sábado, 30 de maio de 2009

Obama terá "ciberczar" para "guerras virtuais"





Após dizer que as redes digitais dos EUA são "bens nacionais estratégicos", o presidente Barack Obama anunciou ontem a criação de um departamento específico na Casa Branca para ação em "guerras virtuais". O órgão será coordenado por um "ciberczar", cujo nome ainda não foi selecionado.

A reportagem é de Andrea Murta e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 30-05-2009.

O novo cibercomando conduzirá não apenas operações de segurança mas também ofensivas contra "computadores inimigos". Membros do governo não quiseram detalhar as potenciais operações ofensivas, mas afirmaram ver o ciberespaço como algo comparável a campos de batalha tradicionais.

Obama disse que tecnologias virtuais já são usadas em conflitos reais. "No ano passado, vislumbramos a próxima face da guerra. Enquanto tanques russos entravam na Geórgia, ciberataques prejudicaram sites do governo georgiano; os terroristas que semearam tanta morte e destruição em Mumbai se apoiaram não apenas em armas e granadas, mas também em sistemas GPS e telefones que usavam voz pela internet."

Hoje, ações de segurança virtual nos EUA estão descoordenadas e distribuídas entre vários órgãos, como a Agência Nacional de Segurança (NSA) e o próprio Pentágono. Para Obama, o status quo não é eficiente: "Não estamos tão preparados como deveríamos, nem como governo nem como país. O ciberespaço é real, assim como as ameaças que derivam dele". O novo "ciberczar" integrará as políticas governamentais de cibersegurança e coordenará respostas a eventuais ataques virtuais.

"A Al Qaeda e outros grupos terroristas já falaram de seu desejo de lançar ataques virtuais aos EUA. Atos de terror podem vir não só de extremistas suicidas, mas também de toques em um computador - uma arma de abalo em massa."

A Casa Branca estima que nos últimos dois anos a atuação de criminosos virtuais custou mais de US$ 8 bilhões aos americanos. Só em 2008, dados digitais roubados somam valores de até US$ 1 trilhão em todo o mundo. O próprio presidente sofreu consequências dos ataques - sua campanha à Casa Branca teve os computadores invadidos e espionados.

Suspeita-se que parte dos ataques não seja ação de hackers isolados, mas sim espionagem por parte de governos estrangeiros, como o da China.

"Por todas essas razões, está claro que a ameaça cibernética é um dos mais sérios desafios econômicos e de segurança nacional que nosso país enfrenta", resumiu Obama.

Escalada

Obama se esforçou para apaziguar temores de que abusará das liberdades civis e privacidade digital no país. Ele afirmou que impedirá o governo de monitorar regularmente "redes do setor privado" e que haverá um cargo no novo departamento específico para essa proteção.

Esse é um ponto delicado, principalmente após polêmicas do governo de George W. Bush relacionadas a escutas de comunicações sem mandato judicial e espionagem de e-mails.

Além da questão da privacidade, a iniciativa de ontem do governo gerou também temores de respostas externas agressivas. "Sem dúvida, a ação vai levar a uma escalada de estratégias para ataques e incidentes por adversários, incluindo Rússia e China, que verão a política dos EUA como um aumento de ameaças e legitimação dessas táticas", disse ao "New York Times" Ron Deibert, cofundador do relatório Monitor de Guerras de Informação e diretor do Laboratório Cidadão da Universidade de Toronto. "Podemos esperar ataques mais debilitantes em serviços e sites."



quarta-feira, 27 de maio de 2009

Algumas observações sobre o "milagre" chinês


Por: Antonio Delfim Netto

(VALOR)



Agora que a dura realidade começa a ensinar que “negócio da China só existe para chinês…”, talvez seja interessante tentar entender como foi criado o mais importante fenômeno econômico do último quartel do século XX. É claro que, como todo processo histórico, ele tem múltiplas causas. Num supremo esforço reducionista, entretanto, podemos encontrar a sua “causa causans” (a causa de todas as causas) na continuação do movimento estratégico dos EUA para isolar a URSS. Ele foi iniciado logo depois da vitória na Segunda Guerra e perseguido com afinco durante a Guerra Fria.

Na conferência de Potsdam (17 de julho a 2 de agosto de 1945), os representantes dos EUA, do Reino Unido e da extinta URSS decidiram como administrariam, em conjunto, a vencida Alemanha nazista e impuseram um ultimato ao Japão. Este rendeu-se, incondicionalmente, depois de experimentar os efeitos devastadores de duas bombas atômicas e foi ocupado, administrativamente, pelos EUA. A intrigante história das relações de Mao Tsé-tung com a União Soviética e a vitória sobre Chiang Kai-shek, que lhe deu o controle da China em 1949, ainda está para ser contada. Há evidências que, durante a guerra, tanto EUA como URSS o ajudaram para impedir a completa conquista da China pelo Japão.

Terminado o conflito armado, no final dos anos 40 o mundo estava claramente dividido entre países de inspiração democrática, cuja organização econômica se apoiava em mercados descentralizados, e países de inspiração autoritária, cuja organização econômica se inspirava numa espécie de “engenharia social”, o planejamento centralizado. Esta última vigorava na URSS e passou a vigorar na China, sob o controle da primeira, mas as relações entre elas foi se deteriorando a partir de 1956. Houve um rompimento em 1963, quando a “assistência técnica” soviética foi interrompida. Mao prosseguiu com seu voluntarismo até o desastre da Revolução Cultural (1976-1979).

Qual foi a reação estratégica dos EUA para enfrentar a dupla frente de oposição (a URSS na Europa e a China do Oriente)? Estimular a rápida e vigorosa expansão da Europa com o Plano Marshall e, particularmente, da Alemanha Ocidental, dando-lhe taxa de câmbio extremamente favorecida (4,2 marcos alemães/dólar) e abrindo-lhe o mercado para “segurar” a URSS na frente ocidental. Fez o mesmo com o Japão, modernizando suas instituições (com respeito a sua tradição), dando-lhe uma taxa de câmbio extremamente favorecida (360 ienes/dólar) e abrindo seu mercado, para “segurar” a China na frente oriental.

A economia centralizada sucumbiu na URSS (juntamente com o regime autoritário) com a queda do Muro de Berlim em 1989. Começou a morrer na China (com a permanência do regime autoritário) nos anos 70, quando o primeiro-ministro Chu En-lai (com Mao ainda vivo!) abriu negociações com os EUA e recuperou o pragmático Deng Xiaoping.

Em 1972, houve um acontecimento fundamental para a criação do “milagre chinês” que hoje conhecemos. Em Xangai, o presidente Richard Nixon e o primeiro-ministro Chu En-lai terminaram 23 anos de completo isolamento entre os EUA e a China, num comunicado em que se menciona, de passagem, uma desejada cooperação entre eles em “ciência e tecnologia”. As relações diplomáticas só foram restabelecidas em 1979, quando o presidente Jimmy Carter (1977-1981) assinou com Deng Xiaoping o Tratado da Cooperação em Ciência e Tecnologia.

Trinta anos depois (2009), o seu resultado é o seguinte:

1) mais de um milhão de estudantes chineses fizeram seus cursos nos EUA, 2/3 dos quais sob as condições especiais do tratado, especialmente em ciência e tecnologia;

2) nos anos mais recentes, 40% dos artigos escritos por cientistas chineses em publicações internacionais têm como co-autores cientistas americanos;

3) por outro lado, quase 8% dos artigos de cientistas americanos têm como co-autores cientistas chineses;

4) em 2004, as empresas americanas instaladas na China aplicaram mais de US$ 600 milhões em pesquisas (e desenvolvimento) - R&D - em laboratórios chineses. E esses investimentos têm crescido continuamente.

O segredo chinês, ou melhor, o “milagre chinês” seguiu os passos dos “milagres” alemão e japonês: 1) capacitação profissional (não necessária nos primeiros dois); 2) taxa de câmbio subvalorizada; e 3) abertura do mercado dos EUA. Neste caso houve, ainda, uma completa abertura (as zonas de exportação) ao investimento físico das empresas americanas para produzir na China e vender nos EUA. Quase 2/3 das exportações industriais chinesas são realizadas por empresas com algum capital americano. Com isso criou-se o atual mercado interno urbano da China com sua mão de obra chinesa barata submetida a um regime de capitalismo selvagem, que só agora começa a civilizar-se.

O motor de partida desse formidável “milagre” foi o não menos formidável déficit em conta corrente dos EUA de 2000 a 2008 registrado na tabela ao lado.



A competente administração chinesa soube usar, pragmaticamente, essa oportunidade para realizar seu eterno desejo de expansão, mas sabe, também, que seus interesses estão umbilicalmente ligados aos EUA.

O Brasil beneficiou-se desse movimento que multiplicou por sete as reservas totais em divisas dos países emergentes, que são fonte de financiamento do déficit americano. Entre 2002 e 2008, nossas reservas cresceram cinco vezes: de US$ 40 bilhões para US$ 200 bilhões (3/4 dos quais aplicados em bônus do Tesouro americano), que eliminaram nosso sufoco externo sem que fizéssemos qualquer esforço exportador significativo.


Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

O PIB precisa ser colocado no seu papel de ator coadjuvante



Entrevista: Ladislaw Dowbor


“Não podemos continuar a viver neste planeta com um consumo irresponsável por uma minoria da população, que consegue destruir as reservas e os recursos naturais que estão no planeta como se fossemos a última geração do mundo. Não dá para achar que este sistema é bom e deve voltar a funcionar porque vai aumentar o Produto Interno Bruto (PIB)”. A opinião é do professor Ladislaw Dowbor, do Programa de Pós Graduação em Administração da PUC-SP em entrevista à revista Desafios do Ipea, do mês de maio 2009.

O professor critica severamente a metodologia do PIB. Segundo ele, “na metodologia atual, a poluição aparece como sendo boa para a economia, enquanto que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) surge como o vilão que impede o Brasil de atingir o desenvolvimento pleno”.

Eis a entrevista.

A crise financeira internacional pode afetar a crença nas leis de mercado e no próprio sistema capitalista na mesma proporção em que a queda do muro de Berlim determinou os destinos do comunismo?

Há tantas refutações de que o mercado não funciona que é duvidoso. Ele simplesmente é necessário. Eu trabalhei na Polônia no âmbito da economia socialista. Havia mecanismos de mercado amplamente utilizados. Não estou falando do mercado no processo de concorrência entre uma série de produtores e pessoas que trocam valores com outros, permitindo a divisão de trabalho na sociedade. Isso é valioso e deve ser guardado. O que se confundiu foi o mecanismo de mercado com a regulação geral da sociedade.

Como assim?

O mecanismo de mercado protege para as trocas. Não protege o que produzimos, para quem e sobre quais custos tanto para a natureza quanto para a sociedade. Portanto, o que está acontecendo é que o mercado está perdendo sua capacidade reguladora na sociedade. O sistema de bancos no Brasil é essencialmente carteirizado. Na Inglaterra, o crédito pessoal no HSBC é de 6%, enquanto aqui passa de 60%. Se houvesse mecanismos de mercado, as pessoas iriam buscar capital lá ou aplicariam aqui. Ou seja, nas áreas carteirizadas, que pertencem às grandes corporações, deixou de funcionar o mercado.

O que fazer então?

É preciso ter sistemas de regulação equilibrados entre os intermediários financeiros, bancos centrais, governos e as organizações de usuários. O mercado não resolve tudo sozinho. Veja, por exemplo, o caso de grupos como as Casas Bahia, que trabalham frequentemente com taxas de juros de 100%. Uma pessoa de baixa renda paga o dobro do valor de um produto. Isso é extorsivo e se baseia na manutenção da desigualdade de renda, que força as pessoas sem dinheiro vivo a pagar em pequenas prestações o dobro do que pagaria uma pessoa com mais recursos. Existe um mecanismo financeiro de concentração de renda. São áreas comerciais que passaram, ainda que de forma não declarada, a ter uma atuação financeira. Assim, o acesso aos recursos e a distribuição equilibrada na sociedade está cada vez menos regulada com mecanismos de mercado. Além disso, o mercado é nocivo na exploração de bens naturais.

Como?

Basta observar o caso da pesca oceânica. Com o GPS e as novas tecnologias, se torna possível extrair o volume de peixes desejado. Virou um matadouro. E quanto mais avança a tecnologia, mais barato é capturar o peixe. No entanto, à medida que os peixes vão se esgotando, os preços sobem. O problema da água também está se tornando crítico para a humanidade. Com sistemas modernos se tornou viável bombear enormes quantidades de lençóis freáticos subterrâneos que se acumulam durante séculos. O processo funciona com extrema rapidez. Isso gera grandes fortunas para determinados grupos, que não arcaram com custos da sua produção. Por outro lado, liquida, a base de água e não gera emprego. Esse eixo é simplesmente destrutivo para as áreas de recursos limitados. Então, o mercado não tem capacidade para regular áreas que envolvem recursos naturais. Com a crise financeira internacional, há muitos especuladores à procura desesperada de onde aplicar seus recursos. Eles querem comprar imensas áreas de solo no Brasil de olho na pressão alimentar e na oportunidade de lucros com os bicombustíveis.

O governo brasileiro acertou então ao criar uma moratória de compra e venda de terras em áreas onde a água deveria ser canalizada?

Sim. Caso contrário você teria europeus, americanos e grupos de São Paulo comprando todas aquelas terras para revender ou aproveitar os seus eventuais benefícios. A capacidade reguladora do mercado se perdeu no momento em que cresce a pressão por recursos naturais, aumenta a população mundial, o nível de consumo e na medida em que se formam grandes conglomerados planetários. Isso já não é mercado. São sistemas de poder de grupos privados que exercem poder político sem serem eleitos. Por isso defendo que o mecanismo econômico tem de ser democratizado.

Qual sua avaliação sobre a declaração final do encontro do G-20 realizado em Londres no mês passado?

