segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Psicanálise e política no pensamento de Castoriadis.




Por: Marília Novaes da Mata MACHADO



(*) Pesquisadora visitante junto ao Laboratório de Pesquisa e Intervenção Psicossocial da Universidade Federal de São João del Rei – Lapip UFSJ, com bolsa concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – Fapemig.




Resumo


Cornelius Castoriadis (1922-1997) engajou-se nestas duas práticas: psicanálise e política. Esse fato lhe permitiu teorizar a respeito delas, tendo como principal fundamento a noção de autonomia. Neste artigo, são brevemente revistas as reflexões de Castoriadis sobre psique, sociedade, psicanálise e política, buscando-se apontar como a autonomia vem a ocupar lugar central no pensamento desse autor.

Introdução

Castoriadis nasceu em Constantinopla. Descobriu a filosofia aos 13 anos. Estudou direito, economia e filosofia em Atenas, onde também militou nas Juventudes Comunistas. Crítico do autoritarismo do PC grego, durante a ocupação nazista aderiu ao trotskismo. Nessas primeiras atividades políticas encontrou a idéia de autonomia que, entretanto, só viria a ser objeto de sua reflexão filosófica nos anos 60.

Depois da Liberação, perseguido pelos comunistas do PC grego e malvisto pelos anticomunistas, Castoriadis emigrou para a França, onde chegou em 1945. No ano seguinte, com Claude Lefort, fundou o grupo “Socialismo ou Barbárie”, veículo da publicação, entre 1949 e 1965, de 40 números da revista com o mesmo nome. Foi no primeiro volume que Castoriadis registrou suas críticas à sociedade russa, ao stalinismo e à burocracia.

Profissionalmente, trabalhou como economista até 1970. Pertenceu aos quadros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE. Como filósofo e militante político, fez a crítica da economia marxista, argumentando que, tanto nessa teoria como no sistema capitalista, a identidade atribuída ao trabalhador – a de simples executante – é a mesma. Nos anos 50, abandonou o marxismo e buscou reconstruir o socialismo, apontando para a ação autônoma do proletariado e para a autogestão operária da produção. Datam desses anos seus trabalhos sobre o conteúdo do socialismo (1955, 1957), publicados em Socialismo ou Barbárie (1983).

A reflexão sobre a organização revolucionária e sobre o capitalismo moderno o levou, nos anos 60, às noções de imaginário instituinte e de instituição imaginária da sociedade. A irrupção dessas idéias lhe permitiu a crítica do marxismo em seu conjunto, visto por ele como atravessado pelo modo de pensar capitalista, tanto em suas problemáticas, quanto em sua teoria e ação revolucionárias (1975).

A partir de 1963, seus escritos foram sobretudo filosóficos. Falaram do imaginário social, da incessante e indeterminada criação social-histórica e psíquica de figuras, formas e imagens.
Em 1970, passou a ter nacionalidade francesa. A partir de 1973, trabalhou profissionalmente como psicanalista. Continuou sempre com a indagação filosófica: autonomia, psicanálise, política e imaginário eram seus constantes objetos de estudo.

A psique

Castoriadis trouxe também contribuições específicas para o conteúdo da psicanálise.
Por exemplo, em homenagem a Piera Aulaigner, escreveu A construção do mundo na psicose, onde argumentou que a psicose não é orgânica, mas criação de pensamentos delirantes que contradizem o discurso do conjunto, isto é, as significações sociais instituídas. Esses pensamentos fazem sentido para o sujeito, ainda que sejam, para ele, fonte de sofrimento. O conteúdo do delírio é a construção do mundo da psicose (1999b).

O texto exemplifica o que Castoriadis entende por psique: fluxo de representações, ligadas a uma multiplicidade de outras representações psíquicas, capazes de autoatividade construtiva, de criar um mundo, de instituir algo, imaginariamente.

Segundo ele, a capacidade de criar o próprio mundo caracteriza todo ser vivo. O que diferencia o ser humano dos outros viventes é a imaginação radical, que, além de ter a capacidade de fazer ser o que não é no mundo simplesmente físico, de se representar à sua própria maneira, é constantemente criadora, fluxo espontâneo e incontrolável de representações, de afetos e de desejos, liberado de sua finalidade biológica (cf. 1999d: 162).

