sexta-feira, 31 de julho de 2009

Energia: Sol da África para eletrificar a Europa ?


Doze companhias alemãs uniram-se para implementar o ambicioso plano de cobrir, até 2020, pelo menos 15% da demanda de eletricidade da Europa com usinas termosolares instaladas na África setentrional. Entre essas empresas signatárias da Iniciativa Industrial Desertec estão as maiores firmas alemãs em vários setores: bancário (Deutsche Bank), seguros (Muenchener Rueca), elétrico (E.on e RWE) e o gigante da eletrônica Siemens. Elas planejam investir cerca de 400 bilhões de euros (US$ 560 bilhões) em instalações e na modificação da matriz energética européia, de modo a permitir a chegada de eletricidade através do mar Mediterrâneo. As centrais termosolares também forneceriam energia para a África setentrional.

A reportagem é de Julio Godoy, da IPS e publicada pela Envolverde, 30-07-2009.

O plano responde a estudos realizados pelo Clube de Roma, uma organização independente dedicada ao fomento do desenvolvimento, e ao estatal Centro Aeroespacial Alemão. Na promoção e implementação do projeto teve papel fundamental a Fundação Desertec, integrada por personalidades da Europa, do Maghreb e do Oriente Médio, dedicada a desenvolver mecanismos sustentáveis de produção e fornecimento de energia para essas regiões. “Queremos lançar uma sociedade de risco compartilhado e criar planos concretos para a Desertec nos próximos dois ou três anos”, disse à IPS o diretor da Muenchener Rueck, Torsten Jeworreck.

“A energia solar limpa é o futuro da Siemens”, disse o gerente-geral da companhia, Peter Loescher, no mês passada em uma entrevista coletiva. “Nossa empresa, e toda a economia, será mais verde após encerrada” a atual crise econômica. A Siemens “participará ativamente” da Iniciativa Industrial Desertec, acrescento. “As catástrofes ambientais causadas pela mudança climática são, no longo prazo, um problema maior do que a atual crise financeira”, disse Jeworrek. “Nossas estatísticas sobre seguros das últimas décadas dizem que as catástrofes crescem entre 3% e 4% a cada ano”, acrescentou.

Estimativas de especialistas alemães em energia indicam que a eletricidade produzida na África setentrional poderia custar cerca de 0,06 euros por quilowatt/hora. Em outras fontes, o custo atual varia de 0,025 a 0,05 euros. “Praticamente, todos os especialistas concordam que o preço da eletricidade aumentará nos próximos anos”, disse à IPS Bernd Schuessler, da revista alemã Photon, especializada em energia. O Centro Aeroespacial Alemão e o Clube de Roma calcularam que um investimento de 400 bilhões de euros nos programas da Desertec podem conseguir a instalação de uma capacidade de produção elétrica de 100 gigawatts até 2050.

Esta relação entre custo e beneficio é extremamente vantajosa em relação, por exemplo, com a de Olkiluoto 3, uma central nuclear em construção na Finlândia que custará 5 bilhões de euros e terá capacidade de gerar 1,6 gigawatts. O custo não inclui o manejo dos lixo radioativo nem de outras dificuldades técnicas próprias dos reatores nucleares. O custo estimado das centrais termosolares noMaghreb inclui uma rede subterrânea de cabos de alto rendimento através do mar Mediterrâneo. “Em distancias de 500 ou 600 quilômetros, os cabos custam apenas entre 10% e 20% mais do que a rede aérea e não emitem radiação eletromagnética”, segundo o Centro Aeroespacial.

Especialistas e ativistas ambientalistas aplaudiram a iniciativa Desertec. “O projeto é uma das respostas mais inteligentes aos problemas ambientais e econômicos de nosso tempo”, disse à IPS Andree Boehling, especialista em energia do Greenpeace Internacional. “Ao que parece, uma parte importante do empresariado alemão se deu conta de que é hora de ampliar o uso das fontes renováveis de energia e de dizer adeus aos combustíveis fósseis e às centrais nucleares”, acrescentou. Segundo o ministro do Meio Ambiente da Alemanha, Signar Gabriel, o projeto é “uma excelente idéia, tanto por suas implicações na política energética européia quanto em seu caráter de programa de desenvolvimento para a África setentrional”.

As centrais termosolares, em uso comercial desde 1985, usam espelhos e lentes de aumento para concentrar a energia solar de modo a aumentar a temperatura da água em recipientes e produzir eletricidade com a passagem do vapor resultante através de turbinas. O calor residual do processo de produção de eletricidade “pode ser usado para retirar o sal da água marinha”, disse o Clube de Roma. “Se for produzida mais energia de origem solar do que a consumida durante o dia, o excedente pode ser armazenado em baterias e usado durante a noite”, acrescentou. “As turbinas também funcionam com gás natural, por isso podem fornecer eletricidade sem interrupção em períodos em que o clima não é propício” para produzir com a luz solar, afirma o estudo do Clube de Roma.

O projeto beneficiará as duas regiões, disse à IPS Franz Trieb, do Centro Aeroespacial. “Não será uma nova colonização energética do mundo árabe”, afirmou. “Pelo contrário, ajudará os Estados da África setentrional e do Oriente Médio a cobrir sua crescente demanda com recursos renováveis e próprios”. O projeto da Desertec não está livre de críticas. O legislador social-democrata alemão Hermann Schee, também presidente do Conselho Mundial para as Energias Renováveis, o considera “outro supérfluo gerado gigante”. Scheer prefere apoiar a instalação de usinas solares e eólicas de pequeno porte.

“O fator decisivo na avaliação econômica das fontes renováveis de energia não é a razão entre eletricidade produzida e intensidade da fonte, mas entre a produção e o investimento”, disse o legislador. Segundo Scheer, uma simples operação aritmética mostra que “uma rede descentralizada de pequenos geradores solares e eólicos é mais eficiente do que projetos maiores, devido ao menor custo do transporte da eletricidade” através dos cabos. Os já numerosos geradores solares de eletricidade instalados na Alemanha “podem competir com a energia solar do deserto do Saara. Neste país estamos a ponto de reduzir ainda mais os custos através da instalação de painéis solares em tetos e fachadas de edifícios”, acrescentou.

Desde outro ponto de vista, o projeto Desertec é “excessivamente caro”, segundo Lars Josefsson, gerente-geral da Vantenfall, uma das principais companhias de energia da Europa, e assessor da Organização das Nações Unidas e da chanceler alemã, Angela Merkel. Os custos do transporte da energia do Maghreb até a Europa através do Mediterrâneo “seriam muito elevados. Para mim, o projeto não é viável”, afirmou Josefsson.



Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=24403

quinta-feira, 30 de julho de 2009

A sobrevivência humana ameaçada



“Estamos vivendo uma crise de padrão civilizatório. Nossos modos de viver não são compatíveis com as possibilidades do planeta. É preciso então mudá-los. Não temos alternativa.”

A afirmação é de Washington Novaes (foto), jornalista e ambientalista, em palestra proferida no Conselho de Economia, Sociologia e Política da Federação do Comércio, Sesc e Senac de São Paulo, no dia 16 de abril de 2009.

Com o tema “Os limites da sustentabilidade no mundo atual", Washington Novaes discorreu sobre os desafios que se apresentam em tempos de mudanças velozes para a preservação do planeta Terra e das gerações futuras.

Reproduzimos na íntegra a palestra.

Estamos vivendo um novo tempo, porque já não se trata mais de cuidar apenas do meio ambiente. É bem mais do que isso: a questão é não ultrapassar limites que colocam em risco a própria vida. Para isso invoco as palavras de Kofi Annan, que durante mais de uma década foi secretário-geral da Organização das Nações Unidas [ONU], uma pessoa com muito conhecimento. Ele diz que hoje o problema central da humanidade está nas mudanças climáticas e na insustentabilidade dos padrões de produção e de consumo no mundo, porque já estão além da capacidade de reposição do planeta. Ele afirma que essas duas questões ameaçam a sobrevivência da espécie humana. É preciso prestar atenção nisso.

Vejamos a questão do clima. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas [IPCC, na sigla do nome em inglês], órgão científico da ONU para a Convenção do Clima, diz que as ações humanas já aumentaram a temperatura do planeta em quase 0,8 grau Celsius, e para evitar que o acréscimo vá além de 2 graus será preciso reduzir as atuais emissões em 80% até 2050. Elas, porém, continuam crescendo. Às vezes as pessoas estranham que um aumento de temperatura de 0,8 grau tenha efeitos tão graves, mas, sendo bastante simplistas, podemos dizer que a Terra é um organismo vivo e sabemos o que acontece no organismo humano quando a temperatura sobe um grau. É o início de um processo de febre que, se não for contido, terá sérias consequências. No planeta não é diferente.

O IPCC afirma ainda: se as emissões continuarem no ritmo atual, a temperatura poderá elevar-se em quase 6 graus neste século e o nível dos oceanos poderá subir até 88 centímetros, o que produzirá aumento de secas, inundações e outros desastres.

Há uma parte dos cientistas, pequena, que nega a validade dessas conclusões do IPCC, mas lembro que eles são minoria e se dividem em várias categorias, sendo muitos ligados a indústrias relacionadas com combustíveis fósseis, com petróleo, outros que são absolutamente céticos e outros ainda que dizem que realmente o planeta está se esquentando, vai se aquecer muito mais ainda, mas que isso é um processo do sistema planetário e não consequência de ações humanas.
As previsões do IPCC, porém, têm o consenso entre mais de 2,5 mil cientistas de quase 200 países. No último relatório do órgão, que é o quarto, somente se publicou o que foi objeto de consenso e com probabilidade acima de 90% de se confirmar. E os diagnósticos mais recentes mostram que talvez já estejamos adiante das previsões do IPCC, com o derretimento do gelo que se verifica nos polos e nas montanhas da Groenlândia.

A ameaça maior nessa área é o aquecimento do permafrost [solo formado por terra, rochas e gelo], uma camada que esconde uma quantidade imensa de metano, gás 23 vezes mais poluente que o carbono. Um dos últimos números da revista New Scientist publicou um trabalho aprofundado sobre isso, revelando que é alguma coisa assustadora. O estudo prevê que em 20 ou 30 anos talvez já não haja mais gelo no Ártico e que a camada de poluentes que pode ser liberada é 1,6 mil vezes maior do que a concentração que já está na atmosfera.

A cada ano cresce o número de vítimas dos desastres naturais. O último balanço referente a 2008 mostra que 200 milhões de pessoas no mundo foram atingidas por eles. O prejuízo causado por esses acidentes, calculado por um conglomerado de empresas da área de seguros, principalmente a Munich Health, chegou a US$ 200 bilhões em 2008.

E o Brasil já é o décimo primeiro país em número de vítimas. Tivemos furacão em Santa Catarina, tornados, inundações e outros eventos extremos. As emissões totais no mundo hoje estão acima de 25 bilhões de toneladas anuais em equivalente de carbono. A China passou a ser o maior emissor, seguida dos Estados Unidos. O Brasil, se forem utilizados também critérios de emissões de carbono e metano em função de desmatamento, mudanças no uso da terra e queimadas, é o quarto maior emissor. Em 1994, no primeiro e único inventário que o Brasil fez, apresentado apenas em 2004, as emissões atingiam mais de 1 bilhão de toneladas de dióxido de carbono e mais de 30 milhões de toneladas de metano.

