domingo, 12 de setembro de 2010

Manifesto : Anarco-Primitivismo




Anarco-Primitivismo




Por John Zerzan




Uma mudança é definitivamente essencial para o que a filosofia da anarquia significa. Em paises como Inglaterra, França e Turquia assim como nos Estados Unidos, existe um crescente interesse em o que é chamado anarco-primitivismo. Publicações americanas como por exemplo, Anarchy, Fifth State e Feral refletem esta mudança. Assim como Green Anarchist e Do or Die! na Inglaterra.

Aqui está um olhar, de uma perspectiva Americana, sobre o movimento.

1. Existe uma profunda crise em todos os níveis; individual, social, ambiental. O câncer do capitalismo tecnológico esta se expandindo com um impacto devastador.

2 . Liberalismo, esquerdismo, pacifismo são faces de uma falida pseudo-oposição a ordem dominante. A única oposição radical é a anarquia.

3. A anarquia é cada vez mais militante. Sabemos que aproximações por métodos manipuladores e submissão são falsos. Se nós e o planeta desejamos sobreviver e nos tornar livres, devemos quebrar as regras e revidar.

4. A anarquia é cada vez mais primitivista. Sabemos que a tecnologia não é "neutra", e incorpora o sistema sugador de vidas que esta nos cercando. Civilização, que é baseada na divisão de trabalho e domesticação, também deve ser abolida. Sua lógica desdobradora tem nos levado para a atual condição de vazio, destruição e patologia.

5. Nosso objetivo é uma comunidade não-hierárquica e face a face. Todo obstáculo para tal deve ser removido. Um grande desmantelamento é necessário para que a natureza e cada individuo seja honrado. A descentralização completa é o objetivo.

6. Tecnologia e capital a uma monocultura massificada que escraviza toda vida. Produção em massa, fabrica, especialização, pensamento separatista é parte do problema, e não da solução.

7. Livre associação, autonomia, transparência, espontaneidade, comunhão com a natureza, diversão, criatividade são requisitos para uma existência saudável e livre. Produtividade, hierarquia, coerção, trabalho, consciência de tempo não.

8. Se nossa missão e nossa visão parece loucura, quão mais louco é não fazer nada efetivo para impedir a marcha mortal da compra e venda global? No futuro uma criança pode perguntar: "Como você deixou tudo isso chegar a esse ponto? O que você fez para parar?"

9. Com a infelicidade difundida está exposto muito das mentiras e condicionamentos que defende este sistema de não futuro, vemos que um diálogo aberto entre todos é essencial.

10. Voto, programas de reciclagem, reformismo, e protestos não têm conseguido realmente nada. Tem que haver um rompimento qualitativo com a Mega-maquina.

De que lado você está?



John Zerzan - Anarchist Action Collective, PO Box 11703, Eugene, Oregon 97440, USA




sábado, 4 de setembro de 2010

Os fenômenos climáticos extremos estão aumentando ?



O físico alemão Hans Joachim Schellnhuber é um dos conselheiros de Angela Merkel para mudança climática. Em uma entrevista para a “Spiegel”, ele discute eventos climáticos extremos, os vencedores e perdedores do aquecimento global, e os efeitos da crise de confiança na pesquisa climática.

O físico Hans Joachim Schellnhuber, 60 anos, é um físico e pesquisador climático mundialmente famoso. Após trabalhar na Alemanha e na Califórnia, ele foi nomeado como diretor fundador do Instituto para Pesquisa do Impacto Climático de Potsdam (PIK), em 1991, que ele ainda lidera. Ele é conselheiro da chanceler da Alemanha, Angela Merkel, sobre assuntos relacionados ao clima na condição de presidente do Conselho Consultivo Alemão para a Mudança Climática (WBGU).

A entrevista é de Olaf Stampf e Gerald Traufetter, publicada pela revista Der Spiegel e traduzida pelo portal UOL, 18-08-2010.

Eis a entrevista.

Sr. Schellnhuber, a Rússia está queimando e o Paquistão está sofrendo com enchentes. Esses fenômenos climáticos extremos estão aumentando devido à mudança climática gradual?

