Desigualdade social em quase 700 páginas de um livro. O assunto, a
princípio, pode não atrair a curiosidade de tantas pessoas, mas “Capital In The
Twenty-First Century” (O Capital no Século XXI, em tradução livre), do
economista francês Thomas Piketty, alcançou nesta semana o primeiro lugar na
lista dos livros mais vendidos da Amazon, superando títulos como “Frozen” e
“Game of Thrones”. Logo após o lançamento da edição em inglês, no mês passado, o
livro já aparecia entre os entre os 100 mais vendidos da varejista on-line. Além
disso, foi elogiado por críticos e economistas.
A reportagem é de Andrea Freitas, publicada pelo jornal O Globo,
27-04-2014.
Piketty, de 42 anos, é professor na Escola de Economia de Paris e seu livro
trata da história e do futuro da desigualdade, a concentração de riqueza e as
perspectivas de crescimento econômico. A tese central do livro — cujo título é
uma alusão a “O Capital”, de Karl Marx — é que a desigualdade não é um acidente,
mas uma característica do capitalismo e os excessos só podem ser alterados por
meio da intervenção estatal. O trabalho argumenta que, a não ser que o
capitalismo seja reformado, a ordem democrática será ameaçada.
O autor considera que o mundo está voltando a um “capitalismo patrimonial”,
no qual boa parte da economia é dominada por uma riqueza herdada, que está
crescendo, criando uma oligarquia. Como solução para uma desigualdade extrema,
Piketty propõe uma taxação anual em todo globo sobre riqueza de até 2%,
combinada com um imposto de renda progressivo que chega a 80%.
De acordo com o economista, o crescimento econômico moderno e a difusão do
conhecimento permitiu evitar desigualdades em escala apocalíptica como previsto
por Marx. O francês alerta, no entanto, que as estruturas profundas do capital
não foram modificadas e a desigualdade não foi tão combatida como se imaginava
nas otimistas décadas pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945). E o principal
fator de desigualdade — a tendência de os lucros sobre o capital excederem a
taxa de crescimento econômico — hoje ameaça gerar um abismo tão extremo que é
capaz de gerar descontentamento e minar os valores democráticos. Para o
economista, a ação política restringiu desigualdades perigosas no passado e pode
fazê-lo novamente.
Nova agenda
“Respostas satisfatórias têm sido difíceis de serem encontradas por falta
de informação adequada e de teorias claras”, afirma a apresentação do livro no
site da Amazon. Reunidos ao longo de 15 anos, o autor analisa dados fiscais,
desde o século XVIII, sobre 20 países, entre eles Estados Unidos, França,
Alemanha, Reino Unido e Japão, como forma de desvendar os principais padrões
econômicos e sociais. “Suas descobertas vão transformar o debate e estabelecer a
agenda para a próxima geração de pensamento sobre riqueza e desigualdade”,
afirma a Amazon.
E a obra de 685 páginas tem sido muito elogiada. “A principal razão é
porque ele prova agora, de forma irrefutável e clara, o que todos nós, de alguma
forma, já suspeitávamos: os ricos estão ficando mais ricos em comparação com os
demais e sua riqueza não está indo para baixo, na verdade está indo para cima”,
escreveu Rana Foroohar, da “Time”.
O economista vencedor Nobel de Economia de 2008, Paul Krugman, escreveu no
“New York Times” que o trabalho de Picketty é o mais importante do ano em
economia e talvez também seja o melhor da década. “Piketty, sem dúvida o maior
especialista do mundo em renda e desigualdade de renda, faz mais do que
documentar a crescente concentração nas mãos de uma pequena elite econômica. Ele
também apresenta um argumento poderoso de que estamos no caminho de volta ao
‘capitalismo patrimonial’, no qual os altos comandos da economia não são
dominados apenas pela riqueza, mas também pela riqueza herdada, na qual
nascimento importa mais do que esforço e talento”, escreveu o americano.
Trabalho duro
Para a revista britânica “The Economist”, o livro tem como objetivo
revolucionar a forma como as pessoas pensam sobre a história econômica dos
últimos dois séculos e pode muito bem conseguir isso. “É, antes de tudo, um
olhar muito detalhado de 200 anos de dados sobre a distribuição de renda e
riqueza em todo o mundo desenvolvido”.
