terça-feira, 17 de novembro de 2009

O fim da propriedade intelectual ?



O mundo mudou e com ele as formas de propriedade também mudaram”.

Entrevista especial com Sergio Amadeu


Um dos principais defensores do compartilhamento de arquivos pela Internet, Sérgio Amadeu, conversou, por telefone, com a IHU On-Line sobre pirataria, autoria, banda larga entre outros temas que cercam a questão da troca de informações via rede digital. Segundo ele, “a indústria fonogr áfica está em crise, a imprensa e a ideia de gatekeeper estão em crise e também os partidos estão em crise porque no mundo das redes existem várias formas de articulação direta entre os cidadãos”. Sérgio explica que as redes digitais não substituem o Poder Legislativo ao proporcionar uma participação direta da população, mas “permitem que as pessoas que defendem uma determinada causa possam ter essa defesa ampliada para o escopo político sem necessariamente se ligar a um ou outro partido”.


Sérgio Amadeu da Silveira é sociólogo formado pela Universidade de São Paulo, onde também obteve o título de mestre e doutor em Ciência Política. Atualmente, é professor na Faculdade Cásper Líbero e é consultor do Instituto Campus Party. Entre os livros que escreveu, destacamos: Exclusão Digital: a miséria na era da informaçÍ ?o. (São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001), Software Livre: a luta pela liberdade do conhecimento (São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2004) e Ciberespaço: a luta pelo conhecimento (São Paulo: Editora Salesiana, 2008).

Confira a entrevista.


IHU On-Line – Entre os brasileiros que têm Internet em casa, 45% revelam que baixam conteúdo pirata. No mundo, os números são parecidos com a realidade brasileira. A pirataria venceu?

Sergio Amadeu – Não. Eu acho que copiar arquivos digitais ou baixar um arquivo que estava disponível na rede não tem nada a ver com pirataria, porque a metáfora é feita para manter um modelo, são negócios construídos no mundo industrial que não têm mais sentido nas redes digitais. No mundo das redes digitais, quando alguém copia um arquivo, não está tomando nada do original. A metáfora da pirataria não é nada mais do que uma metáfora, ou seja, quando o navio pirata encostava num outro navio e o roubava, ele levava os bens materiais, e o navio que foi roubado fica sem aqueles produtos. Agora, quando você entra num repositório e copia, por exemplo, uma música, isso não tem nada a ver com aquilo que era feito pelos piratas no passado. Aquilo é uma imagem que é equivocada, assim como é equivocada a ação das indústrias de copyright no mundo das redes di gitais. É uma coisa completamente absurda. A Internet é uma rede baseada em computação digital.


Os computadores digitais baseiam-se em cópias o tempo todo, quando abro uma página no meu navegador, o que eu fiz foi copiar instruções binárias e que mandam orientações para meu browser. Toda a Internet é baseada, portanto, em cópia. Falar para não copiar nas redes digitais é ir contra a natureza técnica das próprias redes. Não é à toa que a indústria de copyright está afundando. Isso está acontecendo não por cópia não autorizada por eles, mas por causa da diversidade de produtos culturais que temos disponíveis na rede e que eles nunca tiveram no mundo controlado pelo mass-media. Na semana passada, tive acesso a uma pesquisa que mostra que as pessoas que mais baixam músicas pela Internet são as que mais compram cd’s. Então, o alvo criminal deles é o que sustenta a velha indústria da intermediação. O que está acontecendo com a Internet é basicamente a crise dos vários intermediários, porque ela permite que um grupo de música, por exemplo, entre em contato diretamente com seu fã sem a necessidade da intermediação da indústria do copyright. O mundo digital está alterando muito esse “ecossistema” da produção e distribuição de bens culturais.

IHU On-Line – Processar piora a situação para a indústria de filmes e músicas?

Sergio Amadeu – Eles vão ficar processando pessoas comuns. Veja o caso do Pirate Bay, um site que tinha um cracker, ou seja, tinha um mecanismo de busca onde os próprios internautas se registravam no site e quando alguém buscava alguma música ou vídeo, não baixava do site, mas dos computadores das pessoas diretamente. Essa prática de compartilhamento é muito comum, é uma prática antiga. Um exemplo: antigamente, as pessoas pegavam o vinil, botavam no seu aparelho de 3 em 1, gravavam uma fita cassete, emprestavam para os amigos, e isso não era considerado um grande problema. A questão virou um problema quando essa prática, que é comum, encontrou um meio técnico que permite que a prática seja feita com mais intensidade. Então, processar as pessoas é tão ridículo quanto a frase do Elton John que, há algum tempo, disse: “as pessoas não compram mais minha música por causa da Internet, então peço a vocês que fechem a Internet por alguns anos”. Isso é ridículo!

IHU On-Line – Como você vê iniciativas como a do Partido Pirata?

Sergio Amadeu – O programa do Partido Pirata é baseado na liberdade de compartilhamento, de fluxo de bens culturais, de conhecimento. Eles utilizam o nome pirata num sentido bastante irônico, porque trabalham contra a ideia de que existe a pirataria. Mas eles utilizam esse nome para poder chocar e fazer com que as pessoas prestem a atenção para o que está acontecendo no mundo dos bens culturais e do próprio conhecimento. A tentativa dos grandes grupos é a de bloquear ao invés de garantir a livre disseminação da cultura, o que é muito importante numa sociedade que se baseia cada vez mais em informação. Então, acho que a iniciativa é extremamente interessante nesse sentido.


Por outro lado, acho que é bastante complicado montar um partido só sobre um tema, por isso acho que ele cumpre um papel importante, mas ele é limitado porque é um partido mono temático. Penso que hoje os partidos têm de ter um papel muito mais amplo. Por isso acho que o que está em crise hoje é um conjunto de intermediários, como já havia dito. A indústria fonográfica está em crise, a imprensa e a ideia de gatekeeper estão em crise e também os partidos estão em crise porque no mundo das redes existem várias formas de articulação direta entre os cidadãos. Não estou dizendo que o Poder Legislativo está em crise e que vamos substituí-lo por participação direta da população, mas estou dizendo que hoje as redes digitais permitem que as pessoas que defendem uma determinada causa possam ter essa defesa ampliada para o escopo político sem necessariamente se ligar a um ou out ro partido.