O ser humano, inicialmente uma mônada psíquica fechada em si mesma, onipotente, ao interiorizar (ou introjetar) as significações imaginárias sociais (SIS) – elas próprias criações social-históricas –, é pouco a pouco socializado. Vai resguardar sempre a ambivalência dos afetos inconscientes – amor e ódio – em relação aos objetos psíquicos primordiais, o que é um exemplo de que a psique nunca é inteiramente socializada, mas, sob as pressões das instituições sociais, vai sendo dominada, parte dela renuncia à onipotência e reconhece o outro. O indivíduo torna-se social, interioriza a totalidade da instituição de sua sociedade e as significações imaginárias que a organizam. Em troca, a sociedade lhe oferece um sentido para a sua vida e, quase sempre, para a sua morte (cf. 1992b:162).

Se transformados em fragmentos da sociedade instituída, os indivíduos passam a viver e a pensar na conformidade e na repetição, muitas vezes de forma bastante rígida; ficam à margem da atividade instituinte da sociedade; alimentam-se apenas do imaginário instituído; nunca interrogam o fundamento de suas crenças e das leis que os regem. Evidentemente, podem romper esse fechamento, libertar do recalque a imaginação radical. É essa capacidade que diferencia o ser humano – a de poder ser autônomo, livre do fechamento cognitivo, afetivo e desejante no qual o simples vivente permanece aprisionado (cf. 1999d: 163).

A sociedade

De seu lado, a sociedade também pode viver ou não no fechamento de suas significações imaginárias sociais (SIS), mantendo-se rigidamente estruturada, reprimindo ou ocultando seu imaginário radical instituinte. De fato, cada sociedade é auto-criação: cria suas significações, suas formas institucionais e suas leis. Cada uma é resultado da capacidade da coletividade anônima, ou seja, do imaginário social instituinte, de criar linguagem, costumes, idéias, formas de família etc. (cf. 1992b:159). Cada uma é, nesse sentido, social-histórica. Depois de criadas, as instituições sociais aparecem como dadas. Podem se tornar fixas, rígidas, sagradas, fábricas de indivíduos conformes, cujas representações psíquicas, afetos e intenções repetem as significações sociais instituídas.
As sociedades arcaicas foram assim, heterônimas.

Não apenas elas:

“Quase em toda parte, as sociedades praticamente sempre viveram na heteronomia instituída” (cf. 1992: 138).

Mas podem romper esse fechamento das suas significações imaginárias sociais. A criação da filosofia e da democracia na Grécia Antiga é um exemplo de ruptura instituinte, com questionamento explícito das instituições, enfraquecimento da heteronomia social e criação de outro tipo de ser, portador de subjetividade reflexiva e deliberante.

É assim a sociedade autônoma, fruto do poder instituinte da coletividade anônima, sociedade que “(...) não somente sabe explicitamente que criou suas leis, mas que se instituiu de maneira a liberar o seu imaginário radical e a ser capaz de alterar as suas instituições, graças à sua própria atividade coletiva, reflexiva e deliberativa” (cf. 1992b:159). Ela se auto-institui explícita e lucidamente, embora nunca de forma total, pois o pensamento herdado e as significações instituídas sempre estão presentes. É formada por indivíduos autônomos.

Mas, como indivíduos são primordialmente encarnações de instituições heterônimas introjetadas, que práxis permitirá romper, então, com a heteronomia e alcançar a autonomia da sociedade, só atingível por meio da autonomia de seus membros?

Reciprocamente, que modalidades do fazer humano vão levar à autonomia dos indivíduos, o que só é possível numa sociedade autônoma? Aqui entram a psicanálise e a política.