Jordan Weissman, da “Slate”, compara Piketty a um astro do rock e destaca o
interesse que o economista francês despertou também em Washington: “Passando
recentemente pela capital federal, ele teve um breve encontro com o secretário
do Tesouro Jack Lew, o Conselho de Assessores Econômicos e o FMI”.
Em entrevista ao jornal francês “Le Monde”, Piketty reconhece que o sucesso
superou o que ele esperava, mas afirma que o livro é resultado de muito tempo de
trabalho sobre desigualdade. “A novidade é que é um trabalho mais abrangente,
por isso é normal que ele chame mais atenção. Estou surpreso com o sucesso, mas
ao mesmo tempo o objetivo era chegar a tantas pessoas.”
Na Amazon.com, a versão em capa dura sai a US$ 24,59, sem custos de envio.
Na versão brasileira do site, a edição para Kindle pode ser obtida on-line a R$
49,19.
Piketty, um problema para a direita
"Todo mundo certamente discorda de 10% a 20% da argumentação de Piketty e
todo mundo têm dúvidas sobre talvez outros 10% a 20%. Mas, em ambos os
casos, cada leitor tem seus próprios 10% a 20% pessoais. Em outras
palavras, há um consenso majoritário de que cada parte do livro é, de
modo geral, correta, o que significa haver um quase consenso de que a
argumentação geral do livro é, grosso modo, correta", escreve J. Bradford DeLong, ex-vice-secretário assistente do Tesouro dos EUA, professor de Economia na Universidade da Califórnia em Berkeley e pesquisador associado ao Birô Nacional de Pesquisa Econômica, em artigo publicado pelo jornal Valor, 02-05-2014.
Eis o artigo.
No periódico online "The Baffler", Kathleen Geier tentou recentemente fazer um apanhado geral da crítica conservadora ao novo livro "Capital in the Twenty-First Century", deThomas Piketty. O espantoso, para mim, é como revela-se fraca a abordagem da direita contra os argumentos de Piketty.
A argumentação do autor é detalhada e complicada. Mas cinco pontos parecem particularmente relevantes:
1-
a riqueza de uma sociedade em relação à sua renda anual cresce (ou
diminui) até um nível igual à sua taxa de poupança líquida dividida por
sua taxa de crescimento.
2-
a passagem do tempo e o acaso resultam inevitavelmente em concentração
da riqueza nas mãos de um grupo relativamente pequeno - podemos
designá-los como "os ricos".
3
- a taxa de crescimento da economia diminui enquanto os frutos da
industrialização mais ao alcance da mão são colhidos; ao mesmo tempo, a
taxa de poupança líquida cresce devido a uma reversão da tributação
progressiva, ao fim da caótica destruição na primeira metade doSéculo XX e à ausência de razões sociológicas convincentes para que os ricos gastem os suas rendas ou sua riqueza, em vez de poupá-la.
4-
uma sociedade em que os ricos têm um grau elevado de influência
econômica, política e sociocultural é uma sociedade, sob diversos
aspectos, desagradável.
5
- uma sociedade onde a relação riqueza sobre renda anual é um múltiplo
muito grande da taxa de crescimento é um ambiente onde o controle sobre a
riqueza passa a herdeiros - o que Geier apelidou
de "herdeirocracia"; esse tipo de sociedade é sob muitos aspectos ainda
mais desagradável do que uma dominada por uma elite rica meritocrática e
empreendedora.
Bem,
mesmo em forma sintética, esse é um argumento complicado. Por isso,
seria de esperar que provocasse o surgimento de um grande volume de
material com críticas substanciais. E, de fato, Matt Rognlie atacou
o ponto 4, argumentando que o retorno sobre a riqueza varia
inversamente em relação à riqueza sobre a renda anual tão fortemente
que, paradoxalmente, quanto mais riqueza detêm os ricos, menor sua
participação na renda total. Assim, a influência econômica, política e
sociocultural dos ricos é também mais fraca.
Tyler Cowen, da George Mason University, em linha com o pensamento de Friedrich von Hayek, argumentou contra os pontos 4 e 5. Os "ricos ociosos", de acordo com Cowen,
são um recurso cultural valioso precisamente porque constituem uma
aristocracia ociosa. É apenas porque eles não estão vinculados à roda
cármica de trabalhar para ganhar seu sustento, comprar suas coisas e
gastar para satisfazer suas necessidades e conveniências que eles podem
assumir a visão dilatada e/ou heterodoxa sobre as coisas e criar, por
exemplo, grande arte.
