar para a ação direta não-violenta e a desobediência civil inventando o bloqueio virtual e o sit in virtual. Em 1998 o grupo Teatro Eletrônico de Distúrbios (Electronic Disturbance Theatre - EDT) cria o inundanet (floodnet) – uma aplicação em java para os navegadores (browsers) que repetidamente envia pedidos de recarregar para um sítio da Internet – concebido como um modo de convocar uma manifestação virtual onde uma multidão podia tentar paralisar ou derrubar um alvo usando esta aplicação (o projeto chamava-se significativamente SWARM, que significa enxame). O software foi chamado de Zapatista inundanet (floodnet) e inaugurou o casamento dos hackers com o ativismo político, mais tarde chamado de hacktivismo.[52]

A multidão armada

Tudo isto reforça a constatação da profunda mudança introduzida nas relações sociais e na base organizacional das comunidades através do acesso do indivíduo comum às tecnologias de Informação (TI) e comunicações mediadas por computador (CMC). Mostra, também, que o EZLN é diferente do movimento Zapatista, além de mostrar o desenvolvimento do movimento como uma poderosa convergência de diferentes redes (ONGs, indígenas, guerrilheiros, hackers, estudantes, intelectuais, etc) construindo uma comunidade que partilha uma agenda comum de reivindicações e ação e experimenta em sua própria construção modos democráticos de produção e tomada de decisão. Se olharmos para este movimento na perspectiva da luta política, ele se revela muito mais forte e adequado para conduzir uma guerra assimétrica contra o estado e as empresas porque estes últimos ainda estão embaraçados com o modo de organizar e institucionalizar suas relações através das hierarquias e mercados.
Analisada na perspectiva da construção social, a comunidade virtual do movimento Zapatista é uma comunidade real montada na esfera pública global do ciberespaço, capaz de construir a participação atual em ações comuns na vida de seus participantes e na vida cívica da sociedade civil mundial – o que afasta as objeções de Fernback e Thompson quanto a realidade das comunidades virtuais. Na perspectiva do capital social e do engajamento cívico – objeções de Putnam – ela nada deixa a desejar enquanto comunidade através das manifestações que promove pelo mundo, os congressos e encontros realizados em Chiapas e a marcha para a capital do méxico integrando grande parte de seus membros em uma caminhada cívica ao longo da região de Chiapas. Mas o mais importante dado é o fato da dicotomia jihad/macmundo desaparecer no interior da organização e prática da comunidade virtual do movimento Zapatista. A experiência desta comunidade não é a de um mundo destroçado, ameaçado de dissolução pelo totalitarismo homogeneizante ou tribalismo desagregador.
A globalização transformou a informação em uma arma e o estado, global ou local, está sempre envolto, pós-modernamente, nas guerras de informação.[53]
A ciberguerra, teorizada pela RAND logo após a Guerra do Golfo, revela a emergência de uma guerra imanente e absoluta, coextensiva à existência do Império com suas armas espaciais e tecnologias de destruição em massa. A guerra tornou-se algo tão ordinário na esfera imperial que as forças armadas dos EUA reduziram as tropas do exército, de 790 mil para 480 mil homens nos últimos dez anos, ao mesmo tempo em que empresas privadas passaram a vender operações de guerra – ciberguerra, rede de guerra, infoguerra – para os estados e as corporações.[54]
O vasto material, produzido nos últimos 10 anos pelas pesquisas da RAND e demais intelectuais ligados ao Departamento de Defesa norte-americano, não deixam margem para dúvidas: vivemos em guerra permanente – mesmo os negócios tornaram-se operações especializadas de guerra – e as armas usadas a maior parte do tempo são as notícias que os jornais, rádios, televisões e revistas despejam sobre as populações em seu bombardeio incessante e a capacidade de comunicação, controle e comando do ciberespaço. O movimento Zapatista percebeu com clareza a atual condição quando anunciou aos quatro ventos que a quarta guerra mundial havia começado.[55] A suprema ironia é que parte dos inimigos atuais do império – fundamentalistas, traficantes e etnonacionalistas – são os antigos aliados da guerra-fria, armados e enriquecidos pela luta anti-comunista através das operações encobertas do Departamento de Defesa norte-americano.[56]
Mas através das comunidades virtuais do ciberespaço a multidão está armada e as redes, que sempre construiu para lutar contra o poder político burguês, tornaram-se poderosas redes de guerra, paralisando o uso das armas de aniquilação do poder global e rompendo com sua cadeia de medo orquestrada pela mídia oficial usando da contra-informação. A comunidade virtual é uma rede de guerra lutando contra os estados global e locais, mas seu combate se desenvolve através de sua própria construção como um modo surpreendente de inventar valores e práticas democráticas no seu interior, utilizando as tecnologias da informação e a comunicação mediada por computador.

