quinta-feira, 20 de março de 2008

20 mil escravos por ano !


'Vivemos em uma ditadura cultural muito forte'. Entrevista especial com Alexandre Rampazzo

O documentário Nas terras do bem-virá trata do trabalho escravo na Amazônia, mais especificamente no Pará e no Mato Grosso, e revela como é realizado anualmente o aliciamento de mais de 20 mil trabalhadores nordestinos, especialmente nos estados de Maranhão e Piauí, para servirem como mão-de-obra escrava para a agropecuária e extração madeireira naquelas terras. O resultado é a edição de mais de 200 horas de depoimentos e cenas de arquivo, que acabam por abranger também a questão do conflito agrário no norte do Brasil. E quem fala sobre o tema, em entrevista concedida por telefone para a IHU On-Line, é o próprio diretor desse documentário, Alexandre Rampazzo.

Segundo ele, vivemos dentro de uma grande "ditadura da informação", em que fatos como a escravidão contemporânea são encobertos. E completa: "É estranho falar nisso quando estamos na era da informação, mas, se você olhar direito, perceberá que são meia dúzia de grandes famílias que detêm muitos meios de comunicação. Quando saímos dos grandes centros urbanos, esses donos são políticos, como, por exemplo, no Maranhão em que a família Sarney é dona de tudo, ou na Bahia, em que há o domínio da família Magalhães".

Mestre pela Universidade Federal Fluminense, Rampazzo é pós-graduado em Marketing, pela ESPM/SP, e graduado em Comunicação Social com ênfase em Propaganda e Marketing, pela ESPM/SP. Nas terras do bem-virá será apresentado no dia 15-05-2008 na Casa do Trabalhador, em Curitiba. Para maiores informações, clique aqui.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como surgiu a idéia de filmar o documentário Nas terras do bem-virá?

Alexandre Rampazzo
– A idéia surgiu depois realizamos o primeiro trabalho, Ato de fé, que conta a história de um grupo de religiosos que, no período da ditadura militar, apoiou a Ação Libertadora Nacional. Este documentário traz a história do Frei Betto e o martírio do Frei Tito, entre outros. Tivemos uma relação muito boa com um grupo de dominicanos e alguns viraram nossos amigos. Entre eles, um contou que havia outro grupo de dominicanos, atualmente, que lutava contra o trabalho escravo. Eu fiquei surpreso e me perguntava: “Espera aí, como assim trabalho escravo? Estamos no século XXI”. Eu fiquei espantado e, então, fomos pesquisar a fundo. Um dominicano nos indicou alguns pontos a serem estudados, e passei um ano fazendo pesquisas prévias, três meses gravando e mais um ano realizando a edição. Nós captamos mais de 200 horas de imagem. Chegando ao final da edição, nós concluímos que a única instituição que se faz presente na vida desses agricultores e camponeses é uma pequena parcela da Igreja Católica (porque o Estado não é). Foi a partir desse contato que começamos o filme. Nele, aparecem alguns dominicanos, como o Frei Henri des Rosiers e Frei Xavier Plassat.

IHU On-Line – Que repercussões o filme tem surtido?

Alexandre Rampazzo
– Para aquela pessoa mais distraída, porque vivemos numa espécie de ditadura cultural muito forte, o filme brasileiro já não tem muito público, e o de não-ficção menos ainda. Se formos ver, os filmes de não-ficção passam exclusivamente em festivais ou em salas alternativas que geralmente ficam em grandes centros urbanos, como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Curitiba. Os filmes de não-ficção formam uma espécie de gueto, mas este vem crescendo muito. Poucas produções, no entanto, conseguem passar essa barreira do filme alternativo e ir para o circuito comercial. Aquele público mais desatento certamente se surpreenderá com a temática do trabalho escravo na modernidade, do conflito agrário. Houve gente que falou para mim: “Eu olhava aqueles camponeses sem terras como vagabundos, baderneiros e, depois de assistir ao documentário, eu percebi que não é bem assim, que eles estão lutando por algo justo”. Isso é muito interessante porque, dentro dessa grande ditadura cultural, há uma ditadura da informação. É estranho falar nisso quando estamos na era da informação, mas, se você olhar direito, perceberá que são meia dúzia de grandes famílias que detêm muitos meios de comunicação. Quando saímos dos grandes centros urbanos, esses donos são políticos, como, por exemplo, no Maranhão em que a família Sarney é dona de tudo, ou na Bahia, em que há o domínio da família Magalhães. E esses grandes magnatas também são fazendeiros, o que acaba criando uma rede muito grande que segura a informação. Então, sempre quando passa uma reportagem sobre o MST na mídia, a imagem mostrada é a de que o movimento é baderneiro e só sabe fazer invasões. As pessoas, vendo essas informações diariamente, acabam reproduzindo essa idéia de que seus componentes são bandidos, vagabundos, enfim.

Gosto de abordar a dificuldade de se produzir alguma coisa como esse conteúdo do filme. Existem hoje no país as tais de leis de incentivo à cultura, o que é uma verdadeira farsa. Sempre deram e continuarão dando dinheiro a quem sempre produziu no país. Hoje, quem manda no que será produzido são os empresários. Quem manda no cinema é quem trabalha no departamento de marketing das grandes empresas. Que empresa irá querer seu nome associado a esses temas mais polêmicos e controversos? Infelizmente, vivemos, como já disse, numa ditadura cultural muito forte. Mas precisamos tentar quebrar esse monopólio e mostrar que um outro mundo, de fato, é possível.

IHU On-Line – E o que principalmente seu documentário apresenta?

Alexandre Rampazzo
– Acredito que o Nas terras do bem-virá mostra que existe um outro lado, que a história pode ser contado sob um outro ponto de vista. O que eu mais gostei no trabalho foi exatamente isso: o de mostrar o outro lado para algumas pessoas que não têm acesso a tais informações. Mas, enfim, é só um filme: os problemas persistem, as pessoas continuam escravizadas, as lideranças são assassinadas e vivem ameaçadas de morte. Além disso, percebemos que o Brasil é mais desigual ainda do que pensamos. O espanto de quem vive nas grandes cidades é exatamente esse. O sujeito passa a entender que o país é de uma determinada maneira porque a grande maioria das pessoas é desse jeito. A verdade é que as pessoas não têm acesso a condições dignas de trabalho, nem terras nem saúde.

IHU On-Line – Como o ciclo do trabalho escravo é abordado no documentário?

Alexandre Rampazzo
– O título do filme, Nas terras do bem-virá, é, de certa forma, um termo bíblico, porque, desde a Bíblia da antiguidade as pessoas migram, vão em busca da terra prometida. A pessoa só sai da sua terra, do seu vínculo familiar quando em busca de melhores condições de vida. Ninguém sai da sua terra natal porque quer; cada um busca sua terra prometida. Com toda essa esperança, as pessoas partem em busca da terra prometida e acabam caindo num ciclo do trabalho escravo. Surge, então, o aliciador, que deixa uma pequena quantidade de dinheiro em forma de empréstimo. A pessoa o utiliza para comprar comida e já faz, antes de sair da sua terra, a primeira dívida desse ciclo. Em seguida, ela pega o ônibus. para ir às fazendas. Desse modo, passa a dever o valor do transporte. Às vezes, durante a viagem, essa pessoa come e bebe, passando a dever por isso também. E, ao chegar à fazenda, acontece a mesma coisa: não há moradia, é preciso montar acampamento, que também é cobrado. Enfim, todo o seu trabalho é para pagar uma dívida que se acumula o tempo todo. Até suas ferramentas de trabalho são pagas. Ou seja, nem no capitalismo nós estamos, porque o próprio trabalhador terá de comprar os meios de produção que teoricamente o capitalista precisaria entregar. Com isso, o trabalhador está preso e geralmente só irá sair da fazenda quando terminar o serviço. Além disso, eles precisam agüentar pressões psicológicas de pistoleiros armados que fazem a “segurança” da fazenda. Eles são ameaçados 24 horas por dia. Só fogem quando estão realmente esgotados e não agüentam mais. A fuga de um trabalhador é uma medida extrema de exaustão. O engraçado é que não é só na Amazônia. Numa das regiões mais ricas de São Paulo, Ribeirão Preto, encontraram trabalhadores escravos em exaustão nas lavouras de cana-de-açúcar. Ou seja, trata-se de um problema existente em todos os lugares. Há também muito trabalho escravo entre imigrantes bolivianos na própria cidade de São Paulo. Eles trabalham em oficinas de confecção de roupas. Desse modo, estamos falando de trabalho escravo em São Paulo, na maior capital da América Latina e uma das maiores do mundo.

IHU On-Line – E qual é a importância de relembrar o massacre de Eldorado do Carajás e o assassinato da irmã Dorothy Stang?

Alexandre Rampazzo
– Eu vejo um ciclo. As pessoas ficam presas no trabalho escravo. Quando alguém foge, é para buscar ajuda para os demais colegas que ficaram ainda presos. Ou procuram sindicatos e a Pastoral da Terra, que entram em contato com o Ministério do Trabalho. Este, por sua vez, tem um grupo móvel de fiscalização, que vai até a fazenda apurar a denúncia. São apenas sete grupos que se revezam para um enorme contingente no país. É necessário mudar a lógica de tudo. Qual é o limite do desmatamento da Amazônia? Isso não terá fim na lógica em que vivemos. E aqui todos nós estamos envolvidos. Não são apenas o fazendeiro ou o madeireiro os malvados. Temos a nossa parcela de culpa. Principalmente nós, que vivemos nos grandes centros urbanos, queremos as coisas cada vez mais baratas. Não importa como elas chegaram ou quem as fabricou. Essa lógica do lucro fácil, do consumo desenfreado, nos acompanha: somos levados insistemente a consumir.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Onde está a guerra do Iraque na campanha presidencial americana?






Por: Noam Chomsky


The New York Times




O Iraque continua sendo motivo de preocupação para a população americana, mas isso é uma questão de momento em uma democracia moderna.

Há não muito tempo, era considerado certo que a guerra no Iraque seria o tema central da campanha presidencial, como foi nas eleições de 2006. Mas ela virtualmente desapareceu, provocando certa perplexidade. Não deveria.

O "Wall Street Journal" chegou perto do motivo em um artigo de primeira página na Super-Terça, o dia de muitas primárias: "Temas perdem espaço na campanha de 2008 enquanto eleitores se concentram no caráter".

Para colocar de forma mais precisa, os temas perdem espaço à medida que candidatos, líderes de partido e suas agências de relações públicas se concentram no caráter. Como de costume. E por um forte motivo. Fora a irrelevância da população, eles podem ser perigosos.

A teoria democrática progressista considera que a população -"forasteiros ignorantes e intrometidos"- deve ser "espectadora", não "participante" da ação, como escreveu Walter Lippmann.

Os participantes na ação estão certamente cientes que em vários dos principais temas, ambos os partidos políticos estão mais à direita do que a população em geral, e que a opinião pública é bastante consistente ao longo do tempo, um assunto analisado em um estudo útil, "A Desconexão em Política Externa", de autoria de Benjamin Page e Marshall Bouton. É importante, então, que a atenção das pessoas seja desviada para outro lugar.

O verdadeiro trabalho no mundo é de domínio da liderança esclarecida. O entendimento comum é revelado mais na prática do que em palavras, apesar de alguns as articularem: o presidente Woodrow Wilson, por exemplo, considerava que uma elite de cavalheiros com "ideais elevados" deve ser mantida no poder para preservar a "estabilidade e a retidão", basicamente o ponto de vista dos Pais Fundadores. Mais recentemente, os cavalheiros foram transmutados na "elite tecnocrata" e nos "intelectuais de ação" de Camelot, os neoconservadores "straussianos" de Bush 2º ou outras configurações.

Para a vanguarda que mantinha os ideais elevados e encarregada de administrar a sociedade e o mundo, os motivos para o sumiço do Iraque da tela de radar não deveriam ser obscuros. Eles foram explicados de forma convincente pelo notável historiador Arthur M. Schlesinger, articulando a posição dos "pombos" (moderados) há 40 anos, quando a invasão americana ao sul do Vietnã estava em seu quarto ano e Washington estava preparado para enviar 100 mil soldados para se juntarem aos 175 mil que já faziam o país asiático em pedaços.

