segunda-feira, 15 de junho de 2009

Classe média do medo


O medo da classe sem destino


A classe média, "é a única classe social que paga juros para se apresentar socialmente", analisa José de Souza Martins, sociólogo, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 14-06-2009. Segundo ele, "comportamentos de direita na nova classe média estão marcados por outra característica própria do despistamento e do caráter dessa categoria social: a usurpação da ideologia da esquerda para sustentar práticas de direita".

Eis o artigo.

O previsto fim da classe média, em face da crise econômica e da recessão eufemisticamente chamada de "técnica", é improvável, pois a classe média é média porque está no meio de extremos, que com a crise se radicalizam. Não obstante, há uma classe média no que esse estrato social consolidou como padrão de consumo e padrão de comportamento, traduzidos numa mentalidade própria e peculiar, a do medo. A classe média se constitui na única classe sem destino e, portanto, a que mais teme as incertezas que a rodeiam. É, sem dúvida, a que mais facilmente se dá conta de que as coisas vão mal e a que mais prontamente reage contra mudanças e riscos, com facilidade tornando-se conservadora e direitista.

Aqui as coisas acontecem de modo diverso do que ocorre nos países prósperos. O favorecimento da direita, nas recentes eleições europeias, indica uma rápida tradução política da crise econômica. Na ameaça, ela reflui para a defesa corporativa de seus interesses e de seus privilégios, elege inimigos e culpados, como os estrangeiros, radicaliza e cinde a sociedade. Na vida cotidiana ela já exercita o radicalismo compensatório que supostamente a protege contra o que ameaça banir seus membros para os estratos inferiores da sociedade.

O sociólogo americano C. Wright Mills, autor do melhor estudo já feito sobre a classe média, a define como a classe do homem pequeno, na mentalidade minúscula que rege sua vida de todo dia. Desprovido de originalidade porque sobrevive na dependência de um desempenho teatral, é antes de tudo imitador e copista. Faz sacrifícios imensos, pagando prestações, para ter os itens do consumismo e do modo de vida que o insere no teatro das aparências que é a sociedade moderna. É a única classe social que paga juros para se apresentar socialmente.

É próprio da classe média a adoção de um equipamento de identificação, como trajes, calçados, adornos pessoais e objetos complementares, como óculos, relógios e agora o celular, que no seu cenário de ocultamento cotidiano, que é a rua, lhe permita imitar quem não é, mas gostaria de ser, a elite cujos padrões são difundidos pelo cinema, pela televisão e pelos jornais e revistas. Os modos e gestos, a fala e a postura do corpo completam essa adaptação imitativa que torna a vida suportável e escamoteia as crises econômicas cada vez mais frequentes.

No Brasil, a classe média tem características singulares decorrentes de sua história peculiar. Aqui ela se propôs, com a difusão do trabalho livre, muito aquém do marco liberal, contratual e racional que lhe foi próprio nos Estados Unidos e nos mais avançados países europeus. Em nosso marco próprio definiu-se nossa ideologia da ascensão social pelo trabalho, o caminho dos trabalhadores para a classe média. A ideologia da ascensão pressupunha méritos para escalar os degraus do escape das posições sociais ínfimas. Portanto, regulava não só o ritmo da mobilidade social, mas também instituía um certo conformismo na mudança. Até os anos 50, a ascensão se estendia por pelo menos três gerações até que avós pudessem ver seus netos claramente situados na classe média, empregados em ocupações de trajes limpos e compostos, prisioneiros da deferência cerimonial no trato de terceiros, adotando modos e gestos de distanciamento social em relação aos inferiores. Mudanças profundas começaram a ocorrer nos mesmos anos 50, sobretudo com a expansão industrial, a ampliação da indústria automobilística e as migrações originárias do campo. Uma certa pressa no progresso pessoal se difundiu, baseada na valorização da escola e da educação como meio de ascensão social, operários seguros de que seus filhos seriam doutores.

A mentalidade ascensionista sofreu, porém, profundas mudanças e adaptações num cenário em que o crescimento populacional urbano parece cada vez mais descompassado com as oportunidades de inserção individual na prosperidade econômica de um país que empresta US$ 10 bilhões ao FMI, mas não assegura emprego e salário digno às novas gerações. Mais importante do que a educação veio a ser o diploma, mais importante do que a personalidade veio a ser a vestimenta, mais importante do que a classe social veio a ser a ideologia de classe.