Esses eventos certamente correspondem ao que esperamos de um mundo mais quente. Nós estamos vendo médias de temperatura globais recordes há mais de um ano, e isso aumenta a probabilidade de ondas de calor regionais como a que está ocorrendo no oeste da Rússia no momento. Além disso, nossos modelos climáticos mostram que as monções no sul asiático estão se tornando mais temperamentais em consequência das mudanças antropogênicas no meio ambiente.

Também ocorreram incêndios florestais e enchentes no passado. Não é fácil demais associar automaticamente desastres naturais à mudança climática?

É claro que seria errado, do ponto de vista científico, estabelecer essa relação de forma indiscriminada. Mas seria igualmente não científico deixar de pesquisar essas relações, apenas porque o interesse da população na mudança climática diminuiu temporariamente.

Na Rússia, em particular, a prevenção de incêndios fracassou. O serviço florestal foi abolido e os corpos de bombeiros de muitos lugares estão em péssimas condições. Esses grandes incêndios mostram que situações climáticas extremas não necessariamente levam a catástrofes, mas que a má gestão de crise é realmente culpada?

Isso está sem dúvida correto. Na maioria dos casos, é a má gestão social que cria as condições para as catástrofes sociais. Frequentemente é possível escapar ileso com medidas de precaução inadequadas, desde que o clima colabore. Mas climas extremos expõem impiedosamente os erros humanos e nossos crimes contra a natureza. O Estado alemão de Brandemburgo (nota do editor: onde fica o Instituto Potsdam para a Pesquisa do Impacto Climático) oferece um exemplo da forma certa de fazer as coisas. Apesar de estarem ocorrendo aqui mais incêndios florestais do que no passado, devido ao aquecimento global, a área de superfície queimada pelos incêndios diminuiu substancialmente, graças ao melhor monitoramento com detectores de fumaça.

Como conselheiro para a mudança climática da chanceler, o senhor ocupa uma posição particularmente alta. Devido às suas previsões frequentemente sombrias, os críticos o apelidaram de “Cassandra de Potsdam”, a figura da mitologia grega cujas previsões costumavam não ser ouvidas. Por que o senhor sempre assusta as pessoas?

Permita-me responder sua pergunta provocativa de forma objetiva. Como um especialista, é possível que minha tendência seja apontar para os perigos e riscos mais do que para as oportunidades e possibilidades – de forma semelhante a um engenheiro que constrói uma ponte e alerta as pessoas para tudo que possa causar seu colapso. Alertar contra um possível acidente visa na verdade reduzir a possibilidade de um acidente. E uma mudança repentina no clima poderia ter consequências realmente catastróficas. Além disso, na mitologia grega, Cassandra sempre estava certa... infelizmente.

Isso justifica prever constantemente o fim do mundo?

Naturalmente, nós temos que ter cuidado para não dramatizar as coisas. Afinal, a credibilidade científica é nosso único argumento de venda. Mas eu confesso que quando você sente que as pessoas não estão dando atenção, é tentador aumentar o volume. Naturalmente, nós temos que resistir a essa tentação. Por outro lado, a mídia frequentemente retrata minhas declarações de forma tendenciosa...

Você pode nos dar um exemplo?

Veja a agricultura, por exemplo. Se as temperaturas aumentarem, as plantações sofrerão, como as de cereais. Mas ao mesmo tempo, o nível mais alto de CO2 na atmosfera levará a uma melhor fertilização das plantas. Esta fertilização pelo ar compensará uma grande parte dos danos causados pelo calor, talvez até os superariam. Em outras palavras, nós poderíamos até mesmo ter safras maiores por um certo tempo, desde que haja água suficiente. Em palestras que dou sobre o assunto, eu sempre menciono ambos os efeitos: os danos causados pelo calor e a fertilização por CO2. Mas essas sutilezas se perdem quando se trata de como o assunto é percebido pelo público em geral.

Não foi apenas mal-entendidos que abalaram a confiança pública na pesquisa climática nos últimos meses. Várias afirmações em um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), como o do suposto rápido derretimento das geleiras do Himalaia, revelaram ser erros espantosos.

Ocorreram apenas poucos deslizes, mas foram extremamente vexatórios. O IPCC está no centro das atenções e há muito em jogo, de forma que não podemos permitir que erros dessa magnitude sejam cometidos. O IPCC agora precisa fazer seu dever de casa para superar a crise de credibilidade que ocorreu. Nós recebemos um chute no traseiro que, provavelmente, nos fez bem.

