quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Sobre a transposição do Rio São Francisco



Manifestantes criticam as obras de revitalização do São Francisco e são barrados






Panfletos que foram apreendidos durante a manifestação


Cerca de 50 manifestantes, na cidade de Buritizeiros (MG), tiveram panfletos e faixas apreendidos, no momento em que se dirigiam para o palanque onde o presidente Lula e a comitiva que o acompanha discursavam a respeito das obras de esgotamento sanitário que tem sido feito na região. As obras fazem parte do programa de revitalização do São Francisco, projeto que tem sido executado pelo governo federal e que é alvo de várias críticas do Comitê da Bacia do São Francisco e da sociedade civil organizada.

A reportagem é de Ingrid Campos, da Articulação Popular do São Francisco, e publicada por EcoDebate, 15-10-2009

O Governo, com um forte aparato policial, tentou a todo custo impedir qualquer manifestação contrária ao seu discurso eleitoral. O grupo que dirigiu em marcha para o local, foi barrado por duas vezes pela polícia militar, que a todo o tempo afirmava que estava apenas organizando as ruas para receber a comitiva do governo.

No local, a polícia tentou impedir o acesso dos manifestantes, que insistentemente reivindicaram o direito de entrar. Todos foram revistados e tiveram os seus panfletos e faixas apreendidos. Afirmando que tal ato era para garantir a segurança pública, ficaram sem resposta para o alerta dos manifestantes sobre o bóton da presidência que estava sendo distribuído para todos na entrada. Preso com alfinete, a ponta do bóton oferecia perigo maior que o panfleto dos manifestantes. “Um grande esforço foi feito com o objetivo de banir, antidemocraticamente, toda reação contrária à pseudo-revitalização”, protesta a agente da CPT/MG e integrante da Articulação Popular pela Revitalização do São Francisco, Letícia Rocha.

Os manifestantes que conseguiram entrar, todo o tempo proclamavam: Lula, que traição povo não quer transposição! / O projeto da transposição reforça a indústria da seca. Conviver com o sem-árido é a solução!/ Lula, você mentiu a reforma agrária não saiu!

Irritado, o presidente retomou seu velho discurso de transposição para os pobres do nordeste e pediu a imprensa para anotar e dar ênfase aos números das obras do PAC, que começou a ler. Cada dado lido, no entanto, foi respondido pelos manifestantes com gritos de: Pinóquio!

Na comitiva eleitoreira estavam: Pe. João, Pe. Salvador, prefeito de Buritizeiro (MG), Ciro Gomes, Jaques Wagner, o governador da Bahia, Luiz Tadeu Leite, o prefeito de Montes Claros (MG), Geddel Vieira Lima, Ministro da Integração e a candidata do presidente para o Palácio do Planalto, Dilma Rousseff. A Ministra da Casa Civil não discursou, permaneceu calada durante todo o tempo. Apenas Geddel, Lula e o Pe. Salvador discursaram e tentaram conseguir, em vão, o grito de apoio à candidatura de Dilma das pessoas que assistiam. A tentativa não teve respaldo popular.

Esgotamento Sanitário não barra poluição

Os manifestantes afirmam que o problema do São Francisco não é só o esgotamento e que esse está sendo feito com muitas irregularidades. Em Buritizeiros, há apenas o início do encanamento em algumas ruas. Da propangada estação de tratamento, existe apenas a proposta de um local.

Em Pirapora, a situação é mais vergonhosa, a obra já concluída com recurso do PAC, encontra-se na Fazenda da Prata, às margens do rio. Do tratamento, o que está funcionando é apenas a separação de resíduos sólidos. A água é acumulada em uma grande bacia (cheia de cianobactérias) com uma canalização que a joga, esverdeada, direto no rio. “Talvez, seja essa uma das razões pela qual o presidente desistiu de visitar o município de Pirapora. Seus emissários certamente verificaram o mau uso do recurso público de R$ 4,5 milhões”, analisa Letícia.

Nas proximidades da Estação, foi possível verificar também a drenagem de uma lagoa marginal. Os moradores da cidade, críticos à obra, questionam se no EIA/RIMA da obra da estação consta a existência de tal lagoa, que foi drenada durante o processo de construção da estação.

“É por isso que cada vez mais o povo vai reconhecendo que a verdadeira revitalização só será possível com garantia dos territórios das populações tradicionais, que poderão conquistar um São Francisco Vivo: Terra, Água, Rio e Povo!”, defende Letícia Rocha.