O futuro da democracia

As redes de guerra do tipo SPIN oscilam entre a rostficação e a voz única do discurso social direto de um avatar – retomando a análise de Evans –, como no caso da rede Bin Laden; ou na guetificação de uma pluralidade exclusiva dominada pelo ideal de um discurso indireto fechado, como no caso da rede sedicionista dos Americanos Patriotas Católicos – durante um certo tempo esta limitação foi um problema que assombrava, também, as redes ativistas das ONGs. Mas as redes de teia de aranha são corpos em metamorfose exprimindo-se através do discurso indireto livre gerador de novas vozes e novos gestos. Elas não comportam em sua narrativa um rosto ou um ideal.[57] Mas, ao contrário do que pensava Evans, elas não dependem da casualidade feliz – a serendiptuosidade – de seu fechamento fenomenológico em uma ciberepoché eletrônica capaz de pôr o mundo entre parenteses. Pois seus gestos e suas palavras não se constroem no confinamento topológico de uma rede eletrônica, mas no amplo e aberto espaço sóciopsíquico global, que envolve o mundo construído com o auxílio das teias das tecnologias da informação(TI).
Ao contrário do que acredita a fenomenologia, não é o mundo que precisa ser posto entre parênteses para que o entendimento venha habitá -lo, mas é o pensamento que precisa fugir deste parêntese mental onde o confinaram e conquistar, de direito, aquilo que de fato nunca deixou de ser seu: o território das comunidades que povoam o mundo. O até hoje chamado "espaço real" foi construído expulsando-se o pensamento da concepção euclidiana do espaço e da objetividade constitutivas do mundo. O entendimento das redes nos permite, hoje, devolver ao pensamento a realidade do espaço, sua cidadania real no seio do mundo, afirmando que o assim chamado "espaço real" é apenas um caso do ciberespaço, e que o espaço virtual é aquele que de fato nós sempre habitamos. Nele uma democracia torna-se possível porque a multidão armada pelas tecnologias da informação (TI) e comunicação mediada por computador faz o problema da cidadania pós-moderna e da segurança pública convergirem na direção da organização das comunidades virtuais, apontando na direção de um novo pacto democrático. Como na antiga grécia a construção do exército hoplita – feita pelas elites para fugir do terror despótico do gigantesco exército Persa – armou o povo, que insurrecionado, gerou a invenção da cidadania e do estado democrático.

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Notas

[1]Para o conceito de Império e de multidão cf. Antonio Negri e Michael Hardt (2001), Império, Rio de Janeiro: Record, p. 14-15 e 21-60 para Império e p. 15 e 61-84 para multidão.

[2] Cf. Howard Rheingold (1993), The Virtual Community. Homesteading on the Electronic Frontier , Nova York: Harper Collins. Endereço eletrônico em: http://www.rheingold.com/vc/book/.

[3] Cf. Howard Rheingold (1993), op. cit.

[4] Este ensaio rapidamente tornou-se referência obrigatória no debate sobre a cibercultura. Cf. Benjamin R. Barber (1992), Jihad Vs. McWorld, In: The Atlantic Monthly, Boston: Atlantic Monthly, v. 269, n. 3 (março), p. 53-65. Endereço eletrônico em: http://www.theatlantic.com/politics/foreign/barberf.htm.

[5] Cf. Howard Rheingold (1993), op. cit.

[6] Cf. Jan Fernback e Brad Thompson (1995), Virtual Communities: Abort, Retry, Failure? USA: Rheingold. Endereço eletrônico em: http://www.rheingold.com/texts/techpolitix/VCcivil.html.

[7] Cf. Robert D. Putnam (1996), The Strange Disappearance of Civic America, In: The American Prospect, Boston, MA: American Prospect, v. 7, n. 24. Endereço eletrônico em: http://www.prospect.org/print/V7/24/putnam-r.html.

[8]Cf. Fred Evans (2000), Cyberspace and the Concept of Democracy, In FirstMonday, Chicago: University of Illinois, ano 5, n. 10. Endereço eletrônico em: http://www.firstmonday.org/issues/issue5_10/evans/index.html.