Nicholas Stern


Recentemente esteve no Brasil Nicholas Stern, ex-economista chefe do Banco Mundial, que não é um cientista voltado para o meio ambiente mas fez um estudo sobre as mudanças climáticas a pedido do governo britânico. No programa Roda Viva, da TV Cultura, gravado em novembro de 2008, ele afirmou que as emissões brasileiras já estavam entre 11 e 12 toneladas anuais por habitante, o que significaria que dobraram em relação a 1994. Há um novo inventário brasileiro, que vem sendo adiado desde 2005, mas cuja apresentação está prevista para este ano. A peculiaridade é que quase três quartos das emissões brasileiras se devem a mudanças no uso do solo pela agropecuária, desmatamentos e queimadas, e que 59% dessas emissões acontecem na Amazônia. O restante ocorre principalmente no cerrado, embora não se fale disso.

O cerrado é uma espécie de primo pobre dos biomas brasileiros e por isso muitos pensam que ali se pode fazer tudo, desde que se preserve a Amazônia. Segundo o último estudo do Instituto Sociedade, População e Natureza [ISPN], junto com a Universidade de Brasília, o cerrado está perdendo 22 mil quilômetros quadrados por ano, uma barbaridade. Cerca de 50% de sua vegetação, que é irrecuperável, já se foi. A área de preservação obrigatória por lei é muito pequena e o avanço continua muito acentuado. E não se fala que uma grande parte das emissões brasileiras acontece nas áreas de cerrado.

Das emissões totais de metano no país, a maior parte se deve à pecuária e à agricultura. Um estudo da Embrapa Meio Ambiente mostra que cada boi emite 58 quilos de metano por ano com os seus arrotos e flatulências. Esse valor multiplicado por 205 milhões de cabeças significa mais de 10 milhões de toneladas desse gás, que vão equivaler a perto de 250 milhões de toneladas de carbono.

O problema, no rumo em que está, tende a se agravar no mundo, que não encontrou ainda soluções. A Agência Internacional de Energia mostra que o consumo de energia no planeta vai aumentar 71% até 2030. E 80% das emissões se devem à queima de combustíveis fósseis, principalmente para geração de energia. Os países industrializados consomem 51% da energia total, mas como eles têm uma população que não chega a 20% da mundial, cada habitante dos países ricos emite 11 vezes mais do que um habitante das nações mais pobres.

Diante desse quadro, não temos nem regras nem instituições capazes de impor mudanças de forma global, obrigatórias para todos os países, como deve ser. Nem o Protocolo de Kyoto, que previa uma redução de 5,2% nas emissões dos países industrializados, foi ainda cumprido. Os Estados Unidos não ratificaram o acordo, que é de 1997, bem como outros países. O prazo vai até dezembro de 2009, quando haverá uma nova reunião em Copenhague, para que se defina um novo acordo e se regulamente a Convenção do Clima.

Houve recentemente um encontro em Bonn mas não se conseguiu nenhum avanço importante. A Europa propunha reduzir 20% nas emissões dos industrializados até 2020 e se dispunha a chegar até 30% se houvesse acordo, que não aconteceu. O novo governo dos Estados Unidos propõe reduzir as emissões em 15% em relação ao que eram em 1990, que é a base do Protocolo de Kyoto, mas o Congresso americano não aprovou nada ainda.

Novas tecnologias

Há quem acredite que o caminho não será um acordo internacional e, sim, a adoção de novas tecnologias que permitam resolver a questão. A primeira delas, mais significante, seria o chamado sepultamento de carbono. Essa tecnologia permitiria capturar o carbono na fonte de emissão, principalmente nas usinas de produção de energia que queimam carvão mineral e gás, e colocá-lo no subsolo, em antigos campos de petróleo esgotados, ou no fundo do mar.

A ideia foi avaliada em princípio pelo Painel do Clima, que concluiu que tecnicamente é viável. Mas é preciso ver que consequências, geológicas e hidrológicas principalmente, sísmicas talvez, haverá no fundo da terra. E para a diversidade marinha. Os especialistas dizem que no mar será um desastre, porque na água não há como conter o carbono, que se espalhará e provocará não apenas aquecimento do oceano como praticamente a extinção da biodiversidade.

Outra possibilidade seriam as fontes de energia renováveis e limpas: energia solar, eólica, das marés e os biocombustíveis. A grande questão são os custos. Serão viáveis, competitivas em matéria de preço? Tudo dependerá dos fatores que entram ou não na questão. Por exemplo, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais [Inpe] de São José dos Campos, avalia que o potencial de energia eólica no Brasil é maior do que todo o consumo brasileiro de energia hoje. Alega-se, porém, que essa fonte não é permanente, pois há momentos de pausa nos ventos. Por essa razão, o sistema tem de ser ligado a outras fontes energéticas que possam supri-lo nos períodos de falta de vento.

Quanto à energia solar, há um estudo que mostra o seguinte: se um quarto da área do reservatório de Itaipu fosse ocupado com painéis solares, isso produziria tanta energia quanto a própria usina. Nesse caso, a questão é como armazenar essa energia. A tecnologia para a qual se caminha é de aquecimento de óleo, que depois seria aproveitado progressivamente. Mas aqui há também o problema dos custos. Nessa questão, os defensores da energia eólica e solar perguntam: quem coloca na conta da energia derivada dos combustíveis fósseis o custo da poluição do ar, ou dos gastos com a saúde? Ou ainda os de implantação e manutenção do sistema viário? Quem faz a conta dos desperdícios? Um automóvel, por exemplo, pode chegar a utilizar 90% da energia para transportar a si mesmo e não ao passageiro. E perde 70% sob a forma de calor, usando somente 30%.

O professor Adriano Murgel Branco mostrou recentemente que numa viagem por automóvel se consome 20 vezes mais energia que no mesmo trajeto por metrô. Então há muitas contas a fazer, e isso vai determinar o rumo das decisões. De qualquer forma parece inevitável que se caminhe realmente em direção a uma nova matriz de transportes e veículos menos poluentes, como aqueles híbridos, que queimam combustível somente para a partida e depois usam energia elétrica. Mas há o lado da indústria automobilística, cujo lucro por unidade de produto, se forem usados os veículos híbridos em lugar das supercaminhonetes, pode cair em até 15 vezes. Então há questões econômicas e comerciais a considerar.

Nos cenários possíveis, Nicholas Stern disse em 2006 que teríamos dez anos para enfrentar essa questão, ao custo de 1% do produto bruto mundial a cada ano. Isso significaria cerca de US$ 600 bilhões hoje. Ele afirmou: "Se não o fizermos, teremos a maior recessão de todos os tempos, poderemos perder 20% do produto bruto mundial". Em 2009, quando esteve em São Paulo, disse que foi muito otimista em 2006. Não tínhamos dez anos, o prazo era muito menor e o custo será muito maior, de 2% a 3% do produto bruto mundial a cada ano, o que significaria de US$ 1,2 trilhão a US$ 1,8 trilhão por ano.

A Agência Internacional de Energia [AIE] diz que serão necessários investimentos de US$ 15 trilhões em 15 anos em novas fontes de energia para chegar à emissão zero, mas que isso custará menos do que enfrentar as consequências. Convém lembrar que a AIE não é uma instituição de ambientalistas nem de pessoas que encaram a questão por esse ângulo, mas de técnicos em energia.

Há cenários para o Brasil, construídos pelo Inpe, que mostram o seguinte: no ritmo atual, a temperatura na Amazônia poderá subir até 6 graus e no centro-oeste até 4 graus até 2070. No semiárido poderá haver uma perda de até 20% dos recursos hídricos e os prejuízos para a agricultura serão progressivos. Eles já estão presentes, aliás, com as secas, inundações etc. Um dos exemplos mais mencionados no sul-sudeste é o deslocamento da cultura do café do estado de São Paulo e do norte do Paraná exatamente por causa do aumento médio da temperatura nessas áreas, que leva a uma queda precoce das flores e gera redução grave de produtividade. Por isso o café migrou quase todo para regiões mais altas de Minas Gerais e algumas outras, onde também se começam a enfrentar problemas de temperatura.

Há muita coisa ainda que poderia ser dita sobre o clima, principalmente o agravamento dos chamados eventos extremos, que temos visto recentemente em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo. A Amazônia e uma grande parte do nordeste estão sofrendo com o excesso de chuvas. Há poucos dias em Uauá, no sertão da Bahia, considerada uma espécie de capital da seca, choveu 250 milímetros em uma noite. São 250 litros de água por metro quadrado de solo.

Segundo os cientistas, há uma mudança evidente no formato das chuvas. Verificam-se cada vez menos aquelas chuvas miúdas e continuadas na estação das águas e temos os chamados eventos extremos, uma grande quantidade de água que cai num curto espaço de tempo, gerando problemas imensos. Recentemente em Blumenau (SC) em um dia choveu 819 milímetros, quase um metro cúbico de água por metro quadrado de solo em 24 horas, uma barbaridade. Esses acontecimentos são cada vez mais frequentes, o que vai exigir inclusive, embora pouco se fale disso, mudança de métodos construtivos em rodovias, pontes, aterros e inclusive áreas urbanas, porque esses sistemas foram calculados para outros tempos e não para os impactos que estamos sofrendo hoje.

Ecossistemas em colapso

A segunda questão mencionada por Kofi Annan são os padrões de produção e consumo. Segundo os relatórios do Pnuma [Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente], do WWF e de outros, já estamos consumindo mais de 25% além da capacidade de reposição da biosfera planetária. É um déficit que está aumentando de ano para ano. As previsões do Pnuma são de que em meio século a exigência humana sobre a natureza será duas vezes superior à capacidade de reposição da biosfera e é provável a exaustão dos ativos ecológicos, assim como o colapso dos ecossistemas em larga escala. Na verdade estamos nos comportando como uma família que consome mais do que seu orçamento permite – ela não tem essa disponibilidade e caminha para situações muito graves.

Essa pressão cada vez maior intensifica a desertificação no mundo, hoje já de cerca de 60 mil quilômetros quadrados a cada ano, agravando a crise da água e várias outras. A chamada pegada ecológica média é de 2,2 hectares por pessoa, quando a disponibilidade média é de 1,8 hectare. Não há essa disponibilidade. O Brasil tem uma situação relativamente privilegiada por causa de seu território e recursos, mas a pegada média brasileira é de 2,1 hectares por pessoa/ano, superior à disponibilidade média mundial.

Algumas das consequências desse uso excessivo são a perda de espécies tropicais e a degradação dos manguezais, em ritmo duas vezes superior ao das florestas. Continuamos a perder no mundo 12 mil quilômetros quadrados de florestas por ano. Na América do Sul a perda dos manguezais, que são o berço da vida no oceano, é mais grave que no restante do mundo e seu principal fator é a conversão de áreas para agricultura. Outro é a pesca excessiva, que já exauriu um quarto dos estoques pesqueiros mundiais.

Essa pressão leva também a problemas na área dos recursos hídricos, em que há uma alteração e retenção forte do fluxo fluvial para vários usos, industrial, para energia ou abastecimento humano. Mais de metade dos maiores sistemas fluviais no mundo já se fragmentaram e a quantidade de água armazenada em reservatórios é pelo menos três vezes maior do que a do fluxo fluvial superficial. Um estudo da Comissão Mundial de Barragens informa que só de barragens com mais de 15 metros de altura temos 45 mil no mundo e já há muitos grandes rios que não conseguem chegar ao final de seu curso primitivo, que seria o mar. Exemplo disso é o rio Amarelo, na China, e vários outros, como os que correm para o mar de Aral, na Ásia, e rios nos Estados Unidos também.

Isso se torna mais dramático ainda se observarmos que os países industrializados, com menos de 20% da população mundial, respondem por quase 80% do consumo dos recursos. Dizem os relatórios do PNUD [Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento] que se todas as pessoas consumissem como americanos, japoneses e europeus, teríamos necessidade de mais dois ou três planetas Terra para suprir os recursos. Então não é exagero dizer que estamos vivendo uma crise do padrão civilizatório.

