quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

FIDEL

Mais uma vez peço desculpas ao grupo desse blog, mas a comunista impedernida que em mim habita não pode conter o ímpeto de publicar algo sobre o barbudo vivo mais famoso do planeta.
Vou ficar pelo menos 1 semana com a mensagem de "Viva Fidel!" no meu msn, com uma fotinho do "ditador".
A seguir o artigo de Clovis Rossi, como sempre mandando muito bem, sobre Fidel, publicado na Folha de hoje. O melhor texto até agora.


Só a história para fazer um julgamento mais racional sobre dirigente cubano
Ditador comunista, que associou o extraordinário e inegável carisma a uma inquietação permanente, é santo ou demônio, sem meios termos, de acordo com posição ideológica de quem o julga
CLÓVIS ROSSI DO CONSELHO EDITORIAL
Começou ontem, com a renúncia de Fidel Alejandro Castro Ruz, aos 81 anos, a contagem regressiva para se saber se vingará uma de suas frases mais célebres: "A história me absolverá".
Só mesmo a história para emitir um julgamento menos emocional de quem era o governante há mais tempo no poder no planeta: 49 anos. Fidel é santo ou demônio, sem meios termos, de acordo a posição ideológica de quem o julga.A frase completa é algo mais longa: "Podem condenar-me, não importa, a história me absolverá". Foi pronunciada por Fidel como advogado dele próprio, durante o julgamento, em 1953, dos militantes que tentaram ocupar o quartel Moncada, um dos principais do Exército do ditador Fulgencio Batista.A primeira parte da frase cumpriu-se: Fidel foi condenado a 15 anos de prisão. Anistiado em 1955, tratou de apressar a absolvição pela história, que a seu ver seria representada pela derrubada de Batista. Cumpriu-se igualmente a segunda parte. Mas começou então um novo julgamento, sobre os méritos e os defeitos da revolução e, por extensão, do homem que a encarnava.
Comunista desde quando? É comunista desde sempre e escondeu o fato para não alienar aliados do movimento anti-Batista ou é apenas um libertário? O seu primeiro documento político sugere a segunda opção. O manifesto com que ele e seus 165 homens mal equipados se lançaram ao ataque ao Moncada é pouco radical. Pedia até a volta à Constituição de 1940, liberal como quase todas as Cartas latino-americanas. O suficiente para justificar a análise que fez o historiador britânico Hugh Thomas, em seu livro "A Revolução Cubana": "Castro embarcou no ataque ao Moncada sem uma ideologia verdadeiramente elaborada, somente com o anseio de depor o tirano Batista e de acabar com a corrompida sociedade da velha Cuba". Até depois da vitória, na sua primeira visita aos EUA (maio de 1959), o tom era similar: "Digo de maneira clara e definitiva que não somos comunistas". Comunista tardio, só assumiria o comunismo no fim de 1961. A decisão foi tomada praticamente três anos depois de vitoriosa a revolução e de uma sucessão de atos hostis por parte do governo norte-americano, como o bloqueio comercial e a frustrada tentativa de invasão de Cuba por contra-revolucionários financiados e treinados pelos EUA. Paradoxo da história: um comunista tardio tornou-se, com o fim da URSS e do charme do marxismo, no "último dinossauro marxista", na definição do "Le Figaro", de 1995. De todo modo, não se fez comunista pelo método mais usual, que era o de aderir ao Partido Comunista. Na verdade, o partido aceitou a direção de um homem sobre o qual o único consenso, entre admiradores e inimigos, é o de que possui extraordinário carisma, no sentido que o filósofo Max Weber dá ao termo.
"Carisma implica muito mais do que popularidade. O líder carismático é percebido por seus seguidores como dotado de poderes ou qualidades sobre-humanas ou, pelo menos, excepcionais. E ele se percebe a si próprio como "eleito" do alto para cumprir uma missão. Ambos os requisitos se cumpriram em Cuba", escreveu o acadêmico americano Richard Fagen.
Fidel associou o carisma a uma inquietação permanente, que o levou, aos 20 anos (1947), a participar de uma frustrada tentativa de invadir a República Dominicana para depor o ditador Rafael Trujillo. Antes disso, tivera a sua primeira e fracassada experiência de interlocução com os EUA. Aos 14 anos, em 1940, enviou carta a Franklin Delano Roosevelt, na qual dizia ter 12 anos, cumprimentava-o pela reeleição e pedia uma nota de US$ 10, "porque nunca vi uma nota verde de dez dólares americanos e gostaria de ter uma".