Psicanálise

Para Freud, de acordo com Castoriadis, que o teve como “(...) o maior psicólogo de todos os tempos” (1987a:32), a psicanálise seria não apenas a pesquisa da realidade psíquica centrada na dimensão inconsciente, mas também a atividade de dois sujeitos visando, por meio da exploração dessa realidade, a chegar a certa modificação de um dos sujeitos, o que corresponderia ao fim da análise. Castoriadis (cf. 1992b:154-162) modifica à sua maneira a definição. Para ele, a psicanálise é uma atividade prático-poiética, isto é, criadora, na qual dois participantes são agentes. Ele esclarece:

“A finalidade do processo psicanalítico já está inscrita em seus ‘meios’ e suas ‘modalidades’: nada de consolo ou de ‘psicoterapia’, nada de conselhos ou de intervenções na realidade, mas ênfase nas associações e sonhos do paciente, a fim de que o fluxo psíquico inconsciente possa vir à tona, intervenções interpretativas do psicanalista, devendo, progressivamente, dar lugar à auto-atividade reflexiva e refletida do paciente”. (Castoriadis, 1999d:166)

A psicanálise tem como objetivo instaurar uma outra relação entre o sujeito reflexivo e o seu inconsciente (ou imaginação radical), o sujeito retornando sobre si mesmo e sobre as condições de seu funcionamento, interrogando-se sobre seus conteúdos particulares, seus pressupostos e fundamentos. O recalque, então, daria lugar à reflexão; a inibição, a fuga ou o agir compulsivos cederiam espaço à deliberação lúcida.

A psicanálise também tem como objetivo o estabelecimento de uma outra relação entre as instâncias psíquicas, o Eu recebendo e admitindo conteúdos inconscientes, reconhecendo e aceitando que seus desejos nucleares, originários, nunca poderão ser realizados e que não há verdades sagradas.

O êxito ou o fim da análise corresponde à auto-alteração do agente principal, o analisando, e ao aparecimento de um outro ser de subjetividade reflexiva e deliberativa, sujeito capaz de fazer e formular um projeto aberto para a sua vida e trabalhar nesse projeto. Assim, o fim da análise é consubstancial com o projeto de autonomia no nível do ser humano singular. Ao outro agente, o analista, não cabe eliminar conflito psíquico nem ensinar o sentido da vida, mas auxiliar o paciente no processo de emergência da subjetividade autônoma e ajudá-lo a criar, inventar ou dar um sentido à sua vida.

Política

A política, para Castoriadis, não é diferente. Segundo ele, tal qual os gregos a criaram, a política teria sido o questionamento explícito da instituição estabelecida da sociedade (cf. 1992:135) e, junto à filosofia, “(...) a primeira emergência histórica do projeto de autonomia coletiva e individual” (p.138).

A política é, pois, para ele, projeto – sempre germe instituinte, interrogação das significações imaginárias da sociedade (SIS) instituída visando a outro tipo de sociedade, outro tipo de indivíduo. Além disso, ela é projeto de autonomia, ou seja, de “(...) atividade coletiva refletida e lúcida, visando à instituição global da sociedade como tal” (cf. 1992: 145).
Os objetivos da política são, segundo Castoriadis:

“(...) a instauração de outro tipo de relação entre a sociedade instituída e instituinte, entre as leis dadas a cada vez e a capacidade reflexiva e deliberativa do corpo político; (...) a liberação da criatividade coletiva, permitindo formar projetos coletivos para empreendimentos coletivos e trabalhar neles” (1992b:160)

“(...) a criação de instituições que, interiorizadas pelos indivíduos, facilitem ao máximo seu acesso à autonomia individual e à possibilidade de participação efetiva em todo poder
explícito existente na sociedade. (01992:148; 1999:69)

Psicanálise e política têm este projeto comum: a autonomia. Tanto uma como outra encontram limites. A psicanálise enfrenta a questão das instituições existentes na sociedade.

O Eu, em grande parte fabricação social, é construído para funcionar nas instituições existentes, para preservá-las e reproduzi-las. A política visa ao acesso à autonomia de seres humanos que, o tempo todo, interiorizam e absorvem as instituições existentes.

Mas, vimos, a psique não é inteiramente domável e uma sociedade nunca é inteiramente heterônima. Indivíduos e coletividades são dotados da capacidade de fazer emergir o imaginário radical instituinte. A prática de uma “política de autonomia, a saber, democrática”, pode se valer disso. Ela consistiria em “(...) ajudar a coletividade a criar as instituições cuja interiorização pelos indivíduos não limita, mas amplia a sua capacidade de se tornarem autônomos” (1992b:61).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTORIADIS, Cornelius. (1982) A instituição imaginária da sociedade. (Guy Reynaud Trad.);
(pp. 418). Rio de Janeiro: Paz e Terra.