Nossos modos de viver são incompatíveis com os recursos do planeta, mesmo com quase 1 bilhão de pessoas passando fome e 2,5 bilhões vivendo abaixo da linha da pobreza. Com o agravante de que até meados deste século, segundo os demógrafos da ONU, a população passará dos atuais 6,7 bilhões para 8,5 ou 9 bilhões de pessoas, embora a taxa de natalidade no mundo tenha baixado muito. O Brasil já tem uma taxa de nascimentos inferior ao que seria a chamada taxa de reposição, a substituição das pessoas que morrem.

Crescimento insustentável

O que se vai fazer diante desse quadro? Muitos dizem que a solução é crescimento econômico, é desenvolvimento. O biólogo americano Edward Wilson, que é considerado o maior especialista em biodiversidade no mundo, admite que o caminho seja esse. Vamos supor então que o crescimento do produto mundial seja de 3,5% ao ano. Seria modesto, mas não há recursos e serviços capazes de sustentá-lo. Será indispensável então praticar padrões de consumo que poupem recursos e não os desperdicem. Teremos de reformular as matrizes energéticas, de transportes, os métodos na agropecuária, os padrões de construção. E os fatores de custos ambientais terão de estar no centro e no início de todas as políticas públicas e planejamentos privados.

O Brasil terá de adotar uma estratégia que leve em conta mudanças climáticas e sustentabilidade na produção e no consumo. Temos uma posição privilegiada em matéria de recursos naturais, fator escasso de que o mundo mais precisa. Temos território continental, sol o ano todo para plantar, temos de 15% a 20% da biodiversidade global. Isso é um privilégio, porque daí é que virão os novos alimentos, medicamentos, materiais para substituir os que se esgotarem ou se inviabilizarem.

O biólogo Thomas Lovejoy calcula que só de medicamentos com base na biodiversidade das plantas se comercializam hoje no mundo mais de US$ 200 bilhões por ano. Temos de 12% a 13% do fluxo hídrico superficial num mundo carente desses recursos. Temos grandes aquíferos subterrâneos e a possibilidade de utilizar uma matriz energética limpa e renovável, com hidreletricidade, energia eólica, solar, energia das marés e os biocombustíveis.

Em 2006, a Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], junto com o WWF, publicou um estudo sobre a matriz energética brasileira, com estes dados: o país, se quiser, pode ganhar 30% da energia que consome hoje com programas de eficiência e conservação, como ocorreu em 2001 no apagão. Pode ganhar 10% com repotenciação de antigas usinas que estão com equipamentos ultrapassados, a um custo muito menor do que construir uma nova usina. E pode ganhar 10% reduzindo as perdas nas linhas de transmissão. Perdemos hoje de 15% a 17% de energia nessas linhas, enquanto no Japão esse índice é de apenas 1%.

As hidrelétricas produzem hoje 20% da energia mundial, mas há muita pressão da agropecuária em relação aos recursos hídricos. Um quilo de trigo requer entre 400 e 2 mil litros para ser produzido, um quilo de carne entre mil e 20 mil litros, carne bovina são 15 mil litros e de aves 4 mil litros. Se uma pessoa come um bife de 200 gramas de carne de boi no almoço e outro no jantar, consome perto de 3 mil litros de água por dia. Somando-se isso aos outros usos em casa de chuveiro, cozinha, descarga sanitária e àqueles fora de casa, não será exagero dizer que uma pessoa consome 4 mil litros de água por dia.



Isso alimenta o debate com os vegetarianos, que rejeitam o consumo de carne pelo ser humano. Mas há outros complicadores: produzir 1 litro de combustível verde exige 2,5 litros de água. Isso também começa a ser discutido, bem como outros problemas, como a contribuição do etanol para a chuva ácida, para a disseminação de nitrogênio. Um relatório recente da ONU diz o seguinte: chegam por ano aos oceanos cerca de 100 milhões de toneladas de nitrogênio, levadas pelos rios e recebidas das lavouras. Esse nitrogênio é a principal causa de eutrofização [aumento da quantidade de nutrientes, levando ao acúmulo de matéria orgânica em decomposição] da água, que forma algas e vegetação, prejudicando a biodiversidade. Os oceanos já têm hoje várias áreas mortas, algumas com até 70 mil quilômetros quadrados, como no Pacífico e no golfo do México.

Também começa a ser discutida a questão do metano na pecuária, já mencionada, e na produção de arroz irrigado por inundação, outra fonte de emissão desse gás. Há poucos dias surgiu uma notícia interessante: cientistas alemães conseguiram reduzir em 25% a produção de metano pelo gado bovino adicionando óleo de peixe na ração. Se isso se confirmar e for viável em larga escala, pode ser extremamente importante.



Água e saneamento


Esse é o quadro final. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, um ser humano precisa de 3 litros diários para beber e 3 mil litros para seus alimentos. Doenças veiculadas pela água são a segunda causa de morte de crianças com menos de 5 anos no mundo. São 4,2 mil por dia e 125 milhões de crianças vivem em casas sem água potável de boa qualidade. O problema do saneamento é dramático, 23% da população mundial não tem sequer instalações sanitárias e defeca ao ar livre. Se o saneamento fosse universalizado, as doenças diarreicas poderiam se reduzir em 32%. No Brasil, 80% das internações e das consultas pediátricas na rede pública se devem a doenças veiculadas pela água, principalmente infecções intestinais. Nos países em desenvolvimento esses males matam 1,7 milhão de pessoas por ano.

As propostas no Fórum Mundial da Água precisariam de votação unânime, como ocorre em todos os fóruns da ONU. Uma seria impedir a comercialização e a privatização da água, porque em muitos países onde isso acontece as populações mais pobres ficam sem água, e há nações na África onde esse problema é dramático, Mali, por exemplo. Outras: regras mais exigentes para a construção de barragens e água como direito constitucional. Houve uma discussão também sobre instituir a água como direito humano, o que não foi aprovado (o Brasil foi contra).

A delegação brasileira levou algumas propostas para Istambul: cobrar mais pelo uso dos que poluem mais, promover maior participação da sociedade na gestão e remunerar produtores agrícolas por serviços ambientais. Este último ponto tem como exemplo a cidade de Nova York, que estava com a capacidade de abastecimento de água esgotada e já em déficit. Fez um acordo com os produtores das margens dos mananciais para que deixassem de usar tanta água na irrigação e passou a pagá-los pela conservação das áreas para que ali se pudesse aumentar a captação. O acordo foi feito e deu muito resultado. No Brasil, o município mineiro de Extrema começou a fazer isso, remunerando os produtores por serviços ambientais.

Há um problema muito grave, do qual se fala pouco, que é o derretimento do gelo das montanhas, inclusive na América do Sul. Na Ásia certamente o efeito será dramático, isso já está acontecendo e são centenas de milhões de pessoas que dependem dessa fonte de água. Na América do Sul também já está ocorrendo nos Andes, e determinará menor acúmulo nas montanhas e um fluxo menor de água, inclusive para a bacia amazônica, que depende bastante dele.

Privilégio brasileiro

Vejamos o panorama brasileiro, com seus 12% a 13% da água superficial total do planeta, 182 mil metros cúbicos por segundo, fora os aquíferos subterrâneos. Mas a distribuição desse precioso líquido é muito desigual: 72% estão na Amazônia, o sudeste tem 6%, a bacia do São Francisco 1,7% e a do Paraíba do Sul 1,8%. O único estado brasileiro em situação crítica é Pernambuco, que utiliza para o abastecimento humano mais de 20% da disponibilidade, índice que é considerado como limite. O nordeste apresenta problemas muito peculiares, tem 70 mil açudes com 36 bilhões de metros cúbicos, mas essa água não é distribuída e tem altíssimo índice de evaporação, que pode chegar até a 70%.

Quanto ao saneamento, o IPEA [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] divulgou em fevereiro de 2009 estes números: 34,5 milhões não contam com rede de esgotos nas áreas urbanas. Se acrescentarmos a isso as pessoas que têm apenas fossas sépticas, vamos chegar perto de 50% da população brasileira, e quase 10% não dispõem de abastecimento doméstico de água. Há lugares onde a situação é dramática, como Belém, em que só 8% dos esgotos são coletados e 3% tratados. No país todo, quase 80% dos esgotos coletados não são tratados, e eles constituem o fator mais grave de poluição. Temos de lembrar também que mesmo nos pouco mais de 20% dos esgotos que são tratados no Brasil, a quase totalidade passa apenas por tratamento primário, que remove somente 50% da carga orgânica, sendo o restante despejado de volta nos rios e no mar.

Assim, os esgotos são a principal causa de poluição da água no Brasil, e nossos programas de saneamento estão muito atrasados. Prevê-se a universalização em 20 anos, a um custo de quase R$ 200 bilhões, se forem liberados de R$ 8 bilhões a R$ 9 bilhões por ano, o que não está acontecendo. E o governo federal acaba de devolver ao BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento] US$ 202 milhões destinados a financiamento nessa área, porque não foi capaz de apresentar projetos a tempo.

Outro problema grave é a perda média de água nas grandes cidades brasileiras. Furos e vazamentos nas redes são responsáveis pela perda de 45% do total. Em São Paulo, onde já se cuidou bastante disso, esse número foi reduzido para 28%, mas ainda é muita água, são quase 2 bilhões de litros que se esvaem a cada dia nos vazamentos. Recentemente "O Estado de S. Paulo" publicou que a Sabesp começa a testar equipamentos japoneses que permitem detectar furos e vazamentos na rede sem fazer escavações, que são caras e demoradas. Se isso se viabilizar, será um progresso enorme.

Outro avanço que houve em São Paulo foi a instalação de hidrômetros por unidade em edifícios. Quando a conta é coletiva, a pessoa não se sente estimulada a economizar água, porque o gasto se distribui por todos os apartamentos e não se reflete na conta individual. A separação estimula a economia. Outro avanço seria uma maior diferenciação das faixas de cobrança. Atualmente, salvo engano, há uma taxa para quem consome até 10 mil litros por mês, e a faixa seguinte já é de 30 mil litros. O consumidor que economiza 8 mil litros não ganha nenhum incentivo, continua com a mesma tarifa.

É preciso também avançar na questão da gestão por bacias hidrográficas, que é a solução mais recomendável. Até agora, porém, somente as bacias do Piracicaba, Capivari e Jundiaí, assim como a do Paraíba do Sul, cobram pelo uso. Um problema adicional é que o Tesouro Nacional contingencia uma grande parte dos recursos arrecadados com o pagamento pelo uso. Um diretor da Agência Nacional de Águas [ANA] me informou que o Tesouro retém, por esse caminho, mais do que todos os recursos que o governo federal coloca na ANA.

Outro problema é que, segundo a lei da política nacional de recursos hídricos, não se cobra das hidrelétricas pelo uso da água. Foi permitido que considerassem pagamento pelo uso da água o ressarcimento que fazem aos municípios pela inundação, que é outra coisa. Isso é dano ambiental, não é pagamento pelo uso.

Há necessidade urgente de disciplinar o uso de água pelos pivôs centrais de irrigação, que em média desperdiçam mais de 50% do líquido que retiram dos aquíferos, além de outros problemas. Como a água cai de grande altura, há um nível de evaporação muito alto e a queda produz impacto no solo que leva à compactação e também à erosão, carreando para os rios sedimentos e agrotóxicos. Também seria importante uma expansão das redes de coleta de esgotos, com sistema de ramais condominiais, que são muito mais baratos. Ao contrário do que ocorre no sistema tradicional, em que a empresa coloca aquelas manilhas gigantescas em volta de toda a quadra para implantar o esgoto, no sistema condominial faz-se apenas um ramal no meio da quadra e ligam-se as casas por ali. A economia é de 50% a 30% e é muito alta. Brasília é a cidade que mais fez isso e é provavelmente a de melhores condições sanitárias do país. Coleta e trata todos os esgotos que recebe, e a maior parte por ramais condominiais.

