terça-feira, 9 de julho de 2013

Antropólogo analisa tensões causadas pelo "fracasso das utopias"


Marc Augé (nascido em Poitiers, França, em 1935) passou a vida toda observando humanos - estejam eles em Togo ou no metrô de Paris. Talvez essa curiosidade seja a explicação de que o africanista se tornasse famoso por cunhar um conceito ultramoderno e superurbano, que passaria despercebido na boca do comissário de uma feira de arte conceitual e que na de Augé soa a teoria para destrinchar o presente: os não-lugares, esses espaços anônimos que não são de ninguém e são de todos, como os aeroportos, os supermercados ou as autoestradas.

A reportagem é de Tereixa Constenla, publicada pelo jornal El País e reproduzida peloPortal Uol, 04-05-2013.

Mas, dado que considera o etnólogo uma "testemunha do planeta" e o antropólogo "um especialista do presente", não é estranho que Augé, com seu olhar atento, vá se metendo em todos os pântanos, sejam seus ou alheios. O último é um ensaio intitulado "Futuro" (editora Adriana Hidalgo). Não é um paradoxo em um examinador do hoje? "O paradoxo reside em outro aspecto: a generalização dos problemas. Um etnólogo é um especialista do local, que não significa o mesmo que algum tempo atrás. Houve uma mudança de escala e agora tudo tem uma dimensão planetária. Esse é o paradoxo: o etnólogo estuda a realidade social em um contexto, e hoje o contexto é sempre planetário. Inclusive para uma pequena tribo amazônica."

Essa globalização, que ocorre por partes, está no começo de um medo que paralisa principalmente as sociedades que antes vibraram com pujança. Augé considera que há temor em imaginar o futuro, e uma das razões reside no que se perdeu sem que nada ocupasse o vazio.

"No século XIXapareceram as utopias, mas no XX vimos que fracassaram, como o comunismo, e apareceu uma utopia liberal cujas dificuldades estamos vivendo hoje. Isso dá medo. E também o fato de que temos a ideia de que o que acontece em um lugar envolve a todos. A economia e a tecnologia são globais, e a sociedade e a política ainda não. Essa tensão entre os aspectos tecnológicos e econômicos com os sociopolíticos é uma razão de incerteza e medo."

Se não há utopias para substituir as utopias, qual será o caminho? Embora Augé esprema os olhos com cumplicidade na primeira parte de seu raciocínio - "é bom que não haja utopias" -, retorna a seu sossego afável para completá-lo. Ele voltou o olhar para a ciência e seu método. "A ciência trabalha a partir de hipóteses. Quando não funcionam bem, as troca. É o contrário do que ocorre no sistema político. Se há um bom futuro possível, é a partir dessa atitude científica perpetuamente revisionista - oposta à das ideologias - e a fidelidade a princípios como os direitos humanos, a educação ou a igualdade."

O antropólogo é rotundo sobre o fracasso da utopia do século XX- "a democracia representativa e o mercado liberal não tiveram êxito", ataca - e a necessidade de uma mudança que não será definitiva e terá seu transe conflituoso: "Não é uma constatação pessimista, a história sempre foi violenta". E acrescenta: "A desigualdade entre os mais ricos dos ricos e os mais pobres dos pobres aumenta; e também aumenta entre os mais instruídos e os analfabetos nos países emergentes. Isso gera violência, mas também significa que a história não terminou, que não temos a última fórmula como pensava Fukuyama". E esta crise, digam o que disserem os chefes de governo, equivale em sua opinião à temível dos anos 1930. Pior em duração - "Esta é em escala planetária, e por isso exige mais tempo" -, mas não em remédios: "Foi a guerra que permitiu sair da crise dos anos 30, hoje não é possível uma guerra, mas há outras formas de violência".

A pirâmide social de quem dirigiu durante uma década a École des Hautes Études en Sciences Sociales introduz novas definições. No vértice superior, uma elite mundial ocupada pelos poderes de sempre e novos poderes - as multinacionais e as figuras de sucesso global no esporte, na cultura ou qualquer outro âmbito. Depois, uma massa que o antropólogo identifica por sua função social: consumir. "Temos o dever de consumir porque é o motor do sistema. Se não o fazemos direito, ocorrem as crises", afirma. Em terceiro lugar: os excluídos, seja da riqueza, seja do conhecimento. E aí continuarão, já que o sistema não tem estímulos para incluí-los no circuito econômico e portanto arrancá-los de sua periferia social. "Não é necessário criar novos con sumidores, só é necessário que os que já existem consumam perpetuamente." Sua conclusão dá para pouca festa: "Os pobres têm que se acostumar a ser pobres em médio prazo".

Sobre isso escreve em "Futuro" e disso falou no Círculo de Belas Artes em Madri, durante sua participação no seminário "O futuro que chega". Um porvir marcado também por redes sociais e tecnologias da comunicação, que podem servir para o bem e para o mal. "São um meio para conhecer outros, mas existe o risco de que seja tomado por outro mundo diferente do real. É uma besteira dizer 'Tenho 2 milhões de amigos'. A Internet não significa nada se simultaneamente não se fizer um esforço considerável em educação. Cometemos um grande erro se pensamos que substitui a educação e formação das crianças. Preocupa-me que a aquisição de meios tecnológicos não tenha como finalidade o conhecimento real; a finalidade é a do mercado: vender."