Tivemos um encontro do G-20 em novembro e, outro mais recente, em Londres. Não há uma diferença substantiva entre os dois. São declarações de intenções que se destinam basicamente a apaziguar a tensão, uma vez que centenas ou milhões de aposentados perderam sua aposentadoria e há um número crescente de desempregados. A tensão em torno destes problemas se tornou imensa. A declaração do G-20 de Londres é positiva em algum sentido. Primeiro porque se expandiu o número de países que participam do processo político. Tem um lado um pouco sem vergonha nisso porque quando as potências prosperavam era G-7. Quando estourou a crise, eles foram buscar sócios. De qualquer maneira, os 29 pontos da declaração são grandes princípios, além de positivos, sobretudo no que se refere ao meio ambiente, maior controle sobre o sistema financeiro, fim do protecionismo, mais poder ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e um aumento na participação de diversos países nas várias instituições internacionais.

O que poderia ter sido aprimorado?

Quase ninguém reparou que há um anexo de medidas financeiras na declaração de Londres, que foi feito rigorosamente por gente do chamado mercado financeiro. Por exemplo, as compensações para diretores e acionistas será responsabilidade deles próprios. Ou seja, não haverá nenhuma instituição para fiscalizá-los.

O senhor acredita que as propostas serão implementadas?

As propostas de arquitetura financeira mundial contidas nos acordos de Bretton Woods foram trabalhadas durante dois anos até a sua implementação. Eu, particularmente, estou cético e realista neste aspecto. Estamos começando um processo. Você não faz isso em três ou seis meses. Além disso, tudo vai depender da profundidade da crise, que ainda é completamente incerta. Ninguém sabe, nem mesmo o pessoal que criou esta crise. Mudanças mais profundas no sistema dependem da intensidade da crise. Se amanhã tudo voltar à normalidade, os especuladores, que criaram o problema, vão tentar manter as coisas como estão, esperando pela próxima crise. Isso já ocorreu antes com as crises na década de 1990. Estamos num limbo de regulação que é extremamente perigoso.

A dívida pública dos Estados Unidos ultrapassou o teto dos US$ 10 trilhões. As injeções de recursos no sistema financeiro pelo governo do presidente Barack Obama surtiram efeito?

Injetar dinheiro nos intermediários financeiros foi a primeira reação. Os bancos estão quebrando. Portanto, você coloca dinheiro para não quebrar. Contudo, a economia real começa a quebrar por falta de crédito. O que eles fizeram então? Injetaram mais dinheiro nos bancos, pensando que com mais liquidez eles passariam a oferecer crédito. Isso não aconteceu. No caso dos Estados Unidos, os bancos maiores estão comprando os pequenos para reforçar oligopólios. Há uma dimensão profundamente golpista neste sentido. Afinal, eles não querem mercado. No caso brasileiro, os cerca de R$ 100 bilhões que foram transferidos para os bancos via redução do compulsório e outros mecanismos, em vez de se transformarem em crédito para dinamizar a economia, estão sendo utilizados na compra de títulos do governo para depois serem remunerados pela taxa Selic. Ou seja, o sistema financeiro não está fazendo o seu papel de financiar a economia. Um papel, aliás, que está na Constituição.

O papel do Estado na economia deve ser rediscutido?

Estamos constatando a necessidade de fazer funcionar a economia com o interesse de uma sociedade socialmente equilibrada e com políticas ambientais que não destruam o planeta. Uma mudança de paradigma energético produtivo. Acho que o eixo é este. Em função destes objetivos, você tem que ter outro tipo de orientação da economia, com mudanças no papel do Estado. Não significa maior tamanho do Estado na economia. Significa que a regulação política dos processos econômicos tem que avançar. É importante resgatar a capacidade reguladora do Estado sobre o sistema empresarial e articular políticas públicas com organizações da sociedade civil. É um processo mais horizontal, democrático, e descentralizado, onde os interesses da população estejam em primeiro lugar.

E como fazer isso?

Eu sempre uso o exemplo do programa de expansão da Coreia do Sul. São investimentos de US$ 36 bilhões em energia limpa. A expectativa é de que, com o programa, serão criados 960 mil empregos. O emprego tira as pessoas do desespero e gera mais recursos na base da sociedade. Ocorre um impacto social de igualdade. Por outro lado, com esse dinheiro, a população consome e não aplica na bolsa. Isso é um processo anticíclico. O dinheiro que vem por parte do governo, em vez de ir para a especulação, como fazem os bancos privados, está aplicado em investimentos necessários para o país. Ao mesmo tempo em que melhora a situação do meio ambiente e oferece um equilíbrio social, o programa protege a Coreia do Sul da crise ao gerar emprego, demanda de consumo e de equipamentos para esses investimentos.

Como o senhor vê a questão da redução dos juros e do spread bancário no Brasil?

Repare que nos jornais só aparece a discussão sobre a taxa Selic. Agora, e as taxas de juros cobradas pelo sistema ao tomador final? A média para pessoa jurídica é de 68%, para pessoa física 110%, cheque especial 166%, no cartão 220%. Estamos falando de um assalto. Eu acho que o papel dos bancos oficiais é introduzir mecanismos de mercado neste processo para oferecer crédito a custos decentes. Temos que lembrar que o banco tem uma função social, de acordo com a Constituição. Mesmo o banco privado é uma carta patente que o autoriza a trabalhar com o dinheiro do público. Não é dinheiro do banco. Então, ele tem que responder a certas exigências. Como ele tem forte controle sobre o próprio Banco Central, então, aqui o sistema financeiro ficou sem regulação efetiva. Instituições como o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste, BNDES, que já fazem isso há bastante tempo, devem buscar novas formas de democratização de acesso ao crédito. O Brasil tem um volume de crédito da ordem de 37% do PIB. Isso é muito baixo. O crédito é bom, o sujeito quer abrir uma marcenaria, então precisa do crédito, mas não pode ser com essa taxa de juros. O papel do banco é isso. Estimular o empreendedorismo.


Muitos analistas apostam que o mercado interno será o motor da economia nacional neste ano. O senhor concorda?

É como se o governo Lula estivesse se protegendo de antemão. Houve uma convergência do aumento da capacidade de compra do salário mínimo na faixa de 51% a 53%. Isso é gigantesco. Atinge 26 milhões de assalariados e 18 milhões de aposentados. Você teve também nos últimos anos uma expansão no emprego na ordem de 11 milhões de pessoas. Isso gerou demanda na base da sociedade. Vale ressaltar ainda o crescimento do crédito rural. O Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar] passou de R$ 2,5 bilhões para R$ 12,5 bilhões. Injeção de recursos no pequeno produtor rural, que representa 70% dos alimentos produzidos pelo País. Isso sem mencionar o Bolsa Família, responsável por tirar da miséria negra 50 milhões de pessoas. Este governo trabalha com cerca de 150 programas interministeriais. Isso gerou uma ampliação da demanda interna que casa com a crise da demanda externa. Veja o exemplo da carne. Com a crise no mercado externo, o setor está sendo obrigado a vender no mercado interno. Percebemos que tem muito mais carne nos açougues e os preços estão cada vez mais baixos. Houve uma reconversão. Parte do que era exportado, agora, está se voltando para o mercado interno.

O senhor disse em artigo recente que a crise é uma oportunidade para o Brasil. Por quê?

O grande problema do Brasil é a desigualdade social. Somos o segundo ou o terceiro pior país do mundo em termos de distribuição de renda. Quando o mercado externo está em crise, você é obrigado a se voltar para o mercado interno. Então, de repente, todas aquelas pessoas que falavam mal do Bolsa Família, agora acham o programa bom, pois ele gera mercado interno para os produtos que não estão sendo vendidos lá fora por causa da recessão. Ocorre uma convergência política de interesses na necessidade de fortalecer o mercado interno. Isso não é novo no Brasil. Nos anos 1930, com a crise de 1929, não dava para exportar café. E como não se exportava café, não havia divisas para importar todos os produtos. No mercado interno, ninguém sabia produzir esses bens. Então, os capitais, que estavam no café, vendo que o produto só dava perdas, fecharam as fazendas e saíram à procura de outras coisas para produzir. Esses capitais perceberam que já havia uma demanda preexistente de produtos que não estavam mais sendo importados. Por essa razão que os anos 1930 foram uma época de imensos avanços do aparelho produtivo brasileiro. O mecanismo é muito interessante e se for bem aproveitado, matamos três coelhos de uma vez.

De que maneira?

De um lado puxamos para cima nosso quarto mundo, que é a miséria do andar de baixo da economia. Depois reconvertemos os agroexportadores, que desmatam a Amazônia e contaminam os lençóis freáticos com agrotóxicos, com uma agricultura alimentar diversificada em um sistema de equilíbrio de longo prazo. Ao gerar esta dinâmica, estamos nos protegendo da crise. São políticas anticíclicas. Essa convergência que é o nó da oportunidade. Nas exposições que assisti do presidente Lula, dos ministros Guido Mantega (Fazenda) e Dilma Rousseff (Casa Civil), e até do Henrique Meirelles (presidente do Banco Central), a compreensão deste processo está clara. Este é um governo que tem uma linha de enfrentamento da crise.

Mesmo assim o setor exportador continuará em crise. Isso não é prejudicial?

O Brasil está numa situação particular. Temos, hoje, 13% da economia para a exportação. Isto é, o País não depende tanto assim da exportação. Além disso, diversificamos nossa pauta para diversos lugares do planeta. Atualmente, os Estados Unidos representam apenas 25% do nosso comércio exterior. Outro ponto extremamente importante é o crescimento das reservas internacionais do Brasil, que passaram de US$ 30 bilhões, em 2002, para cerca de US$ 200 bilhões. Isso equilibrou as relações externas. Agora, o setor exportador, é claro que está em crise. Primeiro, porque houve uma redução de demanda no nível internacional por conta da recessão. Segundo, porque com a crise financeira há muito menos acesso à credito de exportação. Exportação exige crédito. Essa dificuldade de comércio exterior vai se manter durante algum tempo, o que deve reforçar a idéia de reconversão em função do mercado interno.

Os emergentes não estão imunes à crise. Para o senhor, estes países podem ser transformar na locomotiva para a retomada do crescimento?

Eles podem constituir uma estratégia. Numa situação crítica de uns 30 anos atrás, o primeiro ministro da Alemanha Willy Brandt elaborou, na ocasião, um relatório chamado Norte-Sul. O documento dizia que a prosperidade no grupo dos países ricos da América do Norte, Europa Ocidental, Japão, Austrália e Nova Zelândia não se sustenta sem a abertura de uma nova fronteira de atividade de mercado. Ou seja, o conjunto de terceiro mundo, essas 4 bilhões de pessoas que não têm acesso ao consumo diversificado representam uma imensa fronteira anticíclica de dinamização da atividade. Por este motivo que um dos últimos documentos do Banco Mundial se chama os próximos 4 bilhões. Eles estão estudando como atingir os quatro bilhões, dois terços do planeta, que estão fora do sistema. Isso, na verdade, já era proposto pelo Willy Brandt há uns 30 anos.O caminho é o mesmo trilhado pelos países desenvolvidos. No pós-guerra, eles entraram em fortes processos de redistribuição de renda. O amplo mercado interno viabilizou um conjunto de atividades que gerou a prosperidade. A idéia é reproduzir isso em nível mundial. Neste sentido, acho coerente que o conjunto do terceiro mundo se forme como um elemento dinamizador da economia mundial.

Qual sua opinião sobre a proposta da China de trocar o dólar por uma nova moeda de circulação mundial?

Faz parte de um conjunto de medidas que estavam em discussão na reunião do G-20 de Londres. Você não pode continuar a dar a uma única nação, os Estados Unidos, a possibilidade de ser a moeda mundial, que eles emitem quando querem. Isso explica porque os norteamericanos se endividaram de maneira tão prodigiosa nos níveis público, privado e externo. Eles estão à vontade, emitindo dólares. Este tipo de irresponsabilidade financeira da direita norteamericana em definir o poder não pode continuar. A crise expôs os riscos de fazer o uso de apenas uma moeda. No encontro G-20, os chefes de Estado decidiram triplicar o caixa do Fundo Monetário Internacional ao repassar US$ 750 bilhões para a instituição. Isso não entra somente como dólar. Entra como direitos especiais de saque que são baseados numa cesta de moedas. O momento delicado é o seguinte: a China maneja cerca de US$ 2 trilhões em reservas. Os americanos estão emitindo dinheiro adoidado para alimentar bancos. Quando você emite muito dinheiro, a tendência é o papel perder valor. A China não vai querer perder dinheiro. Houve uma saída de papéis podres para o dólar, que é melhor. Mas na medida em que os Estados Unidos aprofundam seu déficit, sustentando a General Motors e os bancos, você tem cada vez mais papéis, e quando você emite muito mais papéis do que a riqueza que você tem, esse papel apodrece.

Por que não se tentou essa substituição antes?

Porque a China estava preocupada em não perder suas reservas com a desvalorização do dólar se de fato ocorresse uma troca da moeda norteamericana. A proposta é estrutural de que o dólar entre como uma das moedas da cesta. Ninguém está interessado em quebrar o dólar, os Estados Unidos ou qualquer coisa do gênero. O que não se pode é deixar só com os Estados Unidos o uso irresponsável da capacidade de emitir dinheiro para o seu uso. A economia se globalizou, virou planetária, mas não temos um governo planetário. O resultado é essas reuniões de chefe de Estado a toda hora para procurar um caminho.

É possível imaginar como será o póscrise em termos de regulamentação de mercado?

As pessoas pensam que a economia é como o mar, que sobe e desce. Não é o mar. Nossa cabeça trabalha naturalmente por analogia. Ninguém disse que quando se desce vai subir. A saída da crise de 1929 foi uma guerra catastrófica para todo o planeta. Por isso que eu digo desde o começo: como ninguém sabe a profundidade da crise, quanto mais se aprofunda, mais os impactos são estruturais. Não podemos continuar a viver neste planeta com um consumo irresponsável por uma minoria da população, que consegue destruir as reservas e os recursos naturais que estão no planeta como se fossemos a última geração do mundo. Não dá para achar que este sistema é bom e deve voltar a funcionar porque vai aumentar o Produto Interno Bruto (PIB).

Essa seria a principal lição desta crise?

Acho que sim. Estamos como que acordando de uma farra tecnológica financeira. Temos 4 bilhões pessoas que estão fora do sistema e sabem disso. Não é à toa que em toda América Latina estão se elegendo governos vinculados às propostas sociais e de distribuição de renda. Mas, ao mesmo tempo, esse novo sistema tem que ser economicamente viável. Não acho que é uma estatização que vai ajudar, mas articulações entre empresas, sociedade civil e Estado, de maneira muito equilibrada. Os últimos 30 anos foram dominados por grandes corporações. Além disso, o PIB não constitui um instrumento adequado de contabilidade.

