terça-feira, 17 de março de 2009

A crise e os desafios para a esquerda mundial

A crise financeira exige planos diferentes para a esquerda mundial: no curto prazo, deve trabalhara “para minimizar o sofrimento” dos pobres, e no médio prazo, “assegurar que o novo sistema que vai emergir seja um sistema melhor, e não pior”, escreve Immanuel Wallerstein, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 15-03-2009.


Immanuel Wallerstein, 78 anos, é pesquisador sênior na Universidade Yale e autor de O Moderno Sistema Mundial, sobre a globalização do capitalismo, e O Declínio do Poder Americano.


Eis o artigo.

Parece-me que há duas situações que requerem dois planos para a esquerda mundial, em especial para a esquerda dos Estados Unidos. A primeira situação é o curto prazo. O mundo se encontra numa depressão profunda, que, pelo menos nos próximos um ou dois anos, só vai se agravar. O curto prazo imediato é o que preocupa a maioria das pessoas que agora se confrontam com o desemprego, a redução grave de sua renda e, em muitos casos, a perda da moradia. Se os movimentos de esquerda não tiverem um plano para fazer frente a esse curto prazo, eles não poderão se conectar com a maioria das pessoas de qualquer maneira que tenha significado.

A segunda situação é a crise estrutural do capitalismo como sistema mundial, que, em minha opinião, enfrenta sua extinção certa nos próximos 20 a 40 anos. Esse é o médio prazo. E, se a esquerda não tiver um plano para esse médio prazo, aquilo que vier a substituir o capitalismo como sistema mundial será algo pior, provavelmente muito pior, que o sistema terrível com o qual convivemos há cinco séculos.

As duas ocasiões requerem táticas diferentes, mas combinadas. Qual é nossa situação no curto prazo? Os Estados Unidos elegeram um presidente centrista cujas inclinações são um tanto quanto à esquerda do centro. A esquerda, ou a maior parte dela, votou nele por duas razões. A alternativa seria pior - de fato, muito pior. Logo, votamos pelo mal menor. A segunda razão foi que pensamos que a eleição de Obama abriria espaço para movimentos sociais de esquerda.

O problema com que a esquerda se defronta não é novo. Situações como essas são comuns. Roosevelt em 1933, Attlee em 1945, Mitterrand em 1981, Mandela em 1994, Lula em 2002, todos foram os Obamas de seu lugar e seu tempo. E a lista poderia ser prolongada ao infinito. O que faz a esquerda quando essas figuras "decepcionam", como todas não podem deixar de fazer, já que são todas centristas, mesmo que à esquerda do centro?

Em minha opinião, a única atitude sensata é aquela adotada pelo grande, forte e militante MST (Movimento dos Sem Terra) no Brasil. O MST apoiou Lula em 2002, e, apesar de todas as promessas que ele deixou de cumprir, apoiou sua reeleição em 2006. O fez com plena consciência das limitações do governo de Lula, porque a alternativa seria evidentemente pior. Mas o que o MST também fez foi manter pressão constante sobre o governo de Lula - reunindo-se com ele, denunciando-o publicamente quando o governo o merecia e organizando-se em campo para combater suas falhas.

O MST seria um bom exemplo a ser seguido pela esquerda americana, se tivéssemos qualquer coisa comparável a ele em termos de movimento social forte. Não temos, mas isso não deveria nos impedir de tentarmos formar um da melhor maneira possível e fazer como faz o MST o tempo todo - pressionar Obama abertamente, publicamente e com força -, além de, é claro, aplaudi-lo quando ele faz a coisa certa. O que queremos de Obama não é transformação social. Ele não deseja nem é capaz de nos oferecer isso. Queremos dele medidas que minimizem a dor e o sofrimento da maioria das pessoas neste momento. Isso ele pode fazer, e é com relação a isso que a aplicação de pressões sobre ele pode fazer uma diferença.

