quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Ícaro, o ácaro

“O mundo não procura absolutamente imitar o homem, ele ignora toda a lei.”
in: A verdade e as formas jurídicas, Michel Foucault


Ícaro, o ácaro

Já no seu primeiro dia de existência o ácaro sabia que era diferente e que ao longo de uma vida inteira de 3 meses estava destinado a grandes feitos. Seu destino estava selado. Ele era, sem dúvida alguma, especial. Os pais alimentavam todas essas expectativas, esperando que a promessa de glória do filho respingasse neles próprios. Deram-lhe o nome de Ícaro.
E Ícaro descobriu que não veio ao mundo para comer pele, nem para morar na poeira. Ícaro queria ser cão. Cão comia ração, cão dormia na casinha, cão era o melhor amigo do homem. Não lhe importava todos os ácaros tragados pelo aspirador ou exterminados a 60°C de cobertores e almofadas, queria seu direito de ser cão. Saiu pelo mundo para ser reconhecido: na goiaba era minhoca, na terra era formiga, no lixo era barata, na merda era mosca. O mundo não o compreendia. Morreu sendo pulga, tão próximo de ser cão.