Doze companhias alemãs uniram-se para implementar o ambicioso plano de cobrir, até 2020, pelo menos 15% da demanda de eletricidade da Europa com usinas termosolares instaladas na África setentrional. Entre essas empresas signatárias da Iniciativa Industrial Desertec estão as maiores firmas alemãs em vários setores: bancário (Deutsche Bank), seguros (Muenchener Rueca), elétrico (E.on e RWE) e o gigante da eletrônica Siemens. Elas planejam investir cerca de 400 bilhões de euros (US$ 560 bilhões) em instalações e na modificação da matriz energética européia, de modo a permitir a chegada de eletricidade através do mar Mediterrâneo. As centrais termosolares também forneceriam energia para a África setentrional.
A reportagem é de Julio Godoy, da IPS e publicada pela Envolverde, 30-07-2009.
O plano responde a estudos realizados pelo Clube de Roma, uma organização independente dedicada ao fomento do desenvolvimento, e ao estatal Centro Aeroespacial Alemão. Na promoção e implementação do projeto teve papel fundamental a Fundação Desertec, integrada por personalidades da Europa, do Maghreb e do Oriente Médio, dedicada a desenvolver mecanismos sustentáveis de produção e fornecimento de energia para essas regiões. “Queremos lançar uma sociedade de risco compartilhado e criar planos concretos para a Desertec nos próximos dois ou três anos”, disse à IPS o diretor da Muenchener Rueck, Torsten Jeworreck.
“A energia solar limpa é o futuro da Siemens”, disse o gerente-geral da companhia, Peter Loescher, no mês passada em uma entrevista coletiva. “Nossa empresa, e toda a economia, será mais verde após encerrada” a atual crise econômica. A Siemens “participará ativamente” da Iniciativa Industrial Desertec, acrescento. “As catástrofes ambientais causadas pela mudança climática são, no longo prazo, um problema maior do que a atual crise financeira”, disse Jeworrek. “Nossas estatísticas sobre seguros das últimas décadas dizem que as catástrofes crescem entre 3% e 4% a cada ano”, acrescentou.
Estimativas de especialistas alemães em energia indicam que a eletricidade produzida na África setentrional poderia custar cerca de 0,06 euros por quilowatt/hora. Em outras fontes, o custo atual varia de 0,025 a 0,05 euros. “Praticamente, todos os especialistas concordam que o preço da eletricidade aumentará nos próximos anos”, disse à IPS Bernd Schuessler, da revista alemã Photon, especializada em energia. O Centro Aeroespacial Alemão e o Clube de Roma calcularam que um investimento de 400 bilhões de euros nos programas da Desertec podem conseguir a instalação de uma capacidade de produção elétrica de 100 gigawatts até 2050.
Esta relação entre custo e beneficio é extremamente vantajosa em relação, por exemplo, com a de Olkiluoto 3, uma central nuclear em construção na Finlândia que custará 5 bilhões de euros e terá capacidade de gerar 1,6 gigawatts. O custo não inclui o manejo dos lixo radioativo nem de outras dificuldades técnicas próprias dos reatores nucleares. O custo estimado das centrais termosolares noMaghreb inclui uma rede subterrânea de cabos de alto rendimento através do mar Mediterrâneo. “Em distancias de 500 ou 600 quilômetros, os cabos custam apenas entre 10% e 20% mais do que a rede aérea e não emitem radiação eletromagnética”, segundo o Centro Aeroespacial.
Especialistas e ativistas ambientalistas aplaudiram a iniciativa Desertec. “O projeto é uma das respostas mais inteligentes aos problemas ambientais e econômicos de nosso tempo”, disse à IPS Andree Boehling, especialista em energia do Greenpeace Internacional. “Ao que parece, uma parte importante do empresariado alemão se deu conta de que é hora de ampliar o uso das fontes renováveis de energia e de dizer adeus aos combustíveis fósseis e às centrais nucleares”, acrescentou. Segundo o ministro do Meio Ambiente da Alemanha, Signar Gabriel, o projeto é “uma excelente idéia, tanto por suas implicações na política energética européia quanto em seu caráter de programa de desenvolvimento para a África setentrional”.
As centrais termosolares, em uso comercial desde 1985, usam espelhos e lentes de aumento para concentrar a energia solar de modo a aumentar a temperatura da água em recipientes e produzir eletricidade com a passagem do vapor resultante através de turbinas. O calor residual do processo de produção de eletricidade “pode ser usado para retirar o sal da água marinha”, disse o Clube de Roma. “Se for produzida mais energia de origem solar do que a consumida durante o dia, o excedente pode ser armazenado em baterias e usado durante a noite”, acrescentou. “As turbinas também funcionam com gás natural, por isso podem fornecer eletricidade sem interrupção em períodos em que o clima não é propício” para produzir com a luz solar, afirma o estudo do Clube de Roma.
O projeto beneficiará as duas regiões, disse à IPS Franz Trieb, do Centro Aeroespacial. “Não será uma nova colonização energética do mundo árabe”, afirmou. “Pelo contrário, ajudará os Estados da África setentrional e do Oriente Médio a cobrir sua crescente demanda com recursos renováveis e próprios”. O projeto da Desertec não está livre de críticas. O legislador social-democrata alemão Hermann Schee, também presidente do Conselho Mundial para as Energias Renováveis, o considera “outro supérfluo gerado gigante”. Scheer prefere apoiar a instalação de usinas solares e eólicas de pequeno porte.
“O fator decisivo na avaliação econômica das fontes renováveis de energia não é a razão entre eletricidade produzida e intensidade da fonte, mas entre a produção e o investimento”, disse o legislador. Segundo Scheer, uma simples operação aritmética mostra que “uma rede descentralizada de pequenos geradores solares e eólicos é mais eficiente do que projetos maiores, devido ao menor custo do transporte da eletricidade” através dos cabos. Os já numerosos geradores solares de eletricidade instalados na Alemanha “podem competir com a energia solar do deserto do Saara. Neste país estamos a ponto de reduzir ainda mais os custos através da instalação de painéis solares em tetos e fachadas de edifícios”, acrescentou.
Desde outro ponto de vista, o projeto Desertec é “excessivamente caro”, segundo Lars Josefsson, gerente-geral da Vantenfall, uma das principais companhias de energia da Europa, e assessor da Organização das Nações Unidas e da chanceler alemã, Angela Merkel. Os custos do transporte da energia do Maghreb até a Europa através do Mediterrâneo “seriam muito elevados. Para mim, o projeto não é viável”, afirmou Josefsson.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=24403
Nenhum comentário:
Postar um comentário