_______.(1983) Socialismo ou barbárie: O conteúdo do socialismo. (Milton Meira do Nascimento e Maria das Graças de Souza Nascimento, Trad.) (pp. 306). São Paulo: Brasiliense.

_______. (1987a) Epilegômenos a uma teoria da alma que se pode apresentar como ciência. In: As encruzilhadas do labirinto / 1. (Carmen Sylva Guedes e Rosa Maria Boaventura, Trad.) (pp. 31-69). Rio de Janeiro: Paz e Terra.

_______.(1987b) A psicanálise, projeto e elucidação. In: As encruzilhadas do labirinto / 1. . (Carmen Sylva Guedes e Rosa Maria Boaventura, Trad.); (pp. 70-131). Rio de Janeiro: Paz e Terra.

_______. (1987c) Psicanálise e sociedade I. In: As encruzilhadas do labirinto / 2. Os domínios do homem. (José Oscar de Almeida Marques, Trad.) (pp. 39-53). Rio de Janeiro: Paz e Terra.

_______. (1987d) Psicanálise e sociedade II. In: As encruzilhadas do labirinto / 2. Os domínios do homem. (José Oscar de Almeida Marques, Trad.) (pp. 95-107). Rio de Janeiro: Paz e Terra.

_______. (1987-1992) Poder, política, autonomia. In: O mundo fragmentado. As encruzilhadas do labirinto / 3. x (Rosa Maria Boaventura, Trad.). (pp. 121-150). Rio de Janeiro: Paz e Terra.(1987)

_______. (1987-1992b) Psicanálise e política. In: O mundo fragmentado. As encruzilhadas do
labirinto / 3. (Rosa Maria Boaventura, Trad.) (pp. 151-164). Rio de Janeiro: Paz e Terra.

_______. (1999)Feito e a ser feito. As encruzilhadas do labirinto V. (Lílian do Valle, Trad. ) (pp.302). Rio de Janeiro: DP&A Editora.

_______. (1999b) A construção do mundo na psicose. In: Feito e a ser feito. As encruzilhadas do labirinto V. x (Lílian do Valle,Trad. ) (pp. 117-131). Rio de Janeiro: DP&A Editora.

_______. (1999c) Paixão e conhecimento. In: Feito e a ser feito. As encruzilhadas do labirinto V. (Lílian do Valle, Trad.) (pp. 133-151). Rio de Janeiro: DP&A Editora.

_______. (1999d) Psicanálise e filosofia. In: Feito e a ser feito. As encruzilhadas do labirinto V. (Lílian do Valle, Trad.) (pp. 153-167). Rio de Janeiro: DP&A Editora.

Um outro modelo energético para uma rede de comunidades

O Brasil é um País estranho. Ostenta o título vergonhoso de ser um dos últimos países a abolir a escravidão. Durante o século XIX, a economia e as elites dependiam inteiramente dessa ultrajante atividade.
Hoje, o "governo" tenta impulsionar o uso e o plantio em larga escala da cana-de-açúcar: sendo bem sucedido, levará o País a uma regressão social sem precedentes (concentração fundiária e de renda), sem falar nos desastrosos efeitos ambientais (não nos esqueçamos que o "Canavial Brasil" irá competir com a monocultura da soja, que já vem poluindo o maior aquífero de água doce do mundo - o Aquífero Guarani - sem falar no desmatamento da floresta tropical) e políticos (clientelismo, coronelismo urbanos etc).
Mais recentemente, o governo brasileiro tenta insuflar mais uma bolha: a de uma grande descoberta de petróleo na Bacia de Santos.
Percebe-se, assim que o Brasil - País que hoje é o maior exportador de carne bovina do mundo, outro título vergonhoso - parece continuar fiel à sua sina: uma espécie de Grande Resíduo do Ocidente, aquele que se propõe a realizar o trabalho sujo dentro do Capitalismo.
É dentro desse contexto que transcrevo abaixo três curtas entrevistas com Jeremy Rifkin, consultor da União Européia e estudioso dos modelos baseados em energias renováveis e não-poluentes.
Chamo a atenção para a última parte desta postagem, em que esse especialista propõe um novo modelo ennergético, não centralizado e disposto em forma de rede, que vem ao encontro das formas comunitárias de vida.
(Fonte das matérias:

12/11/2007

Aproveitem o sol e o vento, aconselha Jeremy Rifkin

Após vinte anos desde o referendo realizado na Itália, a energia do átomo volta a dividir. Aos 8 e 9 de novembro de 1987, os três quesitos que exigiam o bloqueio da corrida prefencial pelos implantes nucleares obtiveram uma avalanche de sim; hoje um novo temor, o da mudança climática produzido pelo uso dos combustíveis fósseis, redimensionou o velho temor, relançando o partido do átomo. A reportagem e a entrevista com Jeremy Rifkin é de Antonio Cianciullo e publicada pelo jornal Repubblica, 7-11-2007.

Devemos esperar uma reviravolta energética?

"Uma perspectiva desse gênero seria devastadora: um gigantesco desperdício de dinheiro e de oportunidades”, responde Jeremy Rifkin, teórico da economia do hidrogênio e consultor da União Européia para as estratégias energéticas. “A Itália é um país que tem grandes possibilidades no campo da eficiência energética e das fontes renováveis. Pode fazer uso de um bom potencial em campos estratégicos, como o solar e o eólico. E tem centros de pesquisa, como a Universidade do hidrogênio em Monópolis, na Puglia, que podem estimular o nascimento de uma fileira produtiva nacional.

Mas, a pressão do partido pro-nuclear cresce.

Eu creio que boa parte dos políticos que falam de nuclear agitem um espantalho que serve somente para bloquear a revolução industial na direção da eficiência e das energias renováveis. O verdadeiro objetivo é manter congelada a situação atual, desfrutando do petróleo até a última gota, descuidados da ameaça da mudança climática.

E no entanto, segundo os dados da Agência internacional para a energia, o impulso para o átomo não é apenas teórico. Ente 1992 e 2005 o nuclear da fissão usufruiu de 46 por cento dos investmentos em pesquisa e desenvolvimento e o nuclear da fissão de 12 por cento, enquanto às renováveis foram somente 11 por cento.

Estes números confirmam a minha tese. Não obstante investimentos maciços em nível global, o nuclear está substancialmente firme nos 6 por cento da energia. E, em perspectiva não se pode aceitar a hipótese de um crescimento capaz de se contrapor ao aumento do efeito serra. Uma central nuclear custa dois bilhões de dólares e, segundo um estudo do Oxford Research Group, para obter uma redução visível do aquecimento climático usando a energia atômica seria preciso construir milhares de instalações nucleares até 2070: uma profileção descontrolada e perigosíssima.

Você pensa que a oposição ao nuclear seja hoje majoritária na Europa?

Há seis boas razões para que isto ocorra. A primeira eu enunciei: os custos de construção que afastaram os investidores privados. A segunda são os lixos radiativos: o cemitério que os Estados Unidos querem constituir na Yucca Mountain, em Nevada, custou 18 anos de pesquisa e 9 bilhões de dólares e não oferece as garantias necessárias. A terceira razão é que o urânio não é abundante: no ritmo do consumo atual se registrará um déficit em torno de 2025. E passar aos reatores autofertilizantes, isto é, ao plutônio, é a quarta razão pelo qual digo não: significa fornecer material de pronto uso a um terrorismo sempre mais ameaçador. O quinto motivo para bloquear o nuclear é que as instalações atômicas necessitam de uma matéria prima que se tornará sempre mais rara: a água. Na França, 55 por cento da água doce são utilizados para esfriar as 59 centrais nucelares existentes e, durante a seca de 2003, isso já revelou ser um calcanhar de Aquiles do sistema”.

A resposta não poderia vir dos reatores de quarta geração, menores e mai seguros?