Mudanças velozes

Outras possibilidades seriam reciclagem e reúso de água, principalmente nas indústrias, e a retenção de água de chuva para certos usos, que deveria ser obrigatória em todos os imóveis. Essa água serve para descarga sanitária, lavagem de quintais e jardins, rega de plantas, todas essas coisas. Mesmo que não seja usada, a retenção nas zonas urbanas diminuiria o volume de água na hora das chuvas fortes, reduzindo as inundações. Há muitas cidades onde já existe legislação a respeito, mas não se cumpre.

São necessários também equipamentos sanitários mais eficientes. Ainda temos dispositivos que gastam 20 litros por descarga, o que pode ser feito com 3 litros ou 4, ou até a vácuo, sem usar água nenhuma, como o Japão faz.

Precisamos cuidar dessas coisas porque temos obrigações com as futuras gerações. Cabe-nos legar a elas um mundo sustentável e a água é um dos primeiros fatores. Na Cúpula Mundial do Desenvolvimento Sustentável, em 2002, em Johannesburgo, Jacques Chirac, presidente da França na época, fez um levantamento de grande parte dos problemas mencionados aqui e terminou em tom dramático, afirmando o seguinte: "As futuras gerações vão nos cobrar. Elas vão dizer: “Vocês sabiam de tudo e não fizeram nada". Acrescento que é preciso lembrar que vivemos em tempos de mudanças muito velozes. O que antes levava um século para acontecer hoje ocorre em uma década, o que demorava uma década leva um ano. Quem não correr será atropelado pelos tempos, porque a velocidade da informação é cada vez maior.

É esse o quadro que está diante de nós. Ao me perguntarem, quando falo sobre isso, se sou otimista ou pessimista, digo que não faz a menor diferença. Temos obrigação de ser realistas e de trabalhar para que tudo mude para melhor.

Essa é nossa função como seres humanos.




segunda-feira, 27 de julho de 2009

Não, não vou falar de gripe suína


Por: Marcio de Almeida Bueno


Vou ter o prazer de não falar sobre gripe suína. Vou me abster de debater o assunto da moda, o tema das rodinhas que se formam à saída dos restaurantes, onde os grupinhos assopram seus cafezinhos e aguardam os colegas de trabalho que ainda não pagaram seus almoços. Vou fugir da pauta de todos os veículos que embaralham ‘OMS’, ‘gripe suína’, ‘porcos’, ‘influenza’, ’suspeita’ e ‘novos casos’ em suas manchetes, ao lado das notícias sobre futebol e a foto de alguma beldade com novo namorado a tiracolo, ou vice-versa.

Vou manter silêncio hermético sobre uma questão que gerou reações tão díspares como a mudança do nome da doença - alguém aí se lembrou daquela piada do corno que tirou o sofá da sala? - e o corre-corre de parlamentares da bancada pecuarista, suando frio durante as entrevistas para não fazer feio nem desagradar quem lhe marca o lombo com ferro em brasa de quatro em quatro anos.



Não vou dizer nada sobre uma prática econômica que gera toneladas de cocô líquido e incrivelmente fedido para cada salaminho delicioso servido nos coquetéis de lançamentos de livros, exposições de artes e noites de confrarias, com médicos e empresários bem-sucedidos, e esposas com permanente no cabelo.

Não vou tecer comentários sobre o ato de roubar a liberdade, forçar a procriação e enjaular durante toda a vida animais sencientes como os porcos, confiná-los no concreto e metal, sem ar fresco, terra, lama, chuva ou Sol, fazê-los inchar - o termo é ‘produtividade’, nas publicações paga-pau do setor - e então enviá-los para o abatedouro, local que apropriadamente não possui janelas.

Não vou palpitar a respeito da criação intensiva de um animal para satisfazer o capricho culinário de uma ínfima parcela da população, contaminando riachos próximos dos chamados chiqueirões, desperdiçando água na limpeza das instalações, consumindo energia, derrubando florestas para dar lugar às plantações para produzir ração.

Vou ignorar o fato de que um porco passa sua vida inteira sem poder se mexer muito, já que seu casco não foi feito para andar sobre o estrado, e no concreto não é possível fuçar, ato natural de sua espécie - alguns ainda ganham um ‘piercing’ no focinho, para que desistam de vez dessa atividade, pois incomoda.

Vou esquecer que as fêmeas vivem imobilizadas, pois durante o período de gestação as instalações servem para deixá-las paradas - o medo do suinocultor é que elas rolem por cima de algum filhote, o que significa menos lucro, e mais grades de ferro por precaução.

Não direi que, independente do especismo e da ausência de ética, basta uma visita a uma criação tradicional de suínos, seguida de uma inspirada funda, daquelas que enche bem os pulmões, para perceber que fazer daquilo o seu alimento, mais tarde, é roleta russa.

Não se preocupe. Palavra alguma.


Fonte: http://www.anda.jor.br/?p=1006

segunda-feira, 13 de julho de 2009

A 'Fortaleza' mostra suas garras

Ativistas criticam dupla moral da política de imigração europeia

Para conter o grande número de imigrantes ilegais africanos, UE financiou construção de centros de refugiados na Líbia. Tais instalações são bastante controversas. Trata-se de uma política de dupla moral?

Segundo a Anistia Internacional (AI), nos últimos 20 anos, mais de 9 mil pessoas morreram ao tentar entrar na Europa ilegalmente através do Mar Mediterrâneo ou do Oceano Atlântico. É provável, no entanto, que a triste cifra seja bem mais elevada. Por esse motivo, a União Europeia (UE) tenta cada vez mais transferir o controle de suas fronteiras externas para o continente africano.

Há poucas semanas, mais de 200 refugiados se afogaram na costa da Líbia. Não foi a primeira vez que pessoas perderam a vida na tentativa de chegar ao Velho Continente. Na opinião do alemão Christopher Hein, diretor do Conselho Italiano dos Refugiados (CIR), tragédias como essa deverão se repetir.

Hein sublinha que, se essas pessoas tivessem a possibilidade de entrar na Europa de forma legal e protegida, pudessem obter um visto de entrada ou pedir asilo já em países de trânsito como a Líbia, tais catástrofes não ocorreriam.

Realidade de maltrato e arbitrariedade

Para evitar a travessia mortal, a UE construiu há poucos anos centros para refugiados na Líbia. A nação norte-africana é considerada o principal país de trânsito de refugiados e migrantes ilegais, provenientes principalmente da África subsaariana.

Estima-se que entre 1,5 milhão a 2 milhões de imigrantes ilegais vivam na Líbia, a maioria dos quais pretendia chegar à Europa. Os "centros de acolhimento" – como os políticos europeus gostam de denominá-los – serviriam para ajudar a organizar melhor a imigração. Refugiados africanos que conseguiram escapar e chegar à Itália descrevem, todavia, uma realidade de maltrato e arbitrariedade bem distante da ideia de "acolhida".

Para Hein, tais centros são absolutamente necessários. Mas o diretor do CIR acrescenta que tudo dependeria de sua organização e direção, como também das liberdades, garantias e direitos das pessoas nessas instalações, sem esquecer a perspectiva de quando os refugiados poderão deixá-las.

"Fortaleza Europa"

O ativista de direitos humanos conheceu pessoalmente alguns centros de refugiados em Musrata, no norte líbio, porém não visitou as instalações presumivelmente bem piores, no sul do país, perto da fronteira com os países saarianos Sudão, República do Níger, e Chade. "Mas conhecemos relatos de pessoas que lá estiveram e de alguma maneira escaparam. As condições ali são realmente preocupantes", comenta.

A organização de refugiados Fortress Europe (Fortaleza Europa), descreve condições inumanas em centros no deserto, como em Al Kufrah, no sudeste da Líbia. Segundo a instituição, esse centro foi construído com verbas italianas. No total, cerca de 60 mil pessoas estariam confinadas em instalações de imigrantes ilegais na Líbia.

Migrantes e refugiados africanos longe da Europa

A princípio a ideia de construção dos campos partiu dos britânicos. Após resistência inicial de alguns países da UE, inclusive da Alemanha, o antigo ministro alemão do Interior, Otto Schily, sugeriu em 2004 a instalação de centros de refugiados no norte da Líbia. Ali deveriam ser avaliados os pedidos de asilo em países da União Europeia.

Para Mohamed Ammarti, especialista marroquino em questões sobre refugiados e migração, esses centros foram instalados no contexto da política européia de imigração e refugiados para acirrar o controle das fronteiras externas da UE. Trata-se de medidas arbitrárias para manter longe da Europa migrantes e refugiados africanos indesejados, explicou o especialista.

Para ele, a Europa estaria se desenvolvendo cada vez mais na direção de uma fortaleza de difícil ingresso por meios legais.

Fronteiras até o Saara

Até hoje, a Líbia é, de fato, o único país da África do Norte a aprovar a instalação de centros de refugiados em seu território. Outros países de trânsito, como o Marrocos, por exemplo, rejeitaram a proposta. Depois que o embargo da UE contra a Líbia foi suspenso, em 2004, foram instalados ali entre três a oito centros de refugiados, em poucos anos.

Ammarti acusa a UE de transferir o problema dos migrantes e refugiados ilegais para o Norte africano. Segundo o ativista de direitos humanos, com a instalação dos centros na Líbia os europeus apenas tentaram contornar a pressão das organizações de direitos humanos e da opinião pública.

O marroquino chama a atenção para o fato de a Líbia não ter assinado a Convenção de Genebra relativa ao estatuto dos refugiados. Em sua opinião, a "Fortaleza Europa" estaria ampliando suas fronteiras até o Saara.



Autor: Chamselassil Ayari
Revisão. Augusto Valente




Fonte: http://www.dw-world.de/dw/article/0,,4190553,00.html


Veja ainda, neste Blog:


Criminalização do Outro

Fortaleza Europa

Blog Subtopia





terça-feira, 7 de julho de 2009

A nova macroeconomia do anti-consumo


Onde há fumaça há fogo


"Para que a prosperidade das sociedades humanas respeite seus limites ecológicos, o futuro exigirá uma estabilização do consumo. E esta é a questão central: há macroeconomia que não seja essencialmente baseada no aumento incessante do consumo?", pergunta José Eli da Veiga, professor titular da Faculdade de Economia (FEA) e orientador do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo, em artigo publicado no jornal Valor, 07-07-2009.

Segundo o economista, "não poderá haver efetiva mudança da contabilidade social sem que surja antes, ou simultaneamente, sua correspondente teoria macroeconômica".

Eis o artigo.

Estão à vista dois significativos sinais de fumaça sobre o que poderá ser a renovação do pensamento econômico no Século XXI. Principalmente o relatório "Prosperidade sem crescimento?", da Comissão de Desenvolvimento Sustentável do governo britânico, lançado no início de abril, às vésperas da cúpula londrina do G-20. Mas também o rascunho das conclusões da comissão criada pelo presidente francês Nicolas Sarkozy com a missão de propor novas maneiras de medir desempenho econômico e progresso social, em consulta pública desde o início de junho.