IHU On-Line – A banda larga deveria ser regulada? De que forma?

Sergio Amadeu – Na verdade, no Brasil, precisamos que antes ela seja ampliada. O Brasil tem uma carência muito grande de banda larga, ela está presente em apenas alguns lugares. Na maioria dos municípios, a banda larga ainda não chegou, o que gera uma conexão completamente assimétrica, distante das possibilidades de uso multimídia, o que é um absurdo. Além disso, a banda larga nas periferias das grandes cidades também não chega como deveria. Nós temos que exigir uma regulamentação que faça com que essas operadoras – que são oligopólios que controlam a conectividade – levem a banda larga a ser um serviço unive rsal como é a telefonia fixa.

Também devemos incentivar que os municípios liberem o sinal e criem nuvens de conexão gratuita. Está mais claro que isso reduz o custo enormemente. Várias cidades estão abrindo o sinal e aumentando a conectividade, incentivando as pessoas a comprarem computadores. Um dos grandes problemas no Brasil é o alto custo da telecomunicação. Aqui, o megabitt chega a ser 20 vezes mais caro do que na Europa. Nós temos um modelo absurdo de precificação da comunicação de dados da banda larga. E tem outro problema: mesmo quando a cidade abre o sinal, essa prefeitura tem que comprar o sinal de uma rede de alta velocidade. Geralmente, ela mensura a sua rede para 200 usuários, por exemplo, mas isso incentiva a conectividade e esse número pula para mil. Com isso, vai querer aumentar a disponibilidade de banda no provedor, e esta empresa que provê a rede passa a cobrar o que quiser do município. Ou seja, essas empresas cobram cada vez mais caro quando aumenta o uso , o que acaba gerando uma megacrise nesses municípios que implantam o programa Cidades Digitais. Temos que ter uma regulamentação que seja completamente diferente do que a ANATEL faz hoje no país.


IHU On-Line – De que forma o conceito de autoria foi modificado com a Internet?

Sergio Amadeu – A sociedade cria os seus arranjos culturais, jurídicos e políticos. A autoria, antes do Renascimento, era uma coisa pouco importante para a criação. Com a industrialização, nasce o processo de divisão do trabalho que existe no mundo das fábricas para o mundo das artes. O compositor passa a ser um cara que não executa, o executor é uma função especializada, e isso vai acontecendo com o conjunto das artes. Isso faz parte do desenvolvimento histórico social que est á ligado aos processos e contradições na sociedade, principalmente a ocidental. A ideia de autoria se disseminou a partir do Renascimento, antes não fazia sentido isso, a arte era de domínio comum. Quando a sociedade muda e acaba apostando num tipo de tecnologia que é baseado na troca de bens e materiais, que não tem desgaste nem escassez, de arquivos digitais que podem ser copiados uma vez ou um milhão de vezes sem nenhuma alteração do seu original, nós estamos numa outra fase.

Essa fase dissolve a autoria e coloca novos problemas para essa ideia e retoma noção de que a cultura é um bem comum e que a maior parte das criações têm como base a própria cultura. Aí começamos a ver que não tem sentido sustentarmos uma indústria da intermediação que vive efetivamente do controle da produção cultural. Exemplo: que sentido tem a proteção de uma obra, como diz na nossa legislação, 70 anos depois da morte do autor? Lá atrás diziam que faziam isso para incentivar o criador. O criador morreu há 70 anos, ou seja, não há incentivo ao criador, mas sim estamos mantendo uma indústria da intermediação, que é a maior afetada pelas redes digitais. O mundo mudou e com ele as formas de propriedade também mudam.


IHU On-Line – O senhor já afirmou que a Internet sofre grande influência da cultura hacker. Como podemos compreender essa cultura?

Sergio Amadeu – A Internet é fortemente influenciada pela cultura hacker. No início da Internet, esse grupo de programadores talentosos enfrentava desafios por livre e espontânea vontade. Ao superar esses desafios, eles compartilhavam com todos os outros as soluções. Essa prática de compartilhamento foi combatida pela indústria de software e hardware e passou a chamar de hackers ou crackers, ou seja, passou a confundir o hacker com um criminoso. Isso é uma disputa semiológica e ideológica. A imprensa é financiada pelos grandes grupos, e, assim, passou a disseminar a ideia do hacker como um criminoso. Os historiadores da rede e da Internet apontam, como no livro A Galáxia da Internet (Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003), escrito por Manuel Castells, que a cultura hacker é uma das culturas fundamentais na criação da rede aberta, não proprietária, que nós temos hoje, que se chama Internet. É uma rede que permite que se crie formatos, novos conteúdos e novas tecnologias sem pedir permissão a ninguém. Uma rede que é de controle, mas que a cultura hacker garante que esse controle não chegue ao indivíduo porque garante a comunicação anônima. Toda essa construção é baseada também e principalmente na cultura hacker.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Partido Pirata




Os piratas brasileiros. Entrevista especial com o Partido Pirata


Em janeiro de 2006, na Suécia, surge o primeiro Partido Pirata. Ao difundir suas ideias contra as leis de copyright e patentes, contra a violação do direito de privacidade e a favor das práticas do compartilhamento, o Partido Pirata não foi apenas ganhando “seguidores”, mas também dissidências. Nesse contexto, em 2007, nasce o Partido Pirata brasileiro, focando sua atuação na defesa dos direitos humanos, na transparência governamental e no compartilhamento do conhecimento. “Mas temos políticas para problemas mais particulares do Brasil, como a questão da inclusão digital, que se relaciona, por exemplo, com as lan houses”, descreve o movimento aqui no Brasil. Ele relata que a pirataria é como um antídoto à propriedade intelectual. “Nós, Piratas, também defendemos a liberdade, o acesso à cultura, às ideias, à informação, que são as riquezas do nosso tempo”, apontou.

