segunda-feira, 16 de junho de 2008

Militantes da civilização


Por: MARINA SILVA


NA SEMANA PASSADA o Congresso brasileiro recebeu dois grandes homens: um bengalês e um indiano, ambos cidadãos do mundo. Muhammad Yunus, Prêmio Nobel da Paz de 2006, criador do Banco da Aldeia, que deu aos pobres microcrédito e oportunidade de gerar emprego e renda. Rajendra Pachauri, Nobel da Paz em 2007 como chefe do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, que demonstrou a gravidade do aquecimento global e a urgência de medidas para controlar seus efeitos.
É paradoxal a singeleza com que trazem uma pororoca de desafios que a humanidade não pode banalizar nem deles fugir. Ao lado de seus temas específicos -pobreza e mudanças climáticas-, Yunus e Pachauri são portadores do grande tema oculto de nosso tempo: a coragem, tanto para mudar quanto para manter o que tem que ser mantido.
A sociedade de consumo, amplamente vitoriosa, nos impõe uma derrota acachapante: o fatalismo, a crença de que o mundo é assim mesmo, atracado a um conceito de civilização assustador, cuja medida de avanço é o aumento da capacidade de consumir. Quanto trabalho humano e quanto em recursos naturais e energia são gastos para multiplicar consumo perdulário?
Não fosse nosso insustentável desejo de ter, essa força monumental poderia ser redirecionada para dar habitação digna, saúde, alimentação, educação e meio ambiente equilibrado para todos.
Fatalismo pode ser explicação plausível para tanta inércia diante do que podemos chamar de Consenso dos Insensatos, o conluio de poderes para colocar interesses pequenos sempre à frente quando se trata de combater os impactos da máquina de produzir "civilização" descartável, risco ambiental e exclusão social.
Yunus e Pachauri são pessoas simples, discretas. Ambos se dedicam a levar o extraordinário para o dia-a-dia. Lembram que há espaço para a contribuição de todos, de onde saem as grandes mudanças.
Mostram a conexão inexorável dessa nossa encruzilhada civilizatória: não há soluções isoladas. Os instrumentos são econômicos, tecnológicos, sociais, mas eles serão inócuos sem um redirecionamento de processos e de demandas. Isso implica decisões pessoais e coletivas, culturais e espirituais, éticas e até estéticas. O caminho que leva ao abismo nos dá sinalizações para a volta. Há que fazer escolhas.
Hoje, para quem quiser se engajar, não é mais possível ser só ambientalista, ou só militante de causas sociais, políticas, culturais. É preciso se engajar em tudo, ser militante da civilização.



Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1606200806.htm


A sociabilidade dos vegetais


Alguns vegetais estão em condições de reconhecer os próprios semelhantes, membros da “família”, e de ajudá-los. A descoberta feita por uma equipe de biólogos canadenses reabre velhas interrogações e polêmicas entre os cientistas. “São seres sociais”: agora existem as provas. Mas, o mundo da pesquisa continua nutrindo dúvidas: “Os vegetais não têm o cérebro”. “Assombroso, parecia assistir a comportamentos de animais”. A reportagem é de Carole Kaesuk Yoon e publicada pelo jornal La Repubblica, 11-06-2008

Das minúsculas flores cor de lavanda às hastes sacudidas pelo vento, nada desta erva que cresce nas praias e conhecida como rúcula do mar (cakile edenula), permitira pensar que nos encontramos ante uma maravilha da botânica. No entanto, os cientistas descobriram que esta erva daninha está em condições de fazer coisas que outras semelhantes a elas jamais demonstraram saber fazer. É capaz de distinguir entre plantas aparentadas e plantas não aparentadas. E, uma vez reconhecida a área da família, são capazes de garantir-lhe um tratamento preferencial. Se as plantas próximas a elas não são aparentadas, lançam para fora raízes em abundância para capturar-lhes os elementos nutritivos. Mas, se reconhecem familiares, educadamente se contêm.

É uma verdadeira surpresa, até um pouco um choque, também porque a maior parte dos animais não consta que tenham a capacidade de reconhecer os parentes, não obstante disponham neste campo de vantagens colossais em relação às plantas. Porque, se um indivíduo é capaz de reconhecer os próprios “familiares”, quer dizer que também é capaz de ajudá-los, ação de todo sensata do ponto de vista evolutivo, porque os consangüíneos têm uma série de genes em comum. O mesmo organismo também pode dar vida a um comportamento hostil em confronto com indivíduos não aparentados, contra os quais é mais sensato mostrar as garras (ou os espinhos). “Eis porque estou espantada com o que descobrimos”, diz Susan A. Dudley, ecóloga evolutiva das plantas na Universidade McMaster de Hamilton, no Ontário. “As plantas”, diz Dudley, “têm uma vida social secreta”.