Por quê?

O PIB é um cálculo incorreto e não constitui uma bússola adequada. Você tem que colocar como objetivo não o aumento do PIB ou o lucro dos bancos, mas a qualidade de vida da população. O comportamento econômico não pode ser levado em conta sem interesses da população e a sustentabilidade ambiental. Como dizer que a economia vai bem se o povo vai mal? Como pode a destruição ambiental aumentar o PIB? Justamente porque o PIB calcula o volume de atividades econômicas, e não se elas são nocivas para o meio ambiente. As limitações do PIB aparecem através de vários exemplos. Tanto assim que, quando você exporta petróleo, você diz que aumentou o PIB. Na verdade, o país está reduzindo seu capital. A expressão "produtores de petróleo" é interessante, já que nunca ninguém conseguiu produzir petróleo. Este é um estoque de bens naturais. Sua extração é positiva, mas temos que lembrar que estamos reduzindo cada vez mais o estoque de bens naturais que iremos entregar aos nossos filhos. Atualmente, São Paulo anda em primeira e segunda. Isso provoca gastos com o carro, gasolina, seguro, doenças respiratórias e o tempo perdido. Se você observar atentamente, os quatro primeiros itens aumentam o PIB. O último, contudo, não é contabilizado. Ou seja, aumenta o PIB, mas reduz-se a mobilidade. Na metodologia atual, a poluição aparece como sendo boa para a economia, enquanto que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) surge como o vilão que impede o Brasil de atingir o desenvolvimento pleno. Desta forma, quem joga lixo nos rios contribui para a produtividade do País, pois o Estado é obrigado a contratar empresas para fazer o desassoreamento da calha.

Há alternativas?

Sem dúvida. O PIB merece ser colocado no seu papel de ator coadjuvante. O objetivo é vivermos melhor. A economia é apenas um meio. O nosso avanço para uma vida melhor é que deve ser medido.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Qual a natureza do poder de alguém sobre nós ?



Por: Walter da Silva Barbosa (*)


Poder é a expressão máxima do Ser, de nossa condição divina, também se definindo como Vontade. Amor e Sabedoria são os pilares do Poder, fazendo assim com que esse atributo seja exercido de maneira resoluta pela Vontade, mas também com doçura e compaixão pelos homens que alcançaram a condição de santos ou iluminados. Em especial, esse poder - às vezes chamado de "Presença" - não fere nem obriga ninguém.

Tudo o que é divino reflete-se no mundo humano, onde aquelas virtudes vão germinar e se expandir em cada criatura. Nas limitações desse mundo, porém, o poder vira dominação, o amor descamba para a sensualidade e a sabedoria se conforma com as tinturas do intelecto.

A vida no mundo humano é feita de relacionamentos, onde o poder transfigurado em dominação exerce a sua tirania. Para haver um tirano, tem que haver um "tiranizado", situação que pode estar sendo vivenciada pelas duas partes com ou sem consciência. Por que uma pessoa se submete a outra? A resposta mais fácil é: "Por ser dependente ou indefesa". Na condição de uma criança ou de um doente o argumento pode ser irretorquível. E fora daí?

Bem conhecidos são os jogos do poder, onde os pares se apóiam mutuamente na expectativa de recompensas futuras. Noutra escala, a fraqueza de caráter aliada à ganância faz com que uma pessoa se aninhe servilmente à sombra de alguém, para se servir das migalhas que respingam do banquete. Em corações mais sensíveis, contudo, estados de dominação e manipulação podem estar envolvendo relações que a pessoa não quer enxergar, fraquezas que poderiam ser superadas se ela pudesse abrir os olhos para "aquilo que é".

Temos uma grande dificuldade de nos entregar ao que "é", de nos abrir para o reconhecimento de uma limitação pessoal ou de um abuso, de perceber que tudo poderia mudar num estalar de dedos se a consciência da situação realmente ocorresse. Evitamos esse confronto, resistimos a ele, por medo das conseqüências. Enquanto isso, o sofrimento nos consome.

Falando da entrega que poderia mudar esse quadro - a entrega "ao que é" - Eckart Tolle (Praticando o Poder do Agora, Editora Sextante) diz: "Se a sua situação de vida é insatisfatória ou mesmo intolerável, somente através da entrega você vai conseguir quebrar o padrão inconsciente de resistência, que permite a permanência dessa situação".

Sair de determinada situação, porém, não significa "reagir" a ela, assim como a "entrega" não significa conformar-se a ela. Reagir ou conformar-se são maneiras de alimentar o jogo dos opostos, fugindo da percepção da realidade, da percepção do poder de sua Presença. Quando você sai de uma situação pelo caminho da fuga, a tendência é cair em situação semelhante logo depois, porque nesse caso a lição não foi aprendida, não gerou consciência.

"Somente alguém inconsciente vai tentar usar ou manipular os outros, mas a verdade é que somente as pessoas inconscientes podem ser usadas e manipuladas. Se você reage ou se opõe ao comportamento inconsciente dos outros, também fica inconsciente", diz Tolle.

Entregar-se significa permitir a si mesmo "ver as coisas como elas são". Esse "ver" tem o sentido de observar a situação atual pelos fatos que ela acarreta (as imagens de uma submissão vivida, por exemplo), assim evitando-se os rótulos gerados pelo pensamento. Novas imagens podem então ser criadas em nosso campo mental, para que as mudanças almejadas aconteçam. Veja a si mesmo na situação nova, sinta-se dentro dela, lembrando que tudo começa na mente. Aí já não haverá reação, mas sim a ação decorrente de um impulso novo, de um "insight".

A consciência, como faculdade espiritual, encontra-se além dos processos de pensamento, expressando-se como "Luz da Presença", como manifestação de nosso próprio poder. Diante desse poder nenhuma submissão real pode continuar existindo, ainda que a situação externa não mude de imediato, até por nossa própria escolha. Nesse caso, porém, ela não deve mais gerar sofrimento, pois será uma opção consciente de nossa parte.

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(*) Walter da Silva Barbosa é professor, economista, membro do Conselho Nacional da Sociedade Teosófica e diretor da Associação Educacional Annie Besant, em Campo Grande - MS

terça-feira, 19 de maio de 2009

Temos de parar de comer os oceanos




Sea Shepherd: Temos de parar de comer os oceanos

05.05.2009

Os oceanos são como a galinha dos ovos de ouro. Enquanto ela estava viva, botava um ovo dourado cada dia, mas depois o agricultor ganancioso decidiu matá-la para obter todo o ouro de seu interior, mas nada encontrou, e a galinha não botou mais seus ovos porque estava morta.
Durante séculos, os oceanos têm alimentado a humanidade. Mas, no século passado, os ecossistemas dos oceanos foram abusados pela ganância humana com uma ignorância insana.
Não como peixe, porque sou um ecologista e tenho visto a diminuição de peixes em todos os mares da minha vida. Fui criado em uma aldeia de pescadores e fui criado em uma dieta de bacalhau, sardinha, cavala, smelts, amêijoas, lagostas, solhas e truta. Eu vi com meus próprios olhos a progressiva diminuição de peixes, lagostas e crustáceos. E pelo que eu comi quando criança, eu escolhi o que não comer hoje, pela simples razão de que há muitos de nós em terra comendo os poucos deles que vivem nos mares.

O pescador agora se tornou um dos mais destrutivos ocupadores do planeta. É tempo de pôr de lado a imagem antiquada, independente, 'sal-do-mar', do pescador trabalhando corajosamente para alimentar a sociedade e sustentar sua família.

A maioria dos pescadores não vão mais ao mar com linhas e pequenas redes. Hoje, operam navios que valem alguns milhões de dólares, equipados com uma complexa e dispendiosa tecnologia, destinada a caçar e capturar todos os peixes que possam encontrar.

Um fabricante de localizador eletrônico de peixes - Rayethon, se orgulha de seu produto, dizendo o peixe pode correr, mas não pode se esconder.E para os peixes não há lugar seguro, sendo caçados impiedosamente mesmo em reservas marinhas e santuários. Nós, seres humanos, temos travado uma intensa e implacável exploração de praticamente todas as espécies de peixes no mar, e esses estão desaparecendo. Se não pormos um fim aos navios de pesca industrializada muito em breve, vamos matar os oceanos e, ao fazê-lo, vamos nos matar.

Nesta semana, cientistas revelaram que a desnutrição é generalizada, afetando peixes, pássaros, animais e populações dos nossos oceanos. Não só estamos esgotando as suas reservas, estamos matando de fome os sobreviventes.

Estamos alimentando gatos com peixes, porcos e galinhas, e nós estamos sugando dezenas de milhares de pequenos peixes do mar para a alimentação de peixes maiores criados em cativeiro. Gatos domésticos estão comendo mais peixe do que focas, porcos comem mais peixes do que tubarões, e galinhas comem mais peixes do que albatrozes.

Com outros fatores, como o aumento da acidez, aquecimento global, poluição química e diminuição da camada de ozônio, provocamos declínio das populações de plâncton, travando um ataque global sobre toda a vida nos nossos oceanos. Os peixes não podem competir com as nossas exigências excessivas. Já eliminamos 90% dos grandes peixes comerciais do mar. Os chineses procuram barbatanas de tubarão, o que está destruindo praticamente todas as espécies de tubarão no oceano.

Considerando que a indústria da pesca, uma vez segmentada, destruiu os grandes peixes, agora está se focalizando nos menores, os peixes que sempre alimentaram o peixe maior. Das dez principais pescarias no mundo de hoje, sete estão no alvo dos peixes pequenos. Se os peixes são muito pequenos para alimentar as pessoas, são simplesmente misturados na farinha para alimentar os animais domésticos e agrícolas, que criam salmão ou atum.A aqüicultura surgiu agora também como o maior desperdício de peixes, e é o motor econômico na condução da exploração intensiva de peixes pequenos. Atualmente, japoneses e noruegueses extraem dezenas de milhares de toneladas de plâncton do mar para produzir proteína rica a fim de alimentar animais.

Nesta semana, um relatório sobre o estado do Mundo da Pesca e da Aqüicultura liberado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação - FAO, concluiu que 80% de todos os peixes marinhos estão atualmente sendo explorados, sobrexplorados, empobrecidos ou esgotados, incluindo reservas das sete maiores pescas. Poucas populações de peixes marinhos permanecem com o potencial para sustentação, enquanto a humanidade segue em crescimento, e muitos já atingiram seu limite.

A Sea Shepherd Conservation Society não está tomando a posição dos direitos animais quando dizemos que as pessoas devem parar de comer peixe e parar de comer carne de animais que foram alimentados por peixes. A nossa posição baseia-se unicamente sobre a realidade ecológica que a pesca comercial está destruindo os oceanos.

Todos nós sabemos disto. Estamos todos conscientes dessa diminuição. A realidade ecológica não está somente à nossa frente, está acertando nossos queixos. O problema é a negação absoluta, se nos recusamos a reconhecer que extinguindo a vida do mar iremos comprometer o alicerce para a nossa sobrevivência na terra.

Esta negação é tão arraigada que mesmo o Greenpeace serve peixe para sua tripulação a bordo dos seus navios, enquanto apóia campanhas de se opôr à pesca predatória.
Um povo indígena no Brasil, chamado de Kaiyapo, chama aqueles que destroem as florestas de 'povo-cupim', porque eles devoram as árvores. Nós temos humanos parasitas sugando a vida dos oceanos e dando nada em troca. Nós, seres humanos, nos tornamos parasitas sugadores de sangue do oceano, e quando matarmos nossos anfitriões, como certamente faremos, então morreremos também.

Por muito tempo, eu me perguntava por que eu me preocupava em falar sobre esses assuntos para uma sociedade que se recusa até mesmo a conhecer esta realidade e simplesmente rejeita qualquer conversa sobre exploração ao extremo. Durante décadas, tenho sofrido com apatia e ignorância.

Na semana passada, em Paris, na Conferência de Sustentabilidade, eu falei sobre tudo isso para uma sala cheia de jornalistas, e quando eu propus o encerramento de todas as atividades comerciais de pesca no Mediterrâneo, fiquei agradavelmente surpreso com o fato de nenhum jornalista discordar e sequer questionar uma proposta tão radical. Na verdade, meu anúncio foi saudado com aplausos.

O público está se tornando consciente da gravidade da situação ecológica, que ameaça a vida no mar. E isto é muito encorajador. Eu não posso pensar em algo mais importante do que a preservação da diversidade em nossos oceanos. Talvez possamos nos adaptar ao aquecimento global, e talvez podemos sobreviver a uma extinção maciça de espécies, mesmo em terra. Mas eu sei que se matarmos os oceanos vamos nos matar.A diversidade é a preservação da vida.

Temos de parar de comer os oceanos. Comer peixe é, para todos os efeitos, um crime ecológico. Não há sustentabilidade na pesca oceânica - não, nenhuma. Aquela pretensão de ser consumidores ecologicamente corretos é apenas uma fraude, uma tentativa de nos fazer sentir bem, enquanto continuamos a comer o mar.

Sei que muitos não vão gostar do que estou dizendo, mas eu nunca escrevi ou falei com a finalidade de ganhar algum concurso de popularidade. Meu objetivo é ser ecologicamente correto no meu pensamento, e de qualquer perspectiva que tenho visualizado. Isso eu vejo escrito na parede, em grandes letras em negrito, juntamente com as minhas observações do equilíbrio, e agora a diminuição da vida no mar, desde que eu era um rapaz sentado na Baía de Passamaquoddy até agora, tendo viajado por todos os oceanos do mundo tentando defender a vida no mar. Os sinais parecem ameaçadores e perigosos.

Alguns podem pensar que um apelo pela proibição da pesca comercial é radical. Eu vejo isso como uma política conservadora e essencial que devemos implementar para salvar os oceanos e a nós mesmos.