O médio prazo é outra coisa inteiramente. E nesse tocante Obama é irrelevante, como o são os outros governos à esquerda do centro. O que está acontecendo é uma desintegração do capitalismo como sistema mundial, não porque ele não pode garantir o bem-estar da grande maioria da população (isso é algo que o sistema nunca pôde fazer), mas porque não consegue mais garantir que os capitalistas terão o acúmulo interminável de capital que é sua razão de ser. Chegamos a um momento em que nem os capitalistas prescientes, nem seus adversários (nós), estamos tentando preservar o sistema. Estamos ambos tentando estabelecer um sistema novo, mas é claro que temos ideias muito diferentes - na verdade, radicalmente opostas - quanto à natureza de tal sistema.

Pelo fato de o sistema ter se afastado muito do equilíbrio, ele se tornou caótico. Estamos vendo flutuações malucas em todos os indicadores econômicos usuais - os preços das commodities, os valores relativos das moedas, os níveis reais de tributação, a quantidade de itens produzidos e comerciados. Como ninguém sabe realmente quais serão as flutuações desses indicadores, que mudam praticamente diariamente, ninguém pode fazer um planejamento sensato de nada.

Em tal situação, ninguém, seja qual for sua posição política, sabe ao certo quais medidas serão melhores. Essa confusão intelectual prática se presta à demagogia frenética de todos os tipos. O sistema está se bifurcando, o que significa que dentro de 20 a 40 anos haverá algum sistema novo, que criará ordem a partir do caos. Mas não sabemos qual será esse sistema.

O que podemos fazer? Para começar, precisamos ter clareza sobre de que trata essa batalha. É a batalha entre o espírito de Davos (em favor de um sistema novo que não seja o capitalismo, mas que mesmo assim seja hierárquico, explorador e polarizador) e o espírito de Porto Alegre (um sistema novo que seja relativamente democrático e relativamente igualitário). Não existe mal menor aqui. É uma coisa ou a outra.

O que a esquerda deve fazer? Promover a clareza intelectual em relação à escolha fundamental. Então organizar-se em mil níveis e de mil maneiras para empurrar as coisas na direção certa. A primeira coisa a fazer é incentivar a descomoditização, no maior grau que conseguirmos. A segunda é fazer experimentos com toda espécie de novas estruturas que façam mais sentido, em termos de justiça global e sanidade ecológica. E a terceira coisa que precisamos fazer é incentivar o otimismo realista. A vitória está muito longe de ser certa. Mas é possível.

Resumindo, então: trabalhar no curto prazo para minimizar o sofrimento, e no médio prazo para assegurar que o novo sistema que vai emergir seja um sistema melhor, e não pior. Mas fazer este último sem triunfalismo e com a consciência de que a luta será tremendamente difícil.



42% do desmate do mundo entre 2000 e 2005 ocorreu no Brasil


O Brasil registrou a maior perda absoluta de floresta no mundo entre 2000 e 2005 e 42% da mata cortada no planeta nesses anos ocorreu dentro do território nacional. A conclusão é da FAO, que destaca que o País terá grandes dificuldades de frear o desmatamento diante dos interesses agrícolas e do etanol de expandir a produção no próximos anos. No mundo, a FAO alerta que a crise internacional também deve aumentar a vulnerabilidade das florestas e secar os financiamentos para projetos ambientais. Entre 2000 e 2005, 200 quilômetros quadrados de florestas foram perdidos no mundo a cada dia.

A reportagem é de Jamil Chade e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 16-03-2009.

Segundo a FAO, o Brasil perdeu 3,1 milhões de hectares de florestas por ano entre 2000 e 2005. Isso significou uma redução de 0,6% na cobertura florestal a cada ano. Segundo a FAO, o País observou uma aceleração no desmatamento em comparação ao período entre 1995 e 2000. Naqueles anos, a perda de floresta foi de 2,6 milhões de hectares por ano, 0,5% da cobertura.