Ainda se estruturando para ser considerado um partido político de verdade, os Piratas brasileiros ainda não estarão presentes nas próximas eleições. Mas como os partidos piratas surgem no contexto da popularização da Internet e defendem a livre troca de material, é possível prever que, em 2012, eles já ocupem algumas cadeiras municipais. A população é abertamente a favor dos mesmos objetivos do Partido Pirata, uma vez que, segundo uma pesquisa recente, 66% dos brasileiros comprou pelos menos um produto pirata. Outro dado aponta o mesmo caminho: 45% dos brasileiros que têm Internet em casa afirmam baixar conteúdo pirata. “Os partidos piratas defendem um novo modelo que leve em consideração a nova realidade em que vivemos. A cultura e a informação hoje podem ser realmente livres, e o acesso a ela pode ser finalmente garantido como direito humano fundamental”, responderam, de forma colaborativa, alguns membros do Partido Pirada brasileiro em entrevista concedida à IHU On-Line, por email.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em que contexto surge o Partido Pirata?

Partido Pirata –
Cronologicamente, o primeiro partido pirata surgiu na Suécia, em 2006. Logo depois, formou-se uma grande rede internacional. No Brasil, estamos nos organizando a algum tempo, através da Internet, e já realizamos encontros presenciais em diversas cidades, como Rio de Janeiro, Recife, São Paulo, Brasília etc.

Os partidos piratas surgem principalmente no contexto da popularização da Internet. Ela se tornou o maior espaço de troca de cultura e informações da história, e é o espaço mais livre que existe hoje para a liberdade de expressão. Com o tempo, grupos de interesse, como grandes empresas e alguns governos, começaram a se incomodar com essa liberdade e passaram a incentivar ações para restringi-la: desde então, tentam acabar com a livre troca de material com copyright e até ameaças à neutralidade da rede. Em parte, os piratas, como movimento político, ganharam muita força ao ir contra isso.

Os partidos piratas defendem um novo modelo que leve em consideração a nova realidade em que vivemos. A cultura e a informação hoje podem ser realmente livres, e o acesso a ela pode ser finalmente garantido como direito humano fundamental. Além disso, a tecnologia permite hoje que os governos sejam muito mais democráticos, com transparência total, e uma aproximação muito grande entre os cidadãos e sistema político.

IHU On-Line – Um "Pirata" defende o quê?

Partido Pirata –
Para resumir em alguns conceitos: a liberdade de expressão, a natureza comum das ideias, o anonimato, a privacidade, a transparência pública, a intervenção ativa do cidadão na administração pública, entre outras propostas.

IHU On-Line – Por que instituir-se um Pirata?

Partido Pirata –
Piratas, na história, eram homens que não se sentiam representados por nenhum governo e preferiam viver em alto-mar, territórios neutros, democraticamente organizados. A vida nos navios era árdua, mas, para os Piratas, também conhecidos como Corsários, a liberdade era o bem mais precioso.

Hoje, pelo que propomos, a pirataria é uma espécie de antídoto à propriedade intelectual. Nós, Piratas, também defendemos a liberdade, o acesso à cultura, às ideias, à informação, que são as riquezas do nosso tempo. Ao contrário dos bens materiais, é impossível ter propriedade (direto EXCLUSIVO de usufruto) desses princípios. Os direitos autorais não protegem as obras nem os artistas, ao contrário, eles cerceiam a cultura e inibem a criatividade.

Nenhuma ideia pode ser absolutamente nova, o tempo todo estamos construindo sobre pilares pré-existentes. Todas as invenções devem, portanto, pertencer à humanidade. Por isso, defendemos, entre outras coisas, o fim da "propriedade intelectual" para que mais pessoas, em um menor prazo de tempo, tenham acesso a informações, e para que essas informações possam contribuir para o desenvolvimento intelectual e social das comunidades, para a realização de pesquisas, para novas invenções etc. Somos Piratas porque nos outorgamos à liberdade de usufruir e compartilhar o nosso legado cultural, por não nos submetermos às imposições dos poderosos, muitas vezes, pressionados por grandes companhias através de lobbys. Enfim, somos piratas porque acreditamos em uma sociedade mais justa e mais igualitária em que todos tenham acesso às riquezas culturais que nosso país de dimensões continentais como é o Brasil tem a nos oferecer.

IHU On-Line – Por que o copyright é contra a democracia?

Partido Pirata –
O uso abusivo dos direitos autorais, com base na propriedade intelectual, é um empecilho a uma sociedade democrática. Como estão hoje, os direitos autorais trabalham com a exclusão de acesso ao conteúdo, com uma falsa premissa de proteção do criador e de sua obra. Nós acreditamos que a informação e a cultura são bens comuns. Nenhum autor cria a partir do nada, mas sim a partir de ideias já existentes e a partir de sua base cultural. Por isso, é justo que sua obra também se torne parte dessa base de domínio comum. Cultura e informação são a base para o desenvolvimento da sociedade, mas, se esta não puder acessá-las, desfrutá-las e modificá-las livremente, esse potencial nunca será plenamente realizado.

IHU On-Line – Por que um partido, e não um movimento?

Partido Pirata –
O Partido Pirata é parte de um movimento. Existem muitas pessoas, favoráveis ou contrárias ao partido, que defendem as mesmas ideias. Os partidos piratas são compostos de pessoas que querem fazer isso pela política. Nosso objetivo é trabalhar ativamente para mudar as leis que consideramos injustas, de acordo com nossos ideais, e tornar o processo político mais democrático e transparente. E queremos fazer isso num grupo político novo, que tenha essas causas como primárias, e que tenha um modo de agir condizente. Isso não existe hoje, e é o que queremos ser.

IHU On-Line – A pauta dos piratas brasileiros é mesma dos piratas europeus?

Partido Pirata –
Sim, mas temos políticas para problemas mais particulares do Brasil, como a questão da inclusão digital, que se relaciona, por exemplo, com as lan houses. Além disso, cada partido tem seu jeito particular de ver, analisar e defender as ideias piratas. Concordamos nos princípios gerais, mas cada partido é autônomo para ter suas próprias propostas, de como cumprir seus objetivos, suas metas.

IHU On-Line – Como um Pirata faz “campanha” de suas teses?

Partido Pirata –
Condizente com o contexto do qual surgimos, nosso principal meio de campanha é a Internet. É nosso principal meio de comunicação e de organização interna também. Mas é claro que queremos agir fora da rede também. Em países menores e com mais membros, como Alemanha e Suécia, já houve grandes manifestações dos partidos locais nas ruas.

