segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Metano sob o Ártico comecou a vazar. Isso é um sério perigo.



Por: Alexandre Mansur

Existe um fenômeno pouco divulgado, que começou a ser identificado pelos pesquisadores. Os gigantescos depósitos de metano, localizados embaixo da camada de solo congelado (permafrost) sob o oceano Ártico, começaram a vazar. E eles podem fazer o aquecimento global mergulhar em um processo de aceleração irreversível. É o que relatam pesquisadores da Universidade do Alasca.

Um grupo coordenado pelo cientista Igor Semiletov descobriu que o metano está borbulhando no mar cada vez mais quente do Pólo Norte. O gás escapa em bolhas de buracos na camada de gelo no leito do oceano. Mais de mil medições feitas para avaliar o metano dissolvido na água na costa da Sibéria, feitas durante o verão, revelaram que os níveis do gás estão altos como nunca.

"As concentrações de metano são as mais altas já medidas no verão no Oceano Ártico", diz Semiletov. Esse vazamento de metano é preocupante por vários motivos.

Primeiro, muitos pesquisadores temem que um grande vazamento de metano do Ártico esteve ligado às transformações climáticas que provocaram uma das maiores ondas de extinção da Terra, há 250 milhões de anos, entre os períodos Permiano e Triássico. Na ocasião, 96% das espécies marinhas desapareceram e 70% dos vertebrados terrestres também sumiram. Um vazamento como esse também é associado a um período extremamente quente há 55 milhões de anos, chamado Termal Máximo do Paleoceno-Eoceno. Foi uma onda de extinções também grande, que abriu caminho para o desenvolvimento dos mamíferos atuais.

A segunda razão para preocupação é que os depósitos de metano sob o oceano são tão grandes e esse gás tem um poder tão alto para aquecer a atmosfera. Segundo alguns pesquisadores, basta soltar uma pequena fração desses depósitos para que qualquer esforço para estabilizar as emissões em níveis não catastróficos fique impossível.

A terceira causa para preocupação é que a agência americana responsável por oceanos e atmosfera, a NOAA, revelou que os níveis de metano na atmosfera da Terra subiram acentuadamente pela primeira vez desde 1998, quando esse acompanhamento começou. Isso indicaria que o vazamento de metano provocado pelo derretimento do Ártico já estaria alterando a química da atmosfera rapidamente.

Esse metano foi gerado pela decomposição de matéria orgânica – plantas e animais – há milhões de anos, em períodos em que a Terra esteve mais quente. E esteve aprisionado sob a camada de gelo embaixo do mar durante todo esse tempo.

Semiletov mede os níveis de metano na costa da Sibéria desde 1994. Nunca havia detectado elevações nos níveis de metano na década de 90. Mas desde 2003 ele diz que vem observando pontos de concentração excessiva do gás no oceano. Segundo ele, o derretimento do permafrost submarine pode ser consequência do crescente volume de água mais quente que vem dos rios siberianos. O volume deles têm aumentado devido ao derretimento do permafrost em terra firme.

A linha vermelha do gráfico abaixo mostra como a descarga de metano do Ártico pode estar provocando uma elevação dos níveis de metano na atmosfera da Terra. A linha vermelha mostra o nível de metano na atmosfera desde 2004. Além da oscilação sazonal de cada ano, há uma clara elevação no último ano medido.

A tradição vence o deserto



Burkina Fasso combate a desertificação e a mudança climática com técnicas tradicionais

Por: Gaëlle Dupont
Enviada especial a Gourcy, Burkina Fasso


Fonte: Le Monde Diplomatique

Um cavalo está amarrado na entrada do quintal de Ali Ouedraogo, no povoado de Gourcy, a 150 km ao norte de Ouagadougou, a capital de Burkina Fasso, em pleno Sael [faixa de campos áridos ao sul do deserto do Saara]. Não é uma coisa banal: um animal é um sinal de sucesso, a prova de que aos 78 anos Ali Ouedraogo vive melhor que seus vizinhos, agricultores como ele. No meio de seu quintal, três paióis circulares estão cheios de sorgo até o topo. Eles contêm o suficiente para alimentar toda a família até a próxima colheita, em setembro, talvez até mais. Quarenta pessoas, entre elas uma fieira de crianças, vivem disso, enquanto outras famílias já enfrentam escassez. Elas terão de sobreviver com babenda, um mingau com gosto de espinafre velho, feito de um punhado de cereais e muitas folhas.

Os campos de Ouedraogo não se parecem com os de seus vizinhos. Aqui o hábito é desmatar, plantar e colher até esgotar o solo, depois recomeçar um pouco mais longe. Os agricultores deixam para trás uma terra estéril, nua como um piso de cerâmica. Com o aumento da população cresce a necessidade de terras e mais se esgota o solo. É a engrenagem da desertificação, agravada pelos fatores climáticos.

