segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

O núcleo da crise





O colapso do comércio mundial é um dos grandes riscos da atual crise, que exigirá coordenação entre os governos para evitar medidas protecionistas que agravem ainda mais os desequilíbrios globais. Quem afirma é o economista americano Michael Pettis, professor de Finanças da Universidade de Pequim. Com experiência de quem já trabalhou em Wall Street, deu aulas na Universidade Columbia e vive há seis anos em Pequim, Pettis ressalta que o núcleo da crise está na relação entre Estados Unidos e China, os dois pólos do que se convencionou chamar de “desequilíbrio global”.

A reportagem e a entrevista é de Cláudia Trevisan e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 30-11-2008.

Durante uma década, os dois países viveram um equilíbrio instável, no qual os americanos consumiam mais que produziam e os chineses produziam mais que consumiam. Os Estados Unidos tinham déficits e a China, superávits crescentes em conta corrente - o indicador que mede o saldo de cada país em suas trocas comerciais e financeiras com o restante do mundo.

Os excessos desse arranjo levaram à crise no sistema bancário americano e à redução forçada do consumo nos Estados Unidos. Agora, segundo Pettis, virá o ajuste na China e nos países superavitários, que terão de reduzir de maneira expressiva a sua produção para se ajustar à demanda decrescente do restante do mundo.

Com sobra de produção e sem os tradicionais compradores, a China poderá tentar direcionar suas exportações para outros países, incluindo o Brasil. O risco é que isso desencadeie uma guerra comercial que leve ao colapso do comércio global, a exemplo do que ocorreu na Grande Depressão, quando as trocas de bens entre países recuaram 70% entre 1929 e 1934.

Eis a entrevista.

Qual é o papel da China na solução da crise mundial?

Os dois principais atores do desequilíbrio global são Estados Unidos e China. Os Estados Unidos porque durante dez anos consumiram muito além do que produziam e a China porque durante dez anos produziu muito além do que consumia. O excesso de produção da China era consumido pelo excesso de demanda americano. Havia certo equilíbrio, mas ele era insustentável. Ele implicava que os Estados Unidos teriam enormes déficits comerciais para sempre e a China teria enormes superávits comerciais para sempre. A questão era qual dos dois seria interrompido primeiro. A parada veio nos Estados Unidos e o excesso de consumo americano está se reduzindo.

Da maneira como o equilíbrio global funciona, se a demanda das famílias americanas cai, tem de haver um ajuste em algum outro lugar. O consumo caiu e agora a produção está muito alta.

O consumo privado nos Estados Unidos não vai aumentar. As famílias precisam poupar mais e consumir menos para quitar suas dívidas. Isso deixa a tarefa para o governo. Mas temos de ser muito cuidadosos porque, se apenas substituirmos as famílias pelo governo no excesso de consumo, não estaremos resolvendo o problema. Vamos apenas adiar o ajuste. Por isso, precisamos que o consumo aumente em outro lugar, e esse lugar é a China.

E o governo?

Se assumirmos que o consumo das famílias americanas vai cair 5% do PIB dos Estados Unidos, isso significa que o consumo na China deve se expandir em 17% do PIB chinês para compensar a queda. É muito, especialmente quando consideramos que o consumo na China gira em torno de 40% do PIB. Nós precisaríamos que o consumo aumentasse entre 30% e 40% para compensar a retração nos Estados Unidos. Isso não vai acontecer.

O sr. espera uma recessão global ainda mais severa?

Sim, vai haver uma desaceleração no mundo e nós temos de lembrar que, em 1930, o pior aconteceu nos países que tinham superávits em conta corrente. Eu acredito que a mesma coisa se repetirá agora.

O que vai acontecer com o excesso de produção?

