sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O lado perverso da persuasão


por Maria Berenice da Costa Machado
LANE MEDICAL LIBRARY, STANFORD UNIVERSITY



A partir do século XX, a história da mentalidade passa necessariamente a ser contada também por meio da publicidade. Para o bem e para o mal, as mais competentes peças de persuasão manejam realidades e ajudam a transformá-las, ao interpretar desejos coletivos latentes e devolvê-los ao público na forma de uma imagem e de uma mensagem a que uma maioria adere. Nada diferente, portanto, de qualquer outra modalidade de comunicação de massa, capaz de criar virtudes ou vícios, atrocidades históricas ou progresso social.

O Brasil foi um laboratório fértil para esse tipo de experiência. Eis um povo, o brasileiro, que almejou mudanças de status no século XX, encantado com as próprias potencialidades e também com propaganda de modernidade que vinha de fora, a apresentar uma classe média em processo de afirmação, com homens bem-sucedidos e uma nova mulher – a cada década mais independente e realizada.

Não demorou para a fantasia atingir o jovem, em especial no pós-maio de 68 na França, quando o mundo foi tomado por valores até então subversivos, que precisaram ser rapidamente incorporados ao sistema pelos meios de comunicação. O culto à liberdade foi então apresentado em várias versões, todas palatáveis, até culminar com o uso de imagens de esportes radicais nos anos 90.



O livro Campanhas inesquecíveis: propaganda que fez história no Brasil, organizado pela editora Meio & Mensagem, traz uma seleção de 84 campanhas inesquecíveis, veiculadas entre os anos de 1960 e 1995 – período em que a mídia passou por forte desenvolvimento. É interessante notar que, desse total de peças, quatro são de marcas de cigarros, hoje proibidas, e sete de bebidas alcoólicas, atualmente ainda autorizadas, mas repetidas vezes criticadas.

Foram escolhidas as campanhas que elevaram os produtos anunciados à condição de ícones do consumo de sua época, que estabeleceram relações emocionais com o público e permaneceram na sua memória afetiva. Seus ingredientes – criatividade, ousadia, ineditismo e pesados investimentos em mídia – revelam o quanto houve de esforço técnico e persuasivo para dar visibilidade à mensagem e provocar no público-alvo um sentimento de identificação e adesão.


Atribui-se algumas vezes à publicidade um papel pedagógico e até civilizador. Certas ações de comunicação do século passado vão nessa direção, em especial na área de limpeza e higiene e de eletrodomésticos. A indústria precisava não apenas apresentar seu produto, mas ensinar a usá-lo e mostrar seus benefícios nas questões de saúde e bem-estar.

Há que questionar, porém, as pedagogias persuasivas que foram utilizadas em outras categorias de bens. De fato, os investimentos maciços em publicidade de cigarros, bebidas alcoólicas e carros velozes hoje afrontam uma melhor consciência da sociedade e o necessário compromisso de empresas e governos com o consumidor.



EXERCÍCIO SOCIOLÓGICO

Constatar isso não elimina a necessidade de dialogar com peças publicitárias flagrantemente nocivas, como um exercício sociológico. Isso porque esse diálogo evidencia a mentalidade dominante em diferentes épocas e os estágios da tecnologia, os padrões estéticos, os comportamentos e os hábitos de consumo em um lugar e um tempo que já vão longe.

Um dos primeiros registros da indústria tabagista no Brasil sur giu na revista Fon-Fon (RJ, 25/7/1914). Traz a ilustração de um homem fumando junto ao nome da marca e de um pequeno texto: “É costume que as moças e as senhoras não digam mais aos seus noivos e maridos para não fumar (...) esta marca evita o mau hálito, possui perfume agradável, capaz de deliciar as mulheres, é higiênica e chique”.


Nas décadas seguintes, a publicidade de cigarros no Brasil e no mundo dirigiu seus esforços ao estímulo para que as mulheres fumassem. O produto ajudaria a “acalmar os nervos, dar energia e perder peso”, com o testemunho de atores famosos de Hollywood e, por incrível que pareça, de médicos. Eram ainda utilizadas imagens de bebês robustos e atletas para ilustrar as mensagens, de forma a atingir a imaginário feminino.

Se médicos não se importaram em emprestar seu nome à publicidade, menos ainda as corporações. Em meio à Segunda Guerra Mundial, o Mappin Stores, tradicional magazine instalado em de São Paulo, associou a sua marca a pedido de doações de “quase cinco milhões de cigarros para os soldados inglezes (sic)”.