Obra de transposição divide especialistas


O projeto de transposição do São Francisco dividiu não apenas os políticos de Estados que perderão ou ganharão água, mas também especialistas. Engenheiros, geólogos e ambientalistas estão longe de um consenso sobre o impacto da obra.

A reportagem é de Daniel Bramatti e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 15-10-2009.

Para o geólogo Pedro Ângelo Almeida Abreu, doutor em Ciências Naturais pela Universidade de Freiburg (Alemanha) e reitor da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri , o projeto representa a "redenção" do semiárido nordestino.

Já o engenheiro João Abner Guimarães, professor do Laboratório de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, vê a iniciativa como "uma fraude que não tem nada a ver com a seca".

A discordância não se limita aos aspectos técnicos, como a necessidade de água nas regiões que serão atingidas e os eventuais prejuízos ao rio e a seu entorno. Até as causas e efeitos políticos da obra são encaradas de forma divergente.

Para Guimarães, a obra é resultado de lobbies de setores beneficiados pela chamada "indústria da seca". Já Abreu afirma que vêm da mesma "indústria" os ataques ao projeto, pois ele teria potencial para acabar com a "hegemonia política de coronéis e oligarquias que sempre abocanharam os recursos para o combate à seca".

"A perenização de alguns rios e a manutenção de açudes cheios vai melhorar o abastecimento às pessoas e, ao mesmo tempo, viabilizar projetos de irrigação, fruticultura, criação de peixes", previu o reitor da UFVJM.

"A água vai escoar, na parte inicial, por áreas despovoadas, e depois irá para grandes barragens, onde não falta água. Nenhum carro-pipa deixará de ser contratado", disse o professor da UFRN.

INTERESSES

Debatida desde a época do Império, a transposição do São Francisco foi apresentada como prioridade já no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O projeto em andamento prevê a abertura de 720 quilômetros de canais para levar a água do maior rio do Nordeste para áreas de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. Estados que perderão água sempre protestaram contra a obra, mas a resistência diminuiu com a eleição de correligionários de Lula na Bahia e em Sergipe.

"É um grande lobby. Um vírus que se instalou no governo Itamar Franco, se replicou no governo Fernando Henrique Cardoso e ficou mais forte no governo Lula. São os interesses econômicos das empreiteiras que mandam neste País", afirmou João Abner Guimarães.

Para Almeida Abreu, as críticas à obra vêm de pessoas que a desconhecem ou que fazem "propaganda ostensiva" por temer que o vale do São Francisco - polo de produção de frutas e vinhos - perca investimentos para regiões mais ao norte.

"Fui testemunha de discussões com argumentos que beiram a ignorância. Vi gente dizendo que grande parte da água seria perdida com a evaporação. Los Angeles é abastecida por água que atravessa todo o deserto de Mojave, e as taxas de evaporação são insignificantes", afirmou o reitor.

Abner Guimarães afirma que o alto custo da água nas regiões atendidas vai inviabilizar a irrigação e o estabelecimento de novos polos de fruticultura, a não ser que os consumidores das cidades paguem a conta.

"Haverá um subsídio cruzado, semelhante ao que existe no setor de energia. As cidades do Nordeste setentrional vão acabar subsidiando a irrigação, mesmo as que não precisam da água do São Francisco."

O professor ataca ainda o discurso oficial de que a transposição beneficiará cerca de 12 milhões de habitantes dos Estados atingidos. "É mentira. Não há infraestrutura para levar água para essas pessoas."


Execução de transposição do São Francisco está em 15,3%


A execução média das obras de transposição de parte das águas do rio São Francisco está em 15,3%, segundo balanço apresentado ontem pelo Ministério da Integração Nacional ao presidente Lula. Isso indica que, para cumprir as metas estipuladas pelo governo para dezembro deste ano, a execução nesses 75 dias terá de superar o total realizado desde o início das obras, em agosto de 2007.

A reportagem é de Eduardo Scolese e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 15-10-2009.

No balanço de fevereiro do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o governo estimava para abril a execução de ao menos 18% das obras do eixo norte (rumo ao Ceará) e de 20% do eixo leste (em direção ao centro de Pernambuco).