Àquela altura, a invasão lançada pelo presidente Kennedy enfrentava dificuldades e impunha custos difíceis aos Estados Unidos. Schlesinger e outros liberais de Kennedy relutavam em iniciar a transferência dos "falcões" (linhas-duras) para os "pombos".

Em 1966, Schlesinger escreveu que, é claro, "todos nós rezamos" para que os falcões estejam certos em pensar que o aumento de tropas do momento será capaz de "suprimir a resistência", e se conseguir, "nós poderemos todos saudar a sabedoria e a qualidade de estadista do governo americano" na conquista da vitória, deixando "o trágico país eviscerado e devastado por bombas, queimado por napalm, transformado em um deserto de desfolhação química, uma terra de ruína e escombros", com seu "tecido político e institucional" pulverizado. Mas a escalada provavelmente não terá sucesso, provavelmente será cara demais para nós, de forma que talvez a estratégia devesse ser repensada.

Á medida que os custos para nós começaram a crescer, logo todo mundo se transformou em um forte oponente da guerra desde o início (em profundo silêncio).

O raciocínio da elite, e as posturas que o acompanham, pode ser transferido com pouca mudança ao comentário atual em relação à invasão americana ao Iraque. E apesar das críticas à guerra no Iraque serem bem maiores e mais amplas do que no caso do Vietnã em qualquer estágio comparável, os princípios que Schlesinger articulou permanecem vigentes na mídia e nos comentários.

É interessante notar que o próprio Schlesinger adotou uma posição muito diferente em relação à invasão ao Iraque, virtualmente única em seus círculos. Quando as bombas começaram a cair em Bagdá, ele escreveu que as políticas de Bush eram "alarmantemente semelhantes à política empregada pelo Japão imperial em Pearl Harbor, em uma data que, como um presidente americano anterior disse, viveria na infâmia. Franklin D. Roosevelt estava certo, mas hoje são os americanos que vivem na infâmia".

Que o Iraque é "uma terra de ruína e escombros" não se questiona. Recentemente a empresa de pesquisa britânica Oxford Research Business atualizou sua estimativa de mortes adicionais resultantes da guerra para 1,03 milhão -excluindo as províncias de Karbala e Anbar, duas das piores regiões. Independente desta estimativa estar correta, ou muito exagerada, não há dúvida de que o custo é horrendo. Há vários milhões de refugiados. Graças à generosidade da Jordânia e da Síria, a multidão que escapa da destruição do Iraque não foi simplesmente eliminada.

Mas essa receptividade está desaparecendo, pelo fato de a Jordânia e a Síria não receberem nenhum apoio significativo por parte dos perpetradores dos crimes em Washington e Londres; a idéia de que possam receber estas vítimas é absurda demais para considerar.

A guerra sectária devastou o Iraque. Bagdá e outras áreas ficaram sujeitas a uma limpeza étnica brutal e deixadas aos cuidados de senhores da guerra e milícias, a base da atual estratégia de contra-insurreição desenvolvida pelo general Petraeus, que conquistou sua fama ao pacificar Mosul, atualmente cenário de violência extrema.

Um dos jornalistas mais dedicados e informados que mergulharam na tragédia chocante, Nir Rosen, recentemente publicou um epitáfio, "A Morte do Iraque" na "Current History".

"O Iraque foi assassinado, para nunca mais se levantar", escreveu Rosen. "A ocupação americana foi mais desastrosa do que a dos mongóis, que saquearam Bagdá no século 13" -uma percepção também compartilhada pelos iraquianos. "Apenas tolos falam em 'soluções' agora. Não há solução. A única esperança é de que talvez os danos possam ser contidos."

Mas apesar da catástrofe, o Iraque permanece sendo um tema marginal na campanha presidencial. Isto é natural, dada a opinião da elite de falcões e pombos. Os pombos liberais aderem ao seu raciocínio e posturas tradicionais, rezando para que os falcões estejam certos e que os Estados Unidos conquistarão uma vitória na terra da ruína e escombros, estabelecendo "estabilidade", uma palavra em código para subordinação à vontade de Washington. Os falcões são encorajados e os pombos são silenciados pelos relatos otimistas após o aumento de tropas de redução do número de baixas.

Em dezembro, o Pentágono divulgou "boas notícias" do Iraque, um estudo envolvendo grupos focais de todo o país que apontou que os iraquianos possuem "crenças compartilhadas", de forma que a reconciliação deve ser possível, diferente das alegações dos críticos à invasão. As crenças compartilhadas eram duas. A primeira, a invasão americana é a causa da violência sectária que fez o Iraque em pedaços. A segunda, os invasores deviam se retirar e deixar o Iraque e seu povo.

Poucas semanas após o relatório do Pentágono, o especialista em forças armadas e Iraque do "New York Times", Michael R. Gordon, escreveu um análise equilibrada e abrangente das opções em relação ao Iraque diante dos candidatos presidenciais. Uma voz está faltando no debate: a dos iraquianos. A preferência deles não é rejeitada. Em vez disso, ele nem é digna de menção. E parece que ninguém nota o fato. Isto faz sentido na suposição tácita habitual ligada a quase todo discurso sobre assuntos internacionais: nós somos donos do mundo, então o que importa o que os outros pensam? Eles são "unpeople" (não-pessoas), para usar o termo empregado pelo historiador diplomático britânico Mark Curtis em sua obra sobre os crimes do império britânico.

Rotineiramente, os americanos se juntam aos iraquianos na condição de não-pessoas. Suas preferências também não dão opções.

(O livro mais recente de Noam Chomsky é "What We Say Goes: Conversations on U.S. Power in a Changing World". Chomsky é professor emérito de lingüística e filosofia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em Cambridge.)

Tradução: George El Khouri Andolfato

terça-feira, 18 de março de 2008

O silêncio

Há quem não goste de Rubem Alves; que o ache um "tiozinho" católico careta e cafona, mas eu gosto. Acho que ele, independente de sua religião, tem um religiosidade (no sentido de ligação, conexão com o divino, com o mundo) exemplar. Segue, então, seu texto de hoje na Folha sobre o silêncio.
O silêncio
Rubem Alves
Tagarelas alegres são emissários do demônio -com suas palavras tolas eles nos tiram das águas profundas
O VENTO FRIO, AOS golpes, anunciava que o inverno estava se aproximando. Nuvens cinzentas cobriam os Alpes, como navios que navegavam velozes, levadas pelo vento. Era um velho mosteiro de freiras que praticavam o silêncio, costume abençoado que libertava as pessoas da obrigação de conversar com os vizinhos às mesas de refeições. Não ser obrigado a conversar é uma felicidade.É raro que as pessoas entendam isso. Eu iria dar uma fala, faltava ainda meia hora e procurei um lugar escondido onde pudesse ficar quieto com os meus pensamentos. Achei-o sob uma escada, quase invisível e ali me escondi. Foi então que uma pessoa delicada me viu ali sozinho e bondosamente pensou: "O professor Rubem Alves está abandonado..." Dois minutos depois meu refúgio estava cheio de pessoas falantes que destruíram a minha solidão... Os tagarelas alegres são emissários do demônio porque com suas palavras tolas eles nos tiram das águas profundas em que nos encontrávamos. Deus é o Grande Mar. A alma é um peixe. Os poetas sabem disso.T.S. Eliot escreveu: "Nosso olhar é submarino. Olhamos para cima e vemos a luz que se fratura através das águas inquietas..."Hóspede naquele mosteiro, eu deveria obedecer aos horários e participar dos eventos. Um deles me horrorizou: participar das celebrações litúrgicas às 6h, às 12h e às 18h.O santuário era um velho celeiro de madeira octogonal, muito grande e escuro, sem janelas. Os arquitetos, para pôr luz nas sombras, abriram buracos nas paredes, cobrindo-os com vidros coloridos. A luz do sol, entrando pelos orifícios e atravessando os vidros coloridos, faziam desenhos no espaço vazio, desenhos que se deslocavam à medida em que o sol caminhava pelo céu.Os bancos, poucos, seguiam três lados do octógono; a mesa, iluminada com velas, tinha no seu centro um ícone de Jesus ao estilo bizantino. Cheguei no horário. Poucas pessoas. Os mosteiros não são lugares que atraiam turistas.Fiquei à espera do início da liturgia, que deveria iniciar-se suiçamente ao repicar dos sinos às 6h da manhã. Os sinos repicaram mas nada aconteceu, nenhuma reza, nenhum hino, nenhuma leitura bíblica.Pus-me a examinar o espaço e as luzes que se entrecruzavam. O exercício de simplesmente ver tem o efeito de fazer parar o pensamento. Alberto Caeiro já dizia que "pensar é estar doente dos olhos..."Os pensamentos, produtos internos da cabeça, são perturbações que distorcem a pureza da visão.Aí, ao misticismo do ver seguiu-se o misticismo do ouvir. O vento descia furioso das montanhas, em golpes, lufadas que torciam a estrutura de madeira, provocando aqueles ruídos típicos de navios à vela batidos pelo vento. Ao lado do santuário havia uma plantação de macieiras nuas, o vento havia arrancado suas folhas todas, somente seus galhos pelados ficaram. Quando o vento sacudia a galharia era como se houvesse um mar enraivecido quebrando ondas. Aí os sons e as cores começaram a invocar poemas ancestrais."E a terra era um abismo sem forma e o vento de Deus soprava violentamente sobre a superfície das águas... E disse Deus: "Haja luz..." E aí meus pensamentos foram possuídos pela poesia.Mas e a liturgia? Já eram 6h20. Percebi então que a liturgia havia começado às 6h, quando os sinos tocaram... Só silêncio...

segunda-feira, 17 de março de 2008

1968: O ano que mudou o mundo











Em 2008, completam-se 40 anos de um momento central do século XX. Paris, San Francisco, Praga, Vietnã. Muitas mechas pegaram fogo ao mesmo tempo e uma geração de jovens se rebelou contra o modelo de sociedade burguesa. Sua moral repressiva se combatia com a libertação sexual, o prazer imediato das drogas, o rock and roll. Aquela rapaziada, longe de se envergonhar de sua imaturidade, dela tirou proveito. Gritava-se “a imaginação ao poder”. Mas, que imaginação?, e que poder? Aliados da luta operária, os “sessentaeoitistas” pertenciam em sua maioria às classes acomodadas. Negaram o consumo e acabaram sendo seus máximos aliados. Promoveram a revolução social a partir do superindividualismo. As contradições do Maio de 68 são numerosas. Mas de cada uma delas saltou uma faísca. E, reunidas, formam uma luz que continua iluminando o mundo quarenta anos depois.

Segue a íntegra do artigo de Vicente Verdú publicado no El País, 06-03-2008.


A tradução é do Cepat.




“Desejar a realidade está bem, realizar os desejos está melhor”. A consigna não deixava lugar a dúvidas, posto que a revolução de 1968 deixava sentir de longe o cheiro das emanações que caracterizam a orgia. A mesma significação medular se encerrava no “ser realistas, pedir o impossível”, ou, o que é o mesmo, que todo o sonhado se cumprisse e que qualquer bem chegasse às mãos pelo simples direito de existir. Não podia, pois, considerar-se estranho que os detratores observaram o movimento como um ataque dos filhos mimados. E obscenos.

O humor dionisíaco do Maio de 68 se opunha à ordem sexual que reinava na sociedade burguesa, e isso constituiu o núcleo basal da revolta. Uma revolta gerada não por forças maçônicas nem porque tivesse aumentado o preço do trigo ao modo da revolução de 1789, mas pela potência do orgon.

Todas as críticas aos fogos de artifício político de 68 não levam em conta sua fogueira fundamental, acesa desde o sexo, e graças, decisivamente, ao movimento de libertação da mulher. Sem o concurso da libertação feminina não teria sido possível chegar a nada, mas com sua cumplicidade caíram os tapumes do tablado tradicional.