A publicidade continuou sugerindo à mulher fumar. Nos anos 50, anúncio no Anuário das Senhoras relacionava à “classe”. Na mesma época, a revista Manchete estampou um anúncio que atribuía ao cigarro certa “tradição de bom gosto”. A imagem de uma bela modelo internacional fumando, ao lado da embalagem do produto, completava a cena.

Cigarros e tabacos lideram o ranking de investimentos em publicidade no Brasil nos anos 70 e 80. E seguem com foco no público feminino, com o uso de cenas semelhantes: rosto de mulher com cigarro na mão, acompanhado do slogan “o importante é ter charme”.

Mais que o hábito de fumar, a publicidade das marcas de cigarro procurou vender um estilo de vida, ignorando completamente os problemas que o tabaco poderia provocar à saúde. Os anúncios criaram situações de identificação e projeção, inicialmente para promover o “prazer de fumar” associando o hábito a valores subjetivos, explicitados no uso de palavras como “chique”, “luxo”, “charme” e “classe”. Também eram atribuídos ao fumo poderes de “acalmar”, “dar energia” e “emagrecer”.


Na etapa seguinte, mais próxima do quarto final do século, a saudável juventude brasileira passou a ser o foco das campanhas. Tornaram-se comuns as promessas de vantagem, satisfação e principalmente liberdade em tudo e para todos. Bastava que os jovens comprassem a ideia – e o produto!

Durante a década de 90, o debate sobre os malefícios do fumo se acirrou no mundo, e a indústria tabagista substituiu no Brasil seus personagens por arte abstrata. Em janeiro de 2001 foram proibidos anúncios de cigarros nos veículos de comunicação de massa.

Como estratégias de comunicação, todas essas foram campanhas memoráveis e permanecem nos anais da história social – ainda que, hoje, tais mensagens soem inconcebíveis.


São escassos os registros da atividade publicitária no Brasil no período que antecede a chegada da corte de D. João VI ao Rio de Janeiro, em 1808. Restritos a cartazes rudimentares escritos à mão e aos pregões dos comerciantes nas ruas, os anúncios nada mais eram que uma apropriação criativa da tradição oral, como o exemplo que segue: “Atenção, muita atenção, aviso/ Sorvetinho, sorvetão/ Sorvetinho de limão/ Quem não tem duzentos réis/ Não toma sorvete não”.

A instalação da família real impulsionou o desenvolvimento do país e incrementou a formação de um mercado de bens, de serviços e de comunicação. E, com as prensas tipográficas trazidas na bagagem portuguesa, deu-se a instalação da Imprensa Régia, que editava e fazia circular informações no primeiro jornal do Brasil, a Gazeta do Rio de Janeiro.

Além das notícias, o jornal passou a veicular “annuncios” para propagar e tornar público que havia “huma morada de cazas de sobrado” para vender ou gratificar quem pegasse e entregasse “escravo fugido”. Os reclames usavam linguagem simples e adjetivada para chamar a atenção para a venda ou a compra de escravos, animais, imóveis, remédios e outras mercadorias.


A receita publicitária contribuiu para financiar as empresas produtoras de notícias, fruto das inovações tecnológicas da metade do século XIX, ocasião em que o jornalismo deixou a fase romântica, marcada por debates político-literários aquecidos, emocionais e relativamente anárquicos.

Acelerou-se a venda de espaços, tarefa para os “corretores de anúncios”, assegurando assim a sustentação econômica dos jornais e gerando o embrião do que mais adiante seriam as agências de publicidade. Entre 1891 e 1915 funcionou em São Paulo a Empresa de Publicidade e Comércio, a primeira oficialmente constituída para agenciar anúncios.

As novas tecnologias da comunicação, entre elas a fotografia e a cor para a impressão de revistas, aproximaram o país, no início do século XX, do que já vinha ocorrendo na Europa e Estados Unidos. As inovações exigiram profissionais com mais preparo técnico para a criação e a produção dos impressos publicitários. Teve início a chamada fase artística: os anúncios com textos mais elaborados, escritos por intelectuais, acompanhados por ilustrações coloridas, obra de desenhistas e pintores.

A nova estética facilitou a identificação dos produtos anunciados, uma vez que a maioria das pessoas não sabia ler. Na segunda década do século, foi fundada A Eclética, pioneira entre as agências de publicidade, que conquistou contas das multinacionais recém- instaladas no Brasil.