IHU On-Line – O Partido pretende apresentar candidatos nas eleições de 2010?

Partido Pirata –
O Partido Pirata ainda não é oficializado no Brasil. Estamos em processo de elaborar os documentos e colher todas as assinaturas necessárias para isso. Mas não há mais como realizar a oficialização para concorrer nas eleições de 2010, pois o prazo para o registro de novos partidos já foi esgotado.


sexta-feira, 30 de outubro de 2009

É preciso comer menos carne para salvar a Terra?






Fabrice Nicolino, autor de Bidoche, L’Industrie de la viande menace le monde (Éditions Les Liens que Libèrent), respondeu, dia 16 de outubro, às questões dos leitores do Monde.fr sobre os efeitos nocivos do aumento massivo do consumo mundial de carne sobre o meio ambiente e a saúde.

Os diálogos com Fabrice Nicolino estão publicados no Le Monde, 16-10-2009. A tradução é do Cepat.

ours: De que modo a produção de carne tem consequências sobre a mudança climática?

Fabrice Nicolino:
É uma questão complexa, mas dispomos de um documento oficial, institucional, um enorme relatório de 2006 da Organização para Alimentação e Agricultura (FAO), da ONU. De fato, trata-se de uma análise global de todo o ciclo da produção pecuária no mundo. Não somente dos animais, mas a sua alimentação, os meios de transporte utilizados [para levá-los aos frigoríficos]. Esse relatório estima que todo o gado mundial emite 18% de gás de efeito estufa de origem humana, e esse total é superior àquele que diz respeito aos transportes utilizados pelos seres humanos (carros, navios...).

Pharell_Arot: Bom-dia. Sendo um aficionado por carne, eu me pergunto sobre as condições a serem adotadas para conjugar os prazeres alimentares e o desenvolvimento sustentável. Quais são, para você, as precauções que um consumidor médio pode tomar imediatamente?

Fabrice Nicolino:
A primeira coisa é lembrar que o consumo de carne na França foi multiplicado aproximadamente por 4 desde a segunda Guerra Mundial. Nós comemos muita carne, por razões econômicas e políticas. Eu realmente não tenho conselho a dar. Minha opinião é que podemos comer muito menos carne, comer uma carne de melhor qualidade. Pessoalmente, eu como carne, mas cada vez menos, e é carne biológica, porque nesta maneira de produzir está proibido o uso em grande quantidade de produtos medicinais e químicos.

Pharrell-Arot: Há consumos de espécies menos perigosas que outras para o planeta? A de porco, por exemplo?

Fabrice Nicolino:
O pior transformador de energia é o boi. Quanto menos vegetais um animal consumir, menos o seu consumo é prejudicial para os equilíbrios do planeta. E desse ponto de vista, há uma certa hierarquia que vai do frango ao boi passando pelo suíno. O menos mal é o frango.

Herve_Naturopathe: Há um lobby francês dos frigoríficos/criadores tão importante quanto nos Estados Unidos?

Fabrice Nicolino:
Realmente creio que não. Existe um lobby da carne industrial na França, poderoso, mas que não tem nada a ver com a extraordinária importância que a “carne” tomou nos Estados Unidos. Nesse país, há uma história apaixonante por trás do lobby da carne. Um notável livro, La Jungle, publicado em 1906 por Upton Sinclair, descreve o universo dos matadouros de Chicago. É um livro belíssimo.

Nos Estados Unidos, o lobby é realmente muito poderoso; secretários de Estado da Agricultura, especialmente na presidência de Reagan, eram ex-industriais da carne. Sob as Administrações republicanas, mas não apenas, há uma espécie de consanguinidade entre políticos e o lobby da carne.

Voltando ao caso da França, sim, existe um lobby da carne, que é representado pelo Comitê de Informação das Carnes, que tem relações estreitas com a indústria da carne, seguramente, mas também com o aparelho do Estado, o Ministério da Agricultura e o maior sindicato patronal de agricultores, a FNSEA.

Romain: Que alimentos podemos utilizar para substituir a carne vermelha em matéria de contribuição nutricional e de sabor?

Fabrice Nicolino:
Não há resposta para esta questão... O sabor da carne vermelha é o sabor da carne vermelha. Eu não saberia dizer o que poderia substituir o seu sabor. No plano nutricional, por mais curioso que possa parecer, um grande número de estudos mostra que os regimes vegetarianos ou os regimes extremamente pouco carnívoros são os melhores para a saúde humana. Eu cito rapidamente um nome, conhecidíssimo nos meios da nutrição: é um norte-americano que se chama Colin Campbell. Ele conseguiu fazer um estudo comparativo da alimentação entre, de um lado, os cantões chineses e, do outro, os condados americanos. Um imenso estudo que durou vinte anos. Ele observa que o regime chinês, amplamente baseado numa dieta de vegetais, é infinitamente melhor para a saúde.

cocoparis: Você acha que é preciso reduzir também o nosso consumo de leite?

Fabrice Nicolino:
É um debate aberto e inclusive no plano científico. O que é certo é que o hiperconsumo de leite, que caminha paralelamente à industrialização da pecuária, é muito nefasto à saúde humana. Passamos de vacas bem alimentadas que produziam, em 1945-1946, em torno de 2.000 litros de leite por ano a vacas que dão 8.000, 10.000, inclusive 12.000 litros por ano.

Está claro que quando se produz estas quantidades de leite, é preciso que esse leite seja consumido na sequência. É preciso que as pessoas o bebam. Há nisso uma lógica de ferro muito constrangedora. Se é produzido, necessita de um mercado, necessita de saída. No campo da saúde, o leite não é um alimento tão bom quanto se acreditava ou se fazia crer durante muito tempo.

Apis88: Atualmente, está claramente demonstrado que os países que se enriquecem veem o consumo de carne por habitante aumentar. Esta constatação pode ser invertida?