O capitalismo, entretanto, se manteve elegantemente em pé. Mais ainda: o odiado capitalismo trocou sua antiga pele por um cetim de iriadas cores, e com isso obteve capacidade para respirar melhor e desenvolver-se como uma verbena de consumo agregada à festa do orgasmo, do antiautoritarismo, da aventura e do amor à revolução.

Daniel Bell pressagiava em As contradições culturais do capitalismo o conflito que poderia se criar dentro do sistema quando a ética do trabalho, derivada do ascetismo protestante, fosse assaltada por um modo de vida baseado no gozo imediato e no prazer consumista. Mas o conflito nunca criou nenhuma paralisia, mas, pelo contrário, um efeito acelerador.

Assim, o livro mais citado e célebre de Bell foi se convertendo em sua obra mais acertada quando é lida, aproximadamente, no sentido inverso. Contradições no sistema, sim; mas, em vez de romper o mecanismo, como acreditavam Bell e os do 68, registrou-se um superacidente de cuja energia o capitalismo saiu tão rejuvenescido como por um esfoliante de Clarins.

A semente do diabo

De fato, os anos sessenta constituem a década crucial em que o conspícuo capitalismo de produção, obscuro, austero e repressor, começou a girar para o cromatismo musical do capitalismo de consumo. As forças econômicas nem sempre se mostram com toda clareza, mas terminam sendo as que explicam substancialmente o sucesso ou o fracasso das idéias, além de ser parte de sua produção.





O Maio de 68 significou, para os analistas sóciopolíticos, a cristalização conjunta do mal-estar operário, do mal-estar estudantil na universidade e da explosão do reino juvenil que estava cozinhando nos últimos vinte anos.

Em 1925, Ortega y Gasset repetia em A desumanização da arte [São Paulo: Cortez, 1999] sua constatação, então assombrosa, de que a rapaziada, em vez de se envergonhar da sua imaturidade e se esforçar para adotar feições de velho para ganhar reputação, começavam a se ufanar da sua aparência.

O que significava esta translação ao look? Tinha a ver com o fato de que o velho havia perdido liderança, e seus pontos de vista não o levavam, entre os transtornos tecnológicos, artísticos e sociais, a atinar em suas observações, foram referidas ao cinema, à arte abstrata ou à serificação industrial. Os jovens representavam, de um lado, a barbárie de sempre, mas, de outro, a opção acaso de ópticas mais conformes com a novidade.

O Maio de 68 foi, quarenta anos mais tarde, o êxito da coorte de jovens que cavalgou sobre a crista dos espasmos ideológicos, artísticos e econômicos, enquanto ganhava a relevância que seus pais dilapidaram com o fracasso humano das duas guerras mundiais.

O crescente valor da matéria jovem significou, em síntese, um giro na hierarquia do valor. E também, imediatamente, de todos os valores. O protótipo burguês baseava sua moral em três virtudes capitais: a economia, a utilidade e a finalidade. O Maio de 68 e seu máximo motor emocional refutavam cada um desses princípios. Diante da economia e da contenção sexual, propugnava o gasto orgasmático (a energia do orgon teorizada por Wilhem Reich); diante da renúncia, o prazer sem espera.

A revolução “agora!” foi o grito matriz que hoje se refere a qualquer coisa, do eletrodoméstico até a casa, da viagem ao snack que se desfruta incansavelmente.

A contenção de gastos se revelou então equivalente à repressão (a economia de sexo feminino até o casamento), e a utilidade ou a finalidade se manifestaram como a marca desencantada do projeto e da ação. O Maio de 68, encarnado na orgia, impelia na outra direção.

Diante da contenção repressiva, o gasto; contra a calculada utilidade, a imediatez, e diante da finalidade, a aventura. A reunião destes três elementos desenha o triângulo da cultura de consumo, mas então não se sabia nem se tomava, em nenhum sentido, o consumo como um bem.

A expressão “sociedade do consumo” apareceu pela primeira vez nos anos 20 nos Estados Unidos e se popularizou durante os anos 50 e 60. Maldizer agora a sociedade de consumo resulta ser tão pesado como rançoso, mas na época era uma maneira jovem e anticapitalista de ser. Para José Luis Aranguren (Cuadernos para el Diálogo), o consumismo era “um reducionismo economicista da vida”, e para Jean Baudrillard, “constituía um sistema que se encontrava em estado de destruir as bases do ser humano” (A sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Elfos, 1995). Esta era a doutrina central.

Efetivamente, se os protagonistas do 68 apelavam para a criatividade, o prazer, o poder da imaginação, para uma libertação generalizada, faziam também um chamamento para acabar com a sociedade de consumo, que veio a ser depois, paradoxalmente, o mais criativo que cabia imaginar e o mais afinado com seus desejos de pecados sem penitência.

O paradoxo, portanto, era este: os pressupostos da revolução de 68 procediam da sociedade de consumo que crescia sob seus pés, mas seus líderes repudiavam com veemência o consumismo, sendo eles, por excelência, grandes consumistas: do tempo, do sexo, dos direitos, dos meios de comunicação de massa.

Como um bordado

De fato, tanto o Maio de 68 como o sistema geral de consumo são inconcebíveis sem a gigantesca explosão dos meios de comunicação de massa. A comunicação de massas e o consumo de massas, a festa e o contágio de 68 foram se cruzando numa copulação reprodutora. Daí que a revolta fora, por um lado, muito ampla, à maneira de uma endemia, e do outro, muito efêmera. Nascida e desenvolvida como um sucesso sensacionalista num jornal amarelo, por vermelho que parecesse.

Os meios de comunicação difundiram a nova visão da sociedade, da universidade, da psiquiatria, da família, da escola, da relação intersexual, dos direitos da mulher, e recriaram, com seu exercício, a composição de uma nova estampa.

Quarenta anos depois não vale a pena qualificar de sucesso o fracasso daquela subversão porque, simplesmente, suas vindicações se inscreveram na alma social como um bordado do mesmo fio. E tão naturalmente como corresponderia a um ritmo que se encaixa, e faz parte interna da melodia que soou mundialmente depois. A melodia do novo capitalismo de consumo que não pára de aumentar seu volume e sua difusão, com ou sem MP3.

A música foi, além disso, fundamental, um meio de comunicação potente que continuou até se tornar o hino genérico da juventude na moda. A moda, a moda jovem e a moda sem adjetivação ingressaram, por sua vez, no sistema como uma faceta a mais do ritmo dominante.

Antes dos anos 60, a moda era algo quase exclusivo da mulher, mas depois foi se fazendo espetáculo total. O feminino, contudo, foi importantíssimo, permeando o juvenil e subversivo como um ar essencial dos novos tempos.




Sem a mulher, em suma, não teria sido factível a festa do 68, e graças ao seu vigoroso movimento de libertação se emanciparam dois ou três sexos ao mesmo tempo. O seu, que funcionava como grande polícia dos bons costumes, e o sexo masculino, que obteve a inesperada franquia para intercambiar seus desejos com os de seus casais.

Aquela renúncia de usar sutiã foi literalmente a perda do sutiã. Enquanto elas tiravam de cima de si esta sujeição, facilitavam a passagem para uma relação sem os dolorosos freios inerentes às assimetrias.




Não houve tempo para culminar a grande idéia sexualista, mas quem duvida que se consumaram muitos cortejos? Boa parte da guerra de gerações de então procedia não tanto do choque maoísta com os pais, mas da incompatibilidade entre seus ditames sobre o sexo e o casamento e a teorética do amor livre.

Muitas ou todas as comunas fracassaram, e praticamente qualquer tentativa de trios à maneira de Jules e Jim provocaram neuroses; mas tanto Truffaut como nós, seus contemporâneos, não desperdiçamos a oportunidade para ensaiar.

Daí aquele tão conhecido “a imaginação ao poder”. Que imaginação? Que poder? Todo aquele que procedia de inaugurar excitadamente uma realidade transgressora, sonhada e revolucionária. O LSD, a cocaína, o haxixe, a droga em geral aureolava na gozação, e se foi, de um lado, uma complacência no prazer individual, foi, de outro, um sinal de ouro para assinalar o novo momento do valor.

Com a droga se obtinha gozo imediato, sem demora. Assim como acontecia com as aquisições a prazos ou com as hipotecas depois. Primeiramente, se acedia o bem, e mais tarde chegavam os efeitos secundários. Completamente o oposto da equação das gerações precedentes ao Maio de 68, que primeiro colocavam a abnegação, a economia, a espera, e mais tarde optavam pela devida compensação.

A inversão deste enunciado canônico, projetado em quase todos os âmbitos da realidade, decidiu o rumo da cultura. O capitalismo se salvou por seu inquestionável poder, mas, indubitavelmente, porque transformou sua personalidade.

Os autores do Maio de 68 não podem se considerar os criadores exclusivos desta transformação, posto que procedia sobretudo da dialética produtiva, mas foram aqueles que a tornaram visível e até vistosa quando mal havia começado.

Foram os grandes promotores do consumo, negando, entretanto, o consumo. Grandes promotores da revolução social sendo superindividualitas. Formidáveis aliados dos protestos da classe baixa quando, em sua maioria, procediam da classe alta ou média alta.

As contradições do Maio de 68 são tantas que tornam ainda mais brilhante a sua memória. De cada contradição brota uma faísca, e da reunião de todas elas, uma luminária que, se fracassou em seus objetivos políticos explícitos, triunfou categoricamente no deslize de suas intuições e emoções substanciais. Grande sucesso da feminidade, sem dúvida.

Genocídio no Tibet


17/3/2008

‘É um genocídio cultural e eu sozinho não posso estancá-lo’, afirma o Dalai Lama


“O senhor pode estancar as revoltas’, perguntam os jornalistas ao Dalai Lama em Dharamsala, na Índia.

Sério, Dalai Lama responde:

“Eu não tenho este poder. Trata-se de um movimento popular e eu me considero um servo, um porta-voz do meu povo. Além disso, eu sou totalmente a favor dos princípios da democracia, da liberdade de expressão, de pensamento. Não posso pedir às pessoas para fazer ou não fazer isto ou aquilo. O que fizerem ou queiram fazer, não sou o seu controlador”. A reportagem é do jornal Repubblica, 18-03-2008.





Ele não espera pela outra pergunta. Quer fazer compreender que nem por isso concorda com as violências.

“Na realidade, creio que todos sabem qual é a minha posição. Todos sabem que o meu princípio é a completa não violência, porque a violência é quase um suicídio. Mas, admita ou não o governo chinês, há um problema. A nação tibetana, a sua antiga cultura morre. Todos o sabem”. “Então eu peço – retoma – por favor, investiguem sozinhos, se possível o faça uma instituição respeitada de nível internacional, indague sobre o que aconteceu, sobre a situação e qual é a causa. Todos querem saber: Quem criou estes problemas agora?”

E novamente repete:

“Intencionalmente ou não, assistimos a uma forma de genocídio cultural. É um tipo de discriminação: os tibetanos, na sua terra, muitas vezes são cidadãos de segunda classe. Recentemente as autoridades locais pioraram a sua atitude para com o budismo tibetano. É uma situação muito negativa. Há restrições e a assim chamada “reeducação política” nos mosteiros...”.




E continua:

“Entre os tibetanos que vêm até aqui é crescido o ressentimento, inclusive alguns tibetanos comunistas, que trabalham em diversos departamentos e escritórios chineses. Ainda que sejam ideologicamente comunistas, eles levam no coração a causa do seu povo. Segundo estas pessoas, mais de 95% da população é muito, muito ressentida. Esta é a principal razão dos protestos, que reúnem monges, monjas, estudantes, pessoas comuns”.

E denuncia:

“Pequim confia na sua força para simular a paz, mas é uma paz criada com o terror. Isso acontece há cinqüenta anos e agora há uma nova geração, e também com ela eles têm a mesma atitude. Certamente que eles podem controlar o povo, mas não a sua mente”.