Há três opções: contrair a produção - e o pior ainda está por vir -, vender mais dentro do país ou exportar. Se a China decide exportar, isso significa que outros países que também têm mais produção que demanda terão de suportar o custo do ajuste e fechar suas fábricas. É por isso que o momento atual é tão delicado. Se os países que têm superávit em conta corrente tentarem superar sua crise com o aumento das exportações, estarão resolvendo seus problemas por meio do agravamento da crise global. E o resto do mundo não vai tolerar isso, o que levaria a uma guerra comercial e a uma contração do comércio mundial. É muito interessante pensar nas décadas de 1920 e 1930 porque é a mesma coisa. Só que naquela época eram os Estados Unidos que produziam em excesso e a Europa que consumia em excesso.

Com a queda nas exportações para os Estados Unidos, existe o risco de uma invasão de produtos chineses em países que ainda têm alguma demanda, como o Brasil?

É um risco real. Por isso é muito importante que os líderes globais entendam os riscos e façam de tudo para resolver a crise, o que significa que os países que têm superávit em conta corrente, como a China, vão sofrer, pois o mundo não quer mais seu excesso de produção. É necessária uma resposta coordenada que leve a uma expansão fiscal de todos os países. Mas os países com superávit em conta corrente terão de fazer a maior expansão.

O pacote de US$ 586 bilhões anunciado pela China há três semanas é suficiente para evitar uma forte desaceleração da economia?

Não. O pacote envolve grande quantidade de dinheiro, mas não sabemos os detalhes. De qualquer maneira, há um problema de timing. A demanda americana está se contraindo muito rapidamente. Portanto, a fonte alternativa de demanda deveria se expandir no mesmo ritmo. Isso é muito difícil. Acredito que o próximo ano vai ser bem mais difícil para a China do que muitos esperam.

O encontro do G-20 em Washington deu alguma indicação de que haverá coordenação entre os países para enfrentar a crise?

Não, em parte porque as pessoas não entendem a natureza da crise. Como nos anos 30, vêem o problema como questão nacional. Com isso, muitas soluções não resolvem os problemas globais. Portanto, não são soluções. É muito importante que os líderes olhem a questão como um problema de balanço de pagamentos global e encontrem caminhos para resolver os desequilíbrios.

Um país pode exportar mais e tirar espaço de outros países.

Se os outros países estiverem dispostos a permitir isso, ótimo, encontramos um novo equilíbrio. Mas os outros países não vão permitir. Todo o mundo tem o mesmo plano e o mesmo plano dos países com superávit em conta corrente: “Vamos aumentar as exportações”. Mas, se os países com déficit em conta corrente estão reduzindo os déficits, isso significa que os países com superávit têm de diminuir seus superávits. Esse é o equilíbrio. Se você reduz seu déficit, eu tenho de reduzir meu superávit.

Como vê a situação do Brasil?

Eu sempre me preocupo com o Brasil quando ajustes ocorrem. Nos anos 50, 60 e 70, o Brasil lutou com grande dificuldade para superar sua dependência de commodities e desenvolver uma base manufatureira. A razão pela qual o Brasil fez isso era que a dependência de commodities se mostrou um péssimo negócio. Durante os anos de prosperidade, você tem grande crescimento. Mas, durante as contrações, você tem um colapso. Infelizmente, a enorme alta no preço das commodities nos últimos 10 anos levou muita gente a dizer: sabe de uma coisa, as commodities são um ótimo negócio. Mas o boom nunca dura para sempre. Em algum momento, acaba. Temo que o Brasil tenha de aprender por que o País lutou tanto no passado para se afastar da exportação de commodities. Quando o boom acaba, o ajuste é muito dolorido para os exportadores.

Que lições o mundo pode tirar de crises anteriores?

Coordenação global no estímulo fiscal. É necessária a clareza de que há problemas de excesso de consumo e de excesso de produção. O excesso de consumo está sendo atacado agora. Isso significa que o excesso de produção ainda precisa ser resolvido. Uma vez que o excesso de demanda se ajuste, o excesso de produção também se ajusta, e nós ainda não vimos esse ajuste chegar ao fim.