Fabrice Nicolino
: É uma questão decisiva, uma questão chave. Existe um modelo de consumo de carne, o modelo ocidental, baseado sobre um consumo muito grande de carne. Ora, a produção de carne necessita de quantidades industriais de cereais. E as áreas agrícolas no mundo não podem ser ampliadas ao infinito. Muitos agrônomos de primeira linha se perguntam como se poderá, nos próximos anos, satisfazer este impressionante aumento da demanda de carne nos países chamados emergentes, no topo dos quais está a Índia, mas sobretudo a China, onde 200 milhões ou 300 milhões de chineses reclamam carne, porque pela primeira vez eles têm dinheiro para comprá-la e querem unir-se ao modelo ocidental.

O problema é que as terras agrícolas que permitiriam alimentar esse gado estão em falta, e parece extremamente difícil encontrar novas áreas sobre a Terra assim como está. O que eu quero dizer é que na minha opinião o modelo de consumo de carne praticado entre nós não é de maneira alguma generalizável a todo o planeta. Dito de outra maneira, me parece altamente provável que será preciso rapidamente se colocar a questão central, fundamental, do nosso modelo alimentar. Sem isso, poderemos sem dúvida passar do atual bilhão de esfomeados crônicos para talvez dois bilhões ou três bilhões em 2050.



br: Você acha que os políticos, em sua resposta à crise agrícola atual, vão levar em consideração esse fenômeno?

Fabrice Nicolino:
Claramente, não, não, não e não. Vou fazer um paralelo com a situação da França em 1965. O ministro da Agricultura do General de Gaulle chama-se Edgard Pisani. Em 1965, este fez uma turnê triunfal pela Bretanha, e declarou, sob aplausos: a Bretanha deve tornar-se uma fábrica de leite e de carne da França. É muito importante, porque vemos bem que os políticos seguem, evidentemente, objetivos, mas que por definição são objetivos políticos. Ora, nós estamos em vias de falar de questões de outra natureza, que reclamam decisões muito mais refletidas, muito mais pensadas, sobre um prazo muito maior que o tempo dos políticos. Eu acrescentaria que a ecologia, a crise ecológica e tudo o que a ela estiver associado vai impor visões, pontos de vista, decisões para as quais a classe política, de todos os espectros ideológicos, da extrema direita à extrema esquerda, não está preparada.

GrandGousier: De acordo, é preciso deter esta orgia de carne, por todas as razões inventariadas em seu livro. Mas, por onde começar? Na França, quais seriam as primeiras ações a serem tomadas, os primeiros objetivos a serem fixados?

Fabrice Nicolino:
Eu não estou aqui para dar lições a quem quer que seja. Mas como pessoa, eu penso que seria bom unir-se à construção de um movimento de consumidores como nunca se viu. Eu penso, na linha do que acabo de dizer sobre a classe política, que apesar do seu interesse e de sua valentia, os movimentos de consumidores que existem na França, por exemplo, a UFC-Que Choisir [União Federal de Consumidores, associação francesa de consumidores] ou 60 milhões de consumidores, exprimem em grande parte preocupações de outro tempo. Eu penso que seria útil e necessário para todos que nasça um movimento de consumidores que integre a crise ecológica, que é fundamentalmente uma crise dos limites físicos. E esse movimento, quando aparecer, provavelmente lançará ações coletivas contra a carne industrial. Para mim, este movimento passará necessariamente por formas de boicote.

Herve_Naturopathe: Ser “consommacteur” [consumidor comprometido] não seria a resposta? Consumir com reflexão e respeito...

Fabrice Nicolino:
Seguramente. Mas a questão é quando e como, porque já tivemos movimentos. Eu lembro do boicote dos hormônios para os terneiros em 1980, movimento lançado pelo UFC-Que Choisir. O consumo da carne de terneiro foi dividida por 6 ou 8, era muito impressionante. E o sistema se adaptou, pois se reforçou. Portanto, a questão é realmente saber como encontrar uma eficácia frente a uma indústria que está unida por fios a todos os poderes estabelecidos, quer sejam administrativos, políticos, industriais, sindicais. É uma questão que eu aplico a mim mesmo: como tornar-se “consumidor comprometido” realmente e não apenas nos propósitos.

hadadada: No futuro, deveremos parar totalmente de consumir carne?

Fabrice Nicolino:
Eu não vejo esse ponto no horizonte da minha vida. Em todo o caso, eu descobri, ao escrever o livro, que se pode viver sem comer carne. Eu realmente a ignorei. Eu creio que durante muito tempo fizemos chacota dos vegetarianos e que julgávamos, às vezes contra todas as evidências, que sua saúde era muito ruim. Alguns lobistas de que falo no meu livro lembram, para desqualificar os vegetarianos, que tanto Hitler como Jules Bonnot, o anarquista, foram vegetarianos. O que eu constatei é que se pode viver sem comer carne. Devido aos grandes equilíbrios e para enfrentar os grandes problemas que estão diante de nós, a começar pela fome, me parece vital que mudemos novamente de regime alimentar e que renunciemos a uma boa parte da carne que ingerimos a cada ano. Mas mais carne, eu não creio absolutamente nisso, eu penso que é uma questão antropológica, que leva a muitas outras. Não estou certo de que a humanidade seja realmente destinada a não mais comer carne.

cocoparis: E o que você tem a dizer aos criadores? Mudar de profissão? Tornar-se cerealistas?

Fabrice Nicolino:
É uma questão terrível. Eu gosto dos agricultores. É verdade que eu prefiro os agricultores do Sul àqueles saturados de subvenções do Norte, mas o mundo da pecuária é um mundo em que encontrei um monte de gente boa, mesmo na pecuária intensiva. Mas eu quero ser direto: eu penso que a pecuária industrial está condenada. Eu penso que a França, a sociedade francesa, contraiu uma dívida com os criadores, e uma vez que tudo foi organizado em vista da pecuária industrial, seria insuportável dizer repentinamente aos pecuaristas para que mudem de profissão. Eu penso que se deveria imaginar um plano de transição, um pouco sobre o modelo do plano de transição de saída da energia nuclear na Alemanha. Poderíamos imaginar um plano de transição de 15 anos para permitir uma aterrissagem suave, para permitir a um certo número de criadores uma retirada digna, e para incentivar os mais jovens a se lançar numa pecuária mais respeitosa dos animais, dos equilíbrios naturais, e dos seres humanos que estão no final da cadeia.