Não atingidas, essas metas foram modificadas há dois meses, quando Lula e a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), diante de um relatório que apontava o atraso nos dois eixos da obra, exigiram a ampliação do número de máquinas e de operários, além da adoção de três turnos de trabalho - o que, diz o governo, deu um carimbo "adequado" ao ritmo das obras.

Agora, a meta oficial aponta, para dezembro, a execução de pelo menos 32% das obras do eixo norte e de 40% no leste.

Além das empresas que venceram as licitações, o Exército é o responsável por uma parte da obra. Os militares, segundo o balanço do ministério mostrado ontem a Lula, já concluíram 51% dos trechos sob sua responsabilidade: canais de aproximação (entre o rio e as estações de bombeamento) e duas barragens, em ambos os eixos.

A média de execução dos 14 lotes, ou seja, sem a ação dos militares, é de 12,7% -de 21,6% no leste e de 7,8% no norte.

O secretário-executivo da pasta, João Reis Santana, disse que as "obras estão dentro do cronograma previsto". Em relação a mudanças nas estimativas do PAC, a informação é que houve uma "readequação dos cronogramas físico e financeiro", mas que a meta de finalização dos eixos foi mantida.

O término das obras do eixo norte está previsto para 2012, por isso o governo dá atenção especial ao trecho leste, com chances de ser inaugurado no ano eleitoral de 2010.

Ontem, Lula iniciou uma viagem de três dias aos canteiros de obras do projeto de revitalização e transposição, tendo ao lado a ministra Dilma, pré-candidata petista ao Planalto.

Hoje, de acordo com documento da Integração Nacional, dos 14 lotes da transposição, 9 estão em andamento. A paralisação física nos cinco restantes ocorre por diferentes fatores, como editais de licitação não publicados e embargos jurídicos.

O projeto (executivo e ambiental) e a obra de transposição, orçados em R$ 5,5 bilhões, já consumiram R$ 847,5 milhões. Há ainda R$ 1,5 bilhão para a revitalização do rio. Segundo o governo, cerca de 12 milhões de nordestinos serão beneficiados com o projeto, uma das vitrines do PAC.

Reportagem de ontem da Folha mostrou que, segundo a ANA (Agência Nacional de Águas), os Estados receptadores da transposição (Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte) ainda não têm pronta uma estrutura de gestão para receber essas águas.

Entre outros pontos, a agência reguladora exige que esses Estados tenham um órgão estadual equipado que cuide da qualidade da água e organize um sistema eficaz de cobrança aos consumidores - como habitantes da zona urbana e fazendeiros interessados na irrigação de suas propriedades.



Fontes: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=26609

e

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=26614

Socialismo em crise no novo milênio


Artigo de Anthony Giddens


Segundo o sociólogo britânico Anthony Giddens, "o declínio dos progressistas representa uma tendência ampla e prolongada". "Há muito a ser pensado, discutido e repensado, observando esse fenômeno", afirma o sociólogo, que foi diretor da London School of Economics e assessor do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair. O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 29-09-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

A derrota do partido social-democrata na Alemanha foi pesada, até pior do que o previsto, confirmando uma fase de dificuldade para todos os partidos de centro-esquerda na Europa. Segundo previsões e pesquisas, o Labour também perderá o poder nas eleições previstas para a próxima primavera [europeia] na Grã-Bretanha: o declínio dos progressistas representa, portanto, uma tendência ampla e prolongada. Há muito a ser pensado, discutido e repensado, observando esse fenômeno.

Uma primeira consideração a ser feita é que, contrariamente ao que muitos esperavam, a crise do sistema financeiro, o colapso dos bancos e das bolsas, a recessão global que atravessou e em parte continua atravessando o mundo não produziram maiores consensos para os partidos de centro-esquerda europeus, ou seja, para aqueles movimentos que podiam mais facilmente distanciar-se de um capitalismo que a todos pareceu, de repente, como muito ávido, não muito regulado, não suficientemente útil ao desenvolvimento da sociedade.

Esse consenso que faltou à centro-esquerda, frente à crise do capitalismo, tem, a meu ver, duas explicações. Uma é que essa crise aumentou as divisões dentro da esquerda, reforçando o radicalismo daqueles que recusavam a reviravolta reformadora iniciada por Tony Blair e Gerard Schroeder no Reino Unido e na Alemanha nos anos 90. Em muitos países, essa divisão entre esquerda reformadora e esquerda radical se acentuou por causa da crise econômica e contribuiu para uma série de derrotas eleitorais.