Estou preocupado com os pescadores e suas famílias? Eu simpatizo com sua situação, mas estou muito mais interessado na sobrevivência futura da humanidade e dos oceanos. Nós simplesmente precisamos pôr fim a uma indústria que literalmente está eliminando os sistemas de apoio à vida neste planeta. Isso exige sacrifícios, mas é preferível sacrificar um trabalho do que sacrificar o futuro de todos nós.

Temos que considerar as necessidades dos peixes, e é preciso dar-lhes espaço e tempo para se recuperarem do terrível abate a que temos infligido todas as espécies que vivem no mar.
Estou cansado de ouvir desculpas de pescadores dizendo que as focas e os golfinhos diminuíram os peixes. Eles querem nos fazer de bobos, e aceitar um bode expiatório não-científico nesse argumento. Os peixes sumiram porque eles, os pescadores, os mataram sem piedade.

Eles precisam de ser tratados como criminosos que estão destruindo os oceanos. A indústria da pesca precisa de ser encerrada antes que provoque uma extinção irreversível, e tambem a perda de diversidade em nossos oceanos.

Se um colapso ecológico ocorrer devido à remoção de uma espécie ou espécies estratégicas, nós não nos preocuparemos com empregos. Nós vamos nos preocupar que os nossos concidadãos irão nos caçar e nos comer. Se isso ocorrer, as palavras que Jesus Cristo uma vez disse a pescadores se tornarão terrivelmente verdade - eu vou te fazer tornar pescadores de homens (Marcos, 1-17).


(Fonte: Blog Holosgaia)

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Perspectivismo: para além do pós-modernismo


(Nota do Blog Epifenomenologia: O texto abaixo é uma tradução livre do artigo "Perspectivism: ‘Type’ or ‘bomb’?" de Bruno Latour, publicado na revista "At Anthropology Today" - vol. 25 nº2, abril 2009, disponível no site do autor. Trata-se de um comentário realizado a propósito do debate entre Eduardo Viveiros de Castro e Philippe Descola ocorrido na Maison Suger, em Paris, no dia 30 de Janeiro de 2009.)


PERSPECTIVISMO: MODELO OU BOMBA? (*)


Bruno Latour


Paris, 30 de Janeiro


Quem disse que a vida intelectual de Paris estava morta? Quem disse que a antropologia não mais era vívida e atraente? Aqui estamos, numa fria manhã de Janeiro, em uma sala cheia de gente de diversas disciplinas e vários países, ávidos por ouvir um debate entre dois dos maiores e mais brilhantes antropólogos. O rumor circulou por salas de bate-papo e cafés: depois de anos aludindo aos seus desacordos, em particular ou por publicações, eles concordaram enfim em trazê-los a público. “Vai ser áspero”, me disseram; “vai ter sangue”. Na verdade, em vez da rinha esperada por alguns, a pequena sala na Rue Suger testemunhou uma disputatio(1), muito parecida com aquelas que devem ter tido lugar entre estudiosos fervorosos aqui, no coração do Quartier Latin, por mais de oito séculos.

Apesar de se conhecerem há 25 anos, os dois decidiram começar a sua disputatio lembrando à platéia do importante impacto do trabalho um do outro em suas próprias descobertas.

Philippe Descola primeiramente reconheceu o quanto ele aprendeu com Eduardo Viveiros de Castro quando estava tentando se extirpar do binarismo “natureza versus cultura” ao reinventar a então obsoleta noção de “animismo” para entender modos diferentes de relação entre humanos e não-humanos. Viveiros havia proposto o termo “perspectivismo” para um modo que não poderia ser mantido dentro das limitadas estrituras [narrow strictures] de natureza versus cultura, já que para os índios que ele estudava, a cultura humana é aquilo que vincula todos os seres - incluindo animais e plantas - ao passo que eles estão divididos por suas naturezas diferentes, ou seja, seus corpos (Viveiros 1992).

É por este motivo que, enquanto os teólogos em Valladolid debatiam acerca dos índios terem ou não uma alma, esses mesmos índios, do outro lado do Atlântico, testavam os conquistadores ao afogá-los para ver se apodreciam - uma bela maneira de ver se eles realmente tinham corpo; o fato de terem uma alma não estava em questão. Este famoso exemplo de antropologia simétrica levou Lévi-Strauss a notar, com uma certa ironia, que os espanhóis podiam ser bons em ciências sociais mas que os índios estavam conduzindo suas pesquisas de acordo com o protocolo das ciências naturais.


Descola

Os quatro modos de relação de Descola

Descola, então, explicou como a sua nova definição de animismo poderia ser utilizada para distinguir “naturalismo” - a visão geralmente tida como posição padrão adotada pelo pensamento Ocidental - de “animismo”. Enquanto os “naturalistas” traçam semelhanças entre entidades com base em aspectos físicos e os distinguem com base em características mentais ou espirituais, o “animismo” toma a posição oposta, sustentando que todas as entidades são semelhantes em termos de seus aspectos espirituais, mas se diferem radicalmente em virtude do tipo de corpo do qual são dotadas.

Este foi um avanço notável para Descola, já que significou que a divisão “natureza versus cultura” não mais constituía o background inevitável adotado pela profissão como um todo, mas apenas uma das maneiras que os “naturalistas” tinham de estabelecer as suas relações com outras entidades. A Natureza deixara de ser um meio [resource] para se tornar um problema [topic]. É desnecessário dizer que esta descoberta não estava perdida entre as nossas, no campo vizinho dos science studies, que estudávamos, histórica ou sociologicamente, como os “naturalistas” tratavam as suas relações com não-humanos.

Foi então possível para Descola, como ele explicou, adicionar a este par de conexões um outro par no qual as relações entre humanos e não-humanos eram ou semelhantes em ambos os lados (o que ele chamou “totemismo”) ou diferentes nos dois lados (um sistema por ele denominado "analogismo") . Ao invés de cobrir todo o globo com um único modo de relações entre humanos e não-humanos que então serviria como um background para detectar as variações “culturais” entre muitos povos, este próprio background virara objeto de investigação cuidadosa. Os povos não se diferem apenas em suas culturas mas também em suas naturezas, ou antes, na maneira pela qual elas constroem relações entre humanos e não-humanos. Descola foi capaz de alcançar o que nem os modernistas nem os pós-modernos conseguiram: um mundo livre da unificação espúria de um modo naturalista de pensar.

Apesar da universalidade imperialista dos “naturalistas” ter sido ultrapassada, uma nova universalidade ainda era possível, uma que permitisse que cuidadosas relações estruturais fossem estabelecidas entre as quatro maneiras de construir coletivos [building collectives]. O grande projeto de Descola era então reinventar uma nova forma de universalidade para a antropologia, mas desta vez uma “relativa”, ou melhor, uma universalidade “relativista”, que ele desenvolveu em seu livro Par delà nature et culture (2005). A seu ver, por mais profunda que fosse a investigação de Viveiros, ele focava apenas um dos contrastes locais que ele, Descola, tentara contrastar com numerosos outros procurando obter uma variedade maior.

Eduardo Viveiros de Castro


Dois perspectivismos no perspectivismo

Apesar de se serem amigos por um quarto de século, duas personalidade não poderiam ser mais distintas. Depois do tom aveludado da apresentação de Descola, Viveiros falou por incursões breves e aforísticas, lançando uma espécie de Blitzkrieg em todas as frentes a fim de demonstrar que também ele pretendia atingir uma nova forma de universalidade, só que uma muito mais radical. Perspectivismo, sob seu ponto de vista, não deveria ser considerado como uma simples categoria dentro da tipologia de Descola, mas antes como uma bomba com o potencial de explodir toda a filosofia implícita tão dominante na maior parte das interpretações dos etnógrafos sobre seus materiais. Se há uma abordagem que é totalmente anti-perspectivista, é a noção mesma de um termo [type] dentro de uma categoria, uma idéia que só pode ocorrer àqueles a quem Viveiros chamou “antropólogos republicanos”.

Como Viveiros explicou, o perspectivismo virou algo como uma moda nos círculos amazônicos, mas esta moda oculta um conceito muito mais incômodo, que é o de “multinaturalismo”. Enquanto os pesquisadores, tanto das ciências duras quanto das ciências humanas, concordam igualmente com a noção de que há apenas uma natureza e muitas culturas, Viveiros quer levar o pensamento amazônico (que não é, ele sustenta, a “pensée sauvage” que Lévi-Strauss sugeriu, mas uma filosofia totalmente civilizada e altamente elaborada) a tentar ver como o mundo inteiro seria se todos os seus habitantes tivessem a mesma cultura e muitas naturezas diferentes. A última coisa que Viveiros pretende é que a luta ameríndia contra a filosofia ocidental se torne apenas mais uma bizarrice no vasto gabinete de curiosidades que ele acusa Descola de estar tentando construir. Descola, ele argumenta, é um “analogista” - isto é, alguém que é possuído pela cuidadosa e quase obsessiva acumulação e classificação de pequenas diferenças a fim de preservar um senso de ordem cósmica face à constante invasão de diferenças ameaçadoras.

Notem a ironia aqui - e a tensão e atenção na sala aumentaram neste momento: Viveiros não estava acusando Descola de estruturalista (uma crítica que foi frequentemente dirigida a seu maravilhoso livro), já que o estruturalismo, como Lévi-Strauss o concebe, é, ao contrário, “um existencialismo ameríndio”, ou antes “a transformação estrutural do pensamento ameríndio” - como se Lévi-Strauss fosse o guia, ou melhor, o xamã que permitiu ao perspectivismo indígena ser conduzido para dentro do pensamento Ocidental a fim de destruí-lo a partir de seu interior, numa espécie de canibalismo invertido. Lévi-Strauss, longe de ser o catalogador frio e racionalista de mitos distintos contrastados, aprendera a sonhar e divagar como os índios, exceto que ele sonhava e divagava por meio de fichamentos e parágrafos refinados. Mas o que Viveiros criticou foi que Descola arrisca tornar a transformação de um tipo de pensamento para outro “demasiadamente leve”, como se a bomba que ele, Viveiros, queria colocar na filosofia ocidental tivesse sido desarmada. Se nós permitíssemos ao nosso pensamento se conectar à alternativa lógica ameríndia, toda a noção dos ideais kantianos, tão difusa nas ciências sociais, teria que ser descartada.

A essa crítica Descola respondeu que ele não estava interessado no pensamento Ocidental, mas no pensamento de outros; Viveiros replicou que o problema era a sua maneira de estar “interessado”.

Bruno Latour


Pensamento descolonizador

O que está claro é que este debate destrói a noção de natureza como um conceito universal que cobre todo o globo, por conta do qual os antropólogos têm o dever triste e limitado de adicionar o que quer que tenha restado de diversidade sob a noção velha e desgastada de “cultura”. Imaginem como os debates entre antropólogos “físicos” e “culturais” podem ficar quando a noção de multi-naturalismo for levada em consideração. Descola, não obstante, ocupa a primeira cadeira de “antropologia da natureza” no prestigioso Collège de France, e eu sempre me perguntei como os seus colegas das ciências naturais conseguem ensinar os seus próprios cursos ao lado daquilo que para eles deveria ser uma fonte de material radioativo. A preocupação de Viveiros de sua bomba ter sido desativada talvez esteja equivocada: um novo período de florescimento é aberto para a antropologia (ex-física e ex-cultural) agora que a natureza deixou de ser um meio para se tornar um problema muito contestado, no momento mesmo, por acaso, em que a crise ecológica - um assunto de grande preocupação política para Viveiros no Brasil - reabriu o debate que o “naturalismo” tentara prematuramente fechar.

Mas o que é ainda mais recompensador de ver numa disputatio como esta é o quanto nós progredimos com relação à categoria modernista e, depois, pós-moderna. Certamente, a busca por um mundo familiar é infinitamente mais complexa agora que tantos modos diferentes de habitar a terra ficaram livres para se implantar. Mas, por outro lado, a tarefa de compor um mundo que ainda não é familiar está claramente colocada para os antropólogos, uma tarefa que é tão grande, tão séria e tão recompensadora quanto qualquer outra coisa com a qual eles tiveram que lidar no passado. Viveiros apontou para isto em sua resposta para uma questão vinda da platéia, usando uma espécie de aforismo trotskista: “Antropologia é a teoria e prática de permanente descolonização.” Quando ele acrescentou que “a antropologia hoje está largamente descolonizada, mas a sua teoria ainda não é descolonizadora o suficiente”, alguns de nós na sala tiveram o sentimento de que, se este debate for indicativo de algo, nós podemos finalmente estar chegando lá.



* Traduzido por Larissa Barcellos


Notas:

1- Disputatio: tipo de disputa de idéias e argumentos ocorrida no período medieval entre dois professores com posições contrárias, que apresentavam suas idéias em pequenas proposições para serem publicadas e, depois, debatidas entre o público acadêmico. Em debates deste tipo, os alunos tinham como tarefa acompanhar e recolher todas as idéias em uma síntese. Para saber mais: http://isaiaslobao.blogspot.com/2008/11/disputatio-theologica.html (N.T.)


(Extraído do Blog Epifenomenologia)

domingo, 17 de maio de 2009

Lévi-Strauss pós-estruturalista

Claude Lévi-Strauss


(...)

Lévi-Strauss:

"O que eu propus ?
Propus que os direitos do homem não se baseassem mais, como foi feito após a Independência Americana e a Revolução Francesa, no caráter único e privilegiado de uma espécie viva, mas, ao contrário, que se visse nisso um caso particular de direitos reconhecidos a todas as espécies.
Seguindo essa direção, dizia, estaremos em condições de conseguir um consenso mais amplo de que uma concepção restrita dos direitos do homem, já que nos encontraríamos, no tempo, com a filosofia estóica; e no espaço, com as filosofias do Extremo-Oriente. Estaríamos, até, no mesmo nível de atitude prática que os povos chamados primitivos, que são objeto de estudo dos etnólogos, têm diante da natureza; algumas vezes sem teoria explícita, mas observando preceitos cujo efeito é o mesmo.

(...)



Lévi-Strauss:

Afastei-me da pintura de vanguarda por motivos diferentes: meu apego a uma arte insubstituível, uma das mais prodigiosas criadas pelo homem no curso de milênios, e que se prende a uma certa concepção do lugar do homem no universo. Como tantos outros problemas, os levantados pela arte não têm uma única dimensão.