Scheatt: As transformações necessárias para um modo de vida mais sóbrio são compatíveis com a organização atual da distribuição e da pecuária?

Fabrice Nicolino:
Não, porque é preciso compreender que se trata de um sistema extremamente eficaz em seu registro, muito complexo, muito rodado, que exclui, por exemplo, todo direito dos animais a existir. Eu, com o risco de chocar alguns, sou muito sensível à sorte dos seres humanos, eu sou um humanista, mas considero que os animais têm direito à existência. Eu dediquei o meu livro aos animais mortos sem terem vivido. Num passado remoto, durante 8.000 a 9.000 anos, os seres humanos viveram um companheirismo com os animais, que era sem crueldade, sem violência e sem maus-tratos. Os animais davam sua carne, sua pele, sua força de trabalho, mas eles permaneciam seres vivos, sensíveis.

A indústria transformou totalmente os animais, a quem tanto devemos. Eu lembro que sem a existência dos animais domésticos, não teria havido civilização humana. Passamos a uma situação de industrialização em que o animal tornou-se uma coisa, uma mercadoria, um objeto de troca, de material. Eu creio que esta ruptura na história da nossa relação com os animais tira de nós uma parte considerável da nossa humanidade. Eu creio que esta maneira de tratar este “outro” que é o animal abre as portas para um caminho moral.



quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Especialista recomenda vegetarianismo contra a mudança climática


Da Efe

O mundo deveria se tornar vegetariano para combater com sucesso a mudança climática, já que o efeito estufa do gás metano liberado por vacas e porcos é 23 vezes mais potente que o do dióxido de carbono, segundo uma das maiores autoridades britânicas no assunto.



Em declarações ao jornal "The Times", lorde Stern, autor de um relatório sobre a economia da mudança climática encomendado pelo Governo do Reino Unido, disse que a pecuária destinada ao consumo de carne representa "um desperdício de água e contribui poderosamente para o efeito estufa".



Segundo números da ONU, a produção de carne é responsável por pelo menos 18% das emissões globais de CO2 no planeta. Para esta liberação, contribuem tanto a destruição de florestas para a pecuária extensiva como a produção de ração para animais.



A ONU também já disse que, caso a tendência atual se mantenha, o consumo mundial de carne poderá dobrar até 2050.



Com base nessas informações, Stern propõe que a cúpula sobre mudança climática de Copenhague (Dinamarca), marcada para dezembro, sobretaxe o preço da carne e de outros alimentos que, durante seu processo de produção, são responsáveis pela liberação de uma quantidade significativa de gases estufa.




O especialista britânico, que é vegetariano, prevê ainda que o hábito das pessoas em relação ao consumo de certos gêneros alimentícios mudará até que comer carne se tornará algo inaceitável.



"Acho que é importante as pessoas refletirem sobre suas ações, e isto também tem a ver com o que se come", diz lorde Stern, ex-economista do Banco Mundial e atual professor da London School of Economics.



Ainda segundo o especialista, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, deveria participar pessoalmente da cúpula de Copenhague, já que a liderança americana é extremamente necessária para alcance de um acordo significativo.



"Minha mensagem ao presidente Obama seria a seguinte: 'Vá a Copenhague, participe com um espírito de colaboração e leve essa mensagem ao povo americano'", declarou o cientista ao "The Times".

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Clima: a vez das comunidades locais ?


Copenhague: Uma convenção para além de ''boas intenções''?

Entrevista especial com Paulo Brack


A Convenção do Clima que acontece no início de dezembro em Copenhague, capital da Dinamarca, e as propostas de redução de metas de emissão de gases de efeito estufa representam muito mais uma “carta de ‘boas intenções’”.
A posição é defendida por Paulo Brack, na entrevista a seguir, concedida por e-mail, à IHU On-Line. Para o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, o setor ligado ao grande capital não aceita regras e por isso o encontro em Copenhague não deve promover avanços consideráveis.

Políticas de médio e longo prazo como as sugeridas para atingir metas de emissões não servem mais, assegura o pesquisador, que sugere prazos de reavaliação de acordos mais curtos: “Talvez convenções a cada cinco anos”.

Na entrevista que segue, Brack critica ainda a atuação dos movimentos ambientais e alerta que no debate climático, empresas podem ganhar destaque com propostas para solucionar as emissões de carbono. “Quem garante que essa falsa solução de empresas não ganhe espaço em Copenhague?”, questiona.

Para ele, os movimentos ambientais devem avançar nas discussões e considerar as questões climáticas também como um problema político. “Pedir simplesmente energias renováveis e clamar que Lula vá a Copenhague é deixar o problema na superficialidade. Essas propostas, quando adotadas, são muito mais analgésicos para um problema crônico de saúde ambiental e de uma pandemia do modelo econômico de esgotamento”, constata.

Paulo Brack é o convidado do Instituto Humanitas Unisinos – IHU, e nesta quinta-feira, das 17h30min às 19h, proferirá a palestra O futuro em Copenhague? – mudanças e mudanças.

Paulo Brack é mestre em Botânica, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutor em Ecologia e Recursos Naturais, pela Universidade Federal de São Carlos. Entre 2006 e 2008, foi membro da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio e atualmente representa o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – Ingá, no Conselho Estadual do Meio Ambiente do RS –Consema-RS.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são suas expectativas em relação à Convenção do Clima que ocorre em Copenhague?

Paulo Brack
- Creio que as expectativas ainda não são as melhores, em grande parte porque a questão está na mão dos governos. A sociedade deveria participar intensamente do processo de discussão. Mas, infelizmente está ainda muito afastada do tema. No que se refere aos principais países que coordenam estas negociações, pode-se verificar que as propostas reais, que deveriam ser ousadas ou mesmo minimamente consensuadas, não estão postas na mesa. Os governos estão distantes do real problema climático e da crise ecossistêmica que atinge a maior parte das nações e compromete nosso futuro. O quadro é muito grave, mas a doença econômica atingiu profundamente as mentes dos gerentes de nossas vidas. Ou o IPCC está mentindo, bem como os cientistas sérios da área ambiental, quando afirmam que a situação é muito grave, ou os governos estão loucos em, simplesmente, considerar somente soluções paliativas. A crise financeira, de setembro do ano passado, poderia ser uma das últimas chances para a mudança. Tudo indica que não adiantou muito. Os representantes dos governos responderam com falsas soluções, meramente econômicas de curto prazo, que acabaram incrementando o atual modelo industrial, altamente emissor de gases de efeito estufa (GEE). O governo brasileiro incrementou, por exemplo, a compra de automóveis individuais, fato que denota total insensibilidade e, ademais, vai na contramão da necessidade de se adotar as medidas mais básicas que diminuam esses gases. Então, o que esperar deles? Não dá para esperar. Vamos ter que pautar, se ainda há tempo, um processo verdadeiro e participativo para abarcar o problema.