Um painel de investigação científica no Parlamento holandês acusa o IPCC de enfatizar exageradamente as consequências negativas da mudança climática.

De forma geral, essa acusação é injustificada. Não se trata do IPCC estar escondendo sua verdadeira face, que é caracterizada por exageros assustadores, atrás de uma máscara. Por exemplo, o IPCC fez deliberadamente alertas e previsões contidos em relação à elevação do nível dos mares. O IPCC foi concebido de tal forma que ele ameniza as coisas o máximo possível e usa termos conservadores, para que todos os cientistas envolvidos possam no final apoiar o relatório.

Qualquer um que peça de forma sóbria por uma análise de custo-benefício da mudança climática é satanizado como herege. Por que é um tabu falar sobre as vantagens do aquecimento global?

Você está certo – nós temos que acentuar as oportunidades e benefícios para algumas regiões do mundo, mais do que temos feito até o momento. Certamente haverá vencedores, ao menos temporariamente, especialmente nas latitudes mais ao norte. Em uma conferência em Moscou, o primeiro-ministro da Rússia, Vladimir Putin, me disse abertamente: nós estamos aguardando ansiosamente pelo aquecimento global. Nós não precisaremos de tanto aquecimento, nossa frota poderá operar em um mar livre de gelo e teremos mais terras férteis para cultivar. Mas isso é realmente verdade? Os atuais incêndios florestais e de turfas mostram que o aquecimento global poderia também trazer problemas para a Rússia. O problema é que as consequências da mudança climática, tanto as boas quanto as ruins, ainda não foram adequadamente estudadas. Mais de 90% do financiamento ainda está sendo usado para investigar cientificamente se os seres humanos são responsáveis pelo aquecimento global. Mas esta pergunta já foi respondida há muito tempo: eles são.

‘Nós ainda estamos no escuro’

A maior probabilidade da Alemanha é estar entre os vencedores ou entre os perdedores?

É difícil dizer. Nós estamos atualmente trabalhando em um estudo abrangente sobre esta questão em Potsdam. Infelizmente, ainda há muitos elementos desconhecidos. A pesquisa do impacto climático ainda está atrasada em uma década em relação ao restante da pesquisa climática. Este exemplo ilustra quão complexo é tudo isso: na superfície, temperaturas mais altas são fantásticas para o turismo no Mar do Norte e no Mar Báltico. Por outro lado, as praias de lá serão as primeiras que terão que sobreviver à elevação do nível do mar. E isso não é um assunto trivial. No Havaí, um terço das praias já está ameaçado por inundação. Logo, as vantagens superam os revezes? Nós ainda não sabemos.

Aparentemente, é igualmente difícil prever se haverá um maior número de furacões, assim como mais fortes, no futuro.

É verdade que ainda não está claro se eles aumentarão em frequência. Alguns poucos estudos notam que a velocidade dos ventos nas tempestades tropicais poderia aumentar. Mas dado que a pesquisa climática ainda está em sua adolescência, o próximo estudo poderia chegar à conclusão oposta.

Os modelos por computador chegam a conclusões mais óbvias em relação às tempestades em nossas latitudes moderadas. Fora dos trópicos, as coisas não mudarão muito. A Alemanha, segundo os modelos, não verá tempestades mais poderosas e nem um maior número delas, apesar de que as rotas de tempestades de zonas de baixa pressão provavelmente mudarão.

Sim, eu sei que meus colegas no Instituto Max Planck para Meteorologia (MPI-M), em Hamburgo, deram sinal de que está tudo bem após realizarem sua simulação. Mas isso é um resultado preliminar, na melhor das hipóteses. Pessoalmente, eu não acredito que não haverá mudanças em tempestades em um mundo que esteja, digamos, cinco graus Celsius mais quente. Isso me surpreenderia muito, dado que se trata de um fenômeno não linear.

Mas o público ficou com a impressão de que supertempestades, com alto poder destruidor, devastarão nossas cidades no futuro. Os climatologistas não deveriam ao menos deixar claro que ainda estão no escuro?