Quanto aos jogos olímpicos, Dalai Lama afirma:

“É a comunidade internacional que tem a responsabilidade moral de recordar à China de ser uma bom país hospitaleiro. Já disse que a China tem o direito de fazer os jogos e que o povo chinês tem a necessidade de sentir-se orgulhoso por isso”.

quinta-feira, 13 de março de 2008

É proibido viajar


Por: CONTARDO CALLIGARIS




(Extraído de: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1303200826.htm)


A modernidade, que começou com a livre circulação, acaba proibindo a viagem

NO EPISÓDIO dos jovens pesquisadores brasileiros barrados em Madri, as autoridades espanholas agiram como se o cônsul-geral do Brasil contasse lorotas para facilitar o trânsito de imigrantes ilegais. O desrespeito justifica a "retaliação" brasileira.
No mais, a cada dia, as fronteiras do mundo (não só do primeiro) barram alguém que tenta viajar, sobretudo se for jovem, solteiro e sem as aparências de uma "vida feita".
Ao atravessar uma fronteira, o passaporte prova que estamos em paz com a Justiça de nosso país. As outras nações devem decidir se somos hóspedes desejáveis. Nas últimas décadas, as "condições" para ser desejável se multiplicaram. Hoje, no caso da Espanha: 1) 70 por dia de permanência planejada; 2) passagem de volta marcada; 3) reserva de hotel, já pago; 4) para quem se hospedar com parentes, formulário preenchido pelos mesmos; 5) quem se desloca para trabalhar deve dispor de um contrato assinado. Normas muito parecidas valem na maioria dos países.
O escândalo é que essas condições podem nos parecer "aceitáveis". Afinal, qualquer Estado quer proteger o emprego de seus cidadãos impedindo a chegada de imigrantes não-autorizados, não é? Pois é, Michel Foucault é mesmo o pensador para os nossos tempos: o sistema social e produtivo dominante ordena nossas vidas furtivamente, convencendo-nos de que não há opressão, mas apenas necessidades "racionais". Se achamos essas regras "aceitáveis", é porque já adotamos a idéia de que, no nosso mundo, só é legítimo ter moradia fixa e profissão estável.
As pessoas com moradia fixa podem, quando elas dispõem dos meios necessários, adquirir uma passagem de ida e volta e sair de seu lar seguindo um programa pré-estabelecido -ou seja, podem ser, ocasionalmente, turistas.
Escárnio: prefere-se que os turistas sejam otários, pagando de antemão. Há uma pousada melhor da que estava prevista? Você quer encurtar a viagem? Pena, você já pagou. Mas isso é o de menos. Importa o seguinte. A modernidade, que começou com a circulação (livre ou forçada) de todos os agentes econômicos, acaba parindo, nem mais nem menos, a proibição da viagem. Como assim? Pois é, viajar não tem nada a ver com férias num resort ou com ser transportado de cidade em cidade para que os cicerones nos mostrem as coisas "memoráveis".
Para começar, viajar é usar uma passagem só de ida.
- Quanto tempo você vai ficar?
- Não faço a menor idéia. Um dia? Três meses? Um ano?
- E você vai para onde?
- Não sei. Talvez eu curta uma pequena enseada, alugue um quarto numa casa de pescadores e fique comendo caranguejos com os pés na areia. Talvez, já no avião ou pelas ruas de Barcelona, eu me apaixone por uma holandesa, um russo ou uma argelina e os siga até o país deles, por uma semana ou um mês.
Se a paixão durar, ficarei por lá.
- E o dinheiro?
- Não sei, meu amigo. Toco violão, posso ganhar um trocado numa esquina ou no metrô. Também posso lavar pratos, ajudar na colheita, cortar lenha, lavar carros e vender pulôveres. E, se a coisa apertar, tenho endereços de parentes e conhecidos que nem sabem que estou viajando, mas não me recusarão uma sopa e um banho quente. Além disso, em Paris, quando fecha o mercado da rua Saint Antoine, sobram na calçada as frutas e as saladas que não foram vendidas; em São Paulo, Londres e Nova York, conheço dezenas de igrejas que oferecem um pão com manteiga; em Varanasi, ao meio dia, distribuem riso com curry e carne aos peregrinos.
Cem anos depois da invenção do passaporte com fotografia, chegamos nisto: uma ordem que só permite se movimentar para consumir férias ou para se relocar segundo os imperativos da produção.
As regras que barram o viajante expressam nossa própria miséria coletiva: perdemos de vez o sentimento de que a vida é uma aventura. Preferimos a vida feita à vida para fazer.
Para quem quiser ler sobre a história da documentação de viagem, uma sugestão: "Invention of the Passport: Surveillance, Citizenship and the State" (invenção do passaporte: vigilância, cidadania e o Estado), de Torpey, Chanuk e Arup (Cambridge University Press).
Para quem quiser viajar, outra sugestão: a mentira, num mundo opressivo, é uma forma aceitável de resistência.

"Passagens são casas ou corredores que não tem lado exterior - como o sonhos"; Walter Benjamin e o sonho

Walter Benjamin, vocês já sabem, escreveu uma série de reflexões inspiradas nas chamadas passagens parisienses. Para ele essas peculiares "peças" arquitetônicas tinham um caráter intrigante: de serem internas-externas. Ou seja, as passagens parisienses refletem pelo menso dois aspectos da vida moderna: o processo de publicização da vida privada e a apresentação da contradição e o desvelamento da incapacidade da lógica hegemônica na filosofia ocidental de lidar com isso.
Mas o que quero destacar neste post são as associações que Walter Benjaimin faz com os sonhos. Desejo assim tentar instigar os colegas imersos nesse mundo, o onírico, a manifestar-se; tecendo comentários, críticas, ou reflexões resultantes no corpo deste texto.

Seguem alguns excertos:

"O tédio é um tecido cinzento e quente, forrado por dentro com a seda das cores mais variadas e vibrantes. Nele nós nos enrolamos quando sonhamos. Estamos então em casa nos arabescos de seu forro. Porém, sob essa coberta, o homem que dorme parece cinzento e entediado. E quando então desperta e quer relatar o que sonhou, na maioria das vezes ele nada comunica além desse tédio. Pois quem conseguiria com um só gesto virar o forro do tempo do avesso? E, todavia, relatar sonhos não é mais do que isso." [D, "O tédio, Eterno retorno", 2a, 1].

"O despertar como um processo gradual que se impõe na vida tanto do indivíduo quanto das gerações. O sono é seu estágio primário. A experiência da juventude de uma geração tem muito em comum com a experiência do sonho. Sua configuração histórica é configuração onírica. Cada época tem um lado voltado para os sonhos, o lado infantil. Para o século passado, isto aparece claramente nas passagens. Porém, enquanto a educação de gerações anteriores interpretava esses sonhos segundo a tradição, no ensino religioso, a educação atual volta-se simplismente à distração das crianças. Proust pôde surgir como um fenômeno sem precedentes apenas em uma geração que perdera todos os recursos corpóreos-naturais da rememoração e que, mais pobre do que as gerações anteriores, estivera abandonada à própria sorte, e, por isso, conseguira apoderar-se dos mundo infantis apenas de maneira solitária, dispersa e patológica. O que é apresentado a seguir é um ensaio sobre a técnica do despertar. Uma tentativa de compreender a revolução dialética, copernicana, da rememoração". [K, "Cidade dos sonhos e Morada dos sonhos, Sonhos e futuro, Niilismo Antropológico, Jung", 1, 1]

"A revolução copernicana na visão histórica é a seguinte: considerava-se como ponto fixo 'o ocorrido' e conferia-se ao presente o esforço de se aproximar, tateante, do conhecimento desse ponto fixo. Agora esta relação deve ser invertida, e o ocorrido, tornar-se a reviravolta dialética, irromper da consciência desperta. Atribui-se à política o primado sobre a história. os fatos tornam-se algo que acaba de nos tocar, e fixá-los é tarefa da recordação. E, de fato, o despertar é o caso exemplar da recordação: o caso no qual conseguimos recordar aquilo que é mais próximo, mais banal, mais ao nosso alcance. O que Proust quer dizer com a mudança experimental dos móveis no estado de semidormência matinal, o que Bloch percebe como a obscuridade do instante vivido, nada mais é do que aquilo que se estabelecerá aqui no plano da história, e coletivamente. Existe um saber ainda-não-consciente do ocorrido, cuja promoção tem a estrutura do despertar". [K, 1, 2]

"Existe uma experiência da dialética totalemente singular. A experiência compulsória drástica, que desemente toda 'progressividade' do devir e comprova toda aparente 'evolução' como reviravolta dialética eminente e cuidadosametne composta, é o despertar do sonho. (...) O método novo, dialético, de escrever a história apresenta-se como a arte de experienciar o presente como o mundo da vigília ao qual se refere o sonho que chamamos de o ocorrido. Elaborar o ocorrido na recordação do sonho! - Quer dizer: recordação e despertar estão intimamente relacionados. O despertar é, com efeito, a revolução copernicana e dialética da rememoração". [K, 1, 3]

"(...) assim como aquele que dorme - e que nisto se assemelha ao louco - dá início à viagem macrocósmica através de seu corpo, e assim como os ruídos e sensações de suas próprias entranhas, como a pressão arterial, os movimentos peristálticos, os batimentos cardíacos e as sensações musculares - que no homem sadio e desperto se confundem no murmúrio geral do corpo saudável - produzem, grças à inaudita acuidade de sua sensibilidade interna, imagens delirantes ou oníricas que traduzem e explicam tais sensações, assim também ocorre com o coletivo que sonha e que, nas passagens, mergulha em seu próprio interior. É a ele que devemos seguir...". [K, 1, 4]

"É um dos pressupostos da psicanálise que a oposição categórica entre sono e vigília não tem valor algum para determinar a forma de consciência empírica do ser humano, mas cede lugar a um infinita variedade de estados de consciência concretos, cada um deles determinado pelo grau de vigília de todos os centros possíveis. Basta, agora, transpor o estado da consciência, tal como aparece desenhado e seccionado pelo sonho e pela vigília, do indivíduo para o coletivo. Para este, são naturalmente interiores muitas coisas que são exteriores para o indivíduo. A arquitetura, a moda, até mesmo o tempo atmosférico, são, no interior do coletivo, o que processos orgânicos, o sentimento de estar doente ou saudável são no interior do indivíduo. E, enquanto mantêm sua forma onírica, inconsciente e indistinta, são processos tão naturais quanto a digestão, a respiração etc. Permanecem no ciclo da eterna repetição até que o coletivo se apodere deles na política e qando se trasnformam, então, em história". [K, 1, 5]

terça-feira, 11 de março de 2008

Ernesto Laclau: 1968 e a construção de um novo discurso político

Laclau










"Para o pensador argentino Ernesto Laclau, “a importância do Maio de 68 se articula dentro de um projeto de construção política viável”. Na entrevista que concedeu por telefone para a IHU On-Line, ele fala sobre a herança do episódio de maio de 1968 na França, sobre democracia, sobre os novos movimentos da política latino-americana e sobre populismo. Ernesto Laclau é um dos filósofos mais lúcidos da política contemporânea. Vive em Londres há cerca de 40 anos. Atualmente, é professor de teoria política na Universidade de Essex, Inglaterra, e na Northwestern University. É licenciado em História pela Universidade de Buenos Aires e obteve o PhD pela Universidade de Essex. Entre seus livros traduzidos para o português, citamos Política e ideologia na teoria marxista: capitalismo, fascismo e populismo (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979) e Misticismo, retórica y política (Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2002). Com Chantal Mouffe, escreveu o importante livro Hegemony & socialist strategy: towards a radical democratic politics (London: Verso, 1985). "


Por: Graziela Wolfart e Márcia Junges, 10/03/2008


IHU On-Line - Quais são os maiores impasses e desafios da democracia atualmente?


Ernesto Laclau –
Isso depende muito de que parte do mundo estamos falando. No caso da América Latina, as principais dificuldades são a possibilidade de organizar uma alternativa continental ao projeto norte-americano. Creio que, nesse momento, a democracia no continente depende da consolidação de regimes populares que estão surgindo, mas que têm claras dificuldades de implementação.

IHU On-Line – Passados 40 anos do Maio de 1968, em que consiste, especificamente, o conceito de democracia radical que o senhor e Chantal Mouffe defendem?


