quinta-feira, 15 de maio de 2014

Livro de economia lidera lista de mais vendidos da Amazon


Desigualdade social em quase 700 páginas de um livro. O assunto, a princípio, pode não atrair a curiosidade de tantas pessoas, mas “Capital In The Twenty-First Century” (O Capital no Século XXI, em tradução livre), do economista francês Thomas Piketty, alcançou nesta semana o primeiro lugar na lista dos livros mais vendidos da Amazon, superando títulos como “Frozen” e “Game of Thrones”. Logo após o lançamento da edição em inglês, no mês passado, o livro já aparecia entre os entre os 100 mais vendidos da varejista on-line. Além disso, foi elogiado por críticos e economistas.
A reportagem é de Andrea Freitas, publicada pelo jornal O Globo, 27-04-2014.
Piketty, de 42 anos, é professor na Escola de Economia de Paris e seu livro trata da história e do futuro da desigualdade, a concentração de riqueza e as perspectivas de crescimento econômico. A tese central do livro — cujo título é uma alusão a “O Capital”, de Karl Marx — é que a desigualdade não é um acidente, mas uma característica do capitalismo e os excessos só podem ser alterados por meio da intervenção estatal. O trabalho argumenta que, a não ser que o capitalismo seja reformado, a ordem democrática será ameaçada.
O autor considera que o mundo está voltando a um “capitalismo patrimonial”, no qual boa parte da economia é dominada por uma riqueza herdada, que está crescendo, criando uma oligarquia. Como solução para uma desigualdade extrema, Piketty propõe uma taxação anual em todo globo sobre riqueza de até 2%, combinada com um imposto de renda progressivo que chega a 80%.
De acordo com o economista, o crescimento econômico moderno e a difusão do conhecimento permitiu evitar desigualdades em escala apocalíptica como previsto por Marx. O francês alerta, no entanto, que as estruturas profundas do capital não foram modificadas e a desigualdade não foi tão combatida como se imaginava nas otimistas décadas pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945). E o principal fator de desigualdade — a tendência de os lucros sobre o capital excederem a taxa de crescimento econômico — hoje ameaça gerar um abismo tão extremo que é capaz de gerar descontentamento e minar os valores democráticos. Para o economista, a ação política restringiu desigualdades perigosas no passado e pode fazê-lo novamente.
Nova agenda
“Respostas satisfatórias têm sido difíceis de serem encontradas por falta de informação adequada e de teorias claras”, afirma a apresentação do livro no site da Amazon. Reunidos ao longo de 15 anos, o autor analisa dados fiscais, desde o século XVIII, sobre 20 países, entre eles Estados Unidos, França, Alemanha, Reino Unido e Japão, como forma de desvendar os principais padrões econômicos e sociais. “Suas descobertas vão transformar o debate e estabelecer a agenda para a próxima geração de pensamento sobre riqueza e desigualdade”, afirma a Amazon.
E a obra de 685 páginas tem sido muito elogiada. “A principal razão é porque ele prova agora, de forma irrefutável e clara, o que todos nós, de alguma forma, já suspeitávamos: os ricos estão ficando mais ricos em comparação com os demais e sua riqueza não está indo para baixo, na verdade está indo para cima”, escreveu Rana Foroohar, da “Time”.
O economista vencedor Nobel de Economia de 2008, Paul Krugman, escreveu no “New York Times” que o trabalho de Picketty é o mais importante do ano em economia e talvez também seja o melhor da década. “Piketty, sem dúvida o maior especialista do mundo em renda e desigualdade de renda, faz mais do que documentar a crescente concentração nas mãos de uma pequena elite econômica. Ele também apresenta um argumento poderoso de que estamos no caminho de volta ao ‘capitalismo patrimonial’, no qual os altos comandos da economia não são dominados apenas pela riqueza, mas também pela riqueza herdada, na qual nascimento importa mais do que esforço e talento”, escreveu o americano.
Trabalho duro
Para a revista britânica “The Economist”, o livro tem como objetivo revolucionar a forma como as pessoas pensam sobre a história econômica dos últimos dois séculos e pode muito bem conseguir isso. “É, antes de tudo, um olhar muito detalhado de 200 anos de dados sobre a distribuição de renda e riqueza em todo o mundo desenvolvido”.