Didier Eribon:

Voltamos a encontrar algo parecido com o que o senhor dizia a respeito dos direitos do homem. A pintura contemporânea é o ponto final de uma corrente que restringiu o homem a um téte-à-téte consigo mesmo.

Lévi-Strauss:


Sim, a idéia de que os homens conseguem extrair de si mesmos criações que valem tanto ou até mais do que as da natureza. Sérusier, um contemporâneo de Gauguin, já escrevia a Maurice Denis que, comparado ao que tinha na cabeça, a natureza parecia-lhe pequena e banal. Ora, a meu ver, o homem deve persuadir-se de que ocupa um lugar ínfimo na criação, que a riqueza desta ultrapassa-o, e que nenhuma de suas invenções estéticas rivalizará um dia com as que oferecem um mineral, um inseto ou uma flor. Um pássaro, um escaravelho, uma borboleta convidam à mesma contemplação que reservamos a Tintoretto ou a Rembrandt; mas nosso olhar perdeu seu frescor, não sabemos mais ver.


(Trechos extraídos do livro: De Perto e de Longe - Claude Lévi-Strauss e Didier Eribon, pags. 231, 246.)

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Momento crucial para o meio-ambiente no Brasil


"O momento é crucial. Movimentos agressivos no governo, no próprio Congresso e em setores empresariais empenham-se em jogar no lixo décadas de construção de um arcabouço jurídico ambiental moderno, compatível com o conhecimento alcançado sobre a relação indissolúvel entre equilíbrio ambiental e desenvolvimento justo e duradouro", escreve Marina Silva, senadora - PT-AC e ex-ministra do Meio Ambiente, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 11-05-2009.

Eis o artigo.


Vigília pela Amazônia



Na quarta-feira à noite haverá no Senado uma vigília em favor da preservação da Amazônia. A ideia começou a tomar corpo com a reação inconformada da atriz Cristiane Torloni diante da dificuldade de dar consequência ao abaixo-assinado "Amazônia para Sempre", com mais de um milhão de assinaturas, encabeçado por ela, Vitor Fasano e Juca de Oliveira. Em conversa com os senadores Cristovam Buarque e Ideli Salvatti, surgiu a ideia da vigília, encampada por um grupo de senadores e apoiada pelo presidente José Sarney.

Esse ato será importante também por lembrar ao Brasil o Congresso parceiro da população, no momento em que, com justa indignação, muitos chegam a considerá-lo irrelevante. E por lembrar ao Congresso o seu papel central, de batalhar pelas demandas da maioria da sociedade.

O momento é crucial. Movimentos agressivos no governo, no próprio Congresso e em setores empresariais empenham-se em jogar no lixo décadas de construção de um arcabouço jurídico ambiental moderno, compatível com o conhecimento alcançado sobre a relação indissolúvel entre equilíbrio ambiental e desenvolvimento justo e duradouro.

Há um risco na vigília: o de virar paisagem. Um evento no qual muitos declarem seu extremado amor à Amazônia, mas literalmente da boca para fora. Não dá mais para fazer de conta e, na prática, agir para promover interesses que insistem em ignorar a necessidade de cumprir a legislação ambiental.

Esse jogo está esgotado, como bem demonstram os últimos e enfáticos sinais que vêm da população. Além do número de assinaturas no manifesto dos artistas, o site GloboAmazônia contabiliza, em apenas oito meses, mais de 45 milhões de protestos contra queimadas e desmatamento. Isso dá a média de mais de 5 milhões de protestos por mês ou cerca de 180 mil protestos por dia, ou quase 8.000 protestos a cada hora. E ainda há a recente pesquisa Datafolha/Amigos da Terra, segundo a qual 94% querem parar o desmatamento contra apenas 3% que permitiriam mais desmatamento para aumentar a produção agrícola.





Ou seja, a população sabe o que quer. O que falta para seus representantes entenderem e atenderem seu clamor? É preciso cuidar para que a vigília não sirva à celebração de consenso retórico, vazio.
Que ela tenha a força de colocar à mesa compromissos reais, sem dubiedades, sem discursos de uma única noite. Como por exemplo, aprovar os projetos de lei que promovem a proteção e o desenvolvimento sustentável da Amazônia e que se encontram engavetados, como é o caso do que cria o FPE Verde e tantos outros.

Ruralistas iniciam sua maior ofensiva contra leis ambientais


Seja por intermédio de suas bancadas na Câmara e no Senado ou através de suas entidades de classe, os setores ligados ao agronegócio e às obras de infra-estrutura estão mobilizados de Norte a Sul para reverter pontos da legislação ambiental por eles considerados como um entrave ao desenvolvimento produtivo do país.




A reportagem é de Maurício Thuswohl e publicada pela Carta Maior, 13-05-2009.

Ao que tudo indica, os últimos 18 meses do governo Lula serão marcados por uma forte ofensiva ruralista contra os avanços conquistados pelo Brasil em sua política ambiental. Seja por intermédio de suas bancadas na Câmara e no Senado ou através de suas entidades de classe, os setores ligados ao agronegócio e às obras de infra-estrutura estão mobilizados de Norte a Sul para reverter pontos da legislação ambiental por eles considerados como um entrave ao desenvolvimento produtivo do país. Essa contra-ofensiva passa pela aprovação no Congresso de duas Medidas Provisórias que alteram o atual Código Florestal e também pela tentativa de retirar da União e transferir aos estados a prerrogativa de definir as políticas ambientais.

Já aprovada na Câmara, encontra-se agora em discussão no Senado a MP 452 que, apesar de originalmente tratar da regulamentação do Fundo Soberano, leva de “carona” uma emenda feita pelo relator, deputado José Guimarães (PT-CE), que acaba com a obrigatoriedade de concessão de licença ambiental para as obras a serem realizadas em rodovias federais já existentes. Além disso, a MP 452 também estabelece o prazo máximo de 60 dias para que o Ibama conceda as licenças de instalação para obras em rodovias, o que, na prática, fará com que estas obras possam ser iniciadas sem a obtenção das licenças.

Existem atualmente em processo de análise no Ibama 183 pedidos de licenciamento em rodovias, dos quais apenas 82 já receberam licença prévia do órgão ambiental. As obras do PAC são responsáveis por 140 destes pedidos, fato que faz com que os parlamentares ligados ao agronegócio estejam otimistas em receber o decisivo apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Até o momento, nem o presidente nem a ministra externaram suas posições.

Outra Medida Provisória que aguarda votação na Câmara, onde deverá ser aprovada, é a MP 458, que trata da regularização fundiária de terras pertencentes à União localizadas nos nove Estados da Amazônia Legal. Quando foi enviada ao Congresso pela Presidência da República, a MP 458 contava com o apoio do movimento socioambientalista, pois tinha forte cunho social ao determinar a regularização de propriedades de até 1,5 mil hectares. No entanto, as modificações introduzidas pelo relator, deputado Asdrúbal Bentes (PMDB-PA), desfiguraram a MP.

Entre as alterações sugeridas por Bentes - e rejeitadas pelos ambientalistas - estão a inclusão de áreas devolutas localizadas em faixa de fronteira, além de outras áreas sob domínio da União, no processo de regularização fundiária, e também a retirada da exigência de que o ocupante não seja proprietário de imóvel rural em qualquer parte do território nacional. Além disso, o texto que deverá ser aprovado pelos deputados exclui o parágrafo que impedia a regularização de área rural ocupada por pessoa jurídica: “Essas novas regras legalizarão a grilagem, aumentarão a concentração fundiária e a violência no campo e incentivarão o desmatamento”, resume Raul do Valle, que é coordenador do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA).

Senado decide

Assim como no caso da MP 452, caberá ao Senado dar a exata medida das chances políticas que tem a MP 458, na forma como está, de se tornar realidade. A disputa em torno das duas Medidas Provisórias será protagonizada por duas parlamentares de peso. De um lado, Kátia Abreu (DEM-TO), que é presidente da Confederação Nacional de Agricultura (CNA) e tem se destacado como a maior liderança política dos ruralistas nesses seis anos e meio de governo Lula. Do outro, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (PT-AC), que tem enorme prestígio internacional e é a principal porta-voz política do movimento socioambientalista brasileiro.

Em discurso realizado na tribuna do Senado na semana passada, Marina afirmou que “segmentos do agronegócio e da infraestrutura se revezam em um jogral de satanização das conquistas ambientais que a sociedade brasileira conseguiu inscrever no arcabouço legal de nosso país”. Segundo a ex-ministra, estes setores “agora estão imbuídos em convencer a sociedade brasileira de que a legislação que protege o que restou da floresta, que protege a nossa biodiversidade e as margens dos rios é a maior inimiga para o crescimento e expansão da agricultura no país”.

Novo Código

Kátia Abreu, por sua vez, alia o comando da pressão ruralista no Senado à articulação nacional das principais entidades representativas dos grandes produtores. Também na semana passada, a senadora levou ao Congresso uma proposta elaborada em conjunto pela CNA e pela Sociedade Rural Brasileira (SBR) que sugere uma ampla reformulação no Código Florestal.

Entre as mudanças propostas pelos ruralistas estão o fim da obrigatoriedade de recompor as Áreas de Proteção Permanente (APPs) no mesmo bioma onde houve desmatamento, a permissão para compor 50% da reserva legal com espécies exóticas ao bioma e a manutenção das áreas “consolidadas pela agricultura” mesmo em biomas considerados ameaçados.

O ponto fundamental de um novo “Código Ambiental Brasileiro”, de acordo com o desejo dos ruralistas, seria a transferência para os Estados da atribuição de definir as políticas ambientais, o que hoje é prerrogativa exclusiva da União: “Se o governo federal descentralizou a saúde e a educação, por que não o meio ambiente também? Cada Estado tem suas peculiaridades ambientais e agrícolas e pode deliberar sobre elas”, diz Kátia Abreu.

Governadores ruralistas

A pressão no Congresso - onde 33 propostas de alteração do Código Florestal já foram protocoladas por parlamentares ruralistas - acontece paralelamente à ação dos governadores mais ligados à cartilha do agronegócio. O governador de Santa Catarina, Luiz Henrique Silveira (PMDB), deu a largada ao usar sua maioria na Assembléia Legislativa para aprovar um código florestal estadual que, entre outras afrontas à legislação federal, reduziu para cinco metros a faixa de proteção das matas ciliares (localizadas às margens dos rios e lagos).

As alterações na legislação ambiental apoiadas por Luiz Henrique em seu estado são objeto de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) movidas, respectivamente, pelo PV, pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público de Santa Catarina. Ainda assim, outros governadores, como Aécio Neves (PSDB) de Minas Gerais, falam em seguir o exemplo catarinense e já mobilizam suas bases de deputados para criar um código ambiental estadual.

A governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB), foi a mais recente adesão ao movimento de pressão pela criação de legislações ambientais estaduais que contradigam as leis federais. Mesmo acossada por uma ameaça de impeachment, Yeda encontrou tempo para exortar seus deputados a criarem um código ambiental estadual: “Cada estado deve ter uma legislação própria para decidir os rumos de suas riquezas ambientais. O Código Florestal Brasileiro tem mais de 40 anos e precisa ser modernizado e adequado às realidades regionais”, disse.



Ruralistas vencem na MP da regularização de terras da Amazônia


Um acordo entre líderes do governo e da oposição para relaxar as condicionantes ambientais permitiu a aprovação, ontem, no plenário da Câmara dos Deputados, da medida provisória de regularização fundiária de posses com até 1,5 mil hectares na Amazônia. A MP 458 deve regularizar a situação jurídica de 400 mil posses em 436 municípios da Amazônia. Em jogo, estão os interesses de 1,2 milhão posseiros na região.

A reportagem é de Mauro Zanatta e Mônica Izaguirre e publicada pelo jornal Valor, 14-05-2009.

Influenciados pelas teses da bancada ruralista, os parlamentares mudaram o relatório original do deputado Asdrúbal Bentes (PMDB-PA) para isentar os posseiros da obrigação de recuperar as áreas de preservação permanente (APPs) e reserva legal. Os deputados transformaram a situação em um "compromisso". O relator também permitiu a compensação da reserva legal obrigatória de 80% da propriedade na Amazônia.

Bentes recuou, ainda, na intenção de punir com a reversão da posse à União para quem descumprisse a legislação ambiental na Amazônia. Pelo novo texto, a punição ocorrerá somente em casos de desmatamento irregular em APPs e reservas legais. Além disso, concordou que o governo indenize posseiros em caso de retomada das terras pela União por descumprimento de alguma imposição legal. E incluíram a indenização de benfeitorias aos posseiros.

Antes das discussões, o relatório já havia ampliado, de dez para 30 anos, o prazo para recomposição de APPs e reserva legal, além de ter permitido a regularização de áreas em nome servidores públicos e de pessoas jurídicas.

Desde o fim de fevereiro, o texto da MP foi alterado algumas vezes. Asdrúbal Bentes ampliou a regularização para todas as áreas da União, e não só para aquelas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O texto básico permitiu, ainda, a venda das terras regularizadas após três anos de posse efetiva desde que fosse concedida anuência de representantes da União. Antes, o prazo era de dez anos. A MP n 458 também estabeleceu um prazo de até três anos aos Estados da Amazônia para a realização de zoneamentos econômicos e ecológicos (ZEEs). Do contrário, esses Estados não poderiam firmar convênios com a União. Pelo texto, serão doadas posses de até 100 hectares. Para terras até 400 hectares haverá um processo simplificado com "valor simbólico" . Quem tiver até 1,5 mil hectares, terá preferência para comprar a terra pelo "valor de mercado". Acima disso, haverá licitação pública normal.

Até as 22h nem todos os destaques (supressivos ou para incluir emendas não acatadas pelo relator) tinham sido votados. Mas todos os que tinham sido apreciado foram rejeitados, prevalecendo nesses casos, portanto, o texto inicialmente aprovado pelo plenário. O DEM, PPS e PSDB tentaram, sem sucesso, retirar a restrição de venda de terras a quem já tem propriedade rural no país (destaque do DEM). Também foi minoritário o voto desses partidos para retirar a data limite de ocupação ou invasão (destaque do PSDB) que continuou sendo 1 de dezembro de 2004. Foi rejeitado também destaque do PPS para que o preço da terra fosse limitado aos 20% passsíveis de desmatamento. Já o PDT viu rejeitada a proposta de excluir as pessoas jurídicas. O líder do governo, Henrique Fontana (PT-RS)) argumentou que isso seria incompatível com a realidade atual da situação da Amazônia, limitando muito o processo de legalização.