[9] Fred Evans (2000), op. cit. A tradução é nossa. "The Internet as epoché has helped us see that human communities are dialogical exchanges among voices; that these voices resound in one another - that each is simultaneously inside and outside, the identity and the other, of the rest; that exchanges among subjects produce new voices and therefore exemplify a gift-giving virtue and a cyber version of a gift economy. Because the voices of the community are what they are in light of one another, and because the creative tension among them serendipitously creates new discourses or voices, these voices are continually readjusting to one another and thus continually modifying their identity. We can therefore summarize the results that our "cyberepoché" has revealed so far by stating that society is a metamorphosing multi-voiced
body – that the being of this body is its metamorphosis."

[10]Cf. Fred Evans (2000), op. cit.

[11]David Ronfeldt e John Arquilla (2001), What Next for Networks and Netwars?, In idem (editores), Networks and Netwars: the Future of Terror, Crime and Militancy, Santa Monica, CA: RAND, p. 311. Endereço eletrônico em: http://www.rand.org/publications/MR/MR1382/. A tradução é nossa. "The network appears to be the next major form of organization – long after tribes, hierarchies, and markets – to come into its own to redefine societies, and in so doing, the nature of conflict and cooperation."

[12]A literatura sobre estes conceitos é hoje bastante vasta.

[13]David Ronfeldt e John Arquilla (2001), What Next for Networks and Netwars? In: op. cit., p. 311-312.

[14]Steven H. Strogatz (2001), Exploring Complex Networks In Nature, v. 410, (8 de março), p. 275. A tradução é nossa. "In the longer run, network thinking will become essential to all branches of science as we struggle to interpret the data pouring in from neurobiology, genomics, eco logy, finance and the World-Wide Web."

[15] Frank Fukuyama (1999), The Great Disruption: Human Nature and the Reconstitution of Social Order , Nova Iorque: Free Press. "If we understand a network not as a type of formal organization, but as social capital, we will have much better insight into what a network's economic function really is. By this view, a network is a moral relationship of trust: A network is a group of individual agents who share informal norms or values beyond those necessary for ordinary market transactions. The norms and values encompassed under this definition can extend from the simple norm of reciprocity shared between two friends to the complex value systems created by organized religions".

[16]Manuel Castells (1999), A sociedade em rede, São Paulo: Paz e Terra. "Our exploration of emergent social structures across domains of human activity and experience leads to an overarching conclusion: as a historical trend, dominant functions and processes in the information age are increasingly organized around networks. Networks constitute the new social morphology of our societies ... While the networking form of social organization has existed in other times and spaces, the new information technology paradigm provides the material basis for its pervasive expansion throughout the entire social structure."

[17]Cf. David Ronfeldt e John Arquilla (2001), What Next for Networks and Netwars? In: op. cit., p. 312-322.

[18]Cf. David Ronfeldt e John Arquilla (2001), Networks, Netwars and the Fight for the Future In FirstMonday, Chicago: University of Illinois, ano 6, n. 10 (outubro). Endereço eletrônico em: http://www.firstmonday.org/issues/issue6_10/ronfeldt/index.html. "The fight for the future makes daily headlines. Its battles are not between the armies of leading states, nor are its weapons the large, expensive tanks, planes and fleets of regular armed forces. Rather, the combatants come from violent terrorist networks like Osama bin Laden's al-Qaeda, drug cartels like those in Colombia and Mexico, and militant anarchists like the Black Bloc that ran amok during the Battle of Seattle. Other protagonists – ones who often benefit U.S. interests – are networked civil-society activists fighting for democracy and human rights around the world. From the Battle of Seattle to the "attack on America," these networks are proving very hard to deal with; some are winning. What all have in common is that they operate in small, dispersed units that can deploy nimbly – anywhere, anytime. All feature network forms of organization, doctrine, strategy, and technology attuned to the information age. They know how to swarm and disperse, penetrate and disrupt, as well as elude and evade. The tactics they use range from battles of ideas to acts of sabotage – and many tactics involve the Internet."

[19]Cf. David Ronfeldt e John Arquilla (1993), Cyberwar is Coming, Philadelphia: Taylor & Francis.

[20]David Ronfeldt e John Arquilla (2001), Summary In: idem (editores), op. cit., p.IX. A tradução é nossa. "Netwar is the lower-intensity, societal-level counterpart to our earlier mostly military concept of cyberwar. Netwar has a dual nature, like the two-faced Roman god Janus, in that it is composed of conflicts waged, on the one hand, by terrorists, criminals, and ethnonationalist extremists; and by civil-society activists on the other. What distinguishes netwar as a form of conflict is the networked organizational structure of its practitioners – with many groups actually being leaderless – and the suppleness in their ability to come together quickly in swarming attacks. The concepts of cyberwar and netwar encompass a new spectrum of conflict that is emerging in the wake of the information revolution."