Jordan Weissman, da “Slate”, compara Piketty a um astro do rock e destaca o interesse que o economista francês despertou também em Washington: “Passando recentemente pela capital federal, ele teve um breve encontro com o secretário do Tesouro Jack Lew, o Conselho de Assessores Econômicos e o FMI”.
Em entrevista ao jornal francês “Le Monde”, Piketty reconhece que o sucesso superou o que ele esperava, mas afirma que o livro é resultado de muito tempo de trabalho sobre desigualdade. “A novidade é que é um trabalho mais abrangente, por isso é normal que ele chame mais atenção. Estou surpreso com o sucesso, mas ao mesmo tempo o objetivo era chegar a tantas pessoas.”
Na Amazon.com, a versão em capa dura sai a US$ 24,59, sem custos de envio. Na versão brasileira do site, a edição para Kindle pode ser obtida on-line a R$ 49,19.



Piketty, um problema para a direita

"Todo mundo certamente discorda de 10% a 20% da argumentação de Piketty e todo mundo têm dúvidas sobre talvez outros 10% a 20%. Mas, em ambos os casos, cada leitor tem seus próprios 10% a 20% pessoais. Em outras palavras, há um consenso majoritário de que cada parte do livro é, de modo geral, correta, o que significa haver um quase consenso de que a argumentação geral do livro é, grosso modo, correta", escreve J. Bradford DeLong, ex-vice-secretário assistente do Tesouro dos EUA, professor de Economia na Universidade da Califórnia em Berkeley e pesquisador associado ao Birô Nacional de Pesquisa Econômica, em artigo publicado pelo jornal Valor, 02-05-2014.
Eis o artigo.
No periódico online "The Baffler"Kathleen Geier tentou recentemente fazer um apanhado geral da crítica conservadora ao novo livro "Capital in the Twenty-First Century", deThomas Piketty. O espantoso, para mim, é como revela-se fraca a abordagem da direita contra os argumentos de Piketty.
A argumentação do autor é detalhada e complicada. Mas cinco pontos parecem particularmente relevantes:
1- a riqueza de uma sociedade em relação à sua renda anual cresce (ou diminui) até um nível igual à sua taxa de poupança líquida dividida por sua taxa de crescimento.
2- a passagem do tempo e o acaso resultam inevitavelmente em concentração da riqueza nas mãos de um grupo relativamente pequeno - podemos designá-los como "os ricos".
3 - a taxa de crescimento da economia diminui enquanto os frutos da industrialização mais ao alcance da mão são colhidos; ao mesmo tempo, a taxa de poupança líquida cresce devido a uma reversão da tributação progressiva, ao fim da caótica destruição na primeira metade doSéculo XX e à ausência de razões sociológicas convincentes para que os ricos gastem os suas rendas ou sua riqueza, em vez de poupá-la.
4- uma sociedade em que os ricos têm um grau elevado de influência econômica, política e sociocultural é uma sociedade, sob diversos aspectos, desagradável.
5 - uma sociedade onde a relação riqueza sobre renda anual é um múltiplo muito grande da taxa de crescimento é um ambiente onde o controle sobre a riqueza passa a herdeiros - o que Geier apelidou de "herdeirocracia"; esse tipo de sociedade é sob muitos aspectos ainda mais desagradável do que uma dominada por uma elite rica meritocrática e empreendedora.
Bem, mesmo em forma sintética, esse é um argumento complicado. Por isso, seria de esperar que provocasse o surgimento de um grande volume de material com críticas substanciais. E, de fato, Matt Rognlie atacou o ponto 4, argumentando que o retorno sobre a riqueza varia inversamente em relação à riqueza sobre a renda anual tão fortemente que, paradoxalmente, quanto mais riqueza detêm os ricos, menor sua participação na renda total. Assim, a influência econômica, política e sociocultural dos ricos é também mais fraca.
Tyler Cowen, da George Mason University, em linha com o pensamento de Friedrich von Hayek, argumentou contra os pontos 4 e 5. Os "ricos ociosos", de acordo com Cowen, são um recurso cultural valioso precisamente porque constituem uma aristocracia ociosa. É apenas porque eles não estão vinculados à roda cármica de trabalhar para ganhar seu sustento, comprar suas coisas e gastar para satisfazer suas necessidades e conveniências que eles podem assumir a visão dilatada e/ou heterodoxa sobre as coisas e criar, por exemplo, grande arte.