Falamos de uma tecnologia que poderia, em teoria, estar pronta daqui a uns vinte anos. Não temos tanto tempo à disposição: para reduzir o aquecimento global, evitando danos irreparáveis e catastróficos é necessário agir imediatamente. Além disso, há o sexto motivo que impele ao bloqueio do revanchismo nuclearista. Investir tempo e energia na construção de instalações nucelares significa retirar recursos ao futuro, bloquear a terceira revolução energética: a de um sistema leve e decentrado, no qual a energia e a informação corram por demandas. Urânio e petróleo são expressão de um velho modo de produzir, verticalista e centralizado. Nós estamos na era da Internet e do Youtube. O modelo vencedor é a rede flexível: computadores inteligentes que permitem comprar e vender eleetricidade, software capazes de orientar e dosar os fluxos de energia em função das necessidades do momento, preços que flutuam de acordo com os horários, a fim de auto-regulamentar os consumos.


21/5/2007

Virada dramática na história da humanidade. As propostas de Jeremy Rifkin

“A Comissão européia cumpriu seu dever e a Itália terá tudo a ganhar se seguir as indicações de Bruxelas que, entre outros aspectos, coincidem com as avaliações do ministério do Ambiente. Quem se opõe não se dá conta que estamos a um ponto de uma virada dramática na história da humanidade: se não modificarmos o nosso sistema energético, teremos um aumento de três graus de temperatura dentro de um século. Isso significa voltar ao pleistoceno, a três milhões de anos atrás”. Jeremy Rifkin, o guru da energia doce, comenta a mossa do plano italiano respondendo ao telefone de Bruxelas, onde recém obteve um sucesso importante: uma declaração escrita do Parlamento que propõe um modelo de saída da era do carbono e da era da energia nuclear.


Jeremy Rifkin concedeu uma entrevista ao jornal La Repubblica, 16-05-2007.


Eis a entrevista.


O que significa em concreto esta declaração?


“É uma virada epocal. Pela primeira vez, com amplíssima maioria e com o voto compacto dos líderes de todos os partidos, passou a linha de um modelo energético absolutamente inovador, que se apóia sobre cinco balizas.

Primeira: reduzir em 30 por cento as emissões serra até 2020.

Segunda: aumento da eficiência energética em 20 por cento até 2020.

Terceira: dentro da mesma data 33 por cento da eletricidade e 25 por cento da energia global produzidas utilizando fontes renováveis.

Quarta: até 2025 uma infra-estrutura do hidrogênio baseada numa rede capilar numa tecnologia de armazenamento avançada, de modo a poder utilizar este vetor também nos aparelhos eletrônicos portáteis que todos nós usamos cotidianamente.

Quinto: tornar as redes energéticas independentes e inteligentes até 2025, de modo que as regiões e as cidades possam produzir e compartilhar dos fluxos energéticos”.


As indústrias estão preocupadas com os custos deste projeto.


Depois de ter lido o relatório Stern, creio que temos outra coisa com que preocupar-nos. A análise do ex-chefe economista do Banco Mundial mostra com clareza como as avaliações econômicas e as avaliações ecológicas são inseparáveis. Nenhuma economia pode sobreviver às macérias da natureza. O global warming [aquecimento global] ameaça cancelar em até 20 por cento o Pib mundial além de eliminar a metade das espécies vivas, causando a sexta extinção em massa. E das outras vezes foram precisos dez milhões de anos para recuperar a biodiversidade.


Enquanto outros países já aviaram a corrida às novas energias, a Itália está atrás. A penalização ameaça ser pesada?


Tendes poucos combustíveis fósseis, mas tanto sol, vento, biomassas e geotermia. Utilizando-os da melhor forma é possível criar um grande mercado capaz de reestruturar a economia. Por isso a Itália tem as cartas em dia para conquistar a liderança da terceira revolução industrial, baseada no hidrogênio verde, extraído não de combustíveis fósseis, mas da água, com a eletricidade fornecida pelas fontes renováveis. Na era da Internet e da democracia da informação, na qual cada um vai procurar na rede o que deseja, este modelo informativo, vencerão os países que por primeiro se dotarem de um sistema elétrico elástico, coerente com este modelo informativo capaz de fazer circular a energia na entrada e na saída em cada casa, segundo as necessidades e os desejos dos cidadãos.


Até agora de primeira linha na defesa do clima foram outros: em particular a Grã Bretanha, que propôs um plano nacional de redução em 60 por cento das emissões serra até 2050, e a Alemanha.