Para Ali Ouedraogo tudo mudou em 1983. "Naquele momento a situação era muito dura", ele conta. "Não havia chuva, as colheitas eram ruins, eu pensava em deixar a região." Muitos emigraram. Ele decidiu ficar e cuidar das terras degradadas, que ninguém queria na época. Com a ajuda de uma organização não-governamental dedicada ao combate à desertificação, ele pouco a pouco bateu recordes de produtividade. Hoje colhe em média 1.500 quilos de sorgo por hectare, contra 800 quilos nas melhores terras das redondezas.

Para isso não houve necessidade de máquinas agrícolas, adubos químicos ou sementes milagrosas. Os agricultores não poderiam pagá-los. Nem de represas, pois o relevo não se presta. São necessárias pedras, picaretas, pás, um nível para calcular o sentido do escoamento da água e muita mão-de-obra. O objetivo é impedir a erosão e reter o máximo de água no solo.

"Trata-se de técnicas rurais tradicionais, aperfeiçoadas por agrônomos", explica Matthieu Ouedraogo, que forma os agricultores. Nos campos, fileiras de pedras, batizadas de cordões pedregosos, são feitas ao longo das curvas de nível, desenhando pequenos terraços. Árvores são plantadas aí. Barreiras em forma de meia-lua retêm a água em microbacias. Os "zai", buracos com 20 cm de profundidade onde as sementes são plantadas em esterco, permitem uma infiltração mais profunda da água.

"Todas essas técnicas contêm o escoamento da água", continua Matthieu Ouedraogo. "Pouco a pouco a terra se regenera." E as árvores que crescem nos terrenos fornecerão lenha que não será mais retirada da mata...

"Com essas técnicas podemos deixar o Sael verde de novo", afirma Souleymane Ouedraogo, pesquisador do Instituto do Meio Ambiente e Pesquisas Agrícolas (Inera). "Contivemos a desertificação, aumentou a fertilidade das terras, e, portanto a produção de cereais e de ração para os animais, a biodiversidade se recupera." Bastam quatro ou cinco anos para obter bons resultados nas terras degradadas.



Por que então todo o Sael não é transformado? Em Burkina Fasso, cerca de 300 mil hectares estariam preparados, ou seja, menos de 9% da superfície cultivável do país. "Essas técnicas não são muito caras, mas é preciso um investimento inicial", explica Bertrand Reysset, engenheiro agrônomo do Comitê Inter-Estados de Combate à Seca no Sael (Cilss), que reúne nove países da região.

O investimento chega em média a 130 euros por hectare. É preciso alugar um caminhão e pagar o combustível para buscar as pedras, comprar um mínimo de material, pagar a mão-de-obra durante os trabalhos. Uma formação e um acompanhamento são necessários. Tudo isso está fora do alcance dos agricultores que trabalham com foice, dobrados em dois nos campos. Os bancos não lhes dão crédito. Os projetos implementados tiveram o financiamento de ONGs.

Essas técnicas, experimentadas desde os anos 1980 no âmbito do combate à desertificação, seriam muito úteis para adaptar-se à mudança climática. "Os modelos climáticos prevêem um aumento da freqüência de acontecimentos extremos, um prolongamento da estação seca, precipitações mais concentradas e torrenciais", explica Edwige Botoni, especialista em gestão de recursos naturais do Cilss. "Isso terá um impacto negativo na produtividade do solo."

A estação de chuvas de 2007 foi um exemplo perfeito disso. Ela começou atrasada e toda a água caiu ao mesmo tempo, em agosto, provocando inundações. "A luta contra a desertificação e a adaptação à mudança climática coincidem em 90%", afirma Reysset.

Todos esperam que a crise alimentar mundial faça mudar as coisas. Eles ouviram o discurso do presidente francês, Nicolas Sarkozy, que apelou para "aplicar esforços na agricultura de sobrevivência subsaariana" em 3 de junho em Roma, durante a cúpula sobre a alimentação. A agricultura é um parente pobre há 30 anos. Ela representa apenas 5% da ajuda pública ao desenvolvimento, e são raros os países que lhe dão prioridade. Ela vem depois dos ambulatórios, escolas, estradas...

Na aldeia de Guiè, ainda no norte de Burkina, a ONG Terra Verde obteve resultados especialmente espetaculares, criando um "bosque saeliano", segundo a expressão de seu fundador, Henri Girard, um engenheiro agrônomo francês. Cercas vivas protegem o solo da erosão. Com uma mecanização mínima, uma pequena dose de fertilizantes químicos, variedades selecionadas e rotações culturais bem escolhidas, a região reverdeceu e a produção é quatro vezes superior à média.

"É a prova de que não há fatalidade, que mesmo com nossos solos e nossos climas tudo é possível", comenta Hamado Sawadogo, agrônomo do Inera. O investimento inicial foi de 400 euros por hectare. Mas a evolução das práticas também exige uma mudança de mentalidade. "As pessoas aqui são fatalistas: se eu sou pobre, se perdi minha colheita, foi Deus quem quis", explica Girard. "Mas alguns se levantam. A cada 50 km há alguém disposto a se mexer."

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Fonte: Le Monde Diplomatique