quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Escapando da Era Negra

Robert Anton Wilson


Por: Robert Anton Wilson

Extraído de: http://www.rizoma.net/interna.php?id=183&secao=neuropolitica





O livro final de Bucky Fuller - deixado incompleto quando este morreu em 1983 - finalmente alcançou as prateleiras, depois de uma cuidadosa edição e reorganização pelo homem que Bucky chamava de "seu adjuvante", Kiyoshi Kuromyia. Antes de falar alguma coisa sobre essa obra prima, sugiro que você aprenda um pouco sobre a precisão matemática da mente de Bucky Fuller, procurando num dicionário a palavra "adjuvante", que preferia em lugar de "associado", e "cosmografia", que define melhor o seu tópico de interesse do que "cosmologia".

Fuller sempre utilizou a palavra precisa para denotar o significado exato daquilo que desejava transmitir e com freqüência notei que aproveitava melhor os seus livros com um dicionário ao lado, não apenas para encontrar o significado de palavras pouco familiares, mas quando eu suspeitava ter perdido alguma nuance ou dimensão.

Entrevistando Bucky alguns meses antes de sua morte, perguntei-lhe o que é que uma pessoa ordinária (não treinada em matemática ou engenharia) poderia fazer para melhorar o "plano da revolução científica" que instava. Ele não hesitou mais que dois segundos e respondeu: "vivendo com integridade".

"Isto é tudo? ", perguntei, algo mistificado.

"É o necessário e suficiente", replicou ele. Reli este comentário e as palavras "integridade", "necessário", "suficiente" pelo menos uma vez por semana nestes últimos dez anos. Sempre obtenho novos insights a partir desse processo de repensar - insights sobre Fuller, sobre a ética científica e até mesmo sobre o Budismo.


Buckminster Fuller


Uma passagem característica das duas últimas páginas de "Cosmography" explora os mesmos pensamentos, com mais luz e claridade:

"Umas poucas instâncias de reflexos condicionados persistentes e mal-colocados são popularmente, a falha, o fato agora cientificamente provado que não existem raças ou classes diferentes de humanos; a falha de reconhecer a obsolescência tecnológica da suposição Malthusiana-Darwiniana aceita como política mundial global de uma inadequação inerente da manutenção da vida e daí, "a sobrevivência apenas dos mais fortes"; a falha em ratificar o ERA (adendo constitucional de igualdade de direitos para as mulheres) pela democracia que até o momento atual na história representa a população mais misturada do mundo ou, frente á ampla capacidade de produção de alimentos para todos os seres terrestres, termos o fato da tolerância de todos os sistemas de mercados com o sistema que resulta em milhões de humanos morrendo de fome a cada ano.

"A persistência insensata e não-desafiada de uma miríade de tais reflexos cerebrais mal-formados irá sinalizar tamanha falta de integridade das pessoas que poderá determinar a desqualificação da humanidade e sua eliminação pelo holocausto atômico".

"Você poderá sentir-se impotente para tentar parar a bomba. Para você, a conexão entre os direitos iguais e o holocausto atômico poderá parecer-lhe remota, de início. Tenho confiança que aquilo que estou dizendo é verdadeiro".





Em uma linguagem menos exata, pré-Fulleriana, os reflexos condicionados nos governam mais que nossas mentes. A falha da inclusão do ERA indica a persistência de um daqueles reflexos sem mente. A soma total desses reflexos criam todos nossos problemas planetários. Esses problemas globais sinergeticamente somam-se em direção a uma tendência à incessante repetição de hábitos obsoletos - hábitos que agora colocam nossa sobrevivência em perigo.

A Integridade, significando a mente atuando de forma honesta e criativa, lutando contra seus próprios reflexos condicionados, funciona como a única força trabalhando para contrabalançar esse impulso mecânico-condicionado em direção ao holocausto.

Mais no início de seu livro, Fuller lista os condicionamentos maiores do cérebro que são subjacentes a todas as confusões do Universo e nossa própria posição. Tais erros habituais indicam que permanecemos aprisionados na "Era Negra" pelos "termos nos quais fomos condicionados a pensar":

1. A crença na objetividade (ou externalidade) de "cima" e "baixo".

2. A crença de que as linhas retas estendem-se ao infinito.

3. A crença em medidas baseadas em quadrados fictícios e cubos não-existentes.

4. Q crença que os "sólidos" são realmente sólidos.

5. A crença que várias linhas podem passar pelo mesmo ponto ao mesmo tempo.

6. A crença num mundo tridimensional independente de nossos reflexos cerebrais.

7. A crença de que existe mais que uma raça de seres humanos.

8. A crença que o Universo contém um Deus masculino e que fora "dele" tudo o mais de importância é humano e dominado pelo macho. (Penso que se Fuller tivesse vivido para dar polimento e afinação ao livro, teria acrescentado mais alguns "erros fundamentais", por exemplo:

9. A crença que o dinheiro existe independentemente de nossos cérebros e somente numa quantidade limitada e,

10. A crença que os recursos também existem apenas em quantidades limitadas. (Ou talvez ele considerasse esses erros - enormes e custosos - como não fundamentais, mas derivativos dos erros primários?)