Outros,
ainda, agitavam as mãos e torciam por uma nova revolução industrial que
venha a criar mais frutos fáceis de colher e seja acompanhada por uma
renovada onda de destruição criativa. Se isso acontecer, será possível
mais mobilidade ascendente, negando, assim, os pontos 2 e 3.
Porém o mais extraordinário na crítica conservadora ao livro de Thomas Piketty é
quão pouco ela desenvolveu algum desses argumentos e quanto é dedicada a
uma furiosa denúncia da capacidade analítica, da motivação e até mesmo
da nacionalidade de seu autor.
Clive Crook,
por exemplo, argumenta que "os limites dos dados que [ Piketty ]
apresenta e a grandiosidade das conclusões que ele tira... beiram a
esquizofrenia", produzindo conclusões que são "desprovidas de
sustentação ou contraditadas por [seus] próprios dados e análises". E é o
"horror de Piketty diante do aumento da desigualdade", especula Crook, que induziu a erro.
James Pethokoukis, por seu turno, julga que a obra de Piketty pode ser reduzida a um tweet: "Karl Marx não estava errado, apenas prematuro. É isso aí. Desculpe, capitalismo. #desigualdadeprasempre".
E há então a pueril acusação de Allan Meltzer, de excessiva "francesidade". Piketty, fique sabendo o leitor, foi colega de seu compatriota francês Emmanuel Saez "no MIT, onde...Olivier Blanchard [do
Fundo Monetário Internacional], foi professor. Também este é francês. A
França, há muitos anos, implementa políticas destrutivas de
redistribuição de renda".
Combinando
essas vertentes da crítica conservadora, o verdadeiro problema do livro
de Piketty fica claro: o seu autor é um comunista estrangeiro
mentalmente instável. Essa é uma velha tática usada pela direita
americana, que destruiu milhares de vidas e carreiras durante a era McCarthy. Mas a caracterização de ideias como sendo de alguma forma antiamericanas tem sido sempre um epíteto, e não um argumento.
Por outro lado, nas comunidades americanas de centro-esquerda, como Berkeley, Califórnia, onde moro e trabalho, o livro de Piketty foi
recebido com louvor beirando a reverência. Estamos impressionados com o
volume de trabalho que ele e seus colegas aplicaram na coleta,
compilação e limpeza dos dados; a inteligência e a habilidade com que
ele construiu e apresentou seus argumentos; e quanto sangue Arthur Goldhammer suou no trabalho de tradução.
Todo mundo certamente discorda de 10% a 20% da argumentação de Piketty e
todo mundo têm dúvidas sobre talvez outros 10% a 20%. Mas, em ambos os
casos, cada leitor tem seus próprios 10% a 20% pessoais. Em outras
palavras, há um consenso majoritário de que cada parte do livro é, de
modo geral, correta, o que significa haver um quase consenso de que a
argumentação geral do livro é, grosso modo, correta.
A menos que os críticos de direita contrários a Piketty melhorem
o nível de sua crítica e realmente apresentem alguns pontos válidos,
essa será a avaliação cristalizada sobre o livro de Piketty. Nenhuma quantidade de "anticomunismo" ou "antifrancesismo" fará diferença.
Que o capitalismo é injusto já foi dito antes. Mas é a forma como Thomas Piketty o
diz – sutilmente mas com uma lógica implacável – o que levou os
economistas da direita a um frenezi, tanto aqui [na Inglaterra] quanto
nos Estados Unidos.
O comentário é de Paul Mason, editor cultural e digital do Channel 4 News, em artigo publicado pelo The Guardian, 28-04-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O seu livro – intitulado “Capital in the Twenty-First Century” [O capital no século XXI] – disparou na lista entre os mais vendidos no site Amazon.
Tê-lo consigo, em alguns ambientes de Manhattan, se tornou a mais nova
ferramenta para se conectar socialmente com jovens progressistas. Ao
mesmo tempo, seu autor vem sendo condenado como neomarxista por
comentaristas de direita. Afinal, qual a causa de tudo isso?