A publicidade brasileira, hoje tão bem conceituada no mundo, profissionalizou-se, definitivamente, na segunda metade do século XX, acompanhando o ritmo das comunicações de massa, que passaram a contar com as tecnologias do cinema, do rádio, da televisão, do computador e das redes de telefonia e de telecomunicações.

(M. B. C. M.)


***


A matéria abaxo, por sua vez, foi publicada originalmente no Blog HypeScience:

Cocaína, morfina e até heroína eram vistos como remédios miraculosos quando foram descobertos. As substâncias que hoje são proibidas estavam legalmente disponíveis no passado.

Os fabricantes de medicamentos, muitos dos quais existem até hoje, proclamavam, até o final do século 19, que seus produtos continham estas drogas.

Veja dez impressionantes propagandas do gênero.


Heroína da Bayer

Um frasco de heroína da Bayer. Entre 1890 a 1910 a heroína era divulgada como um substituto não viciante da morfina e remédio contra tosse para crianças.

Vinho de cocaína




O vinho de cocaína da Metcalf era apenas um de uma grande quantidade de vinhos que continham cocaína e estavam à venda sem nehum controle. Todos afirmavam que tinham efeitos medicinais, mas eram consumidos também pela sua outra qualidade.

Vinho Mariani

O Vinho Mariani (1865) era o principal vinho de cocaína do seu tempo. O Papa Leão 13 carregava um frasco de Vinho Mariani consigo e premiou seu criador, Angelo Mariani, com uma medalha de ouro.

Vinho Maltine


Esse vinho de cocaína foi feito pela Maltine Manufacturing Company de Nova York. A dosagem indicada diz: “Uma taça cheia junto com, ou imediatamente após, as refeições. Para crianças, doses menores.

Peso de papel




Acima, um peso de papel promocional da C.F. Boehringer & Soehne (Mannheim, Alemanha), “os maiores fabricantes do mundo de quinino e cocaína”. Este fabricante tinha orgulho em sua posição de líder no mercado de cocaína.

Glico-Heroína


Propaganda de heroína da Martin H. Smith Company, de Nova York. A heroína era amplamente usada não
apenas como analgésico, mas também como remédio contra asma, tosse e pneumonia. Misturar heroína com glicerina (e comumente açúcar e temperos) tornava o opiáceo amargo mais palatável para a ingestão oral.

Ópio para asma

Esse National Vaporizer Vapor-OL era indicado “Para asma e outras afecções espasmódicas”. O líquido volátil era colocado em uma panela e aquecido por um lampião de querosene.


Tablete de cocaína



Estes tabletes de cocaína eram “indispensáveis para cantores, professores e oradores”. Eles também amenizavam dor de garganta e davam um efeito “animador” para que estes profissionais atingissem o máximo de sua performance.


Drops de Cocaína para Dor de Dente



Dropes de cocaína para dor de dente (1885) eram populares para crianças. Não apenas acabava com a dor, mas também melhorava o “humor” dos usuários.


Ópio para bebês recém-nascidos


Você acha que a nossa vida moderna é confortável? Antigamente para aquietar bebês recém-nascidos não era necessário um grande esforço dos pais, mas sim, ópio.

O frasco acima de paregórico (sedativo) da Stickney and Poor era uma mistura de ópio de álcool que era distribuída do mesmo modo que os temperos pelos quais a empresa era conhecida.

Doses: para crianças com cinco dias, 3 gotas. Duas semanas, 8 gotas. Cinco anos, 25 gotas. Adultos, uma colher cheia. O produto era muito potente, e continha 46% de álcool.



Ainda sobre as bases norte-americanas na Colômbia



Segue abaixo três matérias analisando o contexto geopolítico e as motivações para a instalação das bases norte-americanas na Colômbia.



O primeiro deles é um trecho de entrevista concedida pelo cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira, um dos principais especialistas na história da diplomacia brasileira, e publicada na revista eletrônica Terra Magazine em 18-08-2009.

Ele considera que "o objetivo da ampliação das bases (dos EUA) na Colômbia é restringir a projeção do poder político e militar do Brasil, frustrando iniciativas como a Unasul e o Conselho Sul-Americano de Defesa."



O segundo artigo vai na mesma direção. Trata-se de análise de Juan Gabriel Tokatlian, professor de Relações Internacionais da Universidade Di Tella e membro do Clube Político Argentino, em artigo publicado no jornal Página/12, em 07-08-2009.