Mas os Estados meridionais da União européia poderiam ser penalizados de maneira terrível pela aceleração dos processos de exaurimento. O avanço da desertificação no Sul da Itália teria reflexos pesadíssimos não somente sobre a qualidade da vida dos habitantes, mas também sobre os faturamentos turísticos que continuam sendo uma voz fundamental de balanço.




25/1/2007

A terceira revolução industrial necessita de energia casa por casa, computador por computador. Entrevista com Jeremy Rifkin

“Temos pouquíssimo tempo para desativar a bomba climática e não podemos nos dar ao luxo de errar. Estamos frente a um desafio epocal e para vencê-lo é necessário deixar de lado as falsas promessas: o nuclear e o carbono limpo”, constata Jeremy Rifkin, o guru da nova energia, em entrevista concedida ao jornal La Repubblica, 21-1-2007.


Jeremy Rifkin é autor de vários livros que grande repercussão internacional como, entre outors, A era do acesso. São Paulo: Makron Books, 2005, A economia do Hidrogênio. São Paulo: Makron Books, 2003 e O fim dos empregos. São Paulo: Makron Books, 2004.
Confira a entrevista.


O senhor não risca de fazer uma batalha ideológica no momento em que há necessidade de coisas concretas?


É quem fala de energia nuclear e de carbono limpo que não é concreto. E explico porquê. A energia nuclear é custosa, tanto que nenhuma empresa privada investe nela. Lento, porque para construir centenas de centrais nucleares seriam necessárias décadas. Perigoso, porque não resolvemos ainda o problema do lixo nuclear e porque ela oferece um alvo ideal para os terroristas. Portanto, concentrar todas as energias no nuclear significa somente perder tempo”.


O carbono é uma via mais praticável.


Mas é a fonte com conteúdo de carbônico mais alto: é paradoxal que seja proposto como saída para o efeito estufa. O único modo para sustentar esta opção seria o seqüestro do carbônico para ser preso em lugares perfeitamente isolados sob a terra ou sob o mar. Mas é uma tecnologia futurível e custosa. Talvez aí teríamos um cenário para depois de 2020. Necessitamos de outra coisa. Precisamos reagir imediatamente.


O que o senhor propõe?


Uma estratégia fundada em cinco pilastras. Primeira: aumentar a eficiência energética em 20% até o ano 2020. Segunda: cortar as emissões de gás carbônico em 30% até o ano 2020. Terceira: obter um terço da eletricidade de fontes renováveis até o ano 2020. Quarta: realizar até 2025 uma infra-estrutura baseada no hidrogênio. Quinto: construir uma rede inteligente, como a web.


Mas a web necessita de energia, não a produz.


Certamente, mas toda grande revolução econômica é acompanhada por uma revolução da informação. Quando foi inventada a agricultura apareceu a escritura cuneiforme porque havia a necessidade de registrar os excedentes alimentares com uma eficiência que a tradição oral não podia garantir. A primeira revolução industrial teve a necessidade da imprensa, das notícias que viajavam sobre os jornais. A passagem do vapor ao petróleo acompanhou o desenvolvimento do telégrafo e do telefone. Agora estamos no meio da terceira revolução industrial, na era da internet e da democracia da informação onde cada um pode buscar na rede o que quer. Parece-lhe possível que este sistema tão elástico, fundado na demanda que vem de baixo, possa coexistir com um modelo elétrico hipercentralizado, sustentado por poucas grandes centrais?


Estas centrais, no entanto, garantem a alimentação da rede.


Com os efeitos colaterais que estão sob os nossos olhos. Um outro cenário é possível. Um cenário onde, por meio do uso do hidrogênio e de milhões de células a combustível, a energia será produzida comunidade por comunidade, casa por casa, computador por computador. Uma energia que gira livremente em rede, que é passada de um usuário a outro como a informação, de tal modo que o menor produtor possa ceder a sua quota de excedente à coletividade.


Não é um sistema muito complexo?


É fluido, flexível e inteligente, isto é, capaz de se adaptar às necessidades. É também a ocasião para fazer nascer milhões de postos de trabalho porque se trata de tecnologias de baixa intensidade de capital. A comunidade européia nasceu em torno do desenvolvimento do carvão e do aço e agora pode se relançar casando-se com a terceira revolução industrial como base de um crescimento onde economia, democracia e cuidado do ambiente viajam juntos.