Comprar, comprar, comprar? Uma irresponsabilidade, diz especialista


Leia abaixo alguns trechos de entrevista concedida por Marilena Lazzarini ao jornal O Estado de S.Paulo:


Nada foi à toa. Mesmo com labirintite diante de tantos crediários pré-natalinos, o cidadão botou o pé no chão, hesitando em gastar.
Para Marilena Lazzarini, fez bem. Uma das criadoras do Procon em 1976 e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) dez anos depois, ela sugere que o mundo se localize, antes de fazer a roda girar intensamente no padrão atual.
“Esse modelo de consumo desregulado falhou, e estimulá-lo parece uma loucura.” Seria acelerar um automóvel com defeito, tendo no banco do passageiro um cidadão mal informado pelas empresas, mal amparado pela legislação e com tendência ao superendividamento. Como para toda crise há uma contrapartida, ela ressalta, nesta entrevista, o ensejo de investir no ambiente. “A crise ambiental é muito mais grave do que a financeira.” Seria oportuno correr, diz ela, antes de a natureza cobrar a conta.

Eis um trecho dessa entrevista.



Qual é nosso modelo de consumo?

É muito uma cópia do modelo americano, mas nos EUA é exacerbado. O brasileiro vai gastar o que não pode para comprar um tênis de marca, uma calça, que basicamente são todos iguais, exceto pela etiqueta. Esses jovens vão se matar ou matar alguém para ter aquele artigo. Os modelos não são mais difundidos pela vizinhança. Antigamente, havia uma similitude na comunidade. Hoje, não. Os padrões entram nas casas pela televisão. Só que esse modelo de consumo desregulado falhou, e estimulá-lo parece loucura. Imagine que você está dirigindo um automóvel com um defeito. Em vez de parar o carro, põe o pé no acelerador. Estimular a população a consumir tem correlação com essa situação. Pedem que a população acelere e vá em frente. Ela vai acabar num abismo, vai se arrebentar.

O que poderia ser feito então?

Rever o modelo. É necessária uma regulamentação nacional e internacional. Esses mercados financeiros são vaso-comunicantes. Isso está sendo discutido pelo G-20, mas há uma resistência a assumir a necessidade de regular o mundo financeiro. Também acho que o governo brasileiro deveria direcionar políticas públicas que favorecessem o mercado interno. Ele muitas vezes é desprezado como potencial de desenvolvimento. Por que não uma produção de alimentos sustentável? O transporte de alimentos cruzando o país é um gasto de combustível absurdo. A produção ficaria perto do consumidor.

Que outras oportunidades a crise oferece?

Para mim, a postura que mais teria sentido no momento seria enfrentar a crise financeira com a ambiental. Acho que a crise ambiental é muito mais grave do que a financeira, só que não afeta o bolso de imediato. Vivemos um modelo que valoriza muito a economia. Isso ficou desconectado da sociedade. O pacote para ajudar a indústria automobilística, por exemplo, poderia ter sido em parte direcionado ao transporte público. Você não estaria tirando dinheiro do mercado, mas movimentando a economia em outro segmento. Geraria emprego, manteria o mercado aquecido, mas com direção estratégica, voltado para a questão climática. Hoje, com essa enorme parcela de pessoas marginalizadas, o modelo de consumo voraz não se sustenta. Com mais países subindo de padrão, como está ocorrendo, aí é que não cabe mesmo. Os habitantes da Índia e da China vão querer imitar o padrão consumista, algo absolutamente inviável, ainda mais porque a engenharia genética ainda não conseguiu clonar a Terra. Somente assim para ter tanto recurso natural. O tempo para conseguir mitigar esse desgaste ambiental está diminuindo. Talvez a crise até ajude nesse sentido. Se diminuir o consumo mundial, podemos espaçar esse intervalo e ganhar fôlego.

O que passa a ser produto essencial num momento de recessão?

Os produtos ou serviços mais sustentáveis, mais confiáveis, mais duráveis. Correr só com a visão de curto prazo pode ser um caminho sem perenidade. Acho que o conceito da qualidade é dos mais importantes. Trabalhamos muito a substituição. Quebrou a geladeira, a gente compra outra. Cada vez mais os eletrodomésticos estão sendo criados para durar menos tempo. É necessário reconceituar.

Será a ressurreição dos sapateiros?