O terceiro artigo, muito mais provocativo e num tom mais radical, é de autoria do venezuelano Luis Britto García - narrador, ensaísta, dramaturgo e autor de mais de 60 livros - e traz também uma análise da presença norte-americana em todo o continente.


1- Entrevista com Moniz Bandeira



A ampliação das instalações militares americanas em território colombiano oferecem quais riscos para a segurança continental?

O objetivo da ampliação das bases na Colômbia é restringir a projeção do poder político e militar do Brasil, frustrando iniciativas como a Unasul e o Conselho Sul-Americano de Defesa. Essas instituições, que dão à América do Sul uma identidade própria, não convém aos Estados Unidos. Não se trata de risco para a segurança continental. A presença dos Estados Unidos sempre foi um fator de desestabilização em todas as regiões do mundo e seu objetivo com a ampliação das bases na Colômbia é fomentar um cisma e impedir a integração econômica e política da América do Sul. A ampliação das bases na Colômbia foi decerto planejada juntamente com a restauração da IV Frota no Atlântico Sul, visando a fortalecer a presença dos Estados Unidos na região e assegurar o controle de seus recursos naturais, como, por exemplo, a água e o petróleo.

Os EUA e a Colômbia caminham para um acordo bilateral. Isso será um erro diplomático do presidente Barack Obama na região?

A ampliação das bases na Colômbia não constitui uma iniciativa do presidente Barack Obama. Ele enfrenta séria oposição interna e não controla todo o aparelho de governo. Não tem muitas condições de reverter a influência do complexo industrial-militar. Atualmente quem pauta a política exterior dos Estados Unidos não é propriamente o Departamento de Estado, mas o Departamento de Defesa, o Pentágono. A militarização da política exterior dos Estados Unidos, formalizada com a criação dos comandos militares, para as diversas regiões, inclusive a América Latina (USSouthern Command), tomou impulso com os atentados de 11 de setembro de 2001. Esses comandos atuam como consulados do Império Americano.

Caso se concretize a ampliação da presença militar americana, o Brasil deve reformular sua política para a Amazônia?

Não há o que reformular na política para a Amazônia como conseqüência da ampliação das bases americanas na Colômbia. Há muitos anos militares dos Estados Unidos trabalham não só na Colômbia como nos demais países limítrofes da Amazônia. E as Forças Armadas estão conscientes da ameaça, ainda que pareça remota. Todos os anos elas realizam operações de treinamento, tendo como primeira hipótese de guerra o enfrentamento com uma potência tecnologicamente superior no teatro de guerra da Amazônia.




Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=24954



2 - As bases americanas na Colômbia têm um alvo: o Brasil


O Conselho Sul-americano de Defesa da Unasul, uma inspiração brasileira, mostrou-se um tigre asiático. Num dos primeiros testes reais, as polêmicas bases estadunidenses na Colômbia não serão alvo de debate no Conselho, isso porque os EUA fizeram forte lobby para que o tema não seja discutido. Ainda mais: as bases americanas na Colômbia têm um alvo: o Brasil e não a Venezuela.

O artigo é de Juan Gabriel Tokatlian, professor de Relações Internacionais da Universidade Di Tella e membro do Clube Político Argentino em artigo publicado no jornal Página/12, 07-08-2009. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

Tudo indica que os Estados Unidos poderá utilizar várias bases militares na Colômbia. O acordo, a ser confirmado brevemente, foi apresentado em Bogotá como continuação e complemento da luta contra o narcotráfico e o terrorismo, e em Washington como substituição da base de Manta, no Equador – que os EUA deve abandonar neste ano –, como localizações para levar a cabo “operações contingentes, logística e treinamento”, de acordo com a linguagem do Pentágono.

Visto a partir da situação concreta da Colômbia, não existe nenhum interesse nacional em jogo nesse tema: os avanços do Estado frente aos diferentes atores armados foram relevantes; os vizinhos ideologicamente antagônicos não ameaçam usar força militar contra o país; os vizinhos mais próximos com a situação interna não agridem a Colômbia, nem insinuam fazê-lo; as nações da América do sul não mostraram condutas oportunistas contra Bogotá nem antes, nem agora; e o hemisfério em seu conjunto está procurando deixar para trás a dinâmica custosa e agressiva da Guerra Fria.

