sábado, 10 de outubro de 2009

A queda do Muro de Berlim: governantes ocidentais foram contra



Entrevista com Mikhail Gorbachev


Vinte anos depois, Mikhail Gorbachev conta a história desconhecida do Muro de Berlim. Sentado em seu escritório de Moscou no Leningradskij Prospekt, fala com um fio de voz, com calma. Mas das suas palavras transparece toda a emoção, a satisfação, mas também a indignação por aquilo que viu naquele ano fatal entre 1988 e 1989, que marcou para sempre a história do século XXI.

Lembra-se das pessoas de Berlim que saíram às praças, que lhe gritavam "Gorby, fique conosco", "Gorby, freiheit!", liberdade! Ele retornou com a mente aos acontecimentos que, verdadeiramente, comoveram o mundo, as reuniões com os partidos irmãos, ainda incertos e temerosos, os encontros e os telefonemas com Helmut Kohl, "a inadequação de Honecker", o chefe comunista da Alemanha Oriental, que não sabia entender. E depois "a feroz batalha contra a perestroika que se desenvolvia em Moscou", enquanto na Europa os líderes ocidentais procuravam impedir a reunificação alemã.

A reportagem é de Fiammetta Cucurnia, publicada no jornal La Repubblica, 30-09-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Mikhail Sergheevic, quando o senhor entendeu que, para a Alemanha, havia chegado o momento da unificação?

A história não é feita em um dia, e não poderei lhe indicar uma data precisa. A queda do Muro de Berlim, de fato, foi só o ato final, a culminação de um processo que ocorria há muito tempo. Quando as mudanças começaram a marchar na URSS, ocorreram as primeiras eleições democráticas, e, nos países do Leste europeu, estouraram as primeiras revoluções, de veludo ou não. Quando começou também o processo de desarmamento entre EUA e URSS, com o desmantelamento dos mísseis nucleares, uma triste realidade se mostrava claramente diante de nós: a Alemanha, e só a Alemanha, ficava à margem da grande estrada da história. Eles, os alemães, sentiam-se ofendidos e angustiados por causa isso. E eu os entendo.

Em sua opinião, qual foi o ato de nascimento da reunificação alemã?

Estamos falando de 1988. Foi então que, na Alemanha, ocorreram as primeiras manifestações. Em Moscou, chegava a notícia de cidadãos alemães orientais que procuravam passar para a República Federal através da fronteira húngara, diretamente ou através do vale austríaco. Depois, o mesmo ocorreu com a embaixada alemã na Polônia e na Tchecoslováquia, onde era possível chegar mais agilmente e onde os alemães orientais, então, pediam ajudar para passar para o Oeste. Eram pedidos sempre mais maciços e urgentes, que se tornaram depois um rio transbordante no verão [europeu] de 1989. Mas começaram bem antes que a imprensa se desse conta, muito antes que Hans-Dietrich Genscher [ministro do Exterior alemão] pudesse anunciar, na capital tchecoslovaca, a abertura da fronteira com a República Federal alemã. A história havia se colocado em ação. É inútil procurar relê-la hoje de modo primitivo. Os acontecimentos amadureceram no tempo, até que o seu fluir se tornou tão impetuoso que deixou só duas possíveis saídas: ou encontrávamos o modo de geri-los e governá-los, ou nos derrubavam.


Portanto, ficou logo claro para o senhor que a reunificação alemã era iminente?

O que eu entendi já perto do final de 1988 era que já era tarde demais para frear os eventos. Os alemães não tinham intenção de abandonar as praças e voltar para casa, resistiriam até o final, até a vitória. No dia 26 de janeiro de 1989, enquanto os protestos enfureciam em Berlim, decidi convocar uma reunião do Politburo, ampliada aos militares e aos diplomatas, para sondar os humores. Todos se disseram convencidos de que os alemães não se renderiam.

O PCUS [Partido Comunista da União Soviética] não temia a reunificação alemã?

Eram tempos de fogo. No partido, a batalha enfurecia, contra mim e contra a perestroika. Principalmente naquele momento. Estavam em jogo as grandes reformas políticas, as primeiras eleições livres da nossa história milenar. Justamente em 1989, o Politburo se reuniu logo depois das eleições de março. O resultado era impressionante: eleições livres, com listas de sete a 27 candidatos, em vez do nome único a que estávamos habituados. Pela primeira vez, todas as organizações tinham apresentado seus próprios candidatos e, no fim, 35 secretários regionais do partido não conseguiram ser eleitos, mesmo tendo à sua disposição todo o poder e todos os meios. Feitas as contas, porém, 84% dos deputados eleitos eram comunistas. O Politburo não conseguia aceitar que o nosso país, e com ele as nações que faziam parte do Pacto de Varsóvia, decidisse em plena autonomia a mudança dos homens no poder. Assim, logo depois, as forças reacionárias do partido começaram a se organizar e a fazer coalizões contra as mudanças, que percebiam como uma ameaça mortal. Foram golpes muito ferozes. Sempre às escondidas, pelas costas, porque não tinham nem a coragem nem a força de se mostrarem. Mais de uma vez fui obrigado a dar um soco na mesa e me retirar.

E os dirigentes alemães?