Adoro este sapato que estou usando, por exemplo. Às vezes o que pago para consertar o salto é quase o preço para comprar um novo. Tem que reconceituar em cima da qualidade, ter um custo de manutenção adequado, ofertar peças de reposição num período considerável. Sem peças, o que vai acontecer? Vai tudo para um lixão. O governo tem de rever o estímulo a certos segmentos da indústria visando à durabilidade. Seria um novo modo de produção que repercutiria no consumo. O mundo todo vai demandar isso.

A senhora mencionou a educação para o consumo como responsabilidade importante do governo nesta crise. Como ela pode ser feita?

No Brasil, apesar de o currículo do MEC prever desde 1998 que a educação para o consumo seja tema transversal, ela não tem sido implementada. Até desenvolvemos um material em 2005, feito para professores, que trabalha o consumo sustentável, o ambiente, a publicidade, a segurança de produtos e a ética. Mas as escolas já estão numa situação tão precária... Algumas talvez pensem: “Vou introduzir mais isso no currículo?” Agora, nos projetos em que tivemos experiência concreta, os professores se motivaram. Em matemática, trataram do crédito, do financiamento, dos juros. Também poderiam trabalhar direitos e deveres do consumidor. Penso nesses saques em Santa Catarina. Chamou atenção uma pessoa que se aproveitou da tragédia e encheu o carrinho com R$ 3 mil em mercadorias. “Todo mundo está pegando, também vou aproveitar”, como se não tivesse problema. São padrões que se reproduzem. Se o banco saqueou a poupança no Plano Verão, por que não fazer o mesmo? É certo que, em Santa Catarina, era uma situação-limite. Uma crise também aproxima as pessoas de situações-limite. Aí elas vão se mostrar.



A entrevista completa pode ser lida em: http://www.unisinos.br/_ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=18592

Debate sobre clima recomeça alterado por Obama e crise




O encontro é o início da negociação do regime de combate ao aquecimento global que sucederá o Protocolo de Kyoto, válido até 2012. Como pano de fundo, há uma crise global que deverá encarecer as medidas para reduzir a emissão de gases do efeito estufa. Por outro lado, os Estados Unidos -país que não ratificou o tratado de Kyoto e vinha sendo o principal entrave diplomático no debate- sinalizam com mudanças, após o presidente eleito Barrack Obama tomar posse.
A notícia é do jornal Folha de S. Paulo, 01-12-2008.
"A América está de volta", afirma o senador democrata John Kerry, que deve participar do encontro de Poznan como um dos observadores que produzirão um relatório para Obama. "Após oito anos de obstrução, atraso e negação, os EUA voltam a se juntar à comunidade mundial para lidar com esse desafio global."
A idéia em Poznam é lançar as bases para concluir o novo acordo do clima no fim de 2009, num encontro em Copenhague (Dinamarca).
Os entraves econômicos para a negociação, porém, não serão poucos. Um relatório do Secretariado da ONU para Mudança Climática feito no ano passado estimou que o custo de cortar em um quarto as emissões de gases estufa até 2030 seria de US$ 200 bilhões por ano. O documento foi revisto recentemente -após a crise financeira global- e o preço foi reajustado para um valor 170% maior.
A crise já está atrapalhando debates internos na União Européia. Países que dependem muito do carvão como fonte de energia, como Polônia e Itália, já pressionam a UE para mudar alguns pontos de seu plano de metas até 2020, que seria deixar as emissões do bloco 20% menores do que eram em 1990.
A economia também pode se tornar um fator adicional na pressão sobre países em desenvolvimento que ficaram desobrigados de assumir metas de redução de emissões no Protocolo de Kyoto. O discurso de resposta de nações como a China, porém, será pedir mais dinheiro. O governo chinês defende que os países ricas concedam às pobres uma ajuda financeira que represente 0,7% de seu produto interno bruto.Espera-se que cerca de 9.000 pessoas participem do encontro de Poznan, entre integrantes de governos, pesquisadores, industriais e representantes de ONGs ambientais. As sessões da conferência com integrantes de alto escalão dos governos estão marcadas para os dias 11 e 12. Até 150 ministros de meio ambiente devem comparecer.