Entretanto, o novo compromisso bilateral pode ser analisado e avaliado a partir de outra perspectiva. Uma delas é desde a ótica dos Estados Unidos e desde o prisma da geopolítica global e regional. Nesse sentido, há um conjunto de pressupostos básicos que não foram alterados com a chegada ao governo do presidente Barack Obama.

Nas últimas décadas – e em particular depois do 11-S – produziu-se um desequilíbrio notável entre o componente militar e o componente diplomático na política externa dos Estados Unidos. A militarização da estratégia internacional de Washington implicou num desproporcional gasto na defesa – em relação com qualquer potencial adversário ou individual ou hipotética coalizão, em comparação ao destinado a diplomacia convencional -, uma desmesurada e perigosa preponderância burocrática no processo de tomada de decisões, e uma ascendente autonomia frente aos civis na política pública do país.

Nesse contexto, desde meados dos anos noventa, o Comando do Sul foi se transformando na etnarca militar dos Estados Unidos para o Caribe e América Latina. Estacionado na Flórida, o Comando Sul tende a comportar-se como o principal interlocutor dos governos da área e o articulador decisivo da política exterior e de defesa estadunidense na região. O perfil pro - consular do Comando Sul se observa e comprova mediante a análise empírica do vasto conjunto de iniciativas, ações, desembolsos, exercícios, dados e manifestações que planeja e executa em torno das relações continentais. O restabelecimento da IV Frota é apenas um dos últimos indicadores de uma ambiciosa expansão militar na região que não contou com nenhum questionamento do Departamento de Estado, nem da Casa Branca.

Nesse sentido, o uso de várias instalações militares na Colômbia facilita ao Comando Sul conseguir parte do seu projeto pro - consular: ir facilitando – naturalizando – a aceitação na área de um potencial Estado gendarme no centro da América do Sul. A mensagem principal é para o Brasil e não para a Venezuela. Para além das coincidências políticas e de negócios entre Brasília e Washington, os Estados Unidos buscará restringir ao máximo a capacidade do Brasil no terreno militar e buscará acrescentar sua própria projeção de poder na Amazônia.

Agora, com uma simples manobra diplomática, os Estados Unidos demonstrou que o recente criado Conselho Sul-americano de Defesa (CSD) de inspiração brasileira, é até agora, um tigre de papel. América do Sul, uma região onde não existem ameaças letais para a segurança estadunidense, não há países que proliferem nuclearmente, não se encontram terroristas transnacionais de alcance global que operam contra interesses de Washington, é uma das regiões mais pacificas do mundo, tem regimes democráticos em todos os países e possui, conjuntamente, um baixo nível de anti-americanismo, não poderá discutir porque o Estados Unidos necessita usar bases militares da Colômbia. Nem Bogotá aceita debater o tema – e dali o desdobramento da diplomacia presidencial bilateral desses dias do presidente Alvaro Uribe – nem Washington necessita explicar sua política na região. Em todo caso, o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, o general James Jones, já visitou Brasília e informou ao governo do presidente Lula a decisão de seu governo.

Na medida em que a América do Sul continue criando instituições que não podem abordar os temas centrais da região, resultará evidente o seu nível de fragmentação e sua incapacidade de assumir os principais desafios da área. Caracas e ainda Brasília podem viver com ele; para Argentina é ruim. Uma vez que Buenos Aires não é um interlocutor chave (seja por amizade ou oposição) de Washington, carece de uma visão estratégica faz anos, e tem perdido influencia na América do Sul e não aporta uma melhor institucionalização regional. A situação do país é todavia mais delicada: o falido nascimento da CSD é muito custoso para a Argentina.




3 - A máquina de guerra do Império


“Alguém poderia crer que este formidável desdobramento conjunto da maior potência militar do mundo com o país mais militarizado da América Latina seria para derrotar 10.000 insurgentes e não se sabe quantos traficantes? Aponta, antes, para as reservas de hidrocarbonetos, de água e de biodiversidade da Venezuela, Equador e Brasil”, escreve o venezuelano Luis Britto García, em seu blog, no dia 16-08-2009. A tradução é do Cepat.

Luis Britto García é narrador, ensaísta, dramaturgo e autor de mais de 60 livros.

Eis o artigo:

Os Estados Unidos não podem ocupar militarmente toda a América Latina e o Caribe. Seu Exército conta com dois milhões de efetivos; os nossos têm apenas um milhão e meio. Para nos ocupar deveriam mobilizar outro tanto, deslocando-os de outras operações vitais ou recrutando-os. Ambas as operações são logística e economicamente inviáveis. Também criariam problemas de controle social e contra-insurgência, difíceis de serem controlados.