Embora suas mensagens não cheguem a ser convergentes, esse par de relatórios ilumina alguns dos mais sérios problemas da ciência econômica. O primeiro se contrapõe ao próprio alicerce da teoria macroeconômica, enquanto o segundo mostra as incongruências do sistema de contabilidade nacional que dela emergiu. Certo, nenhum dos dois traz propostas que já tirem o sono de especialistas das duas áreas. Ao contrário, enfatizam as barreiras epistemológicas e empíricas que ainda precisarão ser ultrapassadas para que possam surgir uma macroeconomia e uma contabilidade adequadas ao desenvolvimento sustentável. Todavia, como diz o velho ditado, onde há fumaça há fogo.

A argumentação do relatório britânico parte da constatação de que o crescimento econômico piora a depleção ecossistêmica absoluta, mesmo quando o consumo de energia e matéria aumenta menos que o produto. Em outras palavras, que não é absoluto o chamado descolamento entre uso de recursos naturais e expansão produtiva, por mais intenso que ele possa ser em termos relativos. Então, para que a prosperidade das sociedades humanas respeite seus limites ecológicos, o futuro exigirá uma estabilização do consumo. E esta é a questão central: há macroeconomia que não seja essencialmente baseada no aumento incessante do consumo?

A única resposta positiva a tal pergunta foi dada por um modelo que simulou quatro cenários básicos em que a economia canadense reduziria gradualmente suas taxas de aumento do PIB para atingir, após dois decênios, uma situação sem crescimento (no growth). Situação semelhante àquela que os clássicos haviam chamado de "condição estacionária", e que Herman E. Daly preferiu chamar de "condição estável" (steady state), embora nenhum desses dois rótulos realmente corresponda à ideia de uma sociedade que prospera sem que sua economia aumente, âmago da pesquisa de Peter Victor "Managing Without Growth - Slower by design, not disaster" (Ed. Edward Elger: 2008).

Nos quatro cenários caem pela metade os níveis de desemprego, de pobreza e da relação dívida/PIB. O que varia é o volume de emissões de gases estufa. Sem taxação do carbono, esse volume aumentaria 30% se houvesse mais ênfase em investimento do que em comércio internacional, e 14% na hipótese inversa, com mais comércio e menos investimento. Com carbono tributado, essas elevações se transformariam em quedas de 22% e 31% respectivamente. O que permite inferir que a prosperidade sem crescimento poderia ser um objetivo de médio prazo para os vinte e poucos países centrais que já atingiram padrões de vida comparáveis ao do Canadá.

Claro, não será uma única pesquisa que poderá reduzir a inércia de convicções macroeconômicas consolidadas ao longo dos últimos 70 anos. O que também se aplica às conclusões ainda provisórias e incompletas da Comissão SSF (Stiglitz-Sen-Fitoussi), embora sejam bem menos subversivas do que a proposta de que as nações mais avançadas já procurem prosperar sem crescer. O rascunho rejeita o PIB como agulha magnética da bússola social, mas pretende ser pragmático.

Primeiro propõe cinco providências simultâneas:

a) usar outros indicadores bem estabelecidos na contabilidade nacional, principalmente a Renda Líquida Nacional Disponível em termos reais;

b) melhorar a aferição empírica de atividades-chave, como é o caso dos serviços de saúde e de educação;

c) adotar a perspectiva domiciliar, mais pertinente para padrões de vida;

d) adicionar informação sobre a distribuição de renda e de riqueza aos dados sobre suas evoluções médias; e

e) ampliar o escopo para incluir atividades que ocorrem fora dos mercados, por mais árduo que possa ser o trabalho de lhes imputar valores monetários.

Seguir esses cinco caminhos melhoraria muito a avaliação do desempenho econômico das nações, mas quase nada diria sobre a qualidade de vida que desfrutam suas populações. Para isso, a Comissão SSF reconhece a importância de medidas de caráter subjetivo, mas se inclina pela inevitabilidade de oito critérios objetivos: 1) saúde; 2) educação; 3) condições de trabalho e de vida; 4) influência política e governança; 5) conexões sociais; 6) condições ambientais; 7) insegurança pessoal, com destaques para criminalidade, acidentes e desastres naturais; 8) insegurança econômica, com destaques para desemprego, seguro-saúde, aposentadoria e pensões.

E como não é mais possível que a melhoria da qualidade de vida ignore seus limites ecológicos, a comissão apresentará em seu relatório final um enxuto painel integrado de indicadores (micro-dashboard) capaz de avaliar o excesso de pressão sobre os recursos naturais. Será uma medida ampla de riqueza baseada em estoques, na linha da "poupança genuína", ou "poupança líquida ajustada", proposta no relatório do Banco Mundial "Where is the Wealth of Nations" (2006).

É duvidoso que sejam essas as opções que orientarão o processo que inevitavelmente levará a razoáveis mensurações consorciadas do desenvolvimento e da sustentabilidade ambiental. Mesmo assim, já são suficientes para que se constate a precariedade do PIB e do IDH, além de ressaltarem a ausência de algum indicador legitimado de sustentabilidade ambiental. De resto, não poderá haver efetiva mudança da contabilidade social sem que surja antes, ou simultaneamente, sua correspondente teoria macroeconômica.



sexta-feira, 3 de julho de 2009

Criminalização do Outro


Itália endurece leis contra imigração e cria patrulhas civis de vigilância


O Parlamento da Itália aprovou ontem um controvertido pacote de medidas propostas pelo governo do premiê Silvio Berlusconi para reforçar o combate à imigração ilegal. Entre os artigos mais polêmicos está um que transforma em crime a imigração clandestina e outro que legaliza as patrulhas noturnas comandadas por civis para controlar a segurança nas ruas.

A notícia é do jornal O Estado de S. Paulo e La Repubblica, 03-07-2009.

O projeto - apresentado pelo partido de tendência xenófoba Liga Norte - já havia passado em maio pela Câmara de Deputados e foi aprovado pelo Senado com 157 votos a favor, 124 contra e 3 abstenções. "Queremos dizer a todos os cidadãos que o governo está agindo para garantir a segurança", afirmou o ministro do Interior, Roberto Maroni, autor da legislação.

A iniciativa foi duramente condenada pela oposição, por organizações de defesa dos direitos humanos e pela Igreja Católica. Durante uma discussão acalorada no Senado, legisladores de esquerda acusaram o governo de violar os direitos dos imigrantes e afirmaram que as patrulhas civis correm o risco de se transformar em grupos de vigilantes que fazem as leis com as próprias mãos. As chamadas "rondas cidadãs", que já estão em funcionamento há alguns meses no norte da Itália, serão formadas por voluntários que, a princípio, não poderão andar armados. O controle dessas patrulhas ficará sob a responsabilidade dos prefeitos de cada cidade.

Segundo o novo pacote de leis, imigrantes ilegais podem ser punidos com multas entre 5 mil e 10 mil. Com a nova lei, também se amplia para até seis meses o tempo de retenção dos que não têm documentos - antes, o período era de 60 dias.

Além disso, uma taxa entre 80 e 200 terá de ser paga para aqueles que solicitarem permissão de trabalho, assim como o pagamento de 200 no caso de imigrantes que obtenham a nacionalidade italiana.

Os proprietários de imóveis que alugarem casas ou oferecerem residência para ilegais também poderão receber penas de 6 meses a 3 anos de prisão.

O Vaticano criticou o pacote, afirmando que são leis que trarão "muita dor e dificuldade". "(As leis) não levam em conta os direitos humanos fundamentais", disse o arcebispo Agostino Marchetto, da Pastoral dos Imigrantes.

Entidades de direitos civis acreditam que as medidas podem fazer com que imigrantes deixem de procurar tratamento médico em hospitais ou de matricular seus filhos em escolas, temendo ser denunciados. Os estrangeiros residentes na Itália constituem 5% da população - algo em torno de 3 milhões -, segundo dados oficiais de 2007.

Segundo a Conferência Episcopal Italiana - CEI -, trata-se de "uma lei que criminaliza e sataniza tantos e tantos estrangeiros que vêm aqui somente para serem ajudados", informa o jornal La Repubblica.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

A culpa dos inocentes


"Nos mandatos republicanos de Reagan e de Bush father & sons a promiscuidade era escancarada: difícil dizer se estávamos diante de um governo eleito ou de um escritório de corretagem", constata Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, em artigo publicado no jornal Valor, 31-03-2009.

No entanto, continua Belluzzo, "os ex-presidentes republicanos não eram exceções: o democrata Clinton protagonizou a façanha de impor os interesses da alta finança americana em todo o mundo, com o aplauso e o apoio entusiasmado dos endinheirados do planeta.Por essas e outras, William Greider, o editor de economia da revista americana "The Nation" pegou no nervo: a crise de "credibilidade" que ora derruba os mercados e trava o crédito não é fruto de malfeitorias isoladas, mas o resultado lógico do contubérnio entre governos cúmplices e negócios espertos".

Eis um trecho do artigo.

Na terça-feira, 17 de março, a Rosekranz Foundation promoveu, em Nova York, um debate denominado "Blame Washington more than Wall Street for the Financial Crisis". Como o leitor há de perceber, a forma de apresentação do tema já aponta o dedo indicador para os senhores de Washington - aí incluídos o Federal Reserve, o Congresso e o Executivo. Seriam eles os "culpados" pela construção do castelo de cartas que começou a desabar em meados de 2007?

Participaram do conclave, entre outros, o historiador de Harvard Niall Ferguson, o economista Nouriel Roubini, o jornalista do New York Times Alex Berenson e Byron Wien, ex-executivo do Morgan Stanley. A audiência, formada por 700 cidadãos nova-iorquinos, votou antes e depois do debate. No primeiro escrutínio, Washington bateu Wall Street com 42% dos votos contra 30% e 28% de indecisos. No segundo, a coisa piorou para Washington. A culpabilidade do governo foi atestada por 60% dos votos.

O jornalista Alex Berenson discordou da forma pela qual o tema foi apresentado: "Washington-versus-Wall Street é uma falsa dicotomia porque os bancos tornaram-se tão poderosos na esfera financeira que disseram a Washington: se a regulamentação for restritiva, vamos cair fora, criar empregos no exterior e não haverá regulamentação sobre o nada".


(...)

Ao enclausurar as razões da crise na tola dicotomia Washington versus Wall Street, o debate promovido pela Rozenkraz é um exemplo do retrocesso da consciência humana para formas de expressão que o filósofo vietnamita Tran Duc Tao chamou de sincréticas ("nenê sofá sentado").

As formas sincréticas antecedem, na gênese da consciência, a frase capaz de conectar sujeito, verbo e predicado e dar sentido aos substantivos diferenciados. Há quem afirme, como Hanna Arendt, que a degeneração da sociedade dos indivíduos na sociedade de massas produziu a degradação das formas de compreensão do mundo mais abrangentes, próprias da primeira modernidade. As simplificações agressivamente binárias e retrógradas são típicas do pensamento midiático e "internético" contemporâneos, uma forma de dominação eficaz que espezinha o projeto de autonomia do cidadão.


Roleta Genética




Abaixo reproduzo duas matérias extraídas do excelente Blog Orgânicos do Brasil:

O Livro Roleta Genética, de Jeffrey M. Smith foi lançado no Brasil


O livro Roleta Genética, do autor Jeffrey M. Smith foi lançado no Brasil, na semana do dia 7 a 14 de maio, em uma série de debates e palestras sobre os riscos dos OGM - Organismos Geneticamente Modificados.

Em Roleta Genética - seu segundo livro sobre os riscos dos "OGMs" - Jeffrey M. Smith revela documentos com informações, pouco ou não divulgadas, sobre testes de segurança de transgênicos, que revelam como as mais poderosas companhias de agrobiotecnologia do mundo blefam e enganam os críticos, o Congresso e o FDA, sobre a pesquisa de segurança de alimentos dos produtos que os consumidores compram diariamente.