O levantamento feito pela entidade com sede em Roma destacou que 75% do desmatamento na América do Sul ocorreu no Brasil. Na região, 4,2 milhões de hectares de mata foram perdidos entre 2000 e 2005.

Em comparação a outros países, o Brasil lidera amplamente com a maior área desmatada no planeta, mesmo que seu território ainda esteja coberto por floresta em 57,2%.

Em toda a África, a perda de florestas foi de cerca de 4 milhões de hectares por ano entre 2000 e 2005. O único país com dados parecidos ao do Brasil é a Indonésia, com o corte de 1,8 milhão de hectares de floresta por ano. Em termos percentuais, o desmatamento no território indonésio é mais significativo que o do Brasil, já que atingiu 2% da cobertura por ano.

Outros países que também sofreram foram Mianmar, que perdeu 466 mil hectares por ano de floresta, contra 445 mil em Zâmbia e 400 mil na Nigéria. Na Europa, a FAO registrou uma alta na área de cobertura de floresta, com um ganho de 600 mil por ano.

A crise é a hora de taxar o petróleo e salvar o clima




O físico James Hansen ganhou fama mundial após aparecer no documentário "Uma Verdade Inconveniente" como o cientista que alertou o Congresso dos EUA de que o aquecimento global não era ficção.

Seu depoimento de 1988 é considerado um marco que facilitou a criação do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas pela ONU naquele ano.

Hoje, Hansen é um dos cientistas que defendem medidas drásticas contra o aquecimento, como altas taxas sobre combustíveis fósseis e o banimento do carvão mineral. Diretor do Instituto Goddard de Estudos Espaciais, da Nasa, é responsável por uma revisão anual da temperatura do globo.

Hansen mostrou que 2008 foi um ano particularmente frio, mas que isso não significa que o efeito estufa tenha freado. "Este ano e o próximo provavelmente serão os mais quentes já registrados", diz.

Em entrevista concedida durante sua passagem pelo Congresso Científico Internacional de Mudanças Climáticas, na semana passada, em Copenhague, Hansen criticou a proposta de Barack Obama para o novo acordo climático e explicou por que considera o Protocolo de Kyoto uma falha.

A entrevista é de Gustavo Faleiros e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 15-03-2009.

Eis a entrevista.


O sr. tem ganho exposição na mídia com frases como "usinas de carvão são fábricas da morte". Isso é uma estratégia deliberada?

Tento acordar as pessoas. Podemos usar a metáfora do sapo e da água quente: se você aquece água numa panela com um sapo dentro, ele se deixa cozinhar, mas se ele cai direto em água fervente pula fora. A humanidade está permitindo cozinhar a si própria. Ela continua queimando combustíveis fósseis, o que levará a uma situação sem controle para os nossos filhos e para os nossos netos.

Eu tinha parado de falar com a mídia após testemunhar no Congresso em 1988. Situações como aquela nos distanciam da ciência. Não gostei daquilo, não sou uma pessoa que gosta de falar na mídia. Por 15 anos não dei nenhuma entrevista em TV. Mas em 2004, cheguei a uma conclusão diferente.

Ficou claro que havia uma lacuna entre o que era sabido pela comunidade científica e o que era entendido pelo público e pelas autoridades. Outra coisa que percebi, no contato que tive com a administração Bush - fui convidado duas vezes a conversar com o vice-presidente Dick Cheney - era que as descobertas sobre o clima não estavam tendo efeito na política ambiental. Aí decidi que precisava falar. Não queria que meus netos um dia dissessem: "Meu avó entendeu a gravidade do problema, mas não conseguiu passar a mensagem".

O ano de 2008 foi especialmente frio, e isso fez com que alguns céticos afirmassem que o aquecimento global é uma mentira. Qual o seu palpite para a temperatura destes próximos anos?

Acho que este ano e o próximo serão provavelmente os mais quentes já registrados. Nós estamos entrando em um período de El Niño. Ele será mais ameno que o de 1998, mas agora temos mais carbono na atmosfera, o que é diferente.