Ernesto Laclau –
Creio que 1968 foi muito importante na construção de um discurso político novo. Mas precisamos ver também as limitações que esse discurso teve em seu momento. Em primeiro lugar, Maio de 1968 foi um evento europeu. E esse evento europeu teve lugar num momento em que se autonomizavam uma série de lutas que aconteciam nos Estados Unidos e na Europa. Tudo isso criou uma idéia de uma certa autonomia das lutas sociais, o que antes não havia. Por exemplo, nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial, houve um avanço das lutas democráticas na Europa Ocidental sob a hegemonia dos partidos comunistas. Isso significou um avanço da democracia, e na Itália ficou muito claro. Mas, quando chegamos aos anos 1960, o que vemos é uma irrupção de novas forças que já não podiam ser absorvidas dentro do universo simbólico comunista tradicional. No entanto, os limites dessa experiência também estão claros: não se pode chegar a uma autonomização das lutas sem fazer um esforço para modificar também os sistemas de relações políticas.

IHU On-Line - Esse tipo de democracia resultaria em uma concepção agonística de política, inspirada nos moldes gregos, primando pelo respeito à alteridade e pela não homogeneização do sujeito. Poderia explicar melhor essa idéia?

Ernesto Laclau –
Sim, claro. O que ocorre é que, por exemplo, se pensarmos pelo marxismo clássico, temos uma teoria de uma homogeneização das lutas sociais. A idéia central da estratégia política do marxismo clássico foi a de que a sociedade capitalista estava avançando para uma simplificação da estrutura social. As classes médias estariam fadadas a desaparecer e, ao final da história, teríamos uma confrontação radical entre a burguesia e a massa proletária homogênea. Evidentemente, a história não avançou nessa direção. O que se deu foi uma heterogeneização da estrutura social e, então, o problema da articulação política entre pontos de ruptura, que são muito distintos em sua natureza, passaram a ocupar o lugar central.

IHU On-Line - Qual é a maior importância do Maio de 1968?

Ernesto Laclau –
Creio que 1968 representou um momento de ruptura dentro da política de esquerda européia e dentro da política norte-americana, nos momentos de protesto contra a Guerra do Vietnã. Ou seja, alcançou a explosão de novos antagonismos, novas demandas e novos valores. De outro lado, 1968 não chegou a constituir o imaginário hegemônico, que poderia mostrar a definição de um novo tipo de estado. E, depois, explosões similares, como, por exemplo, o referendo do NÃO, que aconteceu na Europa, no ano passado, não chegou a se traduzir numa formulação política de tipo novo. Ou seja, creio que a política tem duas faces. Uma é de caráter ruptural, e a outra é a de transformar esse momento ruptural na base para uma nova reestruturação do Estado. Deste ponto de vista, 1968 precisaria mostrar suas potencialidades, o que não acontece até o momento.

IHU On-Line – Qual é a maior herança que o Maio de 68 deixou para a política e a democracia latino-americana?

Ernesto Laclau –
Em primeiro lugar, 1968 foi, do ponto de vista da América Latina, algo muito distinto. Na Argentina, assistimos a toda a experiência do Cordobazo e todas as mobilizações, mas não foi uma conseqüência direta do Maio de 68 na Europa. Mas, em termos de imaginário político, o episódio teve importância universal. Insisto que a importância não deve se transformar no absoluto. A importância do Maio de 68 se articula dentro de um projeto de construção política viável.

IHU On-Line - Como a democracia radical conjuga o respeito pela alteridade e a autonomia do sujeito moderno?

Ernesto Laclau –
O que está claro é que a situação atual, num capitalismo globalizado, no qual estamos avançando, traz uma pluralização dos pontos de ruptura e antagonismo. Ou seja, a questão é como unir forças que partem de pontos de luta muito diferentes. Por exemplo, no Fórum Social Mundial, de Porto Alegre, há uma pluralidade enorme de workshops que se dedicam a criar problemas muito específicos (sobre as mulheres em Zimbábue, os gays na Califórnia etc.). Mas, com o tempo, há um esforço de criar uma certa “linguagem comum” que transite entre todos esses temas. Ou seja, o que estamos criando, de alguma maneira, me parece, é uma nova forma de universalismo, que produz efeitos políticos de grande alcance.

IHU On-Line - Como o senhor interpreta a exaustão política dos eleitores expressa através da apatia (votos brancos, nulos, abstenções), ou, em outros termos, do niilismo passivo? O que essa postura revela sobre a democracia atual?

Ernesto Laclau –
Aqui temos que distinguir entre áreas geográficas. Por exemplo, se pensarmos na Argentina, o que aconteceu depois da crise econômica de 2001, a mais séria que o país sofreu, foi uma expansão horizontal enorme dos protestos sociais. Começaram as recuperações de fábricas, as mobilizações dos piqueteiros, e outras mobilizações de vários tipos. Isso, no entanto, não se traduz imediatamente ao nível do sistema político, porque, então, o lema era “que se vayan todos”. Kirchner manteve uma política de tratar de unir a proliferação horizontal dos protestos sociais à sua influência vertical dentro da estrutura política. Ou seja, com muitas dificuldades, está se criando um duplo processo, que teria de avançar em duas direções. Eu creio que na América Latina, em geral, essa é a situação. Se passarmos para a Europa, a questão é diferente. O que acontece lá é uma unificação dos setores dominantes. Por exemplo, se na França ganham os socialistas ou a direita, não temos uma diferença tão grande, porque os dois pertencem ao mesmo extrato tecnocrático. Não digo que isso não esteja acontecendo na América Latina, também de alguma maneira está acontecendo. Mas há opções de caráter mais radical.

IHU On-Line - Como o senhor percebe e define a atuação da Nova Esquerda na América Latina? Quais são os principais desafios que ela tem pela frente?

Ernesto Laclau –
Eu acredito que, na América Latina, nós temos duas esquerdas: uma é a tradicional, a do “Partidão”, e que está praticamente desaparecendo em todos os lados. Resquícios dessa esquerda tradicional podem ser vistos na Argentina, na Venezuela, com o partido comunista, e no Brasil também. De outro lado, as opções continentais do que pode ser uma nova esquerda são muito mais amplas. Creio que, se pensarmos na possibilidade de uma nova esquerda na Argentina, isso está muito mais ligado ao kirchnerismo do que aos partidos que se consideravam tradicionalmente de esquerda. De outro lado, há, em alguns países que tem mantido a estrutura mais clássica, como o Uruguai e o Chile, uma esquerda de tipo mais tradicional, mas com um sistema político que é menos permeável aos novos processos de mudança.

IHU On-Line – Quem, na política latino-americana, hoje pode ser apontado como um líder populista? Em que sentido o populismo interfere na questão da democracia?

Ernesto Laclau -
Para mim, populismo não é um termo pejorativo, como o é para muitos cientistas sociais. Vejo o populismo como um tipo de discurso que trata de dicotomizar o espaço social entre os “de cima” e os “de baixo”. Esse discurso poderia ir numa direção de direita e numa direção de esquerda. Isso não quer dizer que algo é bom por ser populista. Pode ir em direções completamente diferentes. No entanto, contemplo uma situação na qual a multiplicação dos pontos de ruptura e antagonismo não pode ser reduzida a uma unidade, como era aquela de classe no sentido da esquerda tradicional. No momento atual da articulação política, uma dimensão populista será uma característica central de qualquer nova esquerda. Há muitos líderes populistas na América Latina hoje. Há Chávez, Cristina Kirchner e Ollanta Humala, o líder peruano que perdeu as últimas eleições. No caso do Brasil, o problema é mais complexo. Porque o Brasil, tradicionalmente, teve uma extrema regionalização da política. Vamos comparar Vargas e Perón. Este último era líder de um movimento unificado, porque ao redor das três grandes cidades (Rosário, Córdoba e Buenos Aires), há toda uma classe operária e industrial no centro dessa política. Enquanto isso, no Brasil, o que temos é um regionalismo real. Então, Vargas precisou ser bom articulador para diferentes classes. De um ponto de vista populista, isso era muito mais complexo. Lula tem mantido um equilíbrio. Eu sou menos crítico a Lula do que alguns. Penso que Lula conseguiu alguns feitos importantes. Na reunião de Mar Del Plata, o projeto da Alca não se implementou, em boa medida, porque o Brasil se opôs. Lula está fazendo um papel de ponte entre vários projetos latino-americanos. Eu, pessoalmente, tenho simpatia pela sua política. Lula pode ser apontado como populista até certo ponto. Ele tem que dirigir um sistema político no qual sempre haverá um certo equilíbrio entre o populismo e o institucionalismo.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Maio de 1968. 40 anos depois.
















Como em toda revolução sonhadora, nem todos os objetos de desejo são alcançados. Nas reivindicações de maio de 1968, em especial, não foi diferente. Entretanto, grupos até então excluídos da sociedade passaram a representar maior espaço no poder, lutando por ideais, respeito e reconhecimento.




Essa atitude, explica o psicanalista Benilton Bezerra Jr., em entrevista especial à IHU On-Line, por telefone, gerou uma mudança de paradigma. Mas a revolução sexual e as conquistas da subjetividade individual também sofreram distorções, pois, em grande medida, “se transformaram de um direito conquistado em uma espécie de obrigação de cada um”.

Essas mudanças, garante o pesquisador, são conseqüências de um movimento maior, surgido com o “desaparecimento do campo da política”. O engajamento coletivo presente em 68 desapareceu, abrindo espaço, conseqüentemente, para a exacerbação do individualismo.

Bezerra Jr. é graduado em Direito e em Medicina, mestre em Medicina Social e doutor em Saúde Coletiva, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Atualmente, é membro do Instituto Franco Basaglia e atua como docente adjunto do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, e pesquisador do PEPAS (Programa de Estudos e Pesquisas sobre Ação e Sujeito) da UERJ.


IHU On-Line - Uma das marcas de Maio de 68 foi a ampla crítica dos jovens ao sistema. Eles contestaram a construção da família, a tradição, as proibições, a moral, os tabus. O que essas manifestações expressas através dos gritos de ordem “É proibido proibir” e “O poder está nas ruas” significaram?

Benilton Bezerra Jr. – Maio de 68 foi um acontecimento com múltiplas dimensões e várias conseqüências. Uma delas, talvez a principal, foi a capacidade de tal movimento abalar, de certa forma, várias estruturas de pensamento e de organização do poder, além de influir decisivamente na politização da vida cotidiana. Este impacto se expressou no plano da política por meio da crítica aos impérios ainda existentes e aos sistemas de poder estabelecidos. Ou seja, houve uma crítica, no plano da macropolítica, aos impasses e conflitos estruturais no mundo capitalista e soviético. Assim, surgiu a idéia de que as formas de organização e de exercício do poder precisavam ser renovadas.

Essa posição gerou também conseqüências no campo da micropolítica. Palavras de ordem, como “É proibido proibir”, ou “O poder está nas ruas”, acabaram implicando, em maio de 68, uma confluência do movimento estudantil e dos trabalhadores franceses. É preciso lembrar que essa foi uma manifestação popular, na qual mais de dez milhões de trabalhadores aderiram a greves, questionando o poder do Estado.

Esse período proporcionou a criação de um espaço para novos temas políticos, por exemplo, no que se refere à condição feminina, dos negros, dos homossexuais e das minorias em geral. Essas temáticas e esses grupos, na maneira de pensar a política até maio de 68, eram, de alguma maneira, sistematicamente, colocados em segundo plano. Assim, os acontecimentos da época significaram a emergência de uma nova agenda política que contemplava questões e conflitos antes subordinados às grandes bandeiras políticas e sociais.

IHU On-Line – Assim, esse período contribui para sacudir os valores da velha sociedade e estabelecer novos padrões no que se refere à sexualidade e prazer? Ou essa foi apenas uma revolução sonhadora?