[21]Cf. David Ronfeldt e John Arquilla (1996), The Advent of Netwar, Santa Monica, CA: RAND, p.VII. Endereço eletrônico em: http://www.rand.org/publications/MR/MR789/.

[22]Cf. Linton C. Freeman, (2000), Visualizing Social Networks, Journal of Social Structure, v. 1, n. 1 (4 de fevereiro). Endereço eletrônico em: http://www.heinz.cmu.edu/project/INSNA/joss/vsn.html.

[23]Cf. David Ronfeldt e John Arquilla (2001), op. cit

[24]Topologia de rede em que os membros são vinculados a um nó central e devem passar por ele para se comunicar uns com os outros.

[25] Topologia de rede em que os membros são vinculados em uma fila e a comunicação deve fluir através de um ator adjacente antes de chegar ao próximo.

[26]Cf. David Ronfeldt e John Arquilla (1996), op. cit., p.VII.

[27]Cf. David Ronfeldt e John Arquilla (2001), op. cit.

[28] Cf. David Ronfeldt e John Arquilla (1996), op. cit., p. VII-VIII. Embora Arquilla e Ronfeldt ressaltem o controle do território na vitória do Go, o que o jogo de fato privilegia é a quantidade de espaços livres no território controlado, algo que faz toda a diferença.

[29] Cf. David Ronfeldt e John Arquilla (2001), op. cit.

[30]Cf. David Ronfeldt e John Arquilla (2001), op. cit.

[31]Cf. David Ronfeldt e John Arquilla (2001), op. cit.

[32]Cf. Louis Beam (1992), Leaderless Resistance In The Seditionist, USA: n. 12 (fevereiro). Endereço eletrônico em: http://www.louisbeam.com/leaderless.htm.

[33] O "homem do momento" (minutemen) é uma figura que tem suas raízes na experiência da Sedição Americana e no uso das milícias como forma de luta contra a dominação imperialista inglesa. Ele é um indivíduo permanentemente pronto para entrar em ação quando o momento exigir, mas age cotidianamente como um homem normal desvinculado da luta política.

[34]Cf. Louis Beam (1992), op. cit.

[35]Cf. David Ronfeldt e John Arquilla (2001), op. cit.

[36]Cf. o endereço eletrônico do DAN em: http://cdan.org/. Para um testemunho da ação do DAN na Batalha

de Seattle cf. Starhawk (1999), Como bloqueamos a OMC In: Lugar Comum – Estudos de Mídia,Cultura e Democracia (2000), Rio de Janeiro: NEPCOM, n. 11, p. 9-14.

[37]Uma das tarefas em um grupo de afinidade é a ligação com a polícia, o que acarreta o risco de que a pessoa encarregada seja percebida como líder do grupo, quando de fato o grupo não tem líder tomando todas as suas decisões por consenso.

[38]Cf. David Ronfeldt e John Arquilla (2001), op. cit. A tradução é nossa. "Today, one of the most sophisticated doctrines for social netwar comes from the Direct Action Network (DAN), which arose from a coalition of activists dedicated to using nonviolent direct action and civil disobedience to halt the WTO meeting in Seattle. Its approach to netwar epitomizes swarming ideas. Participants are asked to organize, at their own choice, into small (5-20 people) "affinity groups" – "self-sufficient, small, autonomous teams of people who share certain principles, goals, interests, plans or other similarities that enable them to work together well". Each group decides for itself what actions its members will undertake, ranging from street theater to risking arrest. Where groups operate in proximity to each other, they are further organized into "clusters" – but there may also be "flying groups" that move about according to where needed. Different people in each group take up different functions (e.g., police liaison), but every effort is made to make the point that no group has a single leader. All this is coordinated at spokescouncil meetings where each group sends a representative and decisions are reached through democratic consultation and consensus (in yet another approach to leaderlessness)."

[39]Uma rede constitui um "buraco estrutural" ao conectar um ator involuntário em suas operações. Um policial corrompido é uma "ponte" que constitui um "buraco estrutural" entre uma rede criminosa e a instituição policial.

[40]As "pontes" conectam uma rede a outra rede dando -lhes um funcionamento integrado ou mesmo fundindo-as em uma nova rede.

[41]"Atalhos" possibilitam atores distantes se conectarem em apenas alguns saltos através de intermediários e são a base de uma "rede de mundo pequeno".