Fontes:

http://www.unisinos.br/_ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=22161




http://www.unisinos.br/_ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=22251




http://www.unisinos.br/_ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=22240


terça-feira, 12 de maio de 2009

Espinosa (1)


(...) a filosofia de Espinosa está mais perto da verdade que qualquer outra que tenha considerado as mesmas questões de difícil aprofundamento. São perguntas tão importantes para nós quanto o eram para Espinosa. A diferença é que nós raramente estamos conscientes delas. São elas:

- Por que as coisas existem ?
- Como se compoem o mundo ?
- O que somos nós no esquema das coisas ?
- Somos livres ?
- Como devemos viver ?

Nossa incapacidade atual para responder a essas perguntas explica nossa relutância em enfrentá-las, o que, por sua vez, explica nossa profunda desorientação. A chamada "condição pós-moderna" tão em voga é, na verdade, a condição das pessoas que se rendem às suas ansiedades fundamentais, achando mais fácil disfarçá-las. Elas não sabem mais por que e como ter esperança. Não há terapeuta melhor para essa condição que Espinosa, nem maior defensor da vida espiritual para aqueles que perderem o desejo de voltar a tê-la.
As cinco perguntas que listei são filosóficas: não podem ser respondidas pela observação e por experimentos, mas somente por meio do raciocínio.

(...)

Espinosa viveu num tempo em que a ciência moderna começava a emergir do cenário das especulações teológicas. Foi um pensador científico consumado, que antecipou muitos aspectos da moderna ciência e filosofia. Mas ele não admitiria uma cisão entre ciência e filosofia. Para ele, como para Descartes, a física tem por base a metafísica, e um cientista que ignora as questões fundamentais não sabe realmente o que está fazendo.

(Fonte: "Espinosa", de Roger Scruton - pags.7-9)

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Reino Unido: programa para espiar Internet


O governo britânico está desenvolvendo uma tecnologia secreta, para controlar todas as mensagens eletrônicas enviadas através da Internet, noticia o jornal «The Sunday Times», citado pela agência EFE.

O jornal britânico escreve que o governo inglês está desenvolvendo uma tecnologia para monitorar todos os e-mails enviados e recebidos pelos cidadãos. Para isso, vão ser inseridas secretamente uma série de «caixas-negras» na infraestrutura de comunicações, afirma o jornal.

Na semana passada, a ministra do Interior britânica, Jacqui Smith, anunciou que o governo tinha decidido renunciar ao polémico plano para criar uma base de dados única, na qual seriam guardadas todas as comunicações feitas no país.

A ministra não mencionou, no entanto, que o governo tinha decidido destinar mais de um milhão de euros durante três anos para o programa de espionagem anunciado, refere o jornal britânico.

Segundo a diretora da organização de defesa dos direitos humanos «Liberty», Shami Chakrabarti, uma vítima recente da espionagem do Governo, o anúncio da ministra serve apenas como «uma cortina de fumaça».

«Estivemos contra a base de dados «Big Brother» porque permitia ao Estado ter acesso diretamente às comunicações de todos os cidadãos. Mas, com esta rede de caixas-negras, pretende-se exatamente o mesmo, mas pela porta traseira», afirmou a advogada.

Segundo fontes citadas pelo «The Sunday Times», o governo já concedeu um contrato no valor de 200 milhões de libras (224 milhões de euros) ao gigante americano do setor da defesa Lockheed Martin. Foi também assinado outro contrato com a Detica, empresa britânica de tecnologia da informação, que mantém estreitos vínculos com a espionagem britânica.


Fonte: http://www.pplware.com/2009/05/05/reino-unido-programa-para-espiar-internet/

terça-feira, 5 de maio de 2009

Consumo ético e ação política




CONSUMO ÉTICO: CONSTRUÇÃO DE UM NOVO FAZER POLÍTICO ?



Por: Isleide Arruda Fontenelle

Fundação Getúlio Vargas/EAESP



RESUMO: Objetiva-se compreender o movimento pelo consumo ético e refletir sobre seu alcance na constituição de uma nova cultura de consumo e seu papel no “espaço público”. Efetuou-se uma revisão bibliográfica sobre o tema, em interlocução com a abordagem sociológica sobre os processos de democratização, consolidada nos anos 90, que traz a perspectiva de uma dinâmica nova do “espaço público” a partir da emergência de novos atores políticos e, com isso, recupera a possibilidade de um diálogo entre teoria crítica e teoria democrática. Na ausência de uma produção acadêmica nacional, buscou-se, na literatura internacional, as principais interpretações sobre o tema: uma que assume a positividade do movimento, sua capacidade de resistência e seu poder de transformação social; e outra que aponta para a negatividade do movimento e sua total absorção pelo mercado. Como pano de fundo, tem-se a problemática da falsa autonomia do sujeito burguês e da (im)possibilidade da consciência crítica.

Palavras-chave: consumo ético; cultura de consumo; espaço público; democratização; consciência crítica

1. Introdução

“O posicionamento ético é a continuação da guerra por outros meios” (Gilles Lipovetsky).


O objetivo deste ensaio teórico é o de refletir sobre o alcance do “consumo ético” na construção de uma nova cultura de consumo; bem como, de questionar até que ponto esse tipo específico de movimento de consumidores representaria uma forma nova de política no seu significado amplo, qual seja, no sentido de recolocar a questão do “espaço público” como uma esfera de crítica e de poder na determinação dos rumos da transformação social.

Consumo ético, na proposição dos autores e organizadores do livro The Ethical Consumer (Harrison; Newholm; Shaw; 2005), se refere a um ato de compra (ou não compra) no qual estão implícitas as preocupações do processo de consumir com os impactos que isso possa causar ao ambiente econômico, social ou cultural. Ou seja, ele está circunscrito ao fato de que o consumidor pensa e se preocupa com os efeitos que uma escolha de compra gera aos outros e ao mundo externo como, por exemplo, com o tratamento despendido aos trabalhadores envolvidos na produção de um determinado produto, ou com os impactos ambientais que certos produtos causam.

Esse tipo de atitude, que pode ser individual, só se tornaria política ao se condensar em um coletivo, denominado de movimento de consumidores ou consumer activism, nas proposições de Lange e Gabriel (2005). Empreendendo uma breve história sobre o ativismo dos consumidores, os autores demonstram como esse termo não é novo, remontando ao século XIX, através de histórias de boicotes e de formação de cooperativas de compras, como as cooperativas inglesas emergentes no final do século XIX, formadas em reação aos preços excessivos e à má qualidade dos produtos. Os autores reconhecem que o ativismo dos consumidores tem sido pouco teorizado na literatura histórica e acadêmica, mas apontam para a importância que o movimento pelo consumo ético tem ganhado nesse início de século, na medida em que as questões contemporâneas que o movimento tem levantado envolvem problemas complexos como a sustentabilidade do planeta, o comércio justo, a solidariedade social, e os direitos do consumidor enquanto direitos de cidadania.

Mas qual é o alcance e a efetividade desse tipo de movimento? Murphy e Bendell (2001) descrevem os consumidores como a nova força capaz de enfrentar as grandes corporações em face do declínio do poder e a da influência dos sindicatos trabalhistas; e que eles, de fato, estão causando impactos profundos nos projetos das grandes corporações. Segundo os sociólogos Beck (1999) e Giddens (1990), tendo em vista que muitos dos riscos que nós estamos enfrentando são decorrentes das nossas próprias ações humanas na construção das sociedades de consumo, tais ações passaram a ser questionadas e politizadas. Sob essa perspectiva, o “consumo ético” estaria provocando uma mudança na atual sociedade de consumo de massas e formatando uma nova “cultura de consumo”.

Mas até que ponto esse tipo de atitude pode ser considerada política no seu sentido amplo, qual seja, na determinação de uma transformação social que altere o jogo de forças no qual predomina, hoje, o mercado? Na literatura crítica internacional, há dois tipos de interpretação: a que acredita na importância do movimento em provocar mudanças radicais na sociedade contemporânea e, nesse sentido, promover a transformação social; e, em uma perspectiva oposta, uma interpretação que recusa ver o movimento como uma forma de ação política. Na primeira linhagem, estariam trabalhos como o de Klein (2002), Gorz (2005), Canclini (1996;1990), Beck (1999) e Giddens (1990). Entre os que desacreditam dessa possibilidade, encontram-se autores como Frank (1997; 2004) e Potter e Heath (2005).

Tais autores e suas argumentações serão desenvolvidos ao longo deste artigo. Por ora, pretende-se demonstrar que o debate em torno dessa questão aponta para as reflexões que este artigo apresenta acerca das relações entre consumo ético e espaço público, lançando mão, especialmente, da abordagem sociológica sobre o processo de democratização na América Latina, consolidada ao longo dos anos 90, que redefiniu a noção de “espaço público” enquanto um “modelo discursivo”. Essa concepção, que “diz respeito mais propriamente a um contexto de relações difuso no qual se concretizam e se condensam intercâmbios comunicativos gerados em diferentes campos da vida social” (Avritzer & Costa, 2004), reforça a importância da sociedade civil como um eixo central das novas relações de poder. Mas é possível se assumir que tal concepção também deixa brechas para se pensar a emergência de novos atores que surgiram como produto de novas formas de vida e de comportamento, dentre os quais poder-se-ia localizar o movimento de consumidores?


Certamente que as respostas para essas questões só poderiam ser respondidas a partir de uma pesquisa empírica mais ampla, na qual, de fato, este ensaio teórico está inserido. Entretanto, tal pesquisa – sobre movimentos de consumidores e consumo ético no Brasil – ainda está em fase inicial de realização. Daí porque, neste momento, propõe-se este ensaio teórico no sentido de apontar as questões, as reflexões teóricas e a importância de se colocar, na pauta da discussão, a temática dos movimentos de consumidores e do consumo ético. Adianta-se, também, que, embora a produção acadêmica sobre consumo ético já comece a despontar em publicações internacionais – das quais a coletânea “The Ethical Consumer” é uma referência e traz contribuições de diversas áreas - uma primeira revisão da literatura nacional na área de Psicologia não indicou produções acadêmicas nesse sentido.

Visando contribuir para esse debate, o presente artigo discorrerá sobre os seguintes tópicos: sobre o papel do consumo ético na produção de uma nova cultura de consumo; e sobre as relações entre resistência, poder e politização do consumo. Por último, tecem-se algumas considerações finais a respeito do assunto. Com isso, pretende-se alcançar uma melhor compreensão sobre o que está acontecendo no campo do consumo ético e sobre o que a análise desse campo nos fornece a respeito do espaço público e do papel da sociedade civil. Em outras palavras: estariam os movimentos de consumidores que defendem o consumo ético forçando a produção de uma nova cultura de consumo, na medida em que lançam mão de seu poder de causar danos às imagens de marca? Até que ponto isso poderia provocar uma transformação social mais ampla ou, nessa esfera, o ativismo dos consumidores se apresentaria como um mero movimento de resistência passiva que, estruturalmente, não mudaria muita coisa?




2 . O consumo ético na produção de uma nova cultura de consumo

Buscando entender o que provocou o florescimento de movimentos pelo consumo ético nas últimas três décadas, Harrison et al. (2005) identificaram sete fatores: a globalização dos mercados e o enfraquecimento dos governos nacionais; a ascensão das marcas e corporações transnacionais; a ascensão de campanhas de grupos de pressão; os efeitos dos avanços tecnológicos sobre os ambientes natural e social; o deslocamento do poder do mercado em direção aos consumidores; a eficácia de campanhas de mercado; o crescimento de um amplo movimento de responsabilidade corporativa. Tais fatores teriam emergido como resultado de uma sociedade de consumo no qual o mercado tornou-se dominante, mas cujas conseqüências sociais teriam transformado o consumo em um espaço de disputa política, tanto pelos problemas a ele associados, quanto pela “descoberta” da força do consumidor frente ao poder do mercado.

Na perspectiva de Lipovetsky (2004), o consumo ético pode ser compreendido como a contrapartida da responsabilidade social corporativa, espelhando uma nova forma de gestão global que foi pautada por uma necessidade ética do mundo organizacional, no sentido de recolocar a dimensão humana nas empresas. Nesse sentido, para Lipovetsky, a ascensão da ética nos negócios se deveu a quatro fatores: a) a uma necessidade real de preservação do meio ambiente e do homem; b) a uma busca de maior transparência dos mercados, tendo em vista o novo modelo econômico do capitalismo a partir das políticas neoliberais dos anos 1980, gerando uma fúria econômica e, conseqüentemente, escândalos corporativos que puseram o mundo organizacional sob suspeita; c) a uma nova estratégia do marketing, na medida em que as empresas passaram a perceber o lado benévolo de atitudes socialmente responsáveis para suas imagens de marca; d) a uma promoção da cultura empresarial, em busca de uma mobilização dos empregados, na medida em que, acredita-se, alcançando uma imagem de respeitabilidade externa, a empresa também conseguiria motivar o seu pessoal e a mobilizá-lo, fazendo com isso também influenciasse na dinâmica produtiva da empresa.

Embora a perspectiva de Lipovetsky não deixe espaço para se pensar que o movimento pela “ética nos negócios” seria decorrente de uma pressão social - e, não apenas, de uma escolha das empresas-, ela nos ajuda a demonstrar como as organizações já estão reagindo ao movimento. Nesse sentido, o consumo ético pode ser compreendido como o resultado necessário de um novo estágio das sociedades de consumo e, como desdobramento deste, pode se apresentar como uma nova estratégia de negócio e de fortalecimento da imagem. Um conceito que permitiria pensar essa questão seria o de “risco”: risco corporativo relacionado especialmente aos prejuízos causados, por uma “crise de imagem”, sobre a reputação da empresa, com repercussões negativas diretamente na escolha dos seus consumidores.