A consciência de classe média persistiu, porém não mais como consciência da obrigação dos sacrifícios próprios das conquistas pessoais, do preço a pagar pela ascensão, mas como consciência do débito entre o desejado e o realizado, do preço a receber pela condição de classe. A nova classe média brasileira não está perecendo, mas está em franca decadência, o que pode ser observado todos os dias, nos últimos anos, no tipo de reivindicação que faz e no protesto que grita. As reivindicações corporativas, como as das cotas de todo tipo para ingresso nas universidades proclamam a disseminação de um novo vestibular, não mais para selecionar talentos, mas para distribuir privilégios, o vestibular das cotoveladas nos direitos universais em nome dos direitos corporativos. Ainda nestes dias, nos incidentes ocorridos na Cidade Universitária, na USP, tivemos claras evidências da inversão de valores da velha classe média na prática da nova classe média. Os estudantes opõem-se à implantação, pela Secretaria de Ensino Superior de São Paulo, da Universidade Virtual, que seguindo o exemplo dos países modernos, tornaria o ensino superior de boa qualidade acessível a populações privadas dessa possibilidade. No fundo, levantam a bandeira reacionária de pretenderem o ensino público e gratuito só para si. Os professores não foram por via diferente: numa assembleia de 94 docentes, 80 votaram pela greve e a impuseram aos outros cerca de 4.900 professores da USP, que não delegaram à minoria ínfima o direito de decidir por eles. Comportamentos de direita na nova classe média estão marcados por outra característica própria do despistamento e do caráter dessa categoria social: a usurpação da ideologia da esquerda para sustentar práticas de direita.


O pecado da carne


"Alimentar animais com cereais e outros grãos, em vez de capim, que não concorre com cardápio humano, é uma aberração ecológica, e cujos danos ambientais, que ainda não se refletem sobre os preços, já pairam no ar", escreve Tomás Togni Tarquínio, antropólogo e ambientalista, em artigo publicado no Jornal de Brasília e reproduzido por EcoDebate, 15-06-2009.

Segundo ele, "devastamos nossos cerrados e florestas para produzir soja que, ao final, somente 10% será transformada em carne, leite e derivados na Europa e Ásia. Os 90% restantes são dissipados em calor e transformados em um caríssimo estrume. Enquanto que o planeta abriga um bilhão de pessoas subnutridas. A resposta para esse sistema de produção e consumo predatório e desigual somente poderá surgir da Ecologia Política, que no Brasil, infelizmente, ainda é vista como um simples problema de bagres".

Eis o artigo.

No registro sagrado, seria questão de tratar do pecado da luxúria, mas como o registro é profano, o problema é a gula. Rajendra Pachauri, Prêmio Nobel e presidente do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC), tem razão ao dizer que devemos comer menos carne bovina para conter as modificações climáticas. A criação de animais confinados, junto com as queimadas, são os principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa produzidas pelo setor primário. O consumo mundial de carnes passou de 145 milhões de toneladas em 1990 para 272 milhões em 2007. Praticamente dobrou em 15 anos.

A criação intensiva de animais depende da agricultura para alimentar os rebanhos. Essa agricultura, que segue os padrões da revolução verde, é voraz consumidora de matérias e energia, sob a forma de adubos, máquinas, equipamentos e outros insumos. A criação intensiva também exige muito espaço, não para os animais confinados, mas para cultivar os grãos, cereais e forragens que os alimentam. Um terço da superfície agrícola útil do planeta está ocupado por culturas destinadas à alimentação de animais confinados. Mas a Ciência Ecológica nos ensina que os animais, particularmente os mamíferos, são péssimos transformadores de produção primária (vegetal) em produção secundária (animal).

Em outros termos, para se obter um quilo de carne a vaca é preciso alimentá-la com dez quilos de vegetais (matéria seca). Ora, no caso da pecuária intensiva, um quilo de boi é feito com oito quilos de grãos (soja, trigo, milho) e com mais dois quilos de forragens (afinal trata-se de um herbívoro e não de um granívoro ou carnívoro). Além do mais, essas culturas de grãos são exigentes em água. A produção de um quilo de trigo necessita, pelo menos, mil litros de água, ou seja, um quilo de boi alimentado com rações a base de cereais consome, direta ou indiretamente, algo em torno de 10 mil litros de água. Quanto às emissões de CO2, a produção de quilo de carne de boi confinado emite, aproximadamente, 25 quilos de equivalente CO2 (dez vezes mais do que a produção confinada de aves). Emite a mesma quantidade de gases de efeito estufa do que um carro ao percorrer cem quilômetros.

Por essa razão, alimentar animais com cereais e outros grãos, em vez de capim, que não concorre com cardápio humano, é uma aberração ecológica, e cujos danos ambientais, que ainda não se refletem sobre os preços, já pairam no ar.

Devastamos nossos cerrados e florestas para produzir soja que, ao final, somente 10% será transformada em carne, leite e derivados na Europa e Ásia. Os 90% restantes são dissipados em calor e transformados em um caríssimo estrume. Enquanto que o planeta abriga um bilhão de pessoas subnutridas. A resposta para esse sistema de produção e consumo predatório e desigual somente poderá surgir da Ecologia Política, que no Brasil, infelizmente, ainda é vista como um simples problema de bagres.