Embora a maioria dos físicos e matemáticos concordem com Fuller sobre a falácia de todas as crenças citadas acima, ele não se preocupa em citar muitos dos seus trabalhos. Ao invés, leva-nos, passo a passo, através da visão de mundo alternativa que criou desde 1927, na qual o Universo não tem nem "cima" nem "baixo", ou "linhas retas", as tensões e compressões em sistemas geodésicos oferecem formulações mais simples e elegantes de nosso mundo do que o sistema tradicional Euclidiano-Aristoteliano-Newtoniano ou os sistemas revisados "modernos" que ainda fazem uso de geometrias pré-Fullerianas.

Todos os paradoxos e espantosas Alças Estranhas que infestam a ciência "moderna" (pós-quântica) agora aparecem, dentro da perspectiva fulleriana, como resultantes da aplicação da algebratização de Descartes de uma geometria de terra-plana de Euclides sobre um espaço esférico onde Euclides simplesmente não funciona. Na geometria de Fuller, os paradoxos e Alças Estranhas simplesmente não acontecem. O Universo torna-se espantosamente racional, novamente.

Uma das passagens mais belas e inovadoras (pp.146-159) explica, em termos da geometria sinergética de Fuller, a forma mais simples de sinergia reconhecida pela ciência - o porquê de uma liga de dois metais acabar produzindo um todo mais forte que a soma de cada uma das partes. Numa precisão matemática maravilhosa, essas páginas provam mais do que os últimos 3.000 livros sobre o "holismo" produzidos por entusiastas intuitivos que nunca aprenderam a disciplinar suas intuições, como faz Fuller, com a lógica pura. Você não consegue ler aquelas páginas sem um novo e sublime insight sobre o que o "holismo"(ou como preferia Fuller, a sinergia) realmente significa e também o quanto do Universo também funciona nesses modos não-lineares e não-somatórios.




Num sentido, aquelas poucas páginas apenas podem elevá-lo da Era Negra Atual prevalente, se você lê-las com uma atenção total. Beleza e lógica iguais, em minha opinião, permeiam a discussão Fulleriana inteira sobre o "reflexo" e "mente". Os reflexos mecânicos ocorrem em cérebros humanos, como em todos os cérebros animais, diz ele, mas a "mente" apenas se manifesta quando um humando, utilizando tanto a intuição quanto a lógica, percebe uma generalização não-local. Em outras palavras, os reflexos somam-se num número finito de experiências-casos especiais, mas a mente habita diretamente o mesmo campo meta-físico (isto é, não-local) que a lei cósmica.

Abstrato demais? Deixe-me tentar novamente: tanto a mente como as leis cósmicas que ela transcreve permanecem não-locais, não-específicas, sem peso, sem massa, sem temperatura. Em todos esses aspectos, diferem de reflexos e de outros sistema mecânicos que sempre apresentam localidade, especificidade, peso, massa e temperatura. Onde a mente, neste sentido Fulleriano não tem o domínio, os reflexos preenchem este espaço e quando tornam-se obsoletos, ainda assim o mundo continua as mesmas brutalidades estúpidas, como as pessoas mecânicas presas numa peça de Beckett.

Fuller diz melhor, mas em palavras que você tem de ler mais devagar. A maior parte da Cosmography, utilizando diagramas sinergéticos simples, tenta mostrar a bela coerência do Universo pós-Einsteniando e assim tenta nos livrar de outras repetições mecânicas de nossos errados conceitos de "cima" e "baixo", assim como de formas de espaço "quadradas" e "cúbicas". Como lemos, o mundo Relativistico torna-se brilhantemente novo mais uma vez, e podemos visualizá-lo nos tetraedros e octetos e Fuller e outras estruturas simples - assim como se nós nunca havíamos realmente compreendido a Relatividade, antes.

Do interior do átomo até ao cosmos como um todo, Fuller nos mostra, novamente, os mesmos nós de energia sinergéticos não-simultâneos criando a ilusão de "objetos sólidos" que vemos normalmente. Este livro, portanto, poderá ser considerado como a melhor introdução à Física do século 20 e também como uma espécie de análogo de uma experiência iluminadora, já que os diagramas de Fuller nos ajudam, literalmente, a "ver" através do modelo materialístico até os sistemas de informação-energia dos quais as "coisas sólidas" surgem.

E, como li, recordei mais uma vez minha última entrevista com Bucky. Perguntei-lhe se "Universo" e "Deus" significavam a mesma coisa para ele, como muitos de seus leitores suspeitavam.

"Deus", disse de maneira precisa, "parece um conceito muito pequeno para conter as coerências estranhamente inter-acomodativas do Universo".

De forma tipicamente fulleriana, penso: ele disse "coerências" e não "forças". O todo Aristoteliano-Newtoniano da mitologia da "força" representa um outro reflexo de Era Negra que havia superado.

Tradução do Instituto Nokhooja

Fontes: Trajectories n. 12 - Spring 1993 - Cosmography (Macmillan, New York, 1992).

Instituto Nokhooja (http://www.nokhooja.com.br/).

Link: Site de Robert Anton Wilson (http://www.rawilson.com/).