O processo funcionaria da seguinte maneira: diante da pressão de movimentos de consumidores, especialmente do “patrulhamento das ONG´s”, as empresas estariam sendo impelidas a desenvolverem um modelo de produção socialmente responsável como uma nova estratégia de negócio. Sendo assim, na outra ponta, as empresas buscariam disseminar a sua imagem “socialmente responsável” através de estratégias de comunicação que veiculassem e valorizassem suas ações, visando um consumidor disposto a realizar uma escolha “politicamente correta”, ou seja, que reconheça e atribua valor a tais estratégias empresariais. O “consumidor ético” passa a ter, portanto, um papel fundamental, especialmente através das escolhas de compra, consumindo ou boicotando determinados produtos por conta das ações das empresas envolvidas em sua produção.

Esse movimento parece indicar que poderia estar se dando a construção de uma nova cultura de consumo, tal qual se constituiu, nas primeiras décadas do século XX, a “cultura de consumo de massas”. Como a história da formação da sociedade de consumo americana nos mostra, a construção da sociedade de massas foi mais que um projeto econômico: foi também um projeto político de grande envergadura que, nos anos 1920, contou com a força-tarefa da comunidade empresarial, de intelectuais da “psicologia humana” e de medidas políticas do Presidente Herbert Hoover. Dentre muitos os fatores que contribuíram para a “criação da psicologia do consumo de massa”, estão a criação do crédito ao consumidor, o surgimento dos subúrbios e um novo imaginário baseado na insatisfação que formatou uma “expansão capitalista do desejo” (Sennett, 2006) .

A esse respeito, também são interessantes as referências de Jeremy Rifkin em “o Fim dos Empregos” (Rifkin, 1995) e de André Gorz, em “O Imaterial” (Gorz, 2005) Ambos os autores discorrem longamente, a partir de uma vasta bibliográfica histórica sobre o período americano, sobre como se deu a produção dessa sociedade de consumo de massas e como isso se espraiou pelo mundo como um american way of life. Nesse sentido, os profissionais de marketing tiveram um papel fundamental na longa jornada de “educação” do povo americano para que, por exemplo, este viesse a desistir da compra a granel – ainda predominante nas primeiras décadas do século XX – e passasse a consumir produtos industrializados e embalados em massa.

Tal cultura de consumo se globalizou, sobretudo, a partir do segundo pós-guerra e, mesmo misturando um ideário americano às especificidades nacionais, o fato é que se pode falar de uma “estandardização da cultura mundial, com as formas locais populares ou tradicionais sendo deslocadas ou emudecidas para abrir espaço para a televisão americana, para a música americana, para comida, roupas e filmes, como um aspecto central da globalização.” (Jameson, 2001:20).

Em que pese essa predominância dos produtos culturais americanos, há algo mais penetrante a se enfocar aqui: a de que consumir tornou-se uma modalidade específica de vida, como afirma o sociólogo Zygmunt Bauman:

“quando falamos de uma sociedade de consumo, temos em mente algo mais que a observação trivial de que todos os membros dessa sociedade consomem... O que temos em mente é que a nossa é uma ‘sociedade de consumo’ no sentido, similarmente profundo e fundamental, de que a sociedade dos nossos predecessores, a sociedade moderna nas suas camadas fundadoras, na sua fase industrial, era uma ‘sociedade de produtores’. Aquela velha sociedade moderna engajava seus membros primordialmente como produtores e soldados; a maneira como moldava seus membros, a ‘norma’ que colocava diante de seus olhos e os instava a observar, era ditada pelo dever de desempenhar esses dois papéis... Mas a maneira como a sociedade atual molda seus membros é ditada, primeiro e acima de tudo, pelo dever de desempenhar o papel de consumidor. A norma que nossa sociedade coloca para seus membros é a da capacidade e vontade de desempenhar esse papel” (Bauman,1999:87-88).

De fato, esse modelo cultural ainda predomina nos nossos dias, e é esse modelo que o movimento de consumidores pelo “consumo ético” vem questionar. Nesse sentido, é interessante apontar como, em seus primórdios, as batalhas travadas em torno do consumo ético não colocavam em xeque a sociedade de consumo de massas. Pelo contrário. Eram batalhas pela inserção no modelo, visando baixar os preços dos produtos ou questionando a higiene, a qualidade ou a segurança dos mesmos. Foi apenas a partir da década de 1970 que começou a emergir, muito lentamente, uma nova forma de organização de consumidores voltada a questionar o consumo excessivo e propor alternativas a ele. Segundo Harrison et al. (2005) essa nova onda de ativismo passou a envolver temas como consumo verde, ética, solidariedade para com o terceiro mundo e orientações para comércio justo. Entretanto, para esses autores, somente a partir da década de 1990 é que foi possível apreender uma coerência global desses movimentos que pudesse agregá-los em torno do termo “consumo ético”, especialmente a partir da criação da Ethical Consumer Research Association (ECRA), no Reino Unido, e do Council on Economic Priorites, nos Estados Unidos. Assumindo o poder do consumidor – “cada vez que você se dirige a uma caixa registradora, você vota.” (Will; Marlin; Corson; Schorsch; 1989:143) – esses novos movimentos passaram a afirmar que seus objetivos seriam provocar uma mudança cultural e promover a consciência do consumidor sobre as implicações globais do padrão de consumo do mundo ocidental.

Em que pese a força e a importância desse movimento para uma transformação da cultura de consumo de massas, há outros elementos em jogo. Rifkin (2001) demonstra um outro lado que nos faz compreender a real extensão das novas formas de atuação das organizações: não se trataria apenas de reagir a uma forma de resistência do consumidor, mas o foco em formas de produção e consumo “socialmente responsáveis” poderia ser também produto de um esgotamento do mercado de massas, no sentido de que o capitalismo enfrenta um novo desafio:

“Para as nações ricas e, em particular, para os 20% mais abastados da população mundial que continuam a colher os frutos oferecidos pelo modo capitalista de vida, o consumo de bens está quase alcançando o ponto de saturação. Restam poucos valores psíquicos que se podem tirar ao se ter… aparelhos de todo tipo para suprir todas as necessidades e desejos possíveis. É nessa conjuntura que o capitalismo está fazendo sua transição final para o capitalismo cultural plenamente desenvolvido…” (Rifkin, 2001:117).

Demonstrando sua tese, Rifkin nos mostra como o mercado empreendeu a desregulamentação das funções e serviços do governo nas décadas de 1980 e 1990 e, em menos de duas décadas, absorveu grande parte do que antes era da esfera pública, incluindo, no âmbito comercial, os serviços de utilidade pública, de telecomunicações e do transporte coletivo. A próxima etapa da esfera pública a ser absorvida pelo mercado, ainda segundo Rifkin, seria a cultural já que, no capitalismo contemporâneo, “a única área onde há oportunidades para se ganhar dinheiro é o oferecimento de experiência aos clientes, na forma de serviços.” (Rifkin, 2001:76).

Daí porque, o capitalismo do futuro, ainda segundo Rifkin, terá que, necessariamente, envolver um “vasto arranjo de experiências culturais”, tais como: viagem e turismo global, parques e cidades temáticos, centros de bem-estar, enfim, formas de entretenimento pessoal pago. De fato, quando analisamos as denominadas pesquisas de mercado de tendências culturais, constatamos o quanto o mercado tem mapeado e investido em uma nova frente: na Economia da Experiência (Pine & Gilmore; 1999), desenhada como produto do “novo desejo fundamental”, que estaria relacionado a buscar “estados alterados que realmente façam bem, conexões humanas mais saudáveis, um senso de identidade, e caminhos e líderes com fins benévolos” (Davis, 2003:280). Ou seja: a fusão entre cultura, ética e negócios, que termos como “marketing cultural” e “marketing social” definem tão bem.

Essa necessidade estrutural do mercado que o faz buscar novos nichos de consumo se soma a outras perspectivas que nos apresentam um quadro mais acabado da crise da sociedade de consumo de massas, qual seja, o esgotamento dos recursos naturais e do próprio imaginário, no sentido de ter se tornado claro de que o sonho do consumo de massas nunca esteve, mesmo, ao alcance de todos. No que diz respeito à questão da sustentabilidade, o estudo de Portilho (2005) demonstra a virada discursiva que se deu no movimento de defesa pelo meio ambiente que, a partir da década de 1990, deslocou a ênfase até então dada à produção, para o campo dos hábitos de consumo e do papel do consumidor na responsabilidade pela sustentabilidade ambiental. Essa questão tem impacto no imaginário, na medida em que torna claro o quanto o planeta Terra não suportaria a extensão do consumo de massas a todos os rincões da terra, como era a promessa da ideologia do progresso.



Na perspectiva de Frank (1997), seria esse estado de coisas que estaria levando as empresas a absorverem os movimentos de resistência dos consumidores. Autor do livro “The conquest of cool”, Frank demonstra como os movimentos contraculturais dos anos 60 injetaram um novo alento para o mercado e para a renovação e perpetuação da sociedade de consumo. Nesse início de século, com a nova etapa pelo “consumo ético”, o mercado também teria encontrado sua nova face: trata-se do “marketing de libertação... do capital”, título de um artigo escrito por Frank para o Le Monde Diplomatique, no qual o autor demonstra a nova feição do marketing, que absorve o discurso crítico e até mesmo questiona a sociedade de consumo:

a publicidade da moda admite que realmente há algo de errado com a nossa existência, que o mercado não nos deu tudo o que prometeu, que não resolveu os problemas decorrentes do desenvolvimento capitalista...Seguindo essa grande narrativa publicitária, estimulada todos os anos por centenas de bilhões de dólares, o problema maior de nossas sociedades seria o conformismo, e a resposta apropriada, o carnaval... Para resistir, seria preciso que freqüentássemos as redes de restaurantes ‘étnicos’, ou víssemos os vídeos de Madonna. Ou simplesmente homenageássemos os consumidores que o fizessem... A crítica do capitalismo tornou-se, de forma bem estranha, o sangue salvador do capitalismo. É um sistema ideológico fechado, dentro do qual a crítica pode ser abordada e resolvida, porém de maneira simbólica. (Frank, 2004).

De fato, quando nos deparamos com o imenso “mercado verde” ou com o “mercado da cidadania”, relacionados, respectivamente, a atitudes politicamente corretas e a ações de filantropia e de responsabilidade social, somos tentados a concordar com Frank e a admitir que esses movimentos de consumidores funcionariam como uma espécie de vírus do sistema, que, à semelhança de Neo, no filme Matrix, seriam produzidos para indicar as falhas e as possibilidades de correção do modelo. Ou seja: poderiam até causar mudanças no modelo, mas não alterariam as relações de força, comandadas, hoje, pelo mercado, e nem empreenderiam transformações sociais mais amplas.

Mas o movimento pelo consumo ético também inspira um outro tipo de interpretação que o coloca como novo ator social. Referindo-se ao livro “Sem Logo”, de Klein (2002), André Gorz argumenta que a autora retraça, ao mesmo tempo, o método e a extensão da “tomada dos espaços públicos e a resistência que ela encontra” (Gorz, 2005:51). Essa tomada se daria através da penetração cultural das grandes corporações e suas marcas publicitárias, gerando uma nova forma de conflito:

“uma luta de classes deslocada para um novo campo: o do controle da esfera pública, da cultura comum e dos bens coletivos. Os atores da resistência, organizada... em grande escala – ou melhor, auto-organizada localmente e internacionalmente graças à Internet -, são movimentos de estudantes secundaristas, de consumidores e de moradores decididos a reconquistar o domínio público, a novamente se apropriar do espaço urbano, a retornar o poder sobre seu meio, sua cultura comum e sua vida cotidiana.” (Gorz, 2005:51-52).



André Gorz



De fato, Naomi Klein estaria retratando uma forma específica de resistência ligada ao contexto do consumo: a de negar que todos os aspectos da vida fossem transformados em mercadoria. Segundo a autora, essa forma específica de resistência se chamaria “movimentos anticorporação”, mas seu livro acaba por abrir o leque, a fim de incluir toda forma de protesto que não indicaria

“manifestações e um só movimento, mas convergências de muitos movimentos menores, cada um visando a uma multinacional específica (como a Nike), um setor particular (como o de agrobusiness) ou uma nova iniciativa de comércio (como a Área de Livre Comércio das Américas), ou em defesa da autodeterminação de povos nativos (como os zapatistas)” (Klein, 2002:478).

Naomi Klein


Esses movimentos estariam lutando com as mesmas forças que, segundo Klein, baseiam-se em participações no nível local – associações de bairro, sindicatos, fazendas, grupos anarquistas, etc – mas que visariam, estrategicamente, desvincular suas lutas de algo étnico ou local, a fim de apontar uma questão universal e um inimigo global: o neoliberalismo, caracterizado pelo poder mundial do mercado. Tais movimentos ainda estariam, segundo a autora, substituindo as instituições tradicionais “que antes organizavam os cidadãos em grupos ordenados e estruturados [e que] estão todas em declínio: sindicatos, religiões, partidos políticos.” (Klein, 2002:483).

Desse ponto de vista, tratar-se-ia, de fato, de uma mudança de perspectiva cultural e política: a agenda de conflito dos movimentos de consumidores estaria absorvendo temas caros à agenda política dos processos de democratização relativos à esfera pública e aos direitos de cidadania. Portanto, não se trata apenas de uma questão semântica. Dessa perspectiva, o consumidor assume, de fato, o lugar de um ator político de maior importância, através de uma nova forma de conflito caracterizada pela não mediação estatal, que interpela diretamente o mercado e usa, como arma de protesto, os riscos à imagem publicitária das corporações.

Por que essa mudança de foco? Para Newholm (2000), tendo em vista a influência que a cultura de consumo teve em moldar nossos estilos de vida, nós, cada vez mais, expressamos nossas éticas através do consumo, precisamente porque o consumo e sua relação com a construção da auto-imagem, tornou-se nossa principal atividade e aquela que mais consome o nosso tempo. Daí porque, quando os consumidores são forçados a considerar as conseqüências existenciais do consumo, isso pode apontar para uma nova concepção de cidadania na qual o consumidor tem um papel central. Nesse sentido, ganha espaço a tese de Nestor García Canclini, que articula consumo e cidadania a partir de um outro prisma: aquele no qual “os Estados cederam ao capital privado o controle da economia, tanto material quanto simbólica, através da privatização em larga escala.” (Portilho, 2005:15). Tal mudança de contexto forçou a recolocação da questão do público no qual o consumidor reconhece não apenas o seu direito mas, principalmente, o seu poder. Isso nos encaminha para a segunda parte do artigo.




3 . Resistência, poder e politização do consumo: novos domínios do espaço público?

A temática do consumo sempre representou um objeto central de reflexão para a teoria crítica que, a partir dos escritos de Adorno; Horkheimer (1985), sob como as sociedades de consumo estariam gerando uma nova “cultura de massas”, produziu um amplo arcabouço teórico-crítico que demonstrou o lugar do consumo na sociedade contemporânea e de como, a partir do marketing e de seus principais mecanismos de persuasão (anúncio comercial e publicidade), começou a se dar uma infiltração da esfera comercial na esfera pública, mediante uma forma de comunicação cada vez mais guiada pelo mercado. Tal fenômeno seria ainda mais forte nas sociedades latino-americanas, caracterizadas pela inexistência histórica de um espaço comunicativo semelhante ao contexto europeu, possibilitando, dessa forma que os meios de comunicação de massa passassem a ser os mediadores sociais por excelência e estabelecessem “uma nova diagramação de espaços e intercâmbios urbanos” em tais sociedades (Canclini, 1990:.49). Tal estado de coisas levou a uma interpretação central da teoria crítica, especialmente adorniana: a da perda da autonomia do espaço público e da atomização do indivíduo e sua transformação em consumidor de entretenimento.

Predominante ao longo de quase toda a metade do século X, foi apenas na década final do referido século, no prefácio da reedição alemã de 1990, do livro Mudança Estrutural da Esfera Pública, que a teoria crítica foi revisitada por Jurgen Habermas, um dos principais representantes contemporâneos da Escola da Frankfurt (Habermas, 2003). Em uma bela revisão histórica que faz sobre o desenvolvimento do conceito de espaço público, Avritzer e Costa (2004) enfatizam as questões centrais que Habermas elaborou nesse prefácio, no qual sustenta o potencial público de crítica, a despeito da pressão da mídia, e detalha “o papel de uma esfera pública politicamente influente dentro de sua concepção teórico-discursiva da democracia.” (Avritzer & Costa, 2004:709)[1].

Ainda, segundo esses autores, Habermas recuperou a possibilidade de uma relação entre a teoria crítica e a teoria democrática que passou a demarcar uma nova abordagem sociológica sobre o processo de democratização na América Latina, que se consolidou ao longo dos anos 90 e que redefiniu a noção de “espaço público” enquanto um “modelo discursivo”. Entretanto, os autores apontam para necessidades de correção do modelo discursivo habermasiano, dentre os quais, estaria a proposição de Cohen e Arato (1994) acerca da emergência dos new publics:

“a criação e expansão de novos públicos e novos loci de realização de formas críticas de comunicação – contextos de difusão de subculturas, movimentos sociais, microespaços alternativos, etc..., os quais colocam em movimento dinâmicas de inovação cultural e contestação dos padrões sociais estabelecidos no plano, por exemplo, das representações de gênero, das relações étnicas, etc.” (Cohen & Arato, 2004:711).



Seria possível, a partir dessa definição dos new publics, identificar o movimento pelo consumo ético, tal qual ele vem sendo caracterizado nesse início de século - com sua agenda voltada para questões como comércio justo, direitos civis, solidariedade global, etc -, como um novo ator político, que pudesse recuperar a relação entre teórica crítica e teoria democrática? A revisão bibliográfica empreendida até o momento nos leva a perceber um silenciamento a esse respeito no campo da teoria crítica. O avanço do conceito de espaço público, no interior da literatura sociológica ao longo dos anos 90, indica um debate travado em torno da questão da representação e do conceito de democracia, ou seja, da relação entre política institucionalizada e “relação argumentativa crítica”, com a organização política no lugar da participação direta. É esse o centro do debate e é em torno dele que os denominados “novos movimentos sociais” ou new publics, são chamados a participar, tendo em vista que, na proposição habermasiana, o espaço público continuaria “estabelecendo, como órbita insubstituível de constituição democrática da opinião e da vontade coletiva, a mediação necessária entre a sociedade civil, de um lado, e o Estado e o sistema político, de outro.” (Avritzer & Costa, 2004:708).

Convém destacar que a questão da representação também é central para o movimento de consumidores “éticos”, envolvendo desde as organizações que se fundam e agem em torno dos limites institucionais, até os movimentos mais radicais – como os denominados “ecoterroritas”, de defesa dos animais - que negam o lugar do Estado e reivindica a ação direta e anárquica. O fato é que esse poder de pressão direta sobre as corporações têm levado teóricos do anarquismo, como o antropólogo americano David Graeber, a tomarem esses exemplos como modelos vivos de formas contemporâneas de luta pela reinvenção da democracia, mediante uma ação direta que pudesse mudar o mundo sem ser a partir do controle do Estado (Graeber, 2005). No campo da literatura, o escritor J.G. Ballard tematizou diretamente sobre essa questão envolvendo a revolta de consumidores. Falando a respeito do seu livro “Terroristas do Milênio”, em entrevista dada à Folha de São Paulo, Ballard (2005) assume que

“a política fracassou completamente no mundo inteiro e não é mais capaz de resolver nossos principais problemas – intolerância étnica e racial, desigualdades de renda, epidemias globais, a destruição do ambiente, o aquecimento global, ajudar o Terceiro Mundo e tantos outros. Onde a política falha, soluções mais perigosas e radicais tendem a aparecer...” (Ballard, 2005).



Em que pese esse foco, o livro de Ballard não apresenta o consumidor como uma força política capaz de fazer frente a tal estado de coisas; pelo contrário, sua crítica ácida se dirige, ao mesmo tempo, à sociedade de consumo, ao Estado e à “falta de sentido” dessa revolta de consumidores entediados com aquilo que lhes dá conforto e comodidade.

Essa questão permeia o debate em torno da politização do movimento. Daí porque, para Harrison et al. (2005) – que são ao mesmo tempo, ativistas e pensadores do movimento –, é preciso definir consumo ético, antes de tudo, como aquele que está preocupado com questões para além do mundo interno dos consumidores, ou seja, com sua saúde, seu conforto, sua qualidade, etc. As “bandeiras” do consumo ético precisam ser, na perspectiva desses autores, fundamentalmente externas, voltadas para o mundo que os rodeia, encampando o tema da solidariedade. Assim, a questão da representação política está ligada a uma outra temática – que também aproxima o movimento pelo consumo ético das reflexões que fundaram a teoria crítica – qual seja, a da possibilidade de consciência crítica. Na medida em que as proposições do consumo ético, nesse sentido, é de circunscrevê-lo ao campo da moral, de mudar a mentalidade para o consumo, até que ponto isso pode representar a possibilidade da “consciência crítica” e da ação política?

Sabe-se o quanto esse tema foi central, especialmente nas proposições de Adorno a respeito da “autonomia ilusória do sujeito burguês [e] do funcionamento opressor da razão científica e tecnológica, inclusive em sua aplicação ao campo social” (Dews, 1996:51), o que levou a uma certa paralisação da teoria crítica acerca da possibilidade da emancipação. Mas sabe-se, também, o quanto, para Adorno “as verdades mais profundas, e amiúde não reconhecidas, dos artefatos culturais revelam-se pelos seus aspectos aparentemente mais marginais e fortuitos” (Dews, 1996:51). Desnecessário, portanto, afirmar a importância de se pensar a emergência de um movimento de crítica no interior de uma cultura na qual o consumo passou a influenciar, decididamente a maneira como nós agimos, pensamos e vivemos ao longo da vida.

O desafio deste artigo é, justamente, propor que é possível se pensar o movimento pelo consumo ético no horizonte da teoria crítica, a partir das duas temáticas elencadas acima, quais sejam: a do nível da representação política e o da consciência crítica. Trata-se de um desafio para o futuro, que este artigo não tem a menor pretensão de esgotar mas, tão somente, de apontar, na medida em que, para ser rigorosamente coerente com a teoria crítica, tal empreendimento só poderia ser plenamente realizado a partir da pesquisa empírica. Retomando Habermas, quando o autor forjou seu conceito de espaço público enquanto espaço discursivo, não deixou de levar em conta a ambivalência constitutiva da esfera pública, marcada como esta está pela imbricação entre a esfera pública e a privada, levada a cabo pelo mercado, especialmente, pelos meios de comunicação de massa. Daí porque, propôs que as associações voluntárias que operariam na esfera pública, se opondo aos atores instituídos, fossem desvinculadas do mercado e do Estado – e passassem a se denominar “sociedade civil” – e alertou para que tais movimentos fossem avaliados individualmente e empiricamente, a fim de que se pudesse compreender o seu alcance de interferência nas instâncias decisórias.

Será, portanto, mediante a realização da pesquisa empírica sobre movimento de consumo ético que se espera encontrar maiores desenvolvimentos para as questões que este ensaio teórico aponta. Mas espera-se que este artigo já contribua com o debate, na medida em que aponta algumas questões contemporâneas pertinentes às questões relativas às possibilidades da emergência do sujeito do conflito.




4 . Considerações finais

Este ensaio teórico procurou compreender uma faceta do movimento de consumidores, denominada de “consumo ético”, visando entender até que ponto ele estaria forjando uma nova cultura de consumo, em oposição à cultura de consumo de massas. O levantamento bibliográfico realizado até o momento permite elucidar que, em conjunto com outros fatores - o esgotamento do mercado de consumo de massas e a demanda das empresas por novos nichos de consumidores; bem como, um problema real de sustentabilidade do planeta -, o movimento pelo consumo ético tem forçado a uma mudança de mentalidade e, portanto, à produção de uma nova cultura de consumo. Essa ainda emergente cultura de consumo pode ser localizada em movimentos pelo consumo verde, boicotes contra empresas que não são socialmente responsáveis ou, inversamente, através da compra positiva.

O artigo também procurou refletir sobre a produção acadêmica que vem teorizando sobre o movimento pelo consumo ético, que se divide em duas formas opostas de interpretação: aquela que aponta para o consumidor ético como um “novo ator social”, no sentido de que ele seria a força capaz de pressionar por transformações sociais mais amplas; e, por outro lado, uma posição que aponta a total absorção dos ideários do consumidor ético pelo mercado. Mas o artigo propôs que é possível refletir sobre a temática do consumo ético a partir da teoria crítica, na medida em que foi esta teoria que melhor formulou os impasses relacionados à questão da esfera cultural e das (im)possibilidades de uma esfera cultural autônoma. Através dos conceitos de representação política e de consciência crítica – ambos presente no horizonte prático do movimento pelo consumo ético, bem como, no horizonte teórico da crítica da cultura – a realidade contemporânea poderia interpelar e fazer avançar a teoria que, a esse respeito, tem se emudecido.

Tais proposições têm um horizonte de pesquisa mais amplo, qual seja, uma pesquisa empírica sobre movimento de consumidores e consumo ético no Brasil, que ainda está em sua fase inicial de realização. As reflexões obtidas ao longo deste ensaio teórico indicam para a necessidade de um foco maior da pesquisa na mecânica da “consciência crítica” e da reinvenção da democracia nesses novos processos de contestação que trazem em seu bojo a crítica ao consumo.



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[1] Vale ressaltar que o termo “teoria crítica” refere-se à produção intelectual da Escola de Frankfurt que, por sua vez, tem dois momentos históricos distintos: o que se inicia com a primeira geração – que, dentre outros, é representada por Max Horkheimer e Theodor Adorno – e a sua continuidade em uma segunda geração capitaneada por Jurgen Habermas. É preciso ressaltar que há diferenças substantivas entre a produção teórica e crítica nessas duas gerações. O que se pretende é que, com o desdobramento da pesquisa que este artigo propõe, se possa partir da formulação de Habermas – e de sua teoria comunicacional da sociedade, com seu potencial crítico -, para se retornar à primeira geração – especialmente Theodor Adorno - e sua formulação de uma teoria crítica que, em interlocução com a produção freudiana a respeito do peso da cultura na formatação subjetiva, nos instigou e ainda instiga a pensar sobre as (im) possibilidades de sermos sujeitos críticos em uma cultura de consumo.









ETHICAL CONSUMPTION: THE CONSTRUCTION OF A NEW POLITICAL DOING?

ABSTRACT: Our aim is to understand the movement for ethical consumption and reflect on its scope on the constitution of a new consumer culture, and its role in the “public space”. We conducted a bibliographic review on the subject, which dialogues with a sociological approach on the democratization processes consolidated in the 1990’s, bringing the perspective of a new dynamic of the “public space” arising from the emergence of new political actors. The possibility of a dialogue between critical theory and democratic theory is hence recovered. In the absence of a national academic production, we searched in the international literature for the key interpretations on the subject: one that assumes the positivity of the movement, its capacity for resistance and its power of social transformation, and another which points to the negativity of the movement and its complete absorption by the market. At the backdrop is the issue of the false autonomy of the bourgeois subject and the (im)possibility of a critical conscience.

Key words: ethical consumption; consumer culture; public space; democratization; critical conscience



CONSUMO ÉTICO: ¿CONSTRUCCIÓN DE UN NUEVO PROCEDER POLÍTICO?

RESUMEN: El objetivo es comprender el movimiento por el consumo ético y reflexionar sobre su alcance en la constitución de una nueva cultura de consumo y su papel en el «espacio público». Se efectuó una revisión bibliográfica sobre el tema, en interlocución con el abordaje sociológico sobre los procesos de democratización, consolidada en los ‘90, que trajo la perspectiva de una nueva dinámica del «espacio público» a partir de la emergencia de nuevos actores políticos y, con eso, recupera la posibilidad de un diálogo entre teoría crítica y teoría democrática. Con la ausencia de una producción académica nacional, se buscó, en la literatura internacional, las principales interpretaciones sobre el tema: una de ellas asume lo positivo del movimiento, su capacidad de resistencia y su poder de transformación social; y otra apunta a la negatividad del movimiento y su total absorción del mercado. Como plano de fondo, se tiene la problemática de la falsa autonomía del sujeto burgués y de la (im) posibilidad de conciencia crítica.

Palabras clave: consumo ético; cultura de consumo; espacio público; democratización; conciencia crítica



Fonte: http://www.fafich.ufmg.br/psicopol/seer/ojs/viewarticle.php?id=16&layout=html