segunda-feira, 17 de março de 2008

1968: O ano que mudou o mundo











Em 2008, completam-se 40 anos de um momento central do século XX. Paris, San Francisco, Praga, Vietnã. Muitas mechas pegaram fogo ao mesmo tempo e uma geração de jovens se rebelou contra o modelo de sociedade burguesa. Sua moral repressiva se combatia com a libertação sexual, o prazer imediato das drogas, o rock and roll. Aquela rapaziada, longe de se envergonhar de sua imaturidade, dela tirou proveito. Gritava-se “a imaginação ao poder”. Mas, que imaginação?, e que poder? Aliados da luta operária, os “sessentaeoitistas” pertenciam em sua maioria às classes acomodadas. Negaram o consumo e acabaram sendo seus máximos aliados. Promoveram a revolução social a partir do superindividualismo. As contradições do Maio de 68 são numerosas. Mas de cada uma delas saltou uma faísca. E, reunidas, formam uma luz que continua iluminando o mundo quarenta anos depois.

Segue a íntegra do artigo de Vicente Verdú publicado no El País, 06-03-2008.


A tradução é do Cepat.




“Desejar a realidade está bem, realizar os desejos está melhor”. A consigna não deixava lugar a dúvidas, posto que a revolução de 1968 deixava sentir de longe o cheiro das emanações que caracterizam a orgia. A mesma significação medular se encerrava no “ser realistas, pedir o impossível”, ou, o que é o mesmo, que todo o sonhado se cumprisse e que qualquer bem chegasse às mãos pelo simples direito de existir. Não podia, pois, considerar-se estranho que os detratores observaram o movimento como um ataque dos filhos mimados. E obscenos.

O humor dionisíaco do Maio de 68 se opunha à ordem sexual que reinava na sociedade burguesa, e isso constituiu o núcleo basal da revolta. Uma revolta gerada não por forças maçônicas nem porque tivesse aumentado o preço do trigo ao modo da revolução de 1789, mas pela potência do orgon.

Todas as críticas aos fogos de artifício político de 68 não levam em conta sua fogueira fundamental, acesa desde o sexo, e graças, decisivamente, ao movimento de libertação da mulher. Sem o concurso da libertação feminina não teria sido possível chegar a nada, mas com sua cumplicidade caíram os tapumes do tablado tradicional.

O capitalismo, entretanto, se manteve elegantemente em pé. Mais ainda: o odiado capitalismo trocou sua antiga pele por um cetim de iriadas cores, e com isso obteve capacidade para respirar melhor e desenvolver-se como uma verbena de consumo agregada à festa do orgasmo, do antiautoritarismo, da aventura e do amor à revolução.

Daniel Bell pressagiava em As contradições culturais do capitalismo o conflito que poderia se criar dentro do sistema quando a ética do trabalho, derivada do ascetismo protestante, fosse assaltada por um modo de vida baseado no gozo imediato e no prazer consumista. Mas o conflito nunca criou nenhuma paralisia, mas, pelo contrário, um efeito acelerador.

Assim, o livro mais citado e célebre de Bell foi se convertendo em sua obra mais acertada quando é lida, aproximadamente, no sentido inverso. Contradições no sistema, sim; mas, em vez de romper o mecanismo, como acreditavam Bell e os do 68, registrou-se um superacidente de cuja energia o capitalismo saiu tão rejuvenescido como por um esfoliante de Clarins.

A semente do diabo

De fato, os anos sessenta constituem a década crucial em que o conspícuo capitalismo de produção, obscuro, austero e repressor, começou a girar para o cromatismo musical do capitalismo de consumo. As forças econômicas nem sempre se mostram com toda clareza, mas terminam sendo as que explicam substancialmente o sucesso ou o fracasso das idéias, além de ser parte de sua produção.





O Maio de 68 significou, para os analistas sóciopolíticos, a cristalização conjunta do mal-estar operário, do mal-estar estudantil na universidade e da explosão do reino juvenil que estava cozinhando nos últimos vinte anos.

Em 1925, Ortega y Gasset repetia em A desumanização da arte [São Paulo: Cortez, 1999] sua constatação, então assombrosa, de que a rapaziada, em vez de se envergonhar da sua imaturidade e se esforçar para adotar feições de velho para ganhar reputação, começavam a se ufanar da sua aparência.

O que significava esta translação ao look? Tinha a ver com o fato de que o velho havia perdido liderança, e seus pontos de vista não o levavam, entre os transtornos tecnológicos, artísticos e sociais, a atinar em suas observações, foram referidas ao cinema, à arte abstrata ou à serificação industrial. Os jovens representavam, de um lado, a barbárie de sempre, mas, de outro, a opção acaso de ópticas mais conformes com a novidade.

O Maio de 68 foi, quarenta anos mais tarde, o êxito da coorte de jovens que cavalgou sobre a crista dos espasmos ideológicos, artísticos e econômicos, enquanto ganhava a relevância que seus pais dilapidaram com o fracasso humano das duas guerras mundiais.