A resposta simples é sim. De fato, nós ainda estamos no escuro neste assunto. Por outro lado, esse fato de modo algum é tranquilizador. Nós realmente queremos embarcar em um experimento planetário com resultado desconhecido? Nós queremos simplesmente permitir que a mudança climática aconteça e então observar calmamente as tempestades para ver se pioram ou não?

De forma geral, foi um erro não fazer mais para apontar as lacunas sérias que ainda existem na pesquisa climática?

De novo, tudo o que posso dizer é que não deveríamos adotar uma mentalidade de bunker, especialmente na climatologia. Em vez disso, todas as dúvidas deveriam ser tratadas de forma clara e franca nas conferências, mesmo quando for doloroso. Pense apenas em quão passionalmente Heisenberg, Bohr e Einstein costumavam discutir a respeito dos aspectos fundamentais da teoria quântica. Mas aquele era um grupo pequeno de físicos que respeitavam uns aos outros e constantemente se encontravam pessoalmente...

...e políticas globais não estavam em jogo.

Exatamente! Na climatologia, seria difícil, mesmo que apenas de um ponto de vista técnico, conduzir todo o debate científico de forma plenamente pública. Isso porque os políticos e a sociedade querem as respostas mais claras e menos ambíguas possíveis. E se não pudermos fornecer essas respostas, muitas pessoas simplesmente deixam de nos escutar. Elas estão basicamente dizendo: não nos incomodem com seus modelos e contramodelos; nos procurem quando tiverem todas as respostas.

Também é o motivo para haver alguns exageros no sumário do relatório do IPCC para os formuladores de políticas?

Eles não são exageros, mas uma condensação de informação. Nós cientistas não podemos exatamente jogar dezenas de milhares de páginas de artigos científicos sobre a mesa de parlamentos e governos. É claro que os resultados são condensados, mas isso não significa que não sejam verdadeiros. Mas, no interesse da precisão científica, talvez devêssemos abandonar a meta abrangente do relatório do IPCC, que é fornecer respostas resumidas para todas as questões a respeito do clima –e às vezes não dizer nada.

Também não há um risco de que estudos possam ser suprimidos, caso reforcem as teses dos céticos da mudança climática antropogênica?

Acredite se quiser, eu não pratico autocensura e, como físico, estou acostumado a reconhecer que novos estudos podem corrigir meu ponto de vista, mesmo se isso significar uma derrota intelectual. Eu não hesitaria em dizer à chanceler que há um novo estudo que sugere que todos nós apostamos no cavalo errado e que os seres humanos não são responsáveis pela mudança climática. Ou talvez nós descobriremos daqui 20 anos que podemos facilmente nos adaptar a um aumento de cinco graus nas temperaturas globais. Eu ficaria muito feliz com isso. Mas diante da perspectiva atual, não há motivo para otimismo.

A luta atual é para limitar o aquecimento global a dois graus Celsius. Mas atualmente já estamos quase um grau mais quentes do que no início da industrialização. Como os gases do efeito estufa já estão circulando na atmosfera, outro aumento de temperatura de 0,6 grau não pode mais ser evitado. E mais de 30 gigatoneladas de CO2 ainda estão sendo lançadas ao ar todo ano. A meta de dois graus não é totalmente irrealista?

Tecnicamente falando, provavelmente ainda é possível. Mas em 10 anos, provavelmente será tarde demais. Depois disso, a única solução provavelmente seria uma gestão global de carbono, que é a remoção artificial de CO2 da atmosfera, talvez por meio de reflorestamento de terras degradadas ou uma filtragem direta e descarte permanente de dióxido de carbono. Esse é o ás em nossa manga, que então teríamos que usar. Casualmente, eu estou convencido de que, a longo prazo, nós devemos devolver a atmosfera ao estado mais frio que predominou na Era Neolítica, quando os seres humanos se tornaram sedentários.

O que o senhor quer dizer? Parece arrogância presumir que podemos simplesmente programar as temperaturas médias do planeta, como se estivéssemos lidando com um um aparelho de ar condicionado. O senhor realmente acredita que a civilização humana sofrerá um colapso caso as temperaturas subam mais que dois graus Celsius?