Benilton Bezerra Jr.
– Sem dúvida, foi um movimento sonhador. Talvez essa tenha sido a grande marca de 68. Uma das frases mais famosas da época, registrada nos muros e paredes, dizia: “Sejamos realistas, peçamos o impossível”. Isso mostra que a idéia de se fazer uma revolução, ou seja, mudar pensando no impossível e quebrar paradigmas que pareciam estáticos, esteve presente, nesse período, em todas as manifestações ocorridas no mundo. Contudo, como toda revolução sonhadora, ela nunca, de fato, realizou, pelo menos inteiramente, os sonhos que a inspiraram. No que se refere ao estabelecimento de novos padrões, Maio de 68 está vinculado a outros movimentos que mudaram muito a sociedade. Um exemplo de manifestação que passou a reivindicar valor político, e que realmente teve conseqüências profundas na sociedade, foi a que envolveu uma crítica à cultura patriarcal, machista e à nova maneira de pensar as identidades sexuais. O fato de termos hoje, na eleição americana, um negro e uma mulher disputando a presidência mostra uma vinculação com o que se mudou em 1968.

IHU On-Line – Qual foi o principal legado desse movimento? Alguns militantes da época disseram que esse período mostrou que é mais provável mudar a si mesmo do que mudar o mundo. O senhor concorda?

Benilton Bezerra Jr.
– Não é mais provável mudar a si mesmo do que mudar o mundo. Na verdade, mudar a si mesmo sem mudar o mundo é uma busca um pouco inútil. O que, de fato, esse período serviu para mostrar é que não podemos pensar em mudar o mundo sem também mudar a nós mesmos. O ser humano é um ser político, como já dizia Aristóteles , isto é, tudo que concerne a minha liberdade, singularidade e existência pessoal encontra maneiras de estar ligado à vida de todos. Isso é, talvez, o efeito mais interessante dos acontecimentos de 68 no pensamento sobre o projeto democrático. A idéia de democracia como horizonte que nunca se realiza plenamente, como idéia regulativa, como um processo ininterrupto e de construção de um mundo melhor, implica, ao mesmo tempo, a idéia de que as macroestruturas precisam se transformar, mas também que se sustentam apenas na medida em que os indivíduos que vivem nesse mundo também se colocam como agentes de mudança em suas existências pessoais.




IHU On-Line – Os jovens reinvindicaram uma revolução sexual, mas no século XXI a sexualidade ainda é considerada uma caixa-preta, um tabu não superado?

Benilton Bezerra Jr.
– Se tomarmos a idéia de revolução sexual como um movimento que transformou o sexo e a sexualidade numa questão política, isto é, a qual todo mundo pode e deve ter acesso, podemos dizer que maio de 68 alcançou um dos seus objetivos. A sexualidade não tinha o valor político de hoje e, não há, nem de longe, semelhança com o padrão de repressão existente antes. Nesse sentido, não é mais um tabu falar de sexo.

Se pensarmos numa segunda perspectiva, a de que a revolução sexual foi, a partir de 68, uma espécie de superação dos problemas que a sexualidade traz, então a perspectiva é um pouco diferente. Naquele período, havia a idéia de uma sexualidade totalmente livre da repressão, indivíduos completamente isentos de conflitos em relação à sua sexualidade e à plena fruição do prazer. Como todo sonho, essa foi uma utopia irrealizável.

Foucault disse, um pouco depois desse período, que houve uma ilusão por trás dessa idéia de que a liberdade sexual teria um poder revolucionário de libertação dos indivíduos. Ele dizia que a verdadeira superação do aprisionamento na sexualidade seria a possibilidade de deslocar a idéia de sexualidade do papel tão central que ocupou nos últimos 300 anos.

De liberdade à imposição

Embora a revolução sexual tenha trazido mais liberdade para o tema, dando a ele uma conotação política, por outro lado, ela, em muitos sentidos, acabou deslocando o prazer sexual para uma espécie de obrigação. Se há um efeito colateral da revolução sexual hoje em dia, é o de que o uso da sexualidade e a busca do prazer sexual se transformaram de um direito conquistado a uma espécie de obrigação de cada um. Então, o que foi, em algum momento, uma crítica e uma desmontagem de normas se transformou, ao longo das décadas, numa outra maneira de normatização. Desse modo, hoje é praticamente impossível fugir às redes da sociedade que indicam os modos mais adequados de fruição sexual.

IHU On-Line – Então, o senhor concorda com a tese de Jean-Claude Guillebaud (1) , em seu livro A tirania do prazer, de que é necessária uma revisão crítica dos resultados da revolução sexual de 68?

Benilton Bezerra Jr. –
Concordo com a idéia exposta na Tirania do prazer, porque, de fato, isso talvez seja um dos traços que caracteriza a cultura atual. Nós todos somos quase que instados a exibir a nossa capacidade de ter prazer e de estarmos tendo prazer. A idéia de que conflitos, dúvidas, tristezas, tédio e ambivalência fazem parte de uma vida normal e bem vivida praticamente desapareceu. Quer dizer, a norma de funcionamento subjetivo, hoje em dia, é a do prazer usufruído ininterruptamente, sem nenhum tipo de obstáculo, o que é, na verdade uma recusa do desejo, e não sua liberação.

Se essa mudança, por um lado, tem a ver com os acontecimentos de 68, por outro lado, é conseqüência de um movimento maior, mais estrutural. Refiro-me ao desaparecimento do campo da política, ou seja, à diluição da idéia de cidadania em prol da noção de defesa de consumidores, fazendo refluir inteiramente a idéia da política como a ação na qual as pessoas coletivamente discutem o presente com vistas para um futuro a ser construído. Essa imagem de construção de cenários futuros, de engajamento coletivo na construção de horizontes, ou seja, a idéia forte de política, que estava presente de maneira muito contundente em 68, desapareceu. Isso não se deu devido ao fracasso de 68, mas porque a política no mundo mudou. O mundo bi-polarizado deixou de existir. A imaginação de horizontes alternativos ruiu de forma que, hoje em dia, num mundo dominado pelo mercado, com o desaparecimento da política, o desmoronamento da tradição, da religião e das instituições como a família, a própria idéia de ação política sofreu um enorme revés. Neste espaço deixado vazio pela imaginação e engajamento político, a ideologia da felicidade encontrou seu lugar.

IHU On-Line – Houve, então, nessas quatro décadas, uma mudança de paradigma? Lutamos pela autonomia, mas necessitamos e somos dependentes de modelos de vida, de conceitos instituídos do que significa tradição, moral, família, religião, por exemplo? A sociedade vive uma crise de autoconhecimento e valores sociais?

Benilton Bezerra Jr. –
Em 68, havia a idéia de autonomia, de crítica aos padrões estabelecidos e às formas opressivas na vida política, cotidiana, amorosa. Esse conceito de autonomia era um centro de gravidade muito importante para esses grupos. No entanto, por um lado, surgiram movimentos localizados: negros, mulheres, imigrantes, homossexuais. No mesmo sentido, ocorreu um desmoronamento de grandes bandeiras universais que englobaram todos esses grupos em torno de uma visão de sociedade melhor a ser construída. Assim, conseqüentemente, a vida política foi se fragmentando na luta por interesses de grupos pequenos.

Por isso, atualmente, aqueles que têm, por exemplo, deficiências, formam seus grupos de ação política para defender seus direitos específicos. Com isso, a idéia de autonomia deixou de estar vinculada a uma noção que era fundamental na política, ou seja, à noção de que a autonomia de cada um se sustenta no exercício de autonomia coletiva.

A autonomia é, hoje, mais ou menos intuitivamente pensada como um direito do indivíduo de fazer o que bem lhe aprouver. Entretanto, como dizem, nenhum homem é uma ilha: ninguém consegue ser autônomo, a não ser num mundo de autônomos. Não é possível viver livre, sem que essa liberdade seja construída conjuntamente com outros indivíduos. Assim, a sociedade moderna vive uma situação um pouco paradoxal. De um lado, não nos sentimos tão obrigados quanto outras gerações a nos curvarmos frente a valores da moral, da família, da religião, da tradição. Poucas pessoas deixam de fazer alguma coisa porque é pecado, por exemplo, interpretando os fatos da sua maneira. Quer dizer, não há nenhum valor capaz de fazer com que nos curvemos de maneira inexorável. Nesse sentido, vivemos numa sociedade em que a idéia é a de que somos completamente livres e autônomos. No entanto, a mesma sociedade que cria isso tira a base desse indivíduo, de modo que ele se sente sempre dependente de alguma carta de orientação.

Autonomia ou dependência?

Como diz o sociólogo francês Alan Ehrenberg, vivemos uma sociedade da autonomia assistida, porque somos autônomos, mas nunca tivemos tantos profissionais a quem consultamos para saber como viver a nossa vida em cada um dos aspectos. Assim, temos liberdade para escolher, ao mesmo tempo em que não nos sentimos competentes para decidir. Desse modo, nos deixamos governar pelos modelos que são distribuídos na cultura e, sobretudo, pela mídia.

Uma autonomia, no sentido forte, implica em engajamentos e projetos coletivos e comuns. A liberdade vazia de direção é uma fantasia vivida por um indivíduo desorientado. Ele não é constituído num diálogo permanente com os grandes mapas da vida, que são as tradições, as ideologias, as grandes narrativas que orientam visões de mundo. Sem isso, é impossível saber para onde seguir.

IHU On-Line - A conquista pelos direitos do “eu” enquanto ser individualista gerou um novo problema para a sociedade, o que o senhor chama de exacerbação da autonomia e do individualismo? Ainda é possível resgatar a idéia de coletivo?

Benilton Bezerra Jr.
– Essa exacerbação é uma espécie de desenvolvimento natural da própria lógica do individualismo que constituiu o mundo moderno.

A idéia de democracia é inviável sem a idéia do valor central do indivíduo. A luta pela igualdade e o respeito à singularidade é possível com base no valor do indivíduo. No entanto, numa sociedade em que valores e horizontes coletivos ficam desmoralizados, a lógica do individualismo se torna exacerbada, girando muito mais em torno do narcisismo de cada um do que de uma ação coletiva de indivíduos que se juntam em função de objetivos comuns.

Não há dúvida de que falta alguma maneira de construção de novos horizontes coletivos de construção de um mundo melhor. A compreensão de que eu só garantirei a minha liberdade quando eu garantir a de todos, que só terei garantido a minha singularidade quando os outros tiverem também a sua garantida, e que todos tenham conforto, acesso à saúde, habitação, precisa de novo ser recolocada no imaginário social. E, de fato, hoje em dia, vivemos o refluxo dessa idéia.

IHU On-Line – Alguns grupos, naquele período, seguiram o maoísmo. Como explicar a reivindicação por direitos democráticos através da luta armada?

Benilton Bezerra Jr.
– Esses grupos terroristas dos anos 1970 surgiram no refluxo do movimento de 68. Naquele momento a esquerda se dividiu. A esquerda mais representada entre os estudantes foi para um lado, e a mais tradicional, ligada aos partidos comunistas e aos países socialistas, acabaram estabelecendo uma forma de acordo com o governo francês, de modo a fazer retroceder aquele movimento, com medo do que viria depois.

Nas eleições que se seguiram a Maio de 68, os grupos que apoiaram o De Gaulle , ganharam com maioria absoluta no congresso francês. O que aconteceu é que, logo depois daquela explosão enorme da mudança, houve um recuo enorme daquele movimento de mudança, o que desmoralizou em boa parte o processo da política partidária, o movimento sindical. Desse modo, muitos grupos caíram em ações extremadas e perderam a sua vinculação com o movimento de massas. Esses terroristas de esquerda tinham a pretensão de ficarem ligados a um movimento de transformação social, mas passaram a ser isolados.

IHU On-Line - Lacan dizia que a “a revolução é feita para manter a ordem”. Levando em consideração o movimento de 68, podemos dizer que os jovens queriam manter a ordem, mas estabeleceram uma nova ordem?

Benilton Bezerra Jr
. – Os jovens de 68 tinham uma percepção aguda do quanto havia, na ordem estabelecida então, coisas a serem transformadas profundamente. Por isso, eles criticavam a sociedade patriarcal e a opressão da mulher, por exemplo. Inspiravam-se na idéia de que a sociedade poderia ser muito mais livre, fraterna, igualitária do que era até então. Assim, pode-se dizer que eles foram herdeiros da Revolução Francesa, ocorrida dois séculos antes.