[42]Cf. David Ronfeldt e John Arquilla (2001), op. cit.

[43]Cf. David Ronfeldt e John Arquilla (2001), op. cit. A tradução é nossa. "The strongest networks will be those in which the organizational design is sustained by a winning story and a well-defined doctrine, and in which all this is layered atop advanced."

[44]Cf. David Ronfeldt e John Arquilla (2001), op. cit.

[45]Cf. Luther P. Gerlach (1987), Protest Movement and the Construction of Risk, p. 115, In: Brandem B. Johnson and Vincent T. Covello (editores), The Social and Cultural Construction of Risk: Essays on Risk Selection and Perception, Boston: D. Reidel, p. 103-145.

[46] Cf. David Ronfeldt e John Arquilla (2001), op. cit.

[47]Cf. David Ronfeldt e John Arquilla (2001), op. cit.

[48]Cf. David Ronfeldt e John Arquilla (2001), op. cit. A tradução é nossa. "In an archetypal netwar, the unitsare likely to resemble an array of dispersed, internetted nodes set to act as an all-channel network. Recent cases of social netwar by activist NGOs against state and corporate actors - e.g., the series of activist campaigns aga inst globalism known as J18, N30, A16, etc. - show the activists forming into open, allchannel, and multi-hub designs whose strength depends on free-flowing discussion and information sharing."

[49]Cf. David Ronfeldt e John Arquilla (2001), op. cit. A tradução é nossa. "In netwar, leadership remains important, even though the protagonists may make every effort to have a leaderless design. One way to accomplish this is to have many leaders diffused throughout the network who try to act in coordination, without central control or a hierarchy. This can create coordination problems - a typical weakness of network designs - but, as often noted, it can also obviate counterleadership targeting. Perhaps a more significant, less noted point is that the kind of leader who may be most important for the development and conduct of a netwar is not the "great man" or the administrative leader that people are accustomed to seeing, but rather the doctrinal leadership - the individual or set of individuals who, far from acting as commander, is in charge of shaping the flow of communications, the "story" expressing the netwar, and the doctrine guiding its strategy and tactics."

[50]Os teóricos do Departamento de Defesa norte-americano preferem chamar de "infecção por afluência popular" ("swarming") revelando a boca torta do cachimbo que usam.

[51]Harry Cleaver, (1994). The Chiapas Uprising and the Future of Class Struggle in the New World Order , Pádua: RIFF-RAFF. Endereço eletrônico com o título The Chiapas Uprising Feb94 em: gopher://mundo.eco.utexas.edu/11/fac/hmcleave/Cleaver Papers/. A tradução é nossa. "The process of alliance building has created a new organizational form – a multiplicity of rhizomatically connected autonomous groups – that is connecting all kinds of struggles throughout North America that have previously been disconnected and separate."

[52]Stefan Wray (1998), Electronic Civil Disobedience and the World Wide Web of Hacktivism, Nova Iorque:
Drake University. Endereço eletrônico em: http://www.nyu.edu/projects/wray/wwwhack.html.


[53]Cf. Carlo Kopp (2000). Information Warfare, Sydney: Auscom. Endereço eletrônico em: http://www.infowar.com/info_ops/00/info_ops033000b_j.shtml.

[54]Cf. Carmelo Ruiz Marrero (2001), La Privatización de la Guerra, In Rebelión, Espanha: Rebelión. Endereço eletrônico em: http://www.rebelion.org/international/ruiz201201.htm.

[55]Cf. Sub -Comandante Marcos (1997), La Quatrème Guerre Mondiale a Commencé, In: Le Monde Diplomatique, Paris: Le Monde Diplomatique, agosto. Endereço eletrônico em: http://www.mondediplomatique/. fr/1997/08/MARCOS/8976.html.

[56]Cf. David Isenberg (1989). The Pitfalls of U.S. Covert Operations, In Policy Analysis , Washington, D. C.: Cato Institute, n. 118 (7 de abril). Endereço eletrônico em: http://www.infowar.com/mil_c4i/01/mil_c4i_111301a_j.shtml.

[57]Quando por ocasião do grande comício do EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional), após a chegada da marcha Zapatista à capital do México, perguntaram ao subcomandante Marcos, em uma entrevista, qual seria o seu rosto. Ele respondeu que para conhecer o seu rosto bastava às pessoas se olharem no espelho. Perguntado, também, porque não estava no palanque do comício, Marcos respondeu que ele era apenas um subcomandante da EZLN e não um líder.