O mapa acima mostra o avanço da soja

sobre o território brasileiro entre 1960 e 1997 (em verde)




Mega-monitoramento


MONITORAMENTO DE CONTAS PELO BANCO CENTRAL

Apelidado de Hal, o cérebro eletrônico mais poderoso de Brasília fiscalizará as contas bancárias de todos os brasileiros, incluindo poupanças e investimentos.Também se presta a acompanhar os ingressos e remessas de dividas no e para o Brasil.

Desde a manhã da segunda-feira (07/05), trabalha sem cessar no quinto subsolo do Banco Central um supercomputador instalado especialmente para reunir, atualizar e fiscalizar todas as contas bancárias das 182 instituições financeiras instaladas no País.

Seu nome oficial é Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional - CCS na sigla abreviada, já apelidado de HAL "o sabichão".

A primeira carga de informações que o computador recebeu durou quatro dias ininterruptos (+ de 100 h).
Ao final do processo, ele havia criado nada menos que 150 milhões de diferentes pastas (uma para cada correntista do País), interligadas por CPF's e CNPJ's aos nomes dos titulares e de seus procuradores.

A cada dia, Hal acrescentará a seus arquivos cerca de um milhão de novos registros, em informações providas pelo sistema bancário. Outra carga deverá ser feita com as informações do antigo sistema da CPMF, que embora não seja mais cobrada, ainda capta dados das contas.

A partir desta semana, quando o sistema se estabilizar, o CCS deverá responder a cerca de 3 mil consultas diárias e disponível 24 h por dia.


Toda conta que for aberta, fechada, movimentada ou abandonada, em qualquer banco do País, estará armazenada ali, com origem, destino e nome do proprietário, podendo gerar certidão com níveis diversos de informações, todas autenticadas e com validade oficial como prova.

São três servidores e cinco CPU's de diversas marcas trabalhando simultaneamente, no que se costuma chamar de cluster. Idêntico potencial somente no Pentágono e na NASA.

Este conjunto é o novo coração de um grande sistema de processamento que ocupa um andar inteiro do edifício-sede do Banco Central.

Seu poderio não vem da capacidade bruta de processamento, mas do software que o equipa.

Desenvolvida pelo próprio BC, a inteligência artificial do Hal consumiu a maior parte dos quase R$ 20 milhões destinados ao projeto - gastos principalmente com a compra de equipamentos e o pagamento da mão-de-obra especializada.

Só há dois sistemas parecidos no planeta. Um na Alemanha, outro na França. Mas ambos são inferiores ao brasileiro. No alemão, por exemplo, a defasagem entre a abertura de uma conta bancária e seu registro no computador é de dois meses. No francês é de 21 dias.

Aqui, o prazo é de, no máximo, dois dias. Não por acaso, para chegar perto do Hal, é preciso passar por três portas blindadas, com código de acesso especial (digital tripla, pela íris e com dupla senha).

Visto em perspectiva, o sistema é o complemento tecnológico do Sistema Brasileiro de Pagamentos (SBP), que, nos anos de Armínio Fraga à frente do BC (2000), uniformizou as relações entre os bancos, as pessoas, empresas e o governo.

Com o Hal, o Banco Central ganha uma ferramenta tecnológica a altura de um sistema financeiro altamente informatizado e moderno.

Estamos na vanguarda e vamos prestar um serviço contra a sonegação e corrupção - diz o diretor de Administração do BC, João Antônio Fleury.

O supercomputador promete, também, ser uma ferramenta decisiva no combate a fraudes, caixa dois e lavagem de dinheiro no Brasil.

"Vamos abrir senha para que os juízes possam acessar diretamente o computador", informa Fleury..

O banco de dados do Hal remete aos movimentos dos últimos cinco anos (para efeitos fiscais), mas vai buscar desde 2000 (SBP) para efeitos de quebra de sigilo, provas judiciais e outras questões jurídicas e processuais.

Antes de sua chegada, quando a Justiça solicitava uma quebra de sigilo bancário, o Banco Central, era obrigado a encaminhar ofício a 182 bancos, solicitando informações sobre um CPF ou CNPJ. E há que se lembrar dos ofícios de cada Juízo aos Bancos, individualmente, e cada Comarca. Agora multiplique-se isso por três mil pedidos diários e o fluxo de papéis, trâmite de oficiais de justiça e autuações.

São 546 mil pedidos de informações à espera de meio milhão de respostas. Esse represamento deve "zerar" até o final deste ano.

Em determinados casos, o pedido de quebra de sigilo chegava ao BC com um mimo: "Cumpra-se em 24 horas, sob pena de prisão".

A partir da estréia do Hall, com um simples clique, COAF, Ministério Público, Polícia Federal, a Nova SuperReceita e qualquer juiz têm acesso a todas as contas que um cidadão ou uma empresa mantêm no Brasil.

R$ 20 milhões foi o orçamento da criação do cadastro de clientes do sistema financeiro (CCS). Sob controle, agora além dos 182 bancos, estão as 150 milhões de contas e mais de 1 milhão de dados bancários de movimentação, por dia, o ano todo, e com armazenamento de até 30 anos.