Quando se pensou que outra ordem poderia se estabelecer no lugar, as coisas se complicaram. Do ponto de vista do movimento internacional em 68, a alternativa que se oferecia para eles, do sistema vigente nos países do chamado socialismo real, era criticada pelos próprios revolucionários. Por outras razões, os jovens criticavam acertadamente esse socialismo, pois viam o quanto a bandeira libertaria do socialismo havia se transformado numa ordem com muitos traços opressores. Então, eles tinham o martelo para derrubar a ordem, mas não o cimento para construir uma outra ordem.

De fato, o que se pode dizer é que havia, entre os grupos que se movimentaram em 68, desde aqueles que tinham idéia de que tipo de sociedade queriam colocar no lugar, até aqueles que simplesmente, numa expressão mais anarquista, estavam preocupados em demolir o que vinha antes.

Nota:

1.- Jean-Claude Guillebaud: jornalista, ensaísta e diretor literário da prestigiada Editora francesa Seuil; autor de diversas obras, entre elas A tirania do prazer – Prêmio Renaudot de Ensaio, (Cidade, Editora, ano) 1998 e A reinvenção do mundo. Recentemente, publicou Comment je suis redevenu chrétien. Paris: Albin Michel, 2007. No Brasil, acaba de ser traduzido A força da convicção. Bertrand Brasil, 2007.

domingo, 9 de março de 2008

mais ou menos assim:

quero introduzir um assunto que é: CIDADE. Vamos lá, tipo PARIS! Muito já se escreveu, já se falou, inclusive muitos já se suicidaram em Paris. Qual é a energia ou então o quê que faz uma cidade ser praticamente uma entidade, um ser? Por mim Paris e um louco/intenso amor estão presentes ali. Benjamim escreveu, quantos escritores ali viveram e lá realizaram tudo, ou talvez o mais significativo de sua obra? E quantos lá não nasceram, apenas por lá passaram, mas assim que lá pisaram pronto, produziram o que havia de melhor em si?
Mas então qual é?
A cidade é um ente?

Uma estrofe de um poema de alguém que escolheu Paris pra se matar (Mário de Sá Carneiro, poeta português da geração de F. Pessoa. Matou-se aos 26 anos tomando doses excessivas do veneno estricnina):

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.

segunda-feira, 3 de março de 2008

O Universo como um Holograma


O Universo como um Holograma

FONTE: http://216.239.51.104/search?q=cache:oo1ZuKDLbmEJ:www.holoalternativo.com/Universo



Existe uma Realidade Objetiva ou o Universo é um Fantasma?

Em 1982 ocorreu um fato muito importante. Na Universidade de Paris uma equipe de pesquisa liderada pelo físico Alain Aspect realizou o que pode se tornar o mais importante experimento do século 20. Você não ouviu falar sobre isto nas notícias da noite. De fato, a menos que você tenha o hábito de ler jornais e revistas científicos, você provavelmente nunca ouviu falar no nome de Aspect.

E há muitos que pensam que o que ele descobriu pode mudar a face da ciência.

Aspect e sua equipe descobriram que sob certas circunstâncias partículas subatômicas como os elétrons são capazes de instantaneamente se comunicar umas com as outras a despeito da distância que as separe. Não importa se esta distância é de 10 pés ou de 10 bilhões de milhas. De alguma forma uma partícula sempre sabe o que a outra está fazendo. O problema com esta descoberta é que isto viola a por muito tempo sustentada afirmação de Einstein que nenhuma comunicação pode viajar mais rápido do que a velocidade da luz. E como viajar mais rápido que a velocidade da luz é o objetivo máximo para quebrar a barreira do tempo, este fato estonteante tem feito com que muitos físicos tentem vir com maneiras elaboradas para descartar os achados de Aspect.

Mas também tem proporcionado que outros busquem explicações mais radicais.

O físico da Universidade de Londres, David Bohm, por exemplo, acredita que as descobertas de Aspect implicam em que a realidade objetiva não existe, que a despeito da aparente solidez o universo está no coração de um holograma fantástico, gigantesco e extremamente detalhado. Para entender porque Bohm faz esta afirmativa surpreendente, temos primeiro que saber um pouco sobre hologramas. Um holograma é uma fotografia tridimensional feita com a ajuda de um laser.

Para fazer um holograma, o objeto a ser fotografado é primeiro banhado com a luz de um raio laser. Então um segundo raio laser é colocado fora da luz refletida do primeiro e o padrão resultante de interferência (a área aonde se combinam estes dois raios laser) é capturada no filme. Quando o filme é revelado, parece um rodamoinho de luzes e linhas escuras. Mas logo que este filme é iluminado por um terceiro raio laser, aparece a imagem tridimensional do objeto original.

A tridimensionalidade destas imagens não é a única característica importante dos hologramas. Se o holograma de uma rosa é cortado na metade e então iluminado por um laser, em cada metade ainda será encontrada uma imagem da rosa inteira. E mesmo que seja novamente dividida cada parte do filme sempre apresentará uma menor, mas ainda intacta versão da imagem original. Diferente das fotografias normais, cada parte de um holograma contém toda a informação possuída pelo todo.

A natureza de "todo em cada parte " de um holograma nos proporciona uma maneira inteiramente nova de entender organização e ordem. Durante a maior parte de sua história, a ciência ocidental tem trabalhado dentro de um conceito que a melhor maneira para entender um fenômeno físico, seja ele um sapo ou um átomo, é dissecá-lo e estudar suas partes respectivas. Um holograma nos ensina que muitas coisas no universo não podem ser conduzidas por esta abordagem. Se tentamos tomar alguma coisa à parte, alguma coisa construída holograficamente, não obteremos as peças da qual esta coisa é feita, obteremos apenas inteiros menores.

Este "insight" é o sugerido por Bohm como outra forma de compreender os aspectos da descoberta de Aspect. Bohm acredita que a razão que habilita as subpartículas a permanecerem em contacto umas com as outras a despeito da distância que as separa não é porque elas estejam enviando algum tipo de sinal misterioso, mas porque esta separação é uma ilusão. Ele argúe que em um nível mais profundo de realidade estas partículas não são entidades individuais, mas são extensões da mesma coisa fundamental.

Para capacitar as pessoas a melhor visualizarem o que ele quer dizer, Bohm oferece a seguinte ilustração: Imagine um aquário que contém um peixe. Imagine também que você não é capaz de ver este aquário diretamente e seu conhecimento deste aquário se dá por meio de duas câmaras de televisão, uma dirigida ao lado da frente e outra a parte lateral.

Quando você fica observando atentamente os dois monitores, você acaba presumindo que o peixe de cada uma das telas é uma entidade individual. Isto porque como as câmeras foram colocadas em ângulos diferentes, cada uma das imagens será também ligeiramente diferente. Mas se você continua a olhar para os dois peixes, você acaba adquirindo a consciência de que há uma relação entre eles.

Quando um se vira, o outro faz uma volta correspondente apenas ligeiramente diferente; quando um se coloca de frente para a frente, o outro se coloca de frente para o lado. Se você não sabe das angulações das câmeras você pode ser levado a concluir que os peixes estão se intercomunicando, apesar de claramente este não ser o caso.

Isto, diz Bohm, é precisamente o que acontece com as partículas subatômicas na experiência de Aspect. Segundo Bohm, a aparente ligação mais-rápido-do-que-a-luz entre as partículas subatômicas está nos dizendo realmente que existe um nível de realidade mais profundo da qual não estamos privados, uma dimensão mais complexa além da nossa própria que é análoga ao aquário. E ele acrescenta, vemos objetos como estas partículas subatômicas como se estivessem separadas umas das outras porque estamos vendo apenas uma porção da realidade delas.

Estas partículas não são partes separadas mas sim facetas de uma unidade mais profunda e mais subliminar que é holográfica e indivisível como a rosa previamente mencionada. E como tudo na realidade física está compreendido dentro destes "eidolons", o próprio universo é uma projeção, um holograma.

Em adição a esta natureza fantástica, este universo possuiria outras características surpreendentes. Se a aparente separação das partículas subatômicas é uma ilusão, isto significa que em nível mais profundo de realidade todas as coisas do universo estão infinitamente interconectadas.

Os elétrons num átomo de carbono no cérebro humano estão interconectados com as partículas subatômicas que compreendem cada salmão que nada, cada coração que bate, e cada estrela que brilha no céu.

Tudo interprenetra tudo e embora a natureza humana possa buscar categorizar como um pombal e subdividir os vários fenômenos do universo, todos os aportes toda esta necessidade é de fato artificial e todas de natureza que é finalmente uma rede sem sentido.

Em um universo holográfico, mesmo o tempo e o espaço não podem mais serem vistos como fundamentais. Porque conceitos como localização se quebram diante de um universo em que nada está verdadeiramente separado de nada, tempo e espaço tridimensional, como as imagens dos peixes nos monitores, também podem ser vistos como projeções de ordem mais profunda.

Este tipo de realidade a nível mais profundo é um tipo de super holograma no qual o passado, o presente, o futuro existem simultaneamente. Sugere que tendo as ferramentas apropriadas pode ser algum dia possível entrar dentro deste nível de realidade super holográfica e trazer cenas do passado há muito esquecido. Seja o que for que o super holograma contenha, é ainda uma questão em aberto. Pode-se até admitir, por amor a argumentação, que o super holograma é a matriz que deu nascimento a tudo em nosso universo e no mínimo contém cada partícula subatômica que existe ou existirá - cada configuração da matéria e energia que é possível, de flocos de neve a quasars, de baleias azuis aos raios gamma. Deve ser visto como um tipo de "depósito" de "Tudo que é".

Embora Bohm admita que não há maneira de saber o que mais pode estar oculto no super holograma, ele se arrisca em dizer que não temos qualquer razão para admitir que ele não contenha mais. Ou, como ele coloca, talvez o nível super holográfico da realidade é um simples estágio além do que repousa "uma infinidade de desenvolvimento posterior".

Bohm não é o único pesquisador que encontrou evidências de que o universo é um holograma. Trabalhando independentemente no campo da pesquisa cerebral, o neurofisiologista Karl Pribram, de Standford também se persuadiu da natureza holográfica da realidade. Pribram desenhou o modelo holográfico para o quebra-cabeças de como e onde as memórias são guardadas no cérebro.

Por décadas, inúmeros estudos tem mostrado que muito mais que confinadas a uma localização específica, as memórias estão dispersas pelo cérebro.

Em uma série de experiências com marcadores na década de 20, o cientista cerebral Karl Lashley concluiu que não importava que porção do cérebro do rato era removida; ele era incapaz de erradicar a memória de como eram realizadas as atividades complexas que tinham sido aprendidas antes da cirurgia. O único problema foi que ninguém foi capaz de poder explicar a natureza de "inteiro em cada parte" da estocagem da memória.

Então, na década de 60, Pribram encontrou o conceito de holografia e entendeu que ele tinha achado a explicação que os cientistas cerebrais estavam buscando. Pribram acredita que as memórias são codificadas não nos neurônios, ou pequenos grupos de neurônios, mas em padrões de impulsos nervosos de tipo cruzado em todo o cérebro da mesma forma que a interferência da luz laser atravessa toda a área de um pedaço de filme contendo uma imagem holográfica. Em outras palavras, Pribram acredita que o próprio cérebro é um holograma.

A teoria de Pribram também explica como o cérebro humano pode guardar tantas memórias em um espaço tão pequeno.

Tem sido calculado que o cérebro humano tem a capacidade de memorizar algo na ordem de 10 bilhões de bits de informação durante a média da vida humana ( ou rudemente comparando, a mesma quantidade de informação contida em cinco volumes da Encyclopaedia Britannica).

Similarmente, foi descoberto que em adição a suas outras capacidades, o holograma possui uma capacidade de estocagem de informação simplesmente mudando o ângulo no qual os dois lasers atingem um pedaço de filme fotográfico, e é possível gravar muitos registros diferentes na mesma superfície. Tem sido demonstrado que um centímetro cúbico pode estocar mais que 10 bilhões de bits de informação.