IHU On-Line – Alguns países desenvolvidos como os EUA e emergentes como o Brasil ainda não manifestaram compromissos em assumir metas de redução das emissões de gases de efeito estufa. O que justifica e explica tal relutância? Isso tende a dificultar as negociações e a estabelecer metas concretas em Copenhague?

Paulo Brack -
O setor ligado ao grande capital, que dita os rumos econômicos dos países (desenvolvidos ou emergentes), não aceita, e nunca aceitou, regras. O Brasil, representado por seu governo, considera que as soluções para a redução dos GEE, como o CO2 e o metano, poderiam interferir no “desenvolvimento”. Assim, nossos representantes oficiais são agentes deste impasse. Ademais, perdura o tema da Amazônia, que nem de longe está bem encaminhado. E quando o governo levanta uma proposta é, justamente, para abrir caminho às “oportunidades”. Estas estão evidenciadas pelo incentivo aos agrocombustíveis, infelizmente, baseados em monoculturas, e às energias “renováveis”, ainda decorrentes da produção calcada em grandes hidrelétricas de alto impacto ambiental. O impasse brasileiro ficou manifesto quando no dia 16 de outubro, o negociador-chefe do Brasil para o assunto do acordo das emissões, Luiz Alberto Figueiredo Machado, representante do Itamaraty, afirmou que as negociações para a Conferência da ONU sobre mudanças climáticas estão em "uma fase muito difícil" e é possível que se chegue a Copenhague sem consenso e sem vontade de, realmente, mudar o quadro. Na verdade, o governo brasileiro joga a responsabilidade do problema para as nações desenvolvidas, podendo talvez assumir algum comprometimento com algumas metas de redução de emissões se houver financiamento dos países desenvolvidos para os emergentes.

IHU On-Line – Países que participam da Convenção do Clima em Copenhague falam em metas de redução de 40% até 2050. Quais são, na sua opinião, metas corajosas e de impacto para combater as mudanças climáticas?

Paulo Brack -
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, fez um apelo recente em favor de ações imediatas em relação à redução das emissões. Na prática, 2050 pode ser tarde. Vamos esperar 40 anos? Isso é sério. É mais fácil, para governantes de visão imediatista, jogar o problema para o futuro. Melhor dizendo: esta proposta seria uma forma de “tocar com a barriga” para os governos que virão. E – convenhamos - as políticas de cada administração têm validade de quatro a cinco anos. Alguém conhece planos governamentais que perpassem os mandatos destes prazos curtos de seus mandatos? Deveriam ser adotadas metas onde os prazos fossem mais curtos, atingindo etapas de um processo que poderia ser reavaliado a cada cinco anos, por exemplo. Políticas de médio e longo prazo, não parecem ser algo muito verossímil nos dias atuais. É muito mais uma carta de “boas intenções”, o que não serve mais, diante do quadro grave do atual quadro climático mundial.

IHU On-Line – Em que medida as mudanças climáticas deixam de representar apenas um problema climático e transcendem para um dilema social e econômico?

Paulo Brack -
A crise climática faz parte da crise ecossistêmica. A situação socioambiental está se tornando insuportável. Exagero? Os dados de assassinatos no Brasil falam por si só. Entre as dez cidades com maiores índices de homicídios, sete estão situadas justamente na região do Arco do Desmatamento, segundo dados da OIE (Organização dos Estados Ibero-Americanos). Coincidência? Estamos destruindo a floresta amazônica e o cerrado, emitimos GEE, derivados das queimadas e do desmatamento e esta realidade está longe da pauta dos governos. A situação das grandes cidades também é de uma violência extraordinária e uma exclusão galopante. Mas, a pauta agora é a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Temos que decifrar o que o Planeta está sinalizando. Entender isso é fundamental. Mas a circunferência da bola de futebol chama mais a atenção do que a outra, mais complexa, representada pelo planeta Terra.

IHU On-Line – Considerando a atual situação climática, econômica e social do planeta, que medidas precisam ser acordadas com urgência em Copenhague?

Paulo Brack -
Se partirmos de uma boa e sincera disposição dos governos para enfrentar o problema - o que parece não ser o caso - o acordo deveria prever uma avaliação das responsabilidades, principalmente daqueles que controlam o modelo atual de “desenvolvimento”. O Brasil, por exemplo, tem uma economia de exportação para os países mais desenvolvidos que o coloca, em parte, como refém de um setor agrícola e industrial, altamente demandante de fontes de energia que estão neste círculo vicioso da emissão do GEE. Esse é um tema que deveria fazer parte da pauta de discussão. Outra questão é que o prazo de reavaliação das metas e dos acordos deveria ser muitíssimo mais curto que os 40 anos previstos. Talvez, convenções a cada cinco anos. Porém, os acordos necessitariam incorporar a participação da sociedade. Mas isso não cai do céu. A demanda por acordos verdadeiros já está sendo apresentada, por exemplo, pelos Amigos da Terra Internacional, especialmente um grupo desta ONG no Chile, quando levantam a bandeira pela Justiça Climática e Ambiental. Creio que se poderia agregar Justiça Climática e Socioambiental. Mas isso seria viável neste sistema capitalista da globalização do “vale-tudo-econômico”? O tal MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) já demonstrou que não é o caminho, pois, justamente, joga a questão para o Mercado Global, o grande vilão de tudo isso.

IHU On-Line – Como o senhor percebe a movimentação de grandes empresas e movimentos sociais e ambientais, por exemplo, em relação ao encontro e as propostas possíveis na Convenção do Clima?