O crescente valor da matéria jovem significou, em síntese, um giro na hierarquia do valor. E também, imediatamente, de todos os valores. O protótipo burguês baseava sua moral em três virtudes capitais: a economia, a utilidade e a finalidade. O Maio de 68 e seu máximo motor emocional refutavam cada um desses princípios. Diante da economia e da contenção sexual, propugnava o gasto orgasmático (a energia do orgon teorizada por Wilhem Reich); diante da renúncia, o prazer sem espera.

A revolução “agora!” foi o grito matriz que hoje se refere a qualquer coisa, do eletrodoméstico até a casa, da viagem ao snack que se desfruta incansavelmente.

A contenção de gastos se revelou então equivalente à repressão (a economia de sexo feminino até o casamento), e a utilidade ou a finalidade se manifestaram como a marca desencantada do projeto e da ação. O Maio de 68, encarnado na orgia, impelia na outra direção.

Diante da contenção repressiva, o gasto; contra a calculada utilidade, a imediatez, e diante da finalidade, a aventura. A reunião destes três elementos desenha o triângulo da cultura de consumo, mas então não se sabia nem se tomava, em nenhum sentido, o consumo como um bem.

A expressão “sociedade do consumo” apareceu pela primeira vez nos anos 20 nos Estados Unidos e se popularizou durante os anos 50 e 60. Maldizer agora a sociedade de consumo resulta ser tão pesado como rançoso, mas na época era uma maneira jovem e anticapitalista de ser. Para José Luis Aranguren (Cuadernos para el Diálogo), o consumismo era “um reducionismo economicista da vida”, e para Jean Baudrillard, “constituía um sistema que se encontrava em estado de destruir as bases do ser humano” (A sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Elfos, 1995). Esta era a doutrina central.

Efetivamente, se os protagonistas do 68 apelavam para a criatividade, o prazer, o poder da imaginação, para uma libertação generalizada, faziam também um chamamento para acabar com a sociedade de consumo, que veio a ser depois, paradoxalmente, o mais criativo que cabia imaginar e o mais afinado com seus desejos de pecados sem penitência.

O paradoxo, portanto, era este: os pressupostos da revolução de 68 procediam da sociedade de consumo que crescia sob seus pés, mas seus líderes repudiavam com veemência o consumismo, sendo eles, por excelência, grandes consumistas: do tempo, do sexo, dos direitos, dos meios de comunicação de massa.

Como um bordado

De fato, tanto o Maio de 68 como o sistema geral de consumo são inconcebíveis sem a gigantesca explosão dos meios de comunicação de massa. A comunicação de massas e o consumo de massas, a festa e o contágio de 68 foram se cruzando numa copulação reprodutora. Daí que a revolta fora, por um lado, muito ampla, à maneira de uma endemia, e do outro, muito efêmera. Nascida e desenvolvida como um sucesso sensacionalista num jornal amarelo, por vermelho que parecesse.

Os meios de comunicação difundiram a nova visão da sociedade, da universidade, da psiquiatria, da família, da escola, da relação intersexual, dos direitos da mulher, e recriaram, com seu exercício, a composição de uma nova estampa.

Quarenta anos depois não vale a pena qualificar de sucesso o fracasso daquela subversão porque, simplesmente, suas vindicações se inscreveram na alma social como um bordado do mesmo fio. E tão naturalmente como corresponderia a um ritmo que se encaixa, e faz parte interna da melodia que soou mundialmente depois. A melodia do novo capitalismo de consumo que não pára de aumentar seu volume e sua difusão, com ou sem MP3.

A música foi, além disso, fundamental, um meio de comunicação potente que continuou até se tornar o hino genérico da juventude na moda. A moda, a moda jovem e a moda sem adjetivação ingressaram, por sua vez, no sistema como uma faceta a mais do ritmo dominante.

Antes dos anos 60, a moda era algo quase exclusivo da mulher, mas depois foi se fazendo espetáculo total. O feminino, contudo, foi importantíssimo, permeando o juvenil e subversivo como um ar essencial dos novos tempos.




Sem a mulher, em suma, não teria sido factível a festa do 68, e graças ao seu vigoroso movimento de libertação se emanciparam dois ou três sexos ao mesmo tempo. O seu, que funcionava como grande polícia dos bons costumes, e o sexo masculino, que obteve a inesperada franquia para intercambiar seus desejos com os de seus casais.

Aquela renúncia de usar sutiã foi literalmente a perda do sutiã. Enquanto elas tiravam de cima de si esta sujeição, facilitavam a passagem para uma relação sem os dolorosos freios inerentes às assimetrias.




Não houve tempo para culminar a grande idéia sexualista, mas quem duvida que se consumaram muitos cortejos? Boa parte da guerra de gerações de então procedia não tanto do choque maoísta com os pais, mas da incompatibilidade entre seus ditames sobre o sexo e o casamento e a teorética do amor livre.