O Império mantém sua hegemonia mediante a pressão sobre os governos cúmplices, a penetração cultural que apresenta como desejável e as bases que facilitam a intervenção militar. Como disse Bush em 2002 ao formular a nova Estratégia de Segurança Nacional: “Os Estados Unidos necessitarão de bases e estações dentro e além da Europa Ocidental e do nordeste da Ásia, assim como de arranjos de acesso temporal para o desdobramento das forças dos Estados Unidos a grande distância”.

A ocupação militar do mundo

Os Estados Unidos ocupam – em propriedade ou aluguel – 6.000 bases militares em seu território e 872 fora dele. Estas alojavam 253.288 soldados, um número equivalente de familiares e pessoal de apoio e 44.446 estrangeiros contratados, e constavam de 44.870 quartéis, hospitais, depósitos e outras estruturas de sua propriedade, e 4.844 arrendados. Decisões soberanas fecharam algumas: pelos acordos sobre o Canal do Panamá, o Império desocupou a Base Howard em 1999; o Brasil lhes negou a projetada Base de Alcântara, no Maranhão, e Rafael Correa ordenou que desalojassem a Base de Manta, no Equador.

Mas restam ainda ao Comando Sul as bases de Guantánamo em Cuba, Vieques em Porto Rico, Soto Cano em Honduras, Comalapa em El Salvador, e no Peru as de Iquitos, que domina a Amazônia, assim como as de Santa Lucía Huallaga, Santa Lucía e Palmapampa. Outra base dos Estados Unidos funciona no Paraguai: os soldados ocupantes desfrutam de impunidade para violar as leis paraguaias. Assim mesmo, o Comando Sul opera 17 bases terrestres de radares: quatro na Colômbia, três no Peru, e várias bases móveis ou de localização secreta nos Andes e no Caribe.

Bases contra a América Latina

No começo do Terceiro Milênio, os Estados Unidos estalam as bases aéreas Rainha Beatriz em Aruba e Hato Rey em Curaçao, como resposta à negativa de Chávez de permitir a instalação de bases e os sobrevôos na Venezuela. Na Colômbia, onde avança uma intervenção militar massiva, já funcionavam as bases aéreas de Las Tres Esquinas e Larandia: aeronaves militares norte-americanas operam nos aeroportos de Aplay, Melgar, Cali, El Dorado, Palanquero, Medellín, Barranquilla e Cartagena. A partir de uma delas, e apoiado com tecnologia e pessoal norte-americano, a Colômbia fez o seu ataque ao Equador no começo de 2008.

Os Estados Unidos têm total domínio sobre estes enclaves. Assim, a Agência EFE em Bogotá informa que “Em 22 de abril, o Embaixador dos Estados Unidos na Colômbia, William Brownfield, reuniu-se com o ministro colombiano de Defesa, Juan Manuel Santos, e lhe comunicou que o Departamento de Estado decidiu levantar o veto que desde janeiro de 2003 aplicava à base aérea de Palanquero, no centro da Colômbia, que estava sancionada desde 1999 quando aviões saídos dali bombardearam erroneamente um povoado e mataram 18 camponeses”. Os Estados Unidos sancionam, impõem ou levantam vetos às bases militares em território colombiano, e seus soldados são imunes às leis da Colômbia. Ao seu colar de enclaves acrescentam agora as bases de Malambo, Palanquero, Apiay, Tumaco, Bahía Málaga, Tolemaida e Forte Larandia.

A ressurreição de Manta

O Comando Sul obteve do regime entreguista do presidente equatoriano Noboa a Base Aérea de Manta, na costa noroeste, que dominava o Putumayo, estendia a vigilância aérea sobre a região andina e proporcionava inteligência ao Exército colombiano e aos esquadrões da morte treinados e dirigidos pelos Estados Unidos. Segundo Pace, Manta “é a chave para reajustar a nossa zona de responsabilidade, nossa arquitetura (o aparato militar) e para estender o alcance da nossa cobertura aérea de Detecção, Controle e Seguimento nas Zonas Fonte (de produção de drogas)” (Zibechi, 2005). O presidente Rafael Correa ordenou de forma categórica a desocupação de Manta. Em seu lugar, os Estados Unidos projetam a instalação de outras duas com iguais capacidades na Colômbia, uma delas em Cartagena, para as operações da IV Frota do Atlântico.


Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=25015