Paulo Brack -
Bom, na minha avaliação, a situação ainda é de muita disputa. As empresas querem manter sua imagem, em parte maculada por sua responsabilização maior ou menor no assunto, e o modelo sem mudanças substanciais. Querem incrementar o MDL. E também jogam com as oportunidades de expandirem seus negócios, por exemplo, com a implantação de projetos com mega monoculturas arbóreas com fins industriais. Assim, não querem discutir a enorme contradição na implantação dos gigantescos desertos verdes de eucalipto e pinus, pois, de maneira cartesiana, mais uma vez, encontram uma “solução” para fixar carbono. Por sorte o Protocolo de Kyoto não considerou isso, mas a Bolsa do Clima de Chicago sim. Quem garante que essa falsa solução de empresas não ganhe espaço em Copenhague? Assim, as empresas estão longe de enfrentar o problema, principalmente as grandes, pois são geridas por uma lógica de acumulação ilimitada, que é inviável diante das premissas mais básicas da sustentabilidade ecossistêmica. Elas não aceitam limites, pois o capital nunca os aceitou. Por outro lado, o Greenpeace tem algumas propostas bem objetivas, muito mais técnicas. Essas, infelizmente, na minha opinião, tangenciam o real problema, que já é ecossistêmico. O problema central é político. De modelo. Não têm soluções meramente técnicas. Pedir simplesmente energias renováveis e clamar que Lula vá a Copenhague é deixar o problema na superficialidade. Essas propostas, quando adotadas, são muito mais analgésicos para um problema crônico de saúde ambiental e de uma pandemia do modelo econômico de esgotamento. Mas levantar esse problema incomoda ao sistema econômico que reina no mundo.

IHU On-Line – O REDD (Redução de Emissões para o Desmatamento e Degradação) é visto como uma alternativa importante no sentido de preservar as florestas e tem sido apontado com grande expectativa nas discussões pré-Copenhague. Essas medidas podem trazer resultados satisfatórios na redução de gases de efeito estufa?

Paulo Brack -
Diferentemente do MDL, que não considera as florestas naturais remanescentes, o mecanismo REDD propõe compensações financeiras aos proprietários que se comprometem a proteger suas florestas nativas por pelo menos meio século. Creio que o modelo de dar valor econômico para a floresta em pé, ou para o desmatamento evitado, tem que ser melhor avaliado. A proposta parece boa, mas se for realizada sem um conjunto de outras medidas que incluam, por exemplo, a proteção e o resgate da biodiversidade e a inclusão social no campo, em modelos sustentáveis, onde o latifúndio das monoculturas quimicodependentes não tenha mais espaço. Não existe um ou outro caminho isolado, ainda mais neste quadro em que o Estado está se afastando dos direitos da sociedade e tornando-se cada vez mais servil às soluções mágicas de mercado. Não existem soluções isoladas para problemas sistêmicos.

IHU On-Line – Como o senhor vislumbra a participação brasileira no encontro?

Paulo Brack -
O governo Lula já demonstrou, por inúmeras vezes, que somente atua nas demandas ambientais muito mais ambicionando uma visibilidade internacional, do que realmente representando um projeto de nação ecosoberana. Nosso diferencial, representado pela enorme biodiversidade e a sociodiversidade, inclui elementos que jazem nas pautas deste e dos governos que o antecederam. O alegado prejuízo econômico redunda de uma visão convencional e imediatista, em um “desenvolvimento”, onde o modelo é do gigantismo, ou dos EUA, ou da China. Creio que o núcleo duro do governo brasileiro, que comandará a posição do Brasil, representado pelos setores da área econômica e do desenvolvimento, está muito mais interessado nas “oportunidades” do tema, levando em conta nossa riqueza em potenciais ditos convecionalmente “renováveis” de energia (rios e biomassa), onde a biodiversidade não vale nada diante do paradigma da grande escala de produção.

IHU On-Line – Que novo modelo econômico de desenvolvimento é compatível com as mudanças climáticas?

Paulo Brack -
A pergunta é profunda demais para ser respondida por uma só pessoa e por poucas palavras. O novo modelo talvez deva ser o da compatibilidade do processo econômico da desacumulação, o que verdadeiramente é mais ecológico. O desapego a esta sociedade de consumo e acumulação é a postura mais justa e verdadeira para nos salvar desta situação. Isso faz bem à saúde mental e à saúde do planeta. Ocorre que o sistema econômico de acumulação está profundamente doente e nos arrasta para o abismo climático e socioambiental, ou ecossistêmico. Temos tempo para refletir sobre isso, pelo menos para vivermos um pouco mais felizes.

IHU On-Line – Qual é o risco para o planeta se ocorrer um atraso do acordo climático mundial em Copenhague?

Paulo Brack -
Se a questão for colocada da maneira com que é apresentada, realmente, as chances são grandes de não dar em nada, resultando em um pseudo-acordo, o que é mais provável. Talvez, as catástrofes que se avizinham, lamentavelmente, serão a oportuna mexida para acordos climáticos e sócio-ambientais mais verdadeiros.

IHU On-Line - Gostaria de acrescentar algo que considera importante?

Paulo Brack -
Ocorreu uma situação inusitada que me foi relatada há umas poucas semanas. A população de Araranguá, SC – uma das cidades brasileiras que mais sofre de eventos climáticos - participou ativamente de um debate nacional sobre o tema das mudanças climáticas, neste mês de outubro, em um evento que ocorreu no próprio município. De acordo com ambientalistas que participaram do evento, o assunto foi encarado com enorme interesse por quase mil pessoas, inaugurando, talvez, uma das demandas locais que estão tocando de perto os brasileiros de todas as cidades. Se outras cidades brasileiras trouxerem o tema das mudanças climáticas e também fizerem a ligação com o problema profundo do abuso do modelo de vida, que cria tudo isso, talvez estejamos abrindo mais um espaço, genuíno, para a busca de um outro modo de vida, mais sustentável, justo e feliz, que não se confronte com a vida.

domingo, 25 de outubro de 2009

Apropriação da vida


Guerra de patentes no fundo do mar


Os cientistas se lançam no registro de organismos dos oceanos para desenvolver aplicações médicas ou energéticas. Mas a apropriação de elementos da natureza é vista como uma nova