A segunda razão é que os partidos de centro-direita, principalmente em alguns países, souberam dar uma resposta válida para a crise: Merkel na Alemanha e Sarkozy na França, por exemplo, estiveram entre os mais ativos a pedir uma nova reflexão sobre os mecanismos do mercado e uma contenção dos excessos dos banqueiros e dos bancos. Os progressistas diziam a mesma coisa, mas não eram os únicos a dizer.

A segunda consideração é que seria errado, ao julgar o equilíbrio político do planeta, concentrar-se exclusivamente no que está ocorrendo nos 27 países da União Europeia. Em nível global, com efeito, não se pode falar hoje de um retraimento das forças progressistas, mas, pelo contrário, é preciso reconhecer seu avanço. Isso é evidente a todos no mais poderoso e importante país do Ocidente, os Estados Unidos, onde a vitória de Barack Obama colocou em ação uma completa inversão das políticas seguidas pelo seu predecessor republicano. Na América e em outros lugares, alguns comentaristas estão desiludidos com Obama, mas a meu ver pareceria ridículo esperar que, em poucos meses, o novo presidente pudesse realizar resultados concretos em matérias delicadas e complexas: o que conta é que Obama está redesenhando a agenda global, não só dos EUA, mas também do mundo, das armas nucleares ao clima, das finanças ao bem-estar, até o diálogo com blocos aliados e adversários.

Partidos progressistas alcançaram ou conservaram o poder também na Índia e no Brasil, ou seja, em duas das três maiores nações emergentes, além da Austrália e do Japão, esta última uma conquista de significado histórico. E resultados análogos foram verificados em outros países da América Latina. Portanto, só a Europa, até agora, é o terreno onde a esquerda se encontra em dificuldades. Alguns comentaristas se perguntam como o efeito Obama ainda não se refletiu na Europa, assim como ocorreu depois da vitória de Bill Clinton. Mas a vitória de Clinton não causou imediatamente o seu efeito na Europa: o presidente democrata foi eleito à Casa Branca em 1992, Tony Blair assumiu o poder em Londres só em 1997. Por isso, é muito cedo para dizer que o efeito de Obama entre nós ainda não se fez sentir. Esperemos: é pos sível que iremos senti-lo em alguns anos.

Uma terceira consideração ajuda a compreender o que está ocorrendo no velho continente. A Europa se encontra novamente em confronto com novos problemas que a deixam em ansiedade: a imigração, o crime, a busca por uma identidade nacional diante da globalização. Para enfrentá-los, a centro-esquerda está procurando elaborar uma nova política liberal-reformadora: mas ainda não a definiu totalmente. Os progressistas entendem que hoje é necessário repensar a relação entre Estado e cidadão, entre Estado e mercado: mas ainda não decidiram completamente como. A crise financeira não é uma crise como as outras, assim como a ameaça posta pelas mudanças climáticas não é uma ameaça normal: tudo isso requer uma análise teórica aprofundada e o esforço de entender que, para certos problemas, não existem necessariamente soluções de direita ou de esquerda, mas sim a necessidade de encontrar alternativas verdad eiramente novas.

Em conclusão, a centro-esquerda tem necessidade hoje de dois elementos: a elaboração de um novo pensamento político para enfrentar os problemas postos por um mundo radicalmente mudado e a capacidade de unir todas as suas forças, pondo fim às divisões entre moderados e radicais. Dividida, enfraquece-se e perde, como ficou demonstrado, por exemplo, na Itália. Mas unir as forças de esquerda não é uma operação que pode ser feita só em nome do pragmatismo, formando uma coalizão heterogênea, capaz talvez de ganhar a maioria das urnas, mas incapaz depois de governar e de fazer as reformas necessárias: é preciso, pelo contrário, conseguir eliminar a suspeita de que a esquerda tradicional tem com relação à esquerda moderada e, ao mesmo tempo, conquistar os eleitores centristas, sem os quais seria difícil vencer nas urnas.

Se não conseguir fazer isso, a esquerda está em perigo. Mas as divisões, a meu ver, não são irrep aráveis. Melhor, a situação atual oferece um desafio para se criar um novo pensamento político. Não acho que um resultado semelhante seja impossível. Gostaria de poder contribuir para realizá-lo.