Nossa habilidade de rapidamente recuperar qualquer informação que precisamos do enorme estoque de nossas memórias se torna mais compreensível se o cérebro funciona segundo princípios holográficos. Se um amigo pede a você que diga o que lhe vem a mente quando ele diz a palavra "zebra", você não tem que percorrer uma gigantesca lista alfabética para encontrar a resposta. Ao contrário, associações como "listrada", parecida com um cavalo e "animal nativo da África" logo lhe vem à mente.

Uma das coisas mais surpreendentes sobre o processo de pensamento humano é que cada peça de informação parece imediatamente correlacionada com muitas outras - uma outra característica intrínseca do holograma. Por que cada porção de um holograma é infinitamente interligada com todas as outras porções, talvez seja a natureza o supremo exemplo de um sistema interligado.

A estocagem da memória não é o único quebra-cabeças neurofisiológico que se torna abordável à luz do modelo holográfico de cérebro de Pribram.

Um outro é como o cérebro é capaz de traduzir a avalanche de freqüências que recebe via sentidos (freqüências de sons, freqüências de luz e assim por diante ) dentro do mundo concreto de nossas percepções. Codificando e decodificando freqüências é precisamente o que o holograma faz melhor.

Exatamente como um holograma funciona como um tipo de lente, um aparelho tradutor capaz de converter um borrão de freqüências aparentemente sem sentido em uma imagem coerente, Pribram acredita que o cérebro também parece uma lente e usa os princípios holográficos para converter matematicamente as freqüências que recebe através dos sentidos dentro do mundo interior de nossas percepções. Um impressionante corpo de evidência sugere que o cérebro usa os princípios holográficos para realizar as suas operações. A teoria de Pribram de fato tem ganho suporte crescente entre os neurofisiologistas.

O pesquisador ítalo-argentino Hugo Zucarelli recentemente estendeu o modelo holográfico ao mundo dos fenômenos acústicos. Confuso pelo fato de que os humanos podem localizar a fonte dos sons sem moverem as cabeças, mesmo se eles só possuem audição em um ouvido, Zucarelli descobriu que os princípios holográficos podem explicar estas habilidades.

Zucarelli também desenvolveu uma técnica de som holográfico, uma técnica de gravação capaz de reproduzir sons acústicos com um realismo quase inconcebível.

A crença de Pribram que nossos cérebros constroem matematicamente a "dura" realidade pela liberação de um input de uma freqüência dominante também tem recebido grande quantidade de suporte experimental. Foi descoberto que cada um de nossos sentidos é sensível a uma extensão muito mais ampla de freqüências do que se suspeitava anteriormente.

Os pesquisadores tem descoberto, por exemplo, que nosso sistema visual é sensível às freqüências de som, nosso sentido de olfato é em parte dependente do que agora chamamos de freqüências ósmicas e que mesmo cada célula de nosso corpo é sensível a uma ampla extensão de freqüências. Estas descobertas sugerem que está apenas sob o domínio holográfico da consciência e que estas freqüências são selecionadas e divididas dentro das percepções convencionais.

Mas o mais envolvente aspecto do modelo holográfico cerebral de Pribram é o que acontece quando ele é conjugado à teoria de Bohm. Se a "concretividade" do mundo nada mais é do que uma realidade secundária e o que está "lá" é um borrão de freqüências holográfico, e se o cérebro é também um holograma e apenas seleciona algumas das freqüências deste borrão e matematicamente transforma-as em percepções sensoriais, o que vem a ser a realidade objetiva? Colocando de forma simples, ela deixa de existir.

Como as religiões orientais há muito tem afirmado, o mundo material é Maya, uma ilusão, e embora pensemos que somos seres físicos que se movem em um mundo físico, isto também é uma ilusão. Somos realmente "receptores" boiando num mar caleidoscópico de freqüência, e que extraímos deste mar e transformamos em realidade física não é mais que um canal entre muitos do super holograma.

Esta intrigante figura da realidade, a síntese das abordagens de Bohm e Pribram tem sido chamada de "paradigma holográfico", e embora muitos cientistas tenham recebido isto com ceticismo, este paradigma tem galvanizado outros. Um pequeno mas crescente grupo de pesquisadores acredita que este pode ser o modelo mais acurado da realidade científica que foi mais longe. Mais do que isto, muitos acreditam que ele pode solucionar muitos mistérios que nunca foram antes explicados pela ciência e mesmo estabelecer o paranormal como parte da natureza.

Numerosos pesquisadores como Bohm e Pribram tem notado que muitos fenômenos parapsicológicos se tornam muito mais compreensíveis em termos do paradigma holográfico.

Em um universo em que cérebros individuais são atualmente porções indivisíveis de um holograma muito maior e tudo está infinitamente interligado, a telepatia pode ser simplesmente o acessamento do nível holográfico. E é obviamente muito mais fácil entender como a informação pode viajar da mente do indivíduo A para a do indivíduo B ao ponto mais distante e auxilia a entender um grande número de quebra-cabeças em psicologia.

Em particular, Grof sente que o paradigma holográfico oferece um modelo de compreensão para muitos estonteantes fenômenos vivenciados por indivíduos durante estados alterados de consciência. Nos anos 50, conduzindo uma pesquisa em que se acreditava que o LSD seria um instrumento psicoterapêutico, Grof teve uma paciente que de repente ficou convencida que tinha assumido a identidade de uma femea de uma espécie pré-histórica de répteis.

Durante o curso da alucinação dela, ela não somente deu riquissimos detalhes do que ela sentia ao ser encapsulada naquela forma, mas notou que uma porção do macho daquela espécie tinha anatomia que era um caminho para as escamas coloridas ao lado de sua cabeça. O que foi surpreendente para Grof é que a mulher não tinha conhecimento prévio sobre estas coisas, e uma conversação posterior com um zoologista confirmou que em certas espécies de repteis as áreas coloridas na cabeça tem um importante papel como estimulantes do desenvolvimento sexual.

A experiência desta mulher não foi única. Durante o curso da pesquisa, Grof encontrou exemplos de pacientes regredindo e se identificando com virtualmente todas as espécies na árvore evolucionária (descobertas da pesquisa ajudaram a influenciar a cena do homem-vindo-do-macaco no filme Altered States). E mais ainda, ele descobriu que estas experiências freqüentemente continham detalhes obscuros que mais tarde vieram a ser confirmados como acurados.

Regressões dentro do reino animal não são os únicos quebra cabeças entre os fenômenos psicológicos que Grof encontrou.

Ele também teve pacientes que pareciam entrar em algum tipo de consciência racial ou coletiva. Indivíduos com pouca ou nenhuma educação repentinamente davam detalhadas descrições das práticas funerárias do Zoroastrismo e cenas da mitologia hindu. Em outro tipo de experiências os indivíduos forneciam relatos persuasivos de jornadas fora do corpo, relâmpagos pré cognitivos do futuro, de regressões dentro de aparentemente encarnações de vidas passadas.

Em pesquisa posterior, Grof encontrou a mesma extensão de fenômenos manifestados em seções de terapia que não envolviam o uso de drogas. Em virtude dos elementos em comum nestas experiências parecerem transcender a consciência individual, além dos usuais limites do ego e/ou as limitações de tempo ou espaço, Grof chamou estas manifestações de experiências transpessoais e no fim dos anos 60 ele auxilou na fundação de um ramo de psicologia chamada "psicologia transpessoal" e se devotou inteiramente ao seu estudo.

Embora a recém-fundada Association of Transpersonal Psychology conquistasse um rápido crescimento entre o grupo de profissionais de mente similar, e se tornasse um ramo respeitado da psicologia, durante anos nem Grof nem seus colegas foram capazes de fornecer um mecanismo para explicar os bizarros fenômenos psicológicos que eles estavam testemunhando. Mas isto mudou com o advento do paradigma holográfico. Como Grof recentemente notou, se a mente é parte de um continuum, um labirinto que é conectado não somente as outras mentes que existem ou existiram, mas a cada átomo, cada organismo e região na vastidão do espaço e tempo, o fato de que seja capaz de ocasionalmente fazer entradas no labirinto e Ter experiências transpessoais não pode mais parecer estranho.

O paradigma holográfico tem também implicações nas chamadas ciências "concretas" como a biologia. Keith Floyd, um psicólogo do Virginia Intermont College, tem pontificado que a concretividade da realidade é apenas uma ilusão holográfica, e não está muito longe da verdade dizer que o cérebro produz a consciência. Mais ainda, é a consciência que cria a aparência do cérebro - bem como do corpo e de tudo mais que nós interpretamos como físico.

Esta virada na maneira de se ver as estruturas biológicas fez com que pesquisadores apontassem que a medicina e o nosso entendimento do processo de cura poderia também ser transformado em um paradigma holográfico. Se a aparente estrutura física do corpo nada mais é do que a projeção holográfica da consciência, torna-se claro que cada um de nós é mais responsável por sua saúde do que admite a atual sabedoria médica. Que nós agora vejamos as remissões miraculosas de doenças podem ser próprias de mudanças na consciência que por sua vez efetua alterações no holograma do corpo.

Similarmente, novas técnicas controversas de cura como a visualização podem funcionar muito bem porque no domínio holográfico de imagens pensadas que são muito "reais" se tornam "realidade". Mesmo visões e experiências que envolvem realidades "não ordinárias" se tornam explicáveis sob o paradigma holográfico. Em seu livro, "Gifts of Unknown Things," o biologista Lyall Watson descreve seu encontro com uma mulher xamã indonésia que, realizando uma dança ritual , foi capaz de fazer um ramo inteiro de uma árvore desaparecer no ar. Watson relata que ele e outro atônito expectador continuaram a olhar para a mulher, e ela fez o ramo reaparecer, desaparecer novamente e assim por várias vezes.

Embora o atual entendimento científico seja incapaz de explicar estes eventos, experiências como esta vem a ser mais plausíveis se a "dura" realidade é apenas uma projeção holográfica. Talvez concordemos sobre o que está "lá" ou "não está lá " porque o que chamamos consenso realidade é formulada e ratificada a nível de inconsciência humana a qual todas as mentes estão interligadas.

Se isto é verdade, a mais profunda implicação do paradigma holográfico é que as experiências do tipo da de Watson não são lugares comum somente porque nós não temos programado nossas mentes com as crenças que fazem com que sejam.

Num universo holográfico não há limites para a extensão do quanto podemos alterar o tecido da realidade. O que percebemos como realidade é apenas uma forma esperando que desenhemos sobre ela qualquer imagem que queiramos.

Tudo é possível, de colheres entortadas com o poder da mente aos eventos fantasmagóricos vivenciados por Castaneda durante seus encontros com o bruxo Yaqui Don Juan, mágico de nascença, não mais nem menos miraculoso que a nossa habilidade para computar a realidade que nós queremos quando sonhamos.

E assim, mesmo as nossas noções fundamentais sobre a realidade se tornam suspeitas, dentro de um universo holográfico, como Pribram postulou, e mesmo eventos ao acaso podem ser vistos dentro dos princípios básicos holográficos e portanto determinados.

Sincronicidades ou coincidências significativas de repente fazem sentido, e tudo na realidade terá que ser visto como uma metáfora, e mesmo eventos ao acaso expressariam alguma simetria subjacente.

Seja o paradigma holográfico de Bohm e Pribram aceito na ciência ou morra de morte ignóbil, é seguro dizer que ele já tem influenciado a mente de muitos cientistas. E mesmo se descoberto que o modelo holográfico não oferece a melhor explicação para as comunicações instantâneas que vimos ocorrer entre as partículas subatômicas, no mínimo, como observou notou Basil Hiley, um físico do Birbeck College de Londres, os achados de Aspect "indicam que devemos estar preparados para considerar radicalmente novos pontos de vista da realidade".

Tradução do original:


Reality - the Holographic Universe - 03/16/97.


Arquivo postado como REALITY.ASC na lista KeelyNet BBS em 24 de fevereiro de 1991.

*Não encontrei referências a autor e tradutor