Muitas ou todas as comunas fracassaram, e praticamente qualquer tentativa de trios à maneira de Jules e Jim provocaram neuroses; mas tanto Truffaut como nós, seus contemporâneos, não desperdiçamos a oportunidade para ensaiar.

Daí aquele tão conhecido “a imaginação ao poder”. Que imaginação? Que poder? Todo aquele que procedia de inaugurar excitadamente uma realidade transgressora, sonhada e revolucionária. O LSD, a cocaína, o haxixe, a droga em geral aureolava na gozação, e se foi, de um lado, uma complacência no prazer individual, foi, de outro, um sinal de ouro para assinalar o novo momento do valor.

Com a droga se obtinha gozo imediato, sem demora. Assim como acontecia com as aquisições a prazos ou com as hipotecas depois. Primeiramente, se acedia o bem, e mais tarde chegavam os efeitos secundários. Completamente o oposto da equação das gerações precedentes ao Maio de 68, que primeiro colocavam a abnegação, a economia, a espera, e mais tarde optavam pela devida compensação.

A inversão deste enunciado canônico, projetado em quase todos os âmbitos da realidade, decidiu o rumo da cultura. O capitalismo se salvou por seu inquestionável poder, mas, indubitavelmente, porque transformou sua personalidade.

Os autores do Maio de 68 não podem se considerar os criadores exclusivos desta transformação, posto que procedia sobretudo da dialética produtiva, mas foram aqueles que a tornaram visível e até vistosa quando mal havia começado.

Foram os grandes promotores do consumo, negando, entretanto, o consumo. Grandes promotores da revolução social sendo superindividualitas. Formidáveis aliados dos protestos da classe baixa quando, em sua maioria, procediam da classe alta ou média alta.

As contradições do Maio de 68 são tantas que tornam ainda mais brilhante a sua memória. De cada contradição brota uma faísca, e da reunião de todas elas, uma luminária que, se fracassou em seus objetivos políticos explícitos, triunfou categoricamente no deslize de suas intuições e emoções substanciais. Grande sucesso da feminidade, sem dúvida.

Genocídio no Tibet


17/3/2008

‘É um genocídio cultural e eu sozinho não posso estancá-lo’, afirma o Dalai Lama


“O senhor pode estancar as revoltas’, perguntam os jornalistas ao Dalai Lama em Dharamsala, na Índia.

Sério, Dalai Lama responde:

“Eu não tenho este poder. Trata-se de um movimento popular e eu me considero um servo, um porta-voz do meu povo. Além disso, eu sou totalmente a favor dos princípios da democracia, da liberdade de expressão, de pensamento. Não posso pedir às pessoas para fazer ou não fazer isto ou aquilo. O que fizerem ou queiram fazer, não sou o seu controlador”. A reportagem é do jornal Repubblica, 18-03-2008.





Ele não espera pela outra pergunta. Quer fazer compreender que nem por isso concorda com as violências.

“Na realidade, creio que todos sabem qual é a minha posição. Todos sabem que o meu princípio é a completa não violência, porque a violência é quase um suicídio. Mas, admita ou não o governo chinês, há um problema. A nação tibetana, a sua antiga cultura morre. Todos o sabem”. “Então eu peço – retoma – por favor, investiguem sozinhos, se possível o faça uma instituição respeitada de nível internacional, indague sobre o que aconteceu, sobre a situação e qual é a causa. Todos querem saber: Quem criou estes problemas agora?”

E novamente repete:

“Intencionalmente ou não, assistimos a uma forma de genocídio cultural. É um tipo de discriminação: os tibetanos, na sua terra, muitas vezes são cidadãos de segunda classe. Recentemente as autoridades locais pioraram a sua atitude para com o budismo tibetano. É uma situação muito negativa. Há restrições e a assim chamada “reeducação política” nos mosteiros...”.




E continua:

“Entre os tibetanos que vêm até aqui é crescido o ressentimento, inclusive alguns tibetanos comunistas, que trabalham em diversos departamentos e escritórios chineses. Ainda que sejam ideologicamente comunistas, eles levam no coração a causa do seu povo. Segundo estas pessoas, mais de 95% da população é muito, muito ressentida. Esta é a principal razão dos protestos, que reúnem monges, monjas, estudantes, pessoas comuns”.

E denuncia:

“Pequim confia na sua força para simular a paz, mas é uma paz criada com o terror. Isso acontece há cinqüenta anos e agora há uma nova geração, e também com ela eles têm a mesma atitude. Certamente que eles podem controlar o povo, mas não a sua mente”.

Quanto aos jogos olímpicos, Dalai Lama afirma:

“É a comunidade internacional que tem a responsabilidade moral de recordar à China de ser uma bom país hospitaleiro. Já disse que a China tem o direito de fazer os jogos e que o povo chinês tem a necessidade de sentir-se orgulhoso por isso”.