Quão otimista o sr. está de que será possível alcançar um novo acordo climático ainda neste ano?

Não estou muito otimista. O que tenho ouvido são propostas de compensação de emissões. Se é isso que será feito, prefiro não ver um acordo. Seria melhor esperar um ano ou dois. Um acordo como esse atrasaria medidas por dez anos.

Qual seria a saída, então? Muitos consideram a próxima reunião de Copenhague, em dezembro, a última chance de salvar o planeta.

É melhor não ter acordo do que ter um acordo ruim. Isso nos levaria de volta à mesa de negociações no ano que vem. Claro que eu gostaria de ver um bom acordo. Mas, a menos que ele ponha um preço no carbono e crie um plano para cessar o uso de carvão, não será suficiente. Espero que o fator principal das negociações seja encontrar um caminho para estabilizar o sistema climático e evitar desastres. Metas de redução de emissões no futuro, sozinhas, não são a melhor maneira de solucionar problema.

O presidente dos EUA, Barack Obama, apresentou uma proposta de reduzir as emissões em 80% até 2050. O que o sr. acha?

Metas de longo prazo são fáceis, porque as autoridades já estarão fora de seus cargos. Não concordo com metas porque isso permite uma "lavagem verde". As pessoas podem fingir que são verdes estabelecendo metas ambiciosas, mesmo quando elas não tomam os passos iniciais para alcançá-las. O que é necessário é colocar preço nas emissões de carbono.

O sr. considera o sistema de créditos de carbono um erro?

Veja o caso do Protocolo de Kyoto. Países que assumiram metas mais difíceis e as cumpriram, como o Japão, aumentaram suas emissões e o consumo de carvão. Como? Eles compensaram suas emissões investindo na China argumentando que baixariam as emissões lá. Mas as emissões chinesas não caíram. Subiram. Kyoto não é efetivo e levou dez anos para ser negociado. Precisamos de algo mais simples. Se EUA e China concordassem em taxar o carbono, o resto do mundo os seguiria, porque logo os produtos carregariam em seus preços o custo do carbono. A maior razão pela qual continuamos usando combustíveis fósseis é porque são mais baratos que os concorrentes.



James Hansen



O sr. concorda com a visão que está em negociação na ONU de que 2015 deverá ser o momento em que as emissões globais de carbono devem atingir o seu pico?

Prefiro acreditar que o pico das emissões tenha sido 2007 ou 2008, porque agora é provável que as emissões caiam. Deveríamos ver a crise econômica como uma oportunidade de usar a energia de forma mais eficiente e começar a introduzir as energias alternativas. Esse é o momento onde podemos taxar o carbono, porque os combustíveis fósseis estão baratos. Isso é o que precisamos fazer para retornar às concentrações de gases de efeito estufa como as do século 20.

Precisaremos fechar todas as usinas a carvão nos próximos 20 anos. Isso é 80% da solução e fará com que as curvas de emissão caiam muito rápido.


Isso permitiria que a temperatura subisse menos de 2C, como muitos cientistas têm pedido?

Poderíamos ter um aumento na temperatura global de 1,7C. Mas com isso nós já perderíamos todo o gelo no oceano Ártico. Perderíamos todos os glaciares de montanhas, que fornecem água para milhões de pessoas.

A energia nuclear deve ser parte da solução?

Devemos ter a mente aberta com relação a isso. As prioridades devem ser a eficiência energética e, depois, as energias renováveis. É preciso ainda melhorar as redes de transmissão, para que se possa mover a energia para lugares que não têm como obter as renováveis. Se essas três coisas não forem possíveis, a energia nuclear segura é mais vantajosa. Também devemos pesquisar tecnologia de sequestro de carbono. É difícil, porém, acreditar que o armazenamento de carbono acabaria com todos os problemas do carvão. Deverão existir mais vantagens na quarta geração de usinas nucleares, mas ainda é preciso provar isso.