Walter Benjamin, vocês já sabem, escreveu uma série de reflexões inspiradas nas chamadas passagens parisienses. Para ele essas peculiares "peças" arquitetônicas tinham um caráter intrigante: de serem internas-externas. Ou seja, as passagens parisienses refletem pelo menso dois aspectos da vida moderna: o processo de publicização da vida privada e a apresentação da contradição e o desvelamento da incapacidade da lógica hegemônica na filosofia ocidental de lidar com isso.
Mas o que quero destacar neste post são as associações que Walter Benjaimin faz com os sonhos. Desejo assim tentar instigar os colegas imersos nesse mundo, o onírico, a manifestar-se; tecendo comentários, críticas, ou reflexões resultantes no corpo deste texto.
Seguem alguns excertos:
"O tédio é um tecido cinzento e quente, forrado por dentro com a seda das cores mais variadas e vibrantes. Nele nós nos enrolamos quando sonhamos. Estamos então em casa nos arabescos de seu forro. Porém, sob essa coberta, o homem que dorme parece cinzento e entediado. E quando então desperta e quer relatar o que sonhou, na maioria das vezes ele nada comunica além desse tédio. Pois quem conseguiria com um só gesto virar o forro do tempo do avesso? E, todavia, relatar sonhos não é mais do que isso." [D, "O tédio, Eterno retorno", 2a, 1].
"O despertar como um processo gradual que se impõe na vida tanto do indivíduo quanto das gerações. O sono é seu estágio primário. A experiência da juventude de uma geração tem muito em comum com a experiência do sonho. Sua configuração histórica é configuração onírica. Cada época tem um lado voltado para os sonhos, o lado infantil. Para o século passado, isto aparece claramente nas passagens. Porém, enquanto a educação de gerações anteriores interpretava esses sonhos segundo a tradição, no ensino religioso, a educação atual volta-se simplismente à distração das crianças. Proust pôde surgir como um fenômeno sem precedentes apenas em uma geração que perdera todos os recursos corpóreos-naturais da rememoração e que, mais pobre do que as gerações anteriores, estivera abandonada à própria sorte, e, por isso, conseguira apoderar-se dos mundo infantis apenas de maneira solitária, dispersa e patológica. O que é apresentado a seguir é um ensaio sobre a técnica do despertar. Uma tentativa de compreender a revolução dialética, copernicana, da rememoração". [K, "Cidade dos sonhos e Morada dos sonhos, Sonhos e futuro, Niilismo Antropológico, Jung", 1, 1]
"A revolução copernicana na visão histórica é a seguinte: considerava-se como ponto fixo 'o ocorrido' e conferia-se ao presente o esforço de se aproximar, tateante, do conhecimento desse ponto fixo. Agora esta relação deve ser invertida, e o ocorrido, tornar-se a reviravolta dialética, irromper da consciência desperta. Atribui-se à política o primado sobre a história. os fatos tornam-se algo que acaba de nos tocar, e fixá-los é tarefa da recordação. E, de fato, o despertar é o caso exemplar da recordação: o caso no qual conseguimos recordar aquilo que é mais próximo, mais banal, mais ao nosso alcance. O que Proust quer dizer com a mudança experimental dos móveis no estado de semidormência matinal, o que Bloch percebe como a obscuridade do instante vivido, nada mais é do que aquilo que se estabelecerá aqui no plano da história, e coletivamente. Existe um saber ainda-não-consciente do ocorrido, cuja promoção tem a estrutura do despertar". [K, 1, 2]
"Existe uma experiência da dialética totalemente singular. A experiência compulsória drástica, que desemente toda 'progressividade' do devir e comprova toda aparente 'evolução' como reviravolta dialética eminente e cuidadosametne composta, é o despertar do sonho. (...) O método novo, dialético, de escrever a história apresenta-se como a arte de experienciar o presente como o mundo da vigília ao qual se refere o sonho que chamamos de o ocorrido. Elaborar o ocorrido na recordação do sonho! - Quer dizer: recordação e despertar estão intimamente relacionados. O despertar é, com efeito, a revolução copernicana e dialética da rememoração". [K, 1, 3]
"(...) assim como aquele que dorme - e que nisto se assemelha ao louco - dá início à viagem macrocósmica através de seu corpo, e assim como os ruídos e sensações de suas próprias entranhas, como a pressão arterial, os movimentos peristálticos, os batimentos cardíacos e as sensações musculares - que no homem sadio e desperto se confundem no murmúrio geral do corpo saudável - produzem, grças à inaudita acuidade de sua sensibilidade interna, imagens delirantes ou oníricas que traduzem e explicam tais sensações, assim também ocorre com o coletivo que sonha e que, nas passagens, mergulha em seu próprio interior. É a ele que devemos seguir...". [K, 1, 4]
"É um dos pressupostos da psicanálise que a oposição categórica entre sono e vigília não tem valor algum para determinar a forma de consciência empírica do ser humano, mas cede lugar a um infinita variedade de estados de consciência concretos, cada um deles determinado pelo grau de vigília de todos os centros possíveis. Basta, agora, transpor o estado da consciência, tal como aparece desenhado e seccionado pelo sonho e pela vigília, do indivíduo para o coletivo. Para este, são naturalmente interiores muitas coisas que são exteriores para o indivíduo. A arquitetura, a moda, até mesmo o tempo atmosférico, são, no interior do coletivo, o que processos orgânicos, o sentimento de estar doente ou saudável são no interior do indivíduo. E, enquanto mantêm sua forma onírica, inconsciente e indistinta, são processos tão naturais quanto a digestão, a respiração etc. Permanecem no ciclo da eterna repetição até que o coletivo se apodere deles na política e qando se trasnformam, então, em história". [K, 1, 5]
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