Acima de tudo, o que é arrogante é a forma como interferimos inescrupulosamente com a criação, ao queimar todos os combustíveis fósseis. E é claro que o mundo não vai acabar se as temperaturas subirem 2,01 graus, muito menos acabar repentinamente. Do ponto de vista científico atual, nós poderíamos viver com um aquecimento de dois a três graus. Mas essa faixa não deveria ser ultrapassada, porque aumentos maiores na temperatura provocariam processos incontroláveis, levando a mudanças repentinas e irreversíveis nos mantos de gelo e nos ecossistemas continentais. A maioria esmagadora dos climatologistas presume que um aumento global de temperatura de quatro graus seria uma rota imensamente perigosa, que deveríamos evitar a todo custo.

Por que então você, como um dos criadores da meta de dois graus, impôs esse limite mágico ao qual todos os países devem submissamente aderir?

Políticos gostam de ter metas claras, e um número simples é mais fácil de lidar do que um intervalo complexo de temperatura. Além disso, era importante introduzir uma orientação quantitativa para começar, algo que a Convenção-Quadro sobre a Mudança Climática de 1992 conseguiu elegantemente fazer. E vamos ser honestos: mesmo se buscarmos uma meta de dois graus, nós terminaremos com algo mais alto. Sempre que há um limite de velocidade, a maioria dos motoristas tende a andar um pouco mais rápido.

Na cúpula do clima em Copenhague, a impressão predominante foi a de que os países mais importantes não quiseram estabelecer regras fixas.

É verdade que o grande quadro permanece incerto. Por ora, certamente não haverá um tratado substancial entre todos os 194 signatários da convenção. Esse é o motivo para estarmos depositando nossas esperanças em alianças menores por ora, como a entre a União Europeia e o Brasil. O que está acontecendo no Brasil é inacreditável. Em 20 ou 30 anos, eles poderiam atender todas as suas necessidades de energia a partir de fontes renováveis. Talvez em breve, todos nós estaremos dirigindo com biocombustível sustentável do Brasil. E esses projetos bilaterais certamente ajudarão a colocar em movimento o animal desajeitado que é o tratado climático global.

Que países o senhor acredita estarem mais aptos a promover uma reconstrução total da sociedade industrial?

No final, apenas as sociedades democráticas conseguirão dominar este desafio, independente de seus tortuosos processos de tomada de decisão. Mas para chegar lá, nós precisaremos de um refinamento inovador de nossas instituições democráticas. Eu poderia imaginar a destinação de 10% de todas as cadeiras no Parlamento a ombudsmen que representem apenas os interesses das futuras gerações.

Sr. Schellnhuber, obrigado por esta entrevista.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A China e o mundo



"O sucesso da economia chinesa exerce uma atração irresistível para os que veem no seu modelo a possibilidade de fácil replicação", constata Antonio Delfim Netto, economista, em artigo publicado no jornal Valor, 31-08-2010.

Segundo Delfim Netto, "fala-se, agora, no Consenso de Pequim. À platitude e ideologia do Consenso de Washington, que iludiu uma geração de economistas com a conversa de "preços no lugar" e não levou a lugar nenhum (como era previsível), o novo consenso propõe uma equação até aqui não resolvida pela história: combinar por muito tempo o sucesso econômico com a falta de liberdade individual".

Eis o artigo.

A rápida evolução da economia chinesa é, de um lado, objeto da admiração e inveja por parte dos países emergentes e, de outro, motivo de preocupação real e ideológica por parte dos países desenvolvidos (que são o centro do capitalismo financeiro). Esses são sempre apoiados num Estado constitucionalmente limitado. Seus governos são escolhidos periodicamente pelo sufrágio universal em eleições abertas, que garantem a competição livre e honesta entre várias organizações partidárias. Neles, a própria Constituição impede o "aparelhamento" do Estado pelo partido eventualmente vencedor. Isso é fundamental para garantir a continuidade e legitimidade do jogo eleitoral.

Nessas sociedades, o "garante" das liberdades individuais é um Supremo Tribunal Federal, cujos membros são constitucionalmente blindados contra qualquer pressão, quer do Executivo, quer das "ruas". O Executivo sempre quer mais poder; o clamor popular quer vingança, não justiça.