Quem organizou as palestras e a visita de Jeffrey Smith foi a ONG Ética da Terra (http://www.eticadaterra.com/).


Comentários Sobre o autor



Autor Internacional bestselling, Jeffrey M. Smith é um porta-voz líder sobre os perigos à saúde causados pelos transgênicos ou organismos geneticamente modificados. Sua pesquisa respeitada globalmente e seu estilo magnético de comunicação capturaram a atenção do público em 2003, com seu primeiro livro sobre os sérios, mas ainda desconhecidos efeitos colaterais dos alimentos transgênicos, Seeds of Deception.

O livro tornou-se o mais vendido no mundo sobre os riscos à saúde dos OGMs e é creditado como motivador de mudanças nos hábitos de compra de consumidores por alimentos mais seguros, não OGMs. Em Roleta Genética, Jeffrey M. Smith revela documentos com informações, pouco ou não divulgadas, sobre testes de segurança de transgênicos, que certamente provocarão fortes emoções no leitor.

Roleta Genética mostra como as mais poderosas companhias de agrobiotecnologia do mundo blefam e enganam os críticos, o Congresso e o FDA, sobre a pesquisa de segurança de alimentos dos produtos que os norte-americanos compram diariamente. No Brasil, varias marcas de óleo de soja são feitas a partir de grãos transgênicos e estão presentes em nossos restaurantes.

Jeffrey Smith tem assessorado líderes mundiais em todos os continentes, influenciando as primeiras leis estaduais regulamentando OGMs, e está reunindo lideranças para a campanha The Campaign for Healthier Eating in America, um movimento revolucionário da indústria e de consumidores para remover todos os transgênicos da indústria de alimentos naturais.

Reconhecido como palestrante principal, já realizou palestras em 25 países e foi citado por lideranças governamentais e centenas de veículos de mídia de todo o globo, incluindo, The New York Times, Washington Post, BBC WorldService, Nature, The Independent, Daily Telegraph, New Scientist, TheTimes (Londres), Associated Press, Reuters News Service e Genetic Engineering News. Jeffrey Smith dirige The Campaign for Healthier Eating in America, doInstitute for Responsible Technology, onde é diretor executivo. É também, produtor de uma série de vídeo documentários, The GMO Trilogy,e escreve uma coluna mensal internacional, a Spilling the Beans.

O Institute for Responsible Technology
http://www.responsibletechology.org é uma organização sem fins lucrativos dedicada à educação pública, trabalha com cientistas e cidadãos responsáveis de todo o mundo, nas principais iniciativas públicas voltadas à divulgação de principais com cientistas e cidadãosresponsáveis de todo o mundo para trazer informações sobre os perigosdos OGMs.

Antes de fundar o Instituto, Jeffrey Smith era vice-presidente de comunicação com o mercado de um laboratório de detecção de OGMs e um consultor para grupos industriais e organizações líderes. Jeffrey Smith escreve extensivamente sobre o assunto OGM há mais de uma década.


Transgênicos Monsanto ameaçam o mundo

Monsanto, a maior empresa de biotecnologia e agricultura é produtora de sementes geneticamente modificadas.

As sementes Monsanto são alteradas para suportar os efeitos danosos do herbicida Monsanto: Roundup, que dá a companhia US$ 620Milhões/ano e provê 40% de seu lucro operacional.(1)

Inicialmente, fazendeiros de todo o mundo acrecitaram que sementes geneticamente modificadas fossem boas para a agricultura moderna, usando Roundup, eles podiam eliminar milhares de ervas "daninhas" enquando nada acontecia à colheita.

Antes que os fazendeiros comprem as sementes resistentes ao Roundup, eles são obrigados a assinar um acordo de tecnologia que permite à Monsanto executar investigações e definir "que direitos um fazendeiro tem e não tem em plantar, colher e vender sementes modificadas genéticamente".(2)

Isso é ultrajante, mas a Monsanto seguiu adiante pois suas sementes são patenteadas. De acordo com eles, é violaçãodas patentes guardar sementes de colheitas sadias e replantá-las no futuro, ou seja, a Monsanto força os fazendeiros a comprar suas sementes todo ano. De acordo com o Center for Food Safety- CFS(2), o acordo de tecnologia assinado levou a Monsanto a processar agressivamente milhares de fazendeiros que tenham violado a patente das sementes.

O fazendeiro deve pagar multa contratual ou ir para a justiça. O CFS afirma que a Monsanto já recolheu mais de US$ 15 MILHÕES só em processos a seu favor(2). Mesmo fazendeiros que nunca compraram sementes Monsanto nem nunca assinaram qualquer acordo com a mesma são alvo dos processos. Se o polen de uma plantação de sementes Monsanto polinizar um campo geneticamente não modificado ou outra fazenda que resulte em plantas viáveis,o fazendeiro é responsável segundo as leis americanas de violação de patente, MESMO QUE NÃO QUEIRA SEMENTES GENETICAMENTE MODIFICADAS EM SUA FAZENDA.

A Monsanto tem sido tãobem sucedida em processos para dominar o suprimento de alimentos no mundo que estão prontos para dar o grande salto. Em 14 de Abril de 2009,a companhia processou o Governo da Alemanha por recusar usar sua semente de milho (3)!!!!

Embora o milho Monsanto tenha sido permitido na Alemanha desde 2005, a ministra da agricultura Ilse Aigner interrompeu planos da plantação de 8892 acres para a colheita do verão.
Aigner afirma ter tido razões legítimas para acreditar que o milho seria um perigo ao meio ambiente.

As leis da União Européia permitem que países membros imponham tais restrições mas o processo da Monsanto diz que uma vez que uma planta tenha sido aprovada, não pode ser banida, a menos que evidências científicas provem o perigo.

A França baniu sementes de milho Monsanto em 2008 e a Hungria e Austria também planejam fazê-lo embora o European Food Safety Authority tenha concluído que elas não apresentem perigo para humanos ou animais.A senhora Aigner pode estar certa em suas preocupações sobre os efeitos danosos de sementes geneticamente modificadas ao meio ambiente. De acordo com GeneWatch-Reino Unido(4), outras colheitas e plantas silvestres podem ser contaminadas com os genes adicionados ao milho Monsanto.

Novas "super hervas daninhas" podem evoluir e tornar ainda maisdifícil ou até mesmo impossível erradicá-las. Poluição decorrentedo uso de herbicidas tóxicos podem aumentar ou diminuir. A vida selvagem pode ser prejudicada por novas toxinas no meio ambiente ou pela mudança nas práticas da agricultura.

Nos Estados Unidos, hervas daninhas super-resistentes, resistentes inclusive ao Roundup, estão ameaçando colheitas de algodão e de soja(5).

Em 2007, 10 mil acres em Macon County, Georgia, sofreram a praga de hervad daninhas super-resistentes e foram ABANDONADOS.

INACREDITAVELMENTE, a Monsanto está encorajando esses fazendeiros a misturar Roundup com outros pesticidas como 2,4-D (ingrediente usado no Agente Laranja, arma química usada na guerra do Vietnã com consequências catastróficas até os dias de hoje). Três países escandinavos baniram o 2,4-D por causar cancer, deficiência cognitiva e danos reprodutivos.

Uma vitória do Governo Alemão será uma vitória para todos nós,um grande passo na derrubada de mega-corporações inescrupulosas que almejam dominar todos os aspectos de nossas vidas, inclusive que comemos e bebemos. Você pode ajudar a melhorar a segurança alimentar e a responsabilidade ambiental visitando o seguinte website e assinando suas petições :



Referências:









quarta-feira, 1 de julho de 2009

Festa, revolução e contracultura



O Maio de 68 é uma manifestação da crise de civilização', diz Edgar Morin

“Ali onde reinava um bem-estar, também havia uma insatisfação profunda”, afirma Edgar Morin, filósofo francês, que analisa as mudanças nas últimas quatro décadas.

Morin também analisa a visão da esquerda em relação aos acontecimentos de Maio de 68 na França. “Do ponto de vista político, produziu-se um fenômeno muito interessante; apesar de que os grupinhos presentes eram marxistas, houve uma diminuição da influência do partido comunista sobre a população e especialmente sobre os jovens. Os comunistas nunca estiveram presentes no movimento de 68 e inclusive o condenaram”.

Por isso, diz Morin, “em nenhum momento pensei que os trotskistas nem os maoístas pudessem tomar as rédeas desse processo; pelo contrário, considerava-os retrógrados”. Ele acredita que a esquerda tradicional da época não entendeu o que se passava.

Segue a íntegra da entrevista que Morin concedeu ao jornalista espanhol J. M. Martí Font e que está publicada no El País, 19-04-2008. A tradução é do Cepat.

Em maio de 1968, Edgar Morin (Paris, 1921) se havia comprometido a substituir um professor e dar algumas aulas na Universidade de Nanterre, então um lugar inóspito da periferia parisiense, em meio a uma paisagem industrial e vizinha a um povoado de barracos. Não podia imaginar que, quando chegou, já havia saltado a faísca. “Quando cheguei havia um caos absoluto; os carros da polícia soavam suas sirenes e um jovem ruivo gesticulava sobre as tarimbas: era Daniel Cohn-Bendit”, explica.

Morin se dispôs a dar sua aula. “Era um anfiteatro que não tinha janelas”, lembra, “e alguns estudantes se aproximaram de mim gritando: ‘Greve, greve!’. Disse-lhe que se queriam fazer greve teriam que submeter o assunto a uma votação. Houve votação e a maioria optou pela aula, assim que comecei. Então, alguns alunos se puseram a gritar: ‘Morin, flic (polícia)!’, cortaram a energia, o microfone e a luz. E não pude dar aula”.

Você não esperava por isso? O que estava acontecendo?

Creio que foi em fevereiro ou em março daquele ano quando dei uma conferência na Itália, em Milão, sobre a internacionalidade das revoltas estudantis, porque o Maio de 468 francês não foi a primeira, pelo contrário, foi a culminação. A questão era a seguinte: como é que em toda uma série de países com sistemas sociais e regimes políticos completamente diferentes estavam se produzindo revoltas de estudantes ao mesmo tempo? Elas aconteciam no mundo ocidental, mas também no Egito, na Polônia, na Checoeslováquia... Evidentemente, o denominador comum era uma revolta contra a autoridade que tinha características diferentes. No leste europeu era contra a ditadura do partido; nos países ocidentais era, ao mesmo tempo contra a ditadura da família, isto é, a autoridade paternal, dos professores da Universidade e do Estado.

E a repressão sexual?

Pode-se dizer que foi um elemento desencadeante de Maio de 68, já que em Nanterre a faísca partiu da proibição de que os rapazes entrassem nos dormitórios das moças. Mas deve-se dizer que não houve reivindicações sexuais. As grandes reivindicações relacionadas ao sexo, o movimento de libertação da mulher ou o movimento de autonomia dos homossexuais, apareceram depois de Maio de 68, como conseqüência. O Maio de 68 francês tem sua origem no movimento de 20 de março em Nanterre, que era um movimento de raízes libertárias. É preciso colocá-lo em relação com o que acontecia na Califórnia desde alguns anos antes, onde a juventude do país mais rico do mundo, os filhos de famílias extremamente prósperas abandonavam a casa paterna para levar uma vida comunitária, mas com uma aspiração ao mesmo tempo para o comunitário e a liberdade. Enfim, duas aspirações que parecem antagônicas, mas que eram vividas conjuntamente.