Após a publicação, em agosto passado, de sua pesquisa na revista Biology Letters, Dudley e colegas encontraram as provas de que há outras espécies de plantas capazes de reconhecer os “parentes”. Isto significaria que estes organismos, por muito tempo considerados somente vegetação imóvel e passiva, não só percebem toda espécie de informação referente às plantas que crescem ao seu redor, mas que usem estas informações para interagir com elas. O motivo pelo qual a vida social das plantas permaneceu misteriosa por tão longo tempo talvez seja simplesmente porque o modo de perceber as coisas da parte dos organismos vegetais pode ser muito diverso daquele dos animais. Tem sido demonstrado, por exemplo, que algumas plantas percebem plantas próximas potencialmente concorrentes, explorando sutis mudanças da luz. Isto porque as plantas absorvem e refletem determinados comprimentos de onda da luz solar, criando alterações típicas que outras plantas estão em condições de decifrar. Os cientistas também descobriram plantas dotadas de sistemas que lhes permitem recolher informações sobre outras plantas, baseando-se em elementos químicos deixados no solo e no ar.

É o caso da cuscuta. Não estando em condições de desenvolver raízes próprias ou produzir de maneira autônoma os açúcares através da fotossíntese, uma vez despontada da semente, necessita, em tempo bastante rápido, começar a crescer sobre e dentro de outra planta, para extrair dela os elementos nutritivos dos quais necessita para sobreviver. Mas, até mesmo os cientistas que estudam este vegetal ficaram surpresos pela velocidade e exatidão com que uma plantinha de cuscuta consegue individuar e caçar sua vítima. Em filmagens desaceleradas, viram os rebentos mover-se em sentido circular no interior daquilo que descobriram ser uma amostra dos elementos químicos deixados no ar pelas plantas próximas, um pouco como um cão que fareja o ar em torno de uma mesa posta. Depois, baseando-se somente no cheiro, a cuscuta cresce em direção da vítima pré-escolhida. Em outras palavras, consegue individuar e atacar as espécies de plantas, entre aquelas disponíveis em seu redor, sobre as quais consegue crescer melhor. “Quando se olham as filmagens, se tem realmente a impressão de assistir a um comportamento animal”, diz Consuelo M. de Morais, ecóloga e química da Universidade da Pensilvânia, “é como um vermezinho que se move em direção a outra planta”.

A visão das plantas como organismos sensíveis começa a emergir agora, mas já são vinte anos desde que os cientistas descobrem indícios de interações deste gênero. E, não obstante tudo isso, a descobertas continuam a deixá-los estupefatos. O motivo, segundo alguns, estaria numa radicada incredulidade referente à possibilidade que as plantas, sem o benefício de olhos, orelhas, narizes, bocas ou cérebros, estejam em condições de fazer tudo aquilo que se vê fazerem. Assim, mas só recentemente, o debate entre os pesquisadores voltou a concentrar-se em torno de uma interrogação na realidade de velha data: quais, entre as capacidades e os atributos que os cientistas por longo tempo consideraram serem prerrogativa exclusiva dos animais, como a percepção, a apreensão e a memória, podem ser corretamente transferidos às plantas?

A ala extrema da facção “igualitarista”, em todo o caso sempre no interior da comunidade científica, são os membros da Society of Plant Neurobiology. O próprio nome do grupo basta para fazer saltarem os nervos de muitos biólogos. A neurobiologia é o estudo dos sistemas nervosos presentes, quanto se sabe, somente nos animais. Este fato, para a maioria dos cientistas, torna o conceito de neurobiologia das plantas algo impossível, distorcido e irritante ao mesmo tempo. Trinta e seis estudiosos de diversas universidades, entre as quais também Yale e Oxford, se irritaram a ponto de chegarem a publicar, no ano passado, um artigo na revista Trends in Plant Science, no qual contestam à Society of Plant Neurobiology o fato de levantarem a hipótese de sinapses vegetais, exortando os pesquisadores a abandonarem semelhantes “analogias superficiais e extrapolações discutíveis”. De outra parte, replica-se que há cem anos muitos cientistas estavam convencidos que não existia uma fisiologia das plantas. Hoje, aquela idéia é tão manifestamente antiquada que provocaria uma bela risada nos muitos cientistas que operam no setor.