Naquele ano, fui à Alemanha duas vezes. Em junho, estive em Bonn, onde me encontrei com Kohl. Foi uma conversa calorosa, muito, muito amigável. Os jornalistas me perguntaram depois se havíamos discutido sobre os episódios alemães. Certamente havíamos discutido. Mas não havíamos decidido nada. Não era uma coisa que podia ser decidida em uma mesa de bar. Será a história, eu disse, que decidirá por nós. Quando? Eu e Kohl demos a mesma resposta, como se tivéssemos nos colocado de acordo: não antes do século XXI. Pelo contrário, as coisas ocorreram diferentemente. Bem rápido ficou claro que aquilo que ocorria na Alemanha não podia ser parado. Kohl me chamou mais de uma vez, já nos telefonávamos seguidamente: "O que fazemos?". Eu lhe dizia: "Fique atento. Não faça movimentos arriscados, senão serão perigosos". Foi então que ele apresentou os famosos dez pontos para a reaproximação entre as duas Alemanhas, que previam uma série de etapas em vista da reunificação. Nós, em Moscou, não fomos entusiastas dessa sua saída, mas as iminentes eleições alemãs lhes obrigavam a fazer alguma coisa.


O que o senhor encontrou em Berlim?

Cheguei a Berlim no dia 06 de outubro de 1989, para os festejos do 40º aniversário da RDT. Lembro que logo me dei conta do clima de inquietação, um fermento novo. Também logo me dei conta que o poder havia perdido a sua ligação com o país. Era uma realidade difundida, que não se referia diretamente à questão do muro. Era como se os alemães estivessem dando abertura à frustração de terem sido abandonados e deixados para trás, apenas eles, enquanto em todos os lados as transformações se impunham nos palácios do Leste. Há meses, as praças estavam cheias, pequenas e grandes manifestações que desafiavam o regime. Quando cheguei, entre os eventos organizados para o 40º aniversário estava também a Fackelzug, a marcha das tochas, na qual participavam os delegados de 28 regiões. Encontrei-me diante de uma massa de jovens e de menos jovens, cheios de entusiasmo, que gritavam "Gorbachev, fique aqui por um mês! Gorby, liberdade!". O primeiro-minis tro polonês, Tadeusz Mazowiecki, se aproximou de mim e disse: "Mikhail Sergheevic, o senhor entende alemão?". "Talvez com um tratado eu teria alguma dificuldade, mas eu entendo o que estão gritando aqui". E ele, em resposta: "Então entenderá que este é o fim".

É verdade que Honecker lhe revelou um dos seus maiores problemas?

Encontrei-o justamente naqueles dias. Foi uma conversa longa, de pelo menos três horas. Observei-o bem e me sentia desconfortável. Tinha a impressão de que fosse totalmente inadequado à grandeza dos eventos que estávamos vivendo. Como se não tivesse a percepção do que realmente tínhamos na nossa frente. Assim, no dia seguinte, pedi que me pudesse encontrar com toda a direção do partido. Não fiz recriminações, nem os incitei a agir. Fiel à linha que havia escolhido, contei sobre a perestroika, de como havíamos chegado tarde com as nossas decisões e por isso havíamos perdido e de como, pelo contrário, havíamos nos apressado muito outras vezes, terminando por tornar a tarefa ainda mais difícil. Os processos em curso, disse-lhes, exigiam grande inteligência. Depois, esse discurso se tornou famoso, resumido na frase "A história pune quem chega tarde".


Mikhail Sergheevic, como se comportaram os líderes europeus? É verdade que salvariam o muro com prazer?

Essa é uma questão dolorosa. À exceção dos EUA, posso dizer que todos estavam contra. Margaret havia se inclinado abertamente pelo "não". Não dizia isso publicamente, mas não fazia mistério durante os encontros oficiais. Andreotti era contrário, e Mitterrand era ferozmente contrário. Mais esperto do que os outros, dizia: "Amo a Alemanha de tal forma que prefiro ter duas". Todos os líderes europeus tinham medo. Mas não faziam propostas sobre como enfrentar a situação. Ficou-me claro que gostariam de impedir a queda do muro e a reunificação, mas queriam que, materialmente, nós os impedíssemos. Com o exército. Com as tropas de Gorbachev. Todos vieram até mim, um depois do outro, pedindo isso, abertamente. Com Mitterrand fomos a Kiev e falamos sobre isso. Só depois, quando tudo precipitou e tratou-se de decidir, todos assinaram.



Tem arrependimentos?

Pensei várias vezes nisso nestes anos. O que teria ocorrido? Os tanques e os soldados fora das casernas em marcha em Berlim. Muito sangue teria corrido. A Europa nas mãos dos militares de Oriente a Ocidente, armados até os dentes, dois milhões de cada lado. Poderíamos ter chegado à Terceira Guerra Mundial. Estou certo de que seria exatamente assim. E, de resto, disse isso desde o início aos dirigentes dos países do Pacto de Varsóvia, que não nos intrometeríamos mais nos seus assuntos internos. Talvez não tenham acreditado em mim, mas eu mantive a palavra. Nunca interviemos nas suas questões. E foi essa a sua tragédia.

Portanto, o senhor achou legítimas as expectativas dos alemães?

A primeira vez que fui à Alemanha foi em 1966. Ainda tinha no coração a recordação da dor, das destruições, das vítimas e dos horrores do nazismo. Mas quanto caminho os alemães fizeram no pós-guerra! Tanto no Leste quando no Oeste. Humilharam-se, pediram perdão, fizeram uma grande obra de purificação antinazista e democrática. Não é possível imaginar que eles tivessem que responder por Hitler até o final dos tempos. Hoje, todos parecem pensar assim. Mas nessa história há apenas dois heróis: os alemães e os russos.