O argumento de Piketty é
que, numa economia onde a taxa de rendimento sobre o capital supera a
taxa de crescimento, a riqueza herdada sempre crescerá mais rapidamente
do que a riqueza conquistada. Assim, o fato de que filhos ricos podem
passar de um ano sabático sem rumo a um emprego no banco, na rede de
televisão, etc., do pai – enquanto os filhos pobres continuam
transpirando dentro de seus uniformes – não é acidental: é o sistema
funcionando normalmente.
Se
se tem um crescimento lento junto de rendimentos financeiros melhores,
então a riqueza herdada irá, na média, “superar a riqueza acumulada de
uma vida toda de trabalho por uma ampla margem”, diz Piketty.
A riqueza irá se concentrar em níveis incompatíveis com a democracia,
irá abandonar a justiça social. Em suma, o capitalismo cria
automaticamente níveis de desigualdade que são insustentáveis. A crescente riqueza daquele 1% não é um episódio isolado nem mera retórica.
Para
entender por que o sistema dominante acha esta proposição um tanto
desagradável, é preciso compreender que se pensava ser o assunto
“distribuição” – termo bonito para se referir à desigualdade – um tema
acabado. Simon Kuznets,
o bielorrusso emigrado que se tornou uma figura importante da economia
americana, fez uso das informações disponíveis à época para mostrar que,
embora as sociedades se tornassem mais desiguais nos primeiros estágios
da industrialização, esta desigualdade diminuiria na medida em que elas
alcançassem a maturidade. Tal “curva de Kuznets” fora aceita pela maioria dos profissionais de economia até Piketty e seus colaboradores produzirem as provas para mostrar que isso era falso.
Na
verdade, a curva vai exatamente na direção oposta: o capitalismo
começou desigual, achatou a desigualdade durante grande parte do século
XX, mas atualmente está voltando em direção aos níveis dickensianos de
desigualdade no mundo.
Piketty aceita
a ideia de que os frutos da maturidade econômica – aptidões, formação e
educação da força de trabalho – promovem, de fato, uma maior igualdade.
Mas eles podem ser neutralizados por uma tendência mais fundamental no
sentido da desigualdade, que é desencadeada onde quer que a demografia, a
baixa taxação ou a fraca organização trabalhista permita. Grande parte
das 700 páginas do livro são gastas mobilizando as provas de que o
capitalismo do século XXI percorre um trajeto só de ida em direção à
desigualdade – a menos que façamos alguma coisa.
Se Piketty estiver
certo, haverá enormes implicações políticas, e a beleza do livro é que
ele nunca se abstém de apontá-las. O pedido feito por Piketty de
um imposto global “confiscatório” sobre a riqueza herdada faz outros
economistas, em princípio radicais, parecerem familiares. Ele propõe um
imposto de 80% sobre os rendimentos acima de 500 mil dólares ao ano nos EUA, assegurando a seus leitores que não haveria nem uma fuga de grandes executivos para o Canadá tampouco uma desaceleração do crescimento, uma vez que o resultado seria simplesmente suprimir tais rendimentos.
Embora
supere a agenda macroeconômica, os golpes colaterais do livro contra a
moda microeconômica, muitas vezes trazidas em notas de rodapé, parecem
uma piada interna contra a geração para a qual todos os problemas
pareciam resolvidos, com exceção dos preços da cocaína vendida nas ruas
de Georgetown.
Além disso, o livro hipnotizou os profissionais da economia por causa da forma como Pikettycria
teoricamente o seu próprio mundo. Ele define as duas categorias
básicas, riqueza e renda, de forma ampla e assertiva como ninguém antes
tinha se preocupado em fazer. Os termos e as explicações da obra são
extremamente simples; com uma infinidade de dados históricos, Piketty reduz
a história do capitalismo a um claro arco narrativo. Para se desafiar a
sua argumentação, é preciso rejeitar suas premissas e não sua
elaboração.
Desde a primeira página ele, ilustra com observações viscerais, o mundo injusto no qual vivemos: começa com o massacre de Marikana e não esmorece. Ele apresenta não só os índices de juros do século XVIII como provas, mas também as obras de Jane Austen eHonoré de Balzac.
Usa estes dois escritores para ilustrar como, no início do século XIX,
era lógico desdenhar o trabalho a favor do casamento pela riqueza. Isso
se tornou tão presente que fortaleceu o mito central do capitalismo e
sua justificativa moral: aquela de que a riqueza é gerada pelo esforço,
pela criatividade, pelo trabalho, pelo investimento correto, pelo risco
assumido, etc.