Antes de prosseguir, um pequeno desvio. Há constituições e constituições! A constituição "democrática" da velha União Soviética (a URSS), por exemplo, "garantia" a todo cidadão "liberdade de expressão, de imprensa, de reunião e de religião". O pequeno problema é que cada uma dessas palavras tinha significado próprio, definido nela mesma. Por exemplo, "liberdade de expressão" (e todas as outras "liberdades") eram garantidas sob uma condição. Deviam respeitar os "interesses dos trabalhadores de forma a fortalecer o sistema socialista" (Nutter, W., " The Strange World of Ivan Ivanov: 11"). Mas quem eram os trabalhadores? Apenas o próprio sr. Stalin, pelo qual o velho Karl paga a conta até hoje! Qualquer semelhança com propostas que recentemente circularam no Brasil não pode ser mera coincidência...

O sucesso da economia chinesa exerce uma atração irresistível para os que veem no seu modelo a possibilidade de fácil replicação, mas desconsideram o contexto em que ele pode realizar-se. Não se pode viver sem um nome. Fala-se, agora, no Consenso de Pequim. À platitude e ideologia do Consenso de Washington, que iludiu uma geração de economistas com a conversa de "preços no lugar" e não levou a lugar nenhum (como era previsível), o novo consenso propõe uma equação até aqui não resolvida pela história: combinar por muito tempo o sucesso econômico com a falta de liberdade individual.

Os nove membros do Comitê Permanente do Politburo, presidido por Hu Jintao, conhecem bem a história. Tal sistema só funciona enquanto se pode absorver as inovações e as tecnologias desenvolvidas nas economias hoje maduras. A partir daí, a tendência é a volta ao crescimento medíocre e à exacerbação das pressões sociais.

A verdade poucas vezes enfatizadas é que o Politburo chinês é tecnicamente competente e tem à disposição uma das mais treinadas e diligentes burocracias de quantas existem ou existiram no mundo. Depois da destruição produzida por dois séculos de distúrbios, retornou-se à antiga tradição. Já no segundo século (em 124 A.C.), criou-se uma Universidade Imperial para preparar funcionários públicos, que são cooptados por concurso público e cuja progressão é estritamente pelo mérito.

O Politburo sabe que, para repetir mais 32 anos de crescimento a 11% ao ano, precisa alugar, comprar ou conquistar terras e recursos naturais equivalentes a outro território chinês. Está, esperta e calmamente, realizando o seu programa através de empresas estatais (que escondem o Estado soberano). Com isso espera contornar os efeitos dramáticos sobre os preços internacionais de alimentos e recursos naturais que serão produzidos pelo seu próprio crescimento.

Não há nenhuma objeção ao capital estrangeiro no setor de terras e recursos minerais, desde que realizado através de empresas privadas nacionais, mesmo com capital estrangeiro. O que não se pode admitir é a vendê-los a Estados soberanos sob o disfarce de empresas estatais, porque isso pode atingir profundamente o interesse nacional e desqualificar os mercados internacionais na formação de preços. Não devemos desperdiçar nossa complementaridade sinérgica com o desenvolvimento chinês, mas não devemos deixar de olhar o futuro.

As decisões do Politburo revelam que ele entende claramente que sem suprimento externo garantido e a preço controlado, a China provavelmente não poderá repetir mais 30 anos do mesmo crescimento. A conta é simples: se o mundo crescer à taxa de 3% até 2040, e a China reduzir sua taxa para 9%, o PIB chinês (medido em paridade do poder de compra de 2008), que hoje representa 11% do total, representaria 70% em 2040! O resto do mundo teria de diminuir 0,4% ao ano para acomodá-la, o que é improvável economicamente e inaceitável politicamente. Se o resto do mundo crescer a sua taxa histórica de 3% ao ano, para acomodar o crescimento da China (que então passaria de 11% para 44% no PIB global), o crescimento do mundo teria que ser da ordem de 4,5%, o que é claramente impossível diante do problema do aquecimento global.

O dilema está posto: se correr o bicho pega, se parar o bicho come! É conveniente, pois, reconsiderar a política laxista que até aqui temos tido com o novo-colonialismo chinês, sem deixar de insistir no comércio. Vamos impedir a compra de recursos naturais pelo Estado soberano chinês e, simultaneamente, aumentar o grau de sofisticação de nossas exportações de alimentos e minérios?