Naqueles anos eu já havia estudado os fenômenos relacionados com a adolescência, e descoberto que os jovens, através do rock, através de uma série de coisas, manifestavam uma vontade de autonomia na sociedade através de uma cultura própria. Com esta revolta, a adolescência, que se encontra entre a borbulha da infância e a integração, via-se a domesticação no mundo adulto, expressavam uma aspiração profunda em evidente contradição com o processo de integração na sociedade que lhes era proposta, que consistia na especialização, no ofício, no cronômetro, etc.

Como se viveu esta dialética entre o libertário e o comunitarista?

Há uma aspiração que de fato perpassa toda a história humana, que se expressou na idéia tanto libertária como comunista ou socialista. As primeiras semanas de Maio de 68 são de caráter verdadeiramente espontâneo, porque a ocupação de Censier, de Nanterre e finalmente a Sorbonne, foi uma explosão ao mesmo tempo estudiosa e exaltada, que tinha um componente muito, muito poético. Mas é preciso dizer que progressivamente os pequenos grupos políticos trotskistas, maoístas e outros, não somente quiseram se apropriar do movimento, mas que o parasitaram.

Numa entrevista de 1976, na Magazine Littéraire, você utiliza a expressão: “Os insetos necrófagos devoraram o cadáver”.

Sim, de fato, diziam aos estudantes: seremos nós que realizaremos as aspirações de vocês por meio da revolução proletária. Parasitavam e pensavam responder a estas aspirações por meio do comunismo. Na minha opinião, o Maio de 68 na França teve duas fases: um primeiro momento de espontaneidade, um impulso, que toda a população parisiense viu com simpatia. É preciso dizer também que a total inibição do poder do Estado liberou muita gente de suas doenças psicossomáticas, de suas neuroses. Os consultórios dos psicanalistas e dos psiquiatras se esvaziaram. Mas logo, quando começou a faltar gasolina e se apresentaram os problemas de abastecimento, apareceu a angústia entre a população e rapidamente as pessoas deram as costas ao movimento estudantil.







Que efeitos imediatos teve o Maio de 68?

Depois de Maio, os grupinhos, especialmente os maoístas, acreditaram que se tratava do ensaio geral da revolução. O movimento teve vários efeitos imediatos; por um lado, um relançamento do marxismo como a explicação geral de tudo; por outro, um certo movimento de pessoas jovens que partia para o campo para mudar radicalmente de vida. Mas este segundo movimento se dissolveu rapidamente porque em 1973 estalou uma crise econômica. Até aquele momento os jovens podiam trocar a cidade pelo campo e sabiam que, se voltassem, encontrariam novamente um trabalho. A partir de 1973, já não foi assim.

O outro aspecto, ao meu parecer, é que a civilização ocidental ou burguesa estava muito segura de si mesma até 1968. A tese sociológico-histórica era que a sociedade industrial desenvolvida diminuiria ao máximo as desigualdades, resolveria o problema da pobreza e conseqüentemente generalizaria a boa vida. Era a menos má ou a melhor sociedade possível. Evidentemente, no Leste Europeu se dizia que era o sistema comunista que iria criar um futuro mais radiante.

Havia duas visões radiantes do mundo, ainda que no que concerne ao Leste muito pouca gente acreditava nisso. Mas no Ocidente também começou a ser evidente que ali onde reinava o bem-estar, também havia uma insatisfação profunda. Eu tinha comprovado isso na Califórnia. Me marcou muito o filme No down payment (A mulher do próximo, 1957), de Martin Ritt, que mostrava a profunda infelicidade produzida pela prosperidade econômica.

Maio de 68 marca o fim do sonho da felicidade?

Sim. O mundo maravilhoso das estrelas de Hollywood, que deviam ser felizes, também não era real, como pudemos ver depois do suicídio de Marilyn Monroe e outros. A mitologia da felicidade desta sociedade se dissipava. Fiz uma pesquisa sobre a evolução da imprensa feminina depois do 68 e descobri que as mesmas revistas que até então diziam às mulheres que sendo belas e cozinhando bem podiam ser felizes e conservar os seus maridinhos, mudaram a mensagem para lembrar-lhes que envelheciam, que seus filhos saíam de casa e seus maridos as traíam. Minha tese é que os adolescentes, enquanto elo mais fraca da sociedade ainda não integrada, sentem de forma mais intensa as tragédias e as carências da sociedade. O Maio de 68 foi uma revolta que ia além do simples protesto. Malraux a chamou, acertadamente, crise de civilização.

Há um antes e um depois do 68?

Creio que depois de 68 o prestígio do modelo da sociedade industrial desenvolvida diminui, e mais ainda quando, pela primeira vez, aparece uma crise que põe em dúvida sua viabilidade, a crise do petróleo de 1973, que supõe que o desemprego se instale de forma permanente em nossas sociedades. Para não falar das poluições de todo tipo, do estresse das grandes cidades, da pressão da produtividade, da cronometrização e da deteriorização das condições de trabalho.



E as mudanças nos costumes e na moral social?

O que mudou nos costumes? As relações no interior das famílias. Houve uma evolução, através do movimento feminista, que estava na vanguarda. Não é por acaso que, pouco depois, inclusive sob um Governo de direita, Simone Veil conseguisse levar adiante a lei sobre a interrupção da gravidez, uma lei clássica da reivindicação feminista. Houve também a aceitação da diversidade, das diferentes minorias, sexuais, por exemplo. É certo que houve uma certa liberalização dos costumes e este é um dos aspectos mais interessantes de Maio de 68. Por esta razão o chamamos de brecha, como uma via de água na linha de flutuação do grande navio. Eu diria, além disso, que era o que assinalava a via das revoluções futuras, porque em nenhum momento pensei que os trotskistas nem os maoístas pudessem tomar as rédeas desse processo; pelo contrário, considerava-os retrógrados.

Que leitura política faz agora?

Do ponto de vista político, produziu-se um fenômeno muito interessante; apesar de que os grupinhos presentes eram marxistas, houve uma diminuição da influência do partido comunista sobre a população e especialmente sobre os jovens. Os comunistas nunca estiveram presentes no movimento de 68 e inclusive o condenaram. O próprio George Marchais [secretário-geral do PCF] condenou explicitamente Cohn-Bendit, de quem disse que era “um judeu alemão”. Condenaram o aspecto libertário e também, evidentemente, o fato de que se declararam trotskistas e maoístas. Foi o começo da queda da influência comunista.

Olhando de hoje, qual foi o impacto de Maio de 68?

O Maio de 68 deve ser relativizado até certo ponto, mas continua sendo um eletrochoque. Primeiramente, porque foi uma enorme surpresa, e, além disso, porque converteu a França no único país em que o movimento estudantil foi capaz de desencadear uma gigantesca greve operária. Certamente, houve um grande mal-entendido. Na realidade, o movimento estudantil estava se apropriando do papel revolucionário que se atribuía à classe operária, mas foi a classe operária que se aproveitou da situação para conseguir uma série de importantes aumentos de salário e direitos sindicais.

E depois a direita ganhou as eleições.

Voila. A saturação do Maio de 68, o medo...

O que resta do Maio de 68?

Para começar, o acontecimento foi totalmente esquecido, escondido, por várias gerações. É agora, com esta enorme comemoração midiática, que a história ressurge. Não sei o que a juventude pensa sobre o que aconteceu, mas há um fenômeno francês muito particular que os políticos não conseguem entender. A juventude passa de fases estudiosas, aparentemente despolitizadas, nas quais se diria que se ocupam exclusivamente de si mesmos, de seus estudos, ao despertar bruscamente com uma explosão, muitas vezes provocada por um projeto de reformas, de fato, de mini-reformas secundárias e estúpidas, que serve de detonador a uma revolta estudantil.

O que é interessante é que uma vez que a revolta está iniciada, ela proporciona um prazer maravilhoso aos seus protagonistas, porque lhes permite desafiar a autoridade e a polícia. Então, as autoridades lhes fazem caso, recebem-nos nos palácios, e quando o ministro cede e lhes diz: de acordo, vamos atender às reivindicações de vocês, então contestam: não, não. Queremos mais. E tomam a rua e desafiam o mundo adulto e ficam bêbados de felicidade.

Em seguida, a revolta se decompõe porque, por um lado, um certo número de elementos ativistas tenta controlar o movimento e brigam entre si, e o tempo passa e o movimento se desfaz. Mas o importante é que cada um destes episódios consegue que os jovens se politizem, entrem na polis, na sociedade política, no jogo da coisa pública. Um processo muito saudável para a sociedade francesa.

O presidente Nicolas Sarkozy quer acabar com a herança de Maio de 68, mas se apropria de teses como a que você enunciou sobre a política de civilização.

Não, na realidade só se apropriou do termo. Só disse que é preciso mudar da hegemonia do quantitativo para o qualitativo. Mas não abandonou a idéia de que é preciso manter o crescimento econômico acima de tudo, com o que se afasta muito da minha tese. Por outro lado, há uma crise desta idéia universalista em favor dos particularismos. Eu sou um dos últimos dinossauros, neste sentido.



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Você viu Woodstock?

Para o jornalista, escritor e político italiano Furio Colombo, terminada a política com o assassinato de Martin Luther King e de Robert Kennedy, a música de Woodstock "era o território amplo, vivo, bem presidido, o mais jovem do mundo, daquilo que restava de esperança".

O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 28-06-2009. A tradução é de Benno Dischinger.

Eis o texto.





À pergunta que me é frequentemente dirigida: estiveste em Woodstock?, respondo não. Mas, se a pergunta é reformulada de outro modo (“viste Woodstock?”), respondo sim. E esclareço: naquele dia e lugar. Mas então – insistem os interlocutores que sabem de minha longa travessia da América de um lado ao outro e com muitos personagens e intérpretes da época por três décadas – estiveste ou não estiveste? Estive, e vi; mas de outro modo. E, do ponto em que me encontrava pareceu-me ser testemunha de um momento no qual algo muda para sempre. Vi as últimas horas da música dos jovens filhos rebeldes dos EUA. Vi acabar a música dos jovens e nascer o grande business. Vi o povo jovem que impelira aquela música no nascimento a transformar-se – num mágico instante – de povo a público, de protagonista a consumidor, de proprietário a usuário da nova música. Naquele momento, terminada a política com o assassinato de Martin Luther King e de Robert Kennedy, a música era o território amplo, vivo, bem presidido, o mais jovem do mundo, daquilo que restava de esperança.



Woodstock é o dia – e a noite e o dia, e o sol e o lodo e a chuva, e os jovens corpos envencilhados e sem defesa – nos quais tudo termina. Acabou a tal ponto que naquelas horas começou a perecer a música. E por décadas (podemos dizer até Obama?) se apagou a política, transferida, entrementes, nas enquetes jornalísticas e nos tribunais de Watergate. Eis o meu testemunho: vi Woodstock de um helicóptero, quando me levaram à festa recém estourada com um repique de guitarras na vasta pradaria povoada por uma multidão que ninguém esperava, um imenso permanecer no nada de garotos e garotas jovens e nus, precipitados em dezenas de milhares, depois em centenas de milhares dentro de seu sonho obstinado no qual música, vida e política (e portanto paz no Vietnã, paz por toda parte) eram a mesma coisa. Quando Joan Baez decidiu estar ali, não era mais possível chegar de auto ao fundo do palco. Não era possível atravessar a pé a multidão dos jovens zumbi, imersa no doce frenesi – mas também impossível interromper – do sonho-alucinação. Ver do helicóptero que saudavam como náufragos aquele vôo (aqueles vôos) que carregavam as suas vozes, os seus amigos, quase sempre coetâneos, com quem – até aquele instante – haviam convivido, era o sinal da grande transformação.