Para Piketty,
o período de meados do século XX marcado pelo aumento da igualdade foi
um pontinho produzido pelas exigências da guerra, do poder do trabalho
organizado, da necessidade de uma tributação alta, por fatores
demográficos e pela inovação técnica.
Dito
de forma direta, se o crescimento for alto e o rendimento do capital
for suprimido, poder-se-á ter um capitalismo mais igualitário. Mas, diz Piketty,
uma repetição da era keynesiana é improvável: o trabalho está
enfraquecido, a inovação tecnológica está demasiado lenta, o poder
global do capital está demasiado forte. Além disso, a legitimidade deste
sistema desigual é alta, isso porque ele encontrou formas de estender a
riqueza à classe empresarial de uma forma que não se conseguiu fazer no
século XIX.
Se
o autor estiver certo, as implicações para o capitalismo são bastante
negativas: estamos diante de um capitalismo com baixo crescimento,
combinado com altos níveis de desigualdade e baixos níveis de mobilidade
social. Se o sujeito não nascer na riqueza, será bastante difícil
enriquecer.
Seria Piketty o novo Karl Marx? Qualquer um que tenha lido este último saberá que ele não o é. A crítica de Marx ao capitalismo não era sobre a distribuição, mas sobre a produção: para Marx não seria o aumento da desigualdade, mas sim uma ruptura no mecanismo de lucro o que levaria o sistema a seu fim.
Onde Marx via relações sociais – entre trabalhadores e gerentes, proprietários de fábricas e a aristocracia rural –, Piketty vê
apenas categorias sociais: riqueza e renda. A economia marxista vive
num mundo onde as tendências interiores do capitalismo são contrariadas
por sua experiência de superfície. O mundo de Piketty é feito somente de dados históricos concretos. Então, as acusações de um marxismo suave estão completamente equivocadas.
Mais precisamente, Piketty colocou
uma bomba não detonada dentro da economia clássica, dominante. Se a
causa subjacente da catástrofe bancária de 2008 foi a queda na renda ao
lado de uma crescente riqueza financeira, então – diz Piketty –
estas coisas não foram por acaso: não foram produtos de uma regulação
frouxa ou de uma ganância simples. A crise é o produto do sistema
funcionando normalmente, e devemos esperar mais.
Um dos capítulos mais interessantes é o debate proposto por Piketty do
aumento quase universal daquilo que ele chama de “Estado social”. O
crescimento contínuo na proporção da renda nacional consumida pelo
Estado, gasto nos serviços universais, em pensões e benefícios, sustenta
o autor, é uma característica irreversível do capitalismo moderno. Ele
observa que tal distribuição se tornou uma questão de “direito” às
coisas – de saúde e pensões – em lugar de simplesmente ser um problema
dos índices de tributação. A sua solução é uma taxa específica,
progressiva, sobre a riqueza privada: um imposto excepcional sobre o
capital, possivelmente combinado com o utilização ostensiva da inflação.
A
lógica política para a esquerda está clara. Durante grande parte do
século XX a redistribuição fora feita através de imposto sobre os
rendimentos. No século XXI, qualquer partido que queira redistribuir
precisará confiscar a riqueza, e não somente a renda.
O poder da obra de Piketty é
que ela também desafia a narrativa de centro-esquerda da globalização,
que acreditava que a requalificação da força de trabalho, combinada com
uma redistribuição amena, iria promover a justiça social. Isso,
demonstra Piketty,
é um engano. Tudo o que a social-democracia e o liberalismo podem
produzir, com suas atuais políticas, é o iate do oligarca coexistindo
com o banco de alimentos para todo o sempre.
A obra de Piketty, “Capital in the Twenty-First Century” (diferentemente de “O Capital”, de Marx)
contém soluções no próprio terreno do capitalismo: os 15% de impostos
sobre o capital, os 80% de impostos sobre os altos rendimentos, uma
transparência obrigatória em todas as transações bancárias, uma
utilização ostensiva da inflação para a redistribuição da riqueza. Ele
considera algumas destas soluções “utópicas”, e está certo nisso. É mais
fácil imaginar um colapso do capitalismo do que uma elite consentir com
estas ideias.