Nunca recebeu o dinheiro e foi vítima de 33 tentativas de assassinato, parte delas pela CIA, a agência de inteligência norte-americana. Retórica, ele marcaria a história de Cuba não só com ações mas com uma retórica caudalosa, triunfalista. Ao ir para o exílio no México, em 1955, profetizou: "De tais viagens, ou não se tem retorno, ou se retorna com a ditadura decapitada aos pés". Quase tudo deu errado para os 82 homens que, em 25 de novembro de 1956, embarcaram no iate Granma para decapitar a ditadura. Uma sucessão de tempestades atrasou a chegada e o grupo que deveria apoiar o desembarque foi dizimado pelos soldados de Batista. Não obstante, quando o grupo desembarcou, em 2 de dezembro, voltou a profetizar: "Os dias da ditadura estão contados". Estavam. Às 3h de 1º de janeiro de 1959, Batista e colaboradores fugiram para a República Dominicana. Uma semana depois, Fidel entrou em Havana e voltou a profetizar: "Não nos enganemos, acreditando que, daqui para a frente, será mais fácil. Talvez seja mais difícil". Acertou outra vez. Difícil, entre outras razões, porque os revolucionários iniciaram processo de autofagia. Os primeiros a divergir foram os moderados do Movimento 26 de Julho. Em outubro, o líder guerrilheiro Hubert Matos escreveu a Fidel, pedindo demissão do comando militar da Província de Camaguey e do governo revolucionário. A carta custou a Matos 20 anos de prisão, "sistemáticas perseguições, maus-tratos e torturas", como ele contaria depois. Ele passou a ser, em todos esses 20 anos, um dos símbolos, talvez o maior, de violação aos direitos humanos praticados por uma revolução que Castro jurara, no início, ser "a mais justa e a mais generosa".

Nem Ernesto Guevara, o Che, ficou imune às disputas de poder ou ideológicas no novo regime. Che acreditava cegamente que sua missão era levar a revolução socialista a toda a América Latina. Fidel dependia fortemente da URSS, cuja doutrina oficial era a da "coexistência pacífica" com o Ocidente.Em 1964, "já não restavam dúvidas de que tinham começado a seguir rumos divergentes. A meta de Fidel era consolidar o bem-estar econômico de Cuba e a sua própria sobrevivência política, e, para isso, ele se dispunha a conciliar. A missão de Che era difundir a revolução socialista. Aproximava-se a hora em que deveria deixar Cuba", escreve Jon Lee Anderson, em biografia de Guevara.Três anos depois, Guevara morria na Bolívia e, paradoxalmente, Fidel assumia o papel de propagador da revolução no resto do mundo, ao criar a Olas (Organização Latino-Americana de Solidariedade).

O confronto de posições com a URSS era uma relíquia de sua nunca escondida irritação com o comportamento do líder soviético Nikita Kruschev na crise dos mísseis em 1962, tido como o momento em que as duas superpotências ficaram mais próximas de um confronto.Para ele, "a forma como [Kruschev] se comportou na crise foi uma séria afronta". Afrontar a "convivência pacífica" da URSS com o internacionalismo revolucionário da Olas parecia uma resposta à "afronta" anterior, mas durou pouco. O bloqueio dos EUA aumentou a dependência dos recursos enviados pela União Soviética. Natural que Cuba entrasse em colapso quando a URSS começou a ruir, a partir de 1989. Entre 1989 e 1992, a economia cubana retrocedeu 35%,e o racionamento (em vigor desde o bloqueio americano) tornou-se mais rígido. Mas Fidel nunca perdeu a pose e sempre teve tratamento de superstar nos encontros internacionais.Ele teve momentos de estrela até no território inimigo: em 1995, teve tratamento de herói em visita ao bairro do Harlem, em Nova York. Ainda se permitiu uma ironia: "Se algum dia os EUA precisarem de médicos, garanto que temos os melhores. Teria o maior prazer em mandá-los para tratar da população que não pode pagar os hospitais caros daqui".Uma ironia que corresponde a uma realização, o êxito no setor de saúde, que nem mesmo os mais ferozes críticos negam. O triunfalismo e a retórica quase sempre inflamada não impediram que, por vezes, Castro preferisse aos clássicos marxistas ou revolucionários o dramaturgo espanhol Calderón de la Barca para recitar, na Cúpula sobre o Desenvolvimento Social de 1995: "A vida é sonho e, os sonhos, sonhos são".