Estava de fato mudando para sempre aquela vida jovem, das margens do Alabama ao enfileirar-se diante dos soldados com baioneta calada, no ano anterior, agosto de 1968, nos meses dias de agosto, nas ruas de Chicago, enquanto a Convenção Democrática, protegida pelo fio calado e pelas tropas, escolhia a guerra e perdia os seus jovens. Eram tantos em Chicago a guiar o grande canto de protesto que nenhuma baioneta tivera a força de extinguir. Aquela multidão de corpos era a própria Woodstock? Jamais o saberemos. Mas, o ir e vir dos helicópteros no céu, que talvez a alguém terá recordado as imagens do Vietnã, assinalaram a separação. Aqui os star, ali o público. Aqui as grandes casas que produzirão os discos com esplêndidas capas; ali os jovens que acreditavam estarem todos juntos, serem todos artistas, todos star, porque igualmente belos e jovens. Mas foram separados e declarados para sempre “consumidores”.



Do palco – que era inacessível e, por força, muito alto acima da multidão, e depois, após o furacão, quando a partida se tornou possível – eu os vi no lodo. Permaneciam exaustos e abraçados, após uma longa marcha cheia de sonhos (ilusões?), de esperas insensatas, de canções que durarão trinta anos, tão belas eram (são) e plenas de um estranho fervor e uma sonoridade que permanece para sempre. Mas, estavam lá, como uma ilustração de Gustave Doré para uma Divina Comédia, porém em cores. A cor dos seus corpos, dos seus jeans, dos seus cabelos, das camisas perdidas longe nas poças, era tudo o que restava daquela década inesquecível de vida, de morte, de espera do grande Messias coletivo que é a vida dos jovens. Por um instante haviam possuído a História. Haviam freado o mundo de negócios e de armas. Todos, por um instante – também em guerra – tiveram que escuta sua música. Depois, basta. O helicóptero, a casa discográfica, a grande distribuição, os registros, os criativos, os “packaging people”, vão se embora nas nuvens.





Fonte: http://unisinos.br/ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=13828

Atlas revela perfil agrário do país




A política agrária brasileira nas últimas décadas não alterou a elevada concentração de terras e o modelo agrícola voltado para culturas de exportação, nem melhorou o volume de oportunidades de trabalho no campo, além de ter contribuído para a devastação da floresta amazônica. A conclusão é do geógrafo Eduardo Girardi, autor de um abrangente e detalhado atlas sobre o setor agrário brasileiro, resultado de sua tese de doutorado desenvolvida na Faculdade de Ciências e Tecnologia, câmpus de Presidente Prudente (FCT).

A reportagem é do Jornal Unesp e reproduzida pela Agência Envolverde, 30-06-2009.

Sustentado por cerca de 300 mapas, o estudo de Girardi aborda a pobreza, o desmatamento, a distribuição da posse fundiária, o agronegócio, os conflitos agrários e a política de assentamentos dos últimos anos. “Através do mapeamento, foi possível identificar a configuração da estrutura agrária e como ela pouco contribui para o desenvolvimento social no campo”, afirma.

A pesquisa constata que os imóveis rurais ocupam quase a metade do território brasileiro. De 1992 a 2003, devido à incorporação de terras públicas a programas de reforma agrária, a área que eles englobam cresceu 35%, passando de 310 milhões para 410 milhões de hectares. O número de propriedades no campo aumentou 47%, de 2,9 milhões para 4,2 milhões.

Concentração

No entanto, essas transformações não reduziram a concentração da posse da terra. Girardi ressalta que tal fenômeno pode ser medido pelo índice de Gini, em que 1,0 é valor máximo da concentração: em 1992, ele era de 0,826, e, em 2003, passou para 0,816.

A situação se evidencia também nas diferenças entre as áreas destinadas às pequenas, médias e grandes propriedades. Em 2003, os pequenos imóveis, com tamanho médio abaixo de 200 hectares, representavam 92% do total de propriedades, mas ocupavam apenas 28% da área agrária. As propriedades de médio porte, de 200 a 2 mil hectares, respondiam por 6% do total de imóveis e 36% da área. Já aquelas acima de 2 mil hectares, embora não chegassem a 1% do total, ocupavam 35% da área do setor.

“Das novas terras incorporadas na estrutura fundiária brasileira, de 1992 a 2003, o porcentual das pequenas propriedades cresceu pouco, para 93% do total dos imóveis e para 34% da área; já as médias e grandes, somadas, atingiram 7% do total de imóveis e 66% da área”, comenta Girardi.

O geógrafo explica que, se a taxa de crescimento do número de imóveis for superior à taxa de crescimento de sua área, ocorre uma evolução desconcentradora das propriedades rurais; no caso contrário, há concentração. “A partir da interpretação dos dados, verificamos que a evolução no Sul foi desconcentradora, no Sudeste e Nordeste foi equilibrada, e no Norte e Centro-Oeste foi concentradora”, esclarece.

A partir das informações do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Girardi também assinala que, em 1998, cerca de 75,4 milhões de hectares de terras exploráveis não tinham nenhuma atividade produtiva - o correspondente a 23% da área agricultável do País. Das terras não exploradas, 45% se localizavam na Região Norte, 24% no Nordeste, 26% no Centro-Oeste, 2% no Sudeste e 1,9% no Sul.

Modelo agrário

O estudo mostra, ainda, que o atual modelo agrário não tem contribuído para criar empregos e fixar o homem no campo. Nos últimos dez anos, cerca de 1,5 milhão de pessoas deixaram as atividades agropecuárias. De acordo com o Censo Agropecuário 2006 do IBGE, 16 milhões de pessoas estavam então ocupadas nos estabelecimentos agropecuários. As pequenas propriedades rurais empregavam 87% do total de postos de trabalho no campo, enquanto as grandes ficavam com apenas 2,5%.

Comentando as conclusões do atlas, o economista José Gilberto de Souza, professor da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV), câmpus de Jaboticabal, lembra que, em 2008, o setor sucroalcooleiro recebeu cerca de R$ 6,5 bilhões do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Porém, os dados revelam a redução do número de trabalhadores por hectare nessas áreas.

Girardi enfatiza que os investimentos confirmam um direcionamento da agricultura brasileira para o agronegócio. “A alta produtividade está concentrada no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, em contraste com a estagnação do Norte e Nordeste, onde grande parte dos imóveis não dispõe sequer de tratores”, observa. O geógrafo lembra que a concentração da estrutura fundiária no Brasil está inserida no modelo de desenvolvimento exportador.

Em 2006, dos US$ 46 bilhões do superávit total da balança comercial (que envolve a relação entre exportações e importações), US$ 42 bilhões foram obtidos pelo setor agropecuário. Cerca de 80% das exportações agropecuárias brasileiras são de apenas nove produtos (soja, carnes, cana-de-açúcar, café, couro, fumo, laranja, produtos florestais e algodão), que ocupam 74% de toda área plantada no País. “Enquanto isso, em 2004, cerca de 15 milhões de brasileiros com carência alimentar viviam no campo”, aponta Girardi.

Para Souza, o modelo agrário baseado na concentração fundiária precisa ser revertido. “A reforma agrária e o desenvolvimento da agricultura familiar devem estar inseridos em uma estratégia vinculada à produção alimentar”, acrescenta.



Ocupações e assentamentos

Como reação a esse modelo, Girardi assinala que trabalhadores rurais sem oportunidades ocupam áreas para ter uma opção de renda e vida. O Atlas mostra que, de 1988 a 2006, houve cerca de sete mil ocupações de terras no Brasil, com mais de um milhão de famílias envolvidas, que se concentraram no centro-sul, leste e nordeste do País. “Essas são as áreas onde a reforma agrária tem sentido, pois desconcentra as terras e otimiza a sua utilização”, argumenta Girardi.

Entre 1988 e 2006, os programas de reforma agrária criaram 7.666 assentamentos - áreas destinadas a pequenos agricultores -, em 64,5 milhões de hectares, beneficiando cerca de 900 mil famílias. Eles se concentraram, em sua maioria, na Região Norte, junto à fronteira agropecuária. Apenas na Amazônia Legal, foram assentadas 62% das famílias, sendo que nas Regiões Sul e Sudeste, apenas 28%. “As famílias foram assentadas na região amazônica, em grande parte em terras públicas, sem a infra-estrutura necessária de transporte, serviços de saúde, educação e assistência técnica”, aponta o pesquisador.

Outra análise do trabalho de Girardi ilumina a violência no campo. Nos últimos 20 anos, 1,1 mil trabalhadores rurais foram assassinados e cerca de 19 mil famílias foram retiradas de áreas ocupadas. “Por fazer parte da fronteira agropecuária, o leste do Pará e o norte do Maranhão foram as regiões com maior concentração dos conflitos, afirma.

Cooperativismo

O professor Roberto Rodrigues, da FCAV e ex-ministro do governo Lula, considera que a agricultura brasileira não deve se sustentar a partir de “obras de caridade”, em que se converteu, segundo ele, a política de assentamentos rurais. Rodrigues defende o modelo de cooperativas de agricultores com vocação e conhecimento para a cultura agrícola. “Neste modelo, ganham os agricultores, o governo e a população, que terá produtos de melhor qualidade”, avalia.

Rodrigues destaca que a terra representa apenas 15% do valor de um empreendimento agrário. “A agricultura precisa de crédito, conhecimento técnico e infra-estrutura de escoamento da produção”, afirma. Ele discorda do argumento de que não haveria apoio ao pequeno produtor. “O governo tem aumentado significativamente o crédito para a agricultura familiar, implantou o seguro gratuito de safra e a produção vinculada à distribuição de cestas básicas pelas prefeituras próximas”, enfatiza.

Banco de dados

O Atlas agrário servirá como um banco de dados para consulta pública e suporte para pesquisas acadêmicas. Uma versão impressa deverá ser publicada até o final do ano, mas o material pode ser acessado no site do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (Nera).

Com apoio da Fapesp, Girardi utilizou dados de IBGE, Incra, Comissão Pastoral da Terra, Ministério do Trabalho e Emprego, INPE e FAO (Food and Agriculture Organization).

Para o orientador da tese, o professor Bernardo Mançano Fernandes, o Atlas é o mais completo sobre o tema produzido até hoje no Brasil. “É um marco do estado da arte do conhecimento de tudo que foi estudado no Nera que servirá de referência aos estudiosos de diversas áreas do conhecimento e na elaboração de políticas públicas”, aponta.

Política para setor estimulou desmatamento

Nos últimos 11 anos, cerca de 54 milhões de hectares da floresta amazônica foram desmatados, conforme dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial). No mesmo período, na região, a atividade agropecuária se expandiu sobre 23 milhões de hectares, dos quais 45% de pastagens.

Para Girardi, a política agrária das últimas décadas,favorável ao agronegócio e ao latifúndio, foi a responsávelpelo forte desmatamento ocorrido nos nove Estados da Amazônia Legal. “Apesar dos assentamentos instalados na região contribuírem com o desflorestamento, a maior parte dele foi feito por particulares”,diz.

A ocupação da Amazônia começou durante o regime militar, para não se realizar a reforma agrária nas Regiões Sul e Sudeste. “Essa estratégia não mudou com a redemocratização do País”, observa.

Para Girardi, a ocupação de novos espaços da Amazônia é desnecessária, pois as terras já desmatadas que não foram devidamente exploradas, em 2007, somavam 86,7 milhões de hectares na Amazônia Legal. “Isso sem considerar a necessária mudança do sistema técnico-produtivo da agropecuária, que utiliza grandes extensões de terras”, analisa.



Fonte: http://www.unisinos.br/_ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=23561