Outros, ainda, agitavam as mãos e torciam por uma nova revolução industrial que venha a criar mais frutos fáceis de colher e seja acompanhada por uma renovada onda de destruição criativa. Se isso acontecer, será possível mais mobilidade ascendente, negando, assim, os pontos 2 e 3.
Porém o mais extraordinário na crítica conservadora ao livro de Thomas Piketty é quão pouco ela desenvolveu algum desses argumentos e quanto é dedicada a uma furiosa denúncia da capacidade analítica, da motivação e até mesmo da nacionalidade de seu autor.
Clive Crook, por exemplo, argumenta que "os limites dos dados que [ Piketty ] apresenta e a grandiosidade das conclusões que ele tira... beiram a esquizofrenia", produzindo conclusões que são "desprovidas de sustentação ou contraditadas por [seus] próprios dados e análises". E é o "horror de Piketty diante do aumento da desigualdade", especula Crook, que induziu a erro.
James Pethokoukis, por seu turno, julga que a obra de Piketty pode ser reduzida a um tweet: "Karl Marx não estava errado, apenas prematuro. É isso aí. Desculpe, capitalismo. #desigualdadeprasempre".
E há então a pueril acusação de Allan Meltzer, de excessiva "francesidade". Piketty, fique sabendo o leitor, foi colega de seu compatriota francês Emmanuel Saez "no MIT, onde...Olivier Blanchard [do Fundo Monetário Internacional], foi professor. Também este é francês. A França, há muitos anos, implementa políticas destrutivas de redistribuição de renda".
Combinando essas vertentes da crítica conservadora, o verdadeiro problema do livro de Piketty fica claro: o seu autor é um comunista estrangeiro mentalmente instável. Essa é uma velha tática usada pela direita americana, que destruiu milhares de vidas e carreiras durante a era McCarthy. Mas a caracterização de ideias como sendo de alguma forma antiamericanas tem sido sempre um epíteto, e não um argumento.
Por outro lado, nas comunidades americanas de centro-esquerda, como Berkeley, Califórnia, onde moro e trabalho, o livro de Piketty foi recebido com louvor beirando a reverência. Estamos impressionados com o volume de trabalho que ele e seus colegas aplicaram na coleta, compilação e limpeza dos dados; a inteligência e a habilidade com que ele construiu e apresentou seus argumentos; e quanto sangue Arthur Goldhammer suou no trabalho de tradução.
Todo mundo certamente discorda de 10% a 20% da argumentação de Piketty e todo mundo têm dúvidas sobre talvez outros 10% a 20%. Mas, em ambos os casos, cada leitor tem seus próprios 10% a 20% pessoais. Em outras palavras, há um consenso majoritário de que cada parte do livro é, de modo geral, correta, o que significa haver um quase consenso de que a argumentação geral do livro é, grosso modo, correta.
A menos que os críticos de direita contrários a Piketty melhorem o nível de sua crítica e realmente apresentem alguns pontos válidos, essa será a avaliação cristalizada sobre o livro de Piketty. Nenhuma quantidade de "anticomunismo" ou "antifrancesismo" fará diferença.



“O Capital” de Thomas Piketty: tudo o que você 

precisa saber sobre o surpreendente best-seller

Que o capitalismo é injusto já foi dito antes. Mas é a forma como Thomas Piketty o diz – sutilmente mas com uma lógica implacável – o que levou os economistas da direita a um frenezi, tanto aqui [na Inglaterra] quanto nos Estados Unidos.
O comentário é de Paul Mason, editor cultural e digital do Channel 4 News, em artigo publicado pelo The Guardian, 28-04-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O seu livro – intitulado “Capital in the Twenty-First Century” [O capital no século XXI] – disparou na lista entre os mais vendidos no site Amazon. Tê-lo consigo, em alguns ambientes de Manhattan, se tornou a mais nova ferramenta para se conectar socialmente com jovens progressistas. Ao mesmo tempo, seu autor vem sendo condenado como neomarxista por comentaristas de direita. Afinal, qual a causa de tudo isso?
argumento de Piketty é que, numa economia onde a taxa de rendimento sobre o capital supera a taxa de crescimento, a riqueza herdada sempre crescerá mais rapidamente do que a riqueza conquistada. Assim, o fato de que filhos ricos podem passar de um ano sabático sem rumo a um emprego no banco, na rede de televisão, etc., do pai – enquanto os filhos pobres continuam transpirando dentro de seus uniformes – não é acidental: é o sistema funcionando normalmente.
Se se tem um crescimento lento junto de rendimentos financeiros melhores, então a riqueza herdada irá, na média, “superar a riqueza acumulada de uma vida toda de trabalho por uma ampla margem”, diz Piketty. A riqueza irá se concentrar em níveis incompatíveis com a democracia, irá abandonar a justiça social. Em suma, o capitalismo cria automaticamente níveis de desigualdade que são insustentáveis. A crescente riqueza daquele 1% não é um episódio isolado nem mera retórica.
Para entender por que o sistema dominante acha esta proposição um tanto desagradável, é preciso compreender que se pensava ser o assunto “distribuição” – termo bonito para se referir à desigualdade – um tema acabado. Simon Kuznets, o bielorrusso emigrado que se tornou uma figura importante da economia americana, fez uso das informações disponíveis à época para mostrar que, embora as sociedades se tornassem mais desiguais nos primeiros estágios da industrialização, esta desigualdade diminuiria na medida em que elas alcançassem a maturidade. Tal “curva de Kuznets” fora aceita pela maioria dos profissionais de economia até Piketty e seus colaboradores produzirem as provas para mostrar que isso era falso.
Na verdade, a curva vai exatamente na direção oposta: o capitalismo começou desigual, achatou a desigualdade durante grande parte do século XX, mas atualmente está voltando em direção aos níveis dickensianos de desigualdade no mundo.
Piketty aceita a ideia de que os frutos da maturidade econômica – aptidões, formação e educação da força de trabalho – promovem, de fato, uma maior igualdade. Mas eles podem ser neutralizados por uma tendência mais fundamental no sentido da desigualdade, que é desencadeada onde quer que a demografia, a baixa taxação ou a fraca organização trabalhista permita. Grande parte das 700 páginas do livro são gastas mobilizando as provas de que o capitalismo do século XXI percorre um trajeto só de ida em direção à desigualdade – a menos que façamos alguma coisa.
Se Piketty estiver certo, haverá enormes implicações políticas, e a beleza do livro é que ele nunca se abstém de apontá-las. O pedido feito por Piketty de um imposto global “confiscatório” sobre a riqueza herdada faz outros economistas, em princípio radicais, parecerem familiares. Ele propõe um imposto de 80% sobre os rendimentos acima de 500 mil dólares ao ano nos EUA, assegurando a seus leitores que não haveria nem uma fuga de grandes executivos para o Canadá tampouco uma desaceleração do crescimento, uma vez que o resultado seria simplesmente suprimir tais rendimentos.
Embora supere a agenda macroeconômica, os golpes colaterais do livro contra a moda microeconômica, muitas vezes trazidas em notas de rodapé, parecem uma piada interna contra a geração para a qual todos os problemas pareciam resolvidos, com exceção dos preços da cocaína vendida nas ruas de Georgetown.
Além disso, o livro hipnotizou os profissionais da economia por causa da forma como Pikettycria teoricamente o seu próprio mundo. Ele define as duas categorias básicas, riqueza e renda, de forma ampla e assertiva como ninguém antes tinha se preocupado em fazer. Os termos e as explicações da obra são extremamente simples; com uma infinidade de dados históricos, Piketty reduz a história do capitalismo a um claro arco narrativo. Para se desafiar a sua argumentação, é preciso rejeitar suas premissas e não sua elaboração.
Desde a primeira página ele, ilustra com observações viscerais, o mundo injusto no qual vivemos: começa com o massacre de Marikana e não esmorece. Ele apresenta não só os índices de juros do século XVIII como provas, mas também as obras de Jane Austen eHonoré de Balzac. Usa estes dois escritores para ilustrar como, no início do século XIX, era lógico desdenhar o trabalho a favor do casamento pela riqueza. Isso se tornou tão presente que fortaleceu o mito central do capitalismo e sua justificativa moral: aquela de que a riqueza é gerada pelo esforço, pela criatividade, pelo trabalho, pelo investimento correto, pelo risco assumido, etc.
Para Piketty, o período de meados do século XX marcado pelo aumento da igualdade foi um pontinho produzido pelas exigências da guerra, do poder do trabalho organizado, da necessidade de uma tributação alta, por fatores demográficos e pela inovação técnica.
Dito de forma direta, se o crescimento for alto e o rendimento do capital for suprimido, poder-se-á ter um capitalismo mais igualitário. Mas, diz Piketty, uma repetição da era keynesiana é improvável: o trabalho está enfraquecido, a inovação tecnológica está demasiado lenta, o poder global do capital está demasiado forte. Além disso, a legitimidade deste sistema desigual é alta, isso porque ele encontrou formas de estender a riqueza à classe empresarial de uma forma que não se conseguiu fazer no século XIX.
Se o autor estiver certo, as implicações para o capitalismo são bastante negativas: estamos diante de um capitalismo com baixo crescimento, combinado com altos níveis de desigualdade e baixos níveis de mobilidade social. Se o sujeito não nascer na riqueza, será bastante difícil enriquecer.
Seria Piketty o novo Karl Marx? Qualquer um que tenha lido este último saberá que ele não o é. A crítica de Marx ao capitalismo não era sobre a distribuição, mas sobre a produção: para Marx não seria o aumento da desigualdade, mas sim uma ruptura no mecanismo de lucro o que levaria o sistema a seu fim.
Onde Marx via relações sociais – entre trabalhadores e gerentes, proprietários de fábricas e a aristocracia rural –, Piketty vê apenas categorias sociais: riqueza e renda. A economia marxista vive num mundo onde as tendências interiores do capitalismo são contrariadas por sua experiência de superfície. O mundo de Piketty é feito somente de dados históricos concretos. Então, as acusações de um marxismo suave estão completamente equivocadas.
Mais precisamente, Piketty colocou uma bomba não detonada dentro da economia clássica, dominante. Se a causa subjacente da catástrofe bancária de 2008 foi a queda na renda ao lado de uma crescente riqueza financeira, então – diz Piketty – estas coisas não foram por acaso: não foram produtos de uma regulação frouxa ou de uma ganância simples. A crise é o produto do sistema funcionando normalmente, e devemos esperar mais.
Um dos capítulos mais interessantes é o debate proposto por Piketty do aumento quase universal daquilo que ele chama de “Estado social”. O crescimento contínuo na proporção da renda nacional consumida pelo Estado, gasto nos serviços universais, em pensões e benefícios, sustenta o autor, é uma característica irreversível do capitalismo moderno. Ele observa que tal distribuição se tornou uma questão de “direito” às coisas – de saúde e pensões – em lugar de simplesmente ser um problema dos índices de tributação. A sua solução é uma taxa específica, progressiva, sobre a riqueza privada: um imposto excepcional sobre o capital, possivelmente combinado com o utilização ostensiva da inflação.
A lógica política para a esquerda está clara. Durante grande parte do século XX a redistribuição fora feita através de imposto sobre os rendimentos. No século XXI, qualquer partido que queira redistribuir precisará confiscar a riqueza, e não somente a renda.
O poder da obra de Piketty é que ela também desafia a narrativa de centro-esquerda da globalização, que acreditava que a requalificação da força de trabalho, combinada com uma redistribuição amena, iria promover a justiça social. Isso, demonstra Piketty, é um engano. Tudo o que a social-democracia e o liberalismo podem produzir, com suas atuais políticas, é o iate do oligarca coexistindo com o banco de alimentos para todo o sempre.
A obra de Piketty“Capital in the Twenty-First Century” (diferentemente de “O Capital”, de Marx) contém soluções no próprio terreno do capitalismo: os 15% de impostos sobre o capital, os 80% de impostos sobre os altos rendimentos, uma transparência obrigatória em todas as transações bancárias, uma utilização ostensiva da inflação para a redistribuição da riqueza. Ele considera algumas destas soluções “utópicas”, e está certo nisso. É mais fácil imaginar um colapso do capitalismo do que uma elite consentir com estas ideias.