Retirei o excelente texto que se segue do Blog: Cosmos e Consciência.
Clique no link para acessar o texto completo, que possui uma interpretação delueziana para as cartas do tarô, aqui não reproduzida.
Deleuze e o Tarô
Rascunho rumo a um pensar em êxtase
Por: Nelson Job
Em magia, como em religião e em linguística,
são as idéias inconscientes que agem.
Marcel Mauss
A filosofia “deleuziana” se presta a quê? Se presta a pensar em limiar, a pensar com, sem amarras, sem limites, em ressonância. Deleuze dialogou com vários filósofos clássicos, com a física, a biologia, a antropologia, a literatura, o cinema, a pintura, a psicanálise, a química etc. Em um artigo anterior, “Ontologia Onírica”, nos dedicamos a evidenciar as ressonâncias entre a filosofia da diferença (tendo Deleuze como atrator), a física “pós-newtoniana”, o hermetismo e a literatura de ficção científica pré-cyberpunk. Tais relações permitem uma ressonância mais específica: a relação entre os principais conceitos de Deleuze (e da filosofia da diferença) com os arcanos maiores do tarô.
Sobre o tarô, pouco desenvolveremos. As imagens devem falar por si. Existem inúmeros livros sobre tarô, mas nenhum deles vai fornecer o mais relevante: a relação intensiva e intuitiva com as imagens.
Uma filosofia como a de Deleuze ser relacionada com um saber pagão como o hermetismo, e, por conseqüência, com o tarô, não nos surpreende. Deleuze, em seu texto “Nietzsche e São Paulo, D. H. Lawrence e João de Patmos” faz um belo elogio ao paganismo (simbólico), que possui conexões vivas, em detrimento do judaísmo e cristianismo (alegóricos) com seu amor abstrato (dar sem nada tomar) e o Apocalipse já industrial (que, com o seu “Juízo” - pré kantiano - Final, nos desconecta com o cosmos).
O paganismo é uma relação de êxtase com o cosmos, onde a vida é celebrada. Não nos surpreende que um antropólogo como Eduardo Viveiros de Castro, dado a reviravoltas deleuzianas, relacione o seu trabalho etnográfico (que envolve o xamanismo Yawalapíti e Araweté) com o filósofo neo-platônico Plotino, em seu texto “A Floresta de cristal”. Nele, é formulada uma operação que nos é cara: “Seria preciso apenas trocar a metafísica molar e solar do Um neo-platônico pela metafísica da multiplicidade lunar, estelar e molecular indígena”.
Plotino é o primeiro grande filósofo do êxtase (lembrando que "êxtase" significa literalmente "sair de si mesmo"). Francis Yates, em seu brilhante “Giordano Bruno e a Tradição Hermética”, o considera o verdadeiro iniciador histórico do hermetismo. Porfírio, seguidor de Plotino, nos diz que seu mestre sofreu quatro êxtases em que ele sofria tremores e tinha visões, donde os textos das “Enéadas” derivavam-se a partir de tais êxtases. Deleuze celebra o conceito de “contemplação” em Plotino, que já era uma relação onde sujeito e objeto se misturavam.
O autor que Deleuze considera o seu “plano de imanência”, Spinoza, também tinha várias influências místicas (a cabala judaica, por exemplo), como afirma Marilena Chauí em sua máquina do tempo “A Nervura do Real”. Vale lembrar que Bergson, outro grande atrator na obra de Deleuze, possui um livro chamado “A Energia Espiritual”, onde afirmava a telepatia e a vida após a morte. As questões de Deleuze seriam místicas, mas não com essa alcunha: mistura de sujeito e objeto, problematização da atomização do eu, conexão intensiva com a Natureza apenas para sair dela rumo ao inominável: o devir contra-natureza e a criação de Corpo sem Órgãos.
Uma relação do tarô com Deleuze já foi feita, sobretudo enfatizando o seu caráter semiótico, por Inna Semetsky. A nossa abordagem é diferente, relacionando conceitos filosóficos. François Jullien - esse um grande autor cujo conjunto de obra é um extensivo trabalho relacionando a filosofia do Ocidente e o pensamento chinês - em seu livro “Figuras da Imanência”, realizou um ótimo estudo relacionando o “I Ching”, antigo livro oracular chinês, com vários conceitos da filosofia da diferença.
O tarô, como quase tudo relacionado ao conhecimento antigo, tem um passado incerto. Costuma-se afirmar que tenha se originado no Antigo Egito, com o hermetismo. Os jogos de carta começaram a se popularizar na Europa no séc XIV e o tarô mais popular – com o qual lidaremos neste texto – conhecido com o Tarô de Marselha, surgiu no final do séc XV, constituído por 22 arcanos maiores, de sentido mais geral e por 56 arcanos menores.
Jogar tarô é mais e menos que realizar um “oráculo”. Mais do que “dizer o futuro”, o tarô realiza o princípio hermético de correspondência, a saber: tudo o que está em cima é como o que está embaixo. Desse princípio se desenvolve, por exemplo, a astrologia, que é um embrião da astronomia. O princípio hermético da correspondência é o mais profícuo (e popular, daí um texto apenas para ele: “Fractais quânticos monádicos”) de todos, pois possui ressonância com a teoria do caos (fractais), mecânica quântica (“colapso” de onda) e filosofia, já que o conceito leibniziano de mônada, se origina no hermetismo. Então, jogar tarô é ver o presente, grávido de passado e futuro
Fonte:
http://cosmoseconsciencia.blogspot.com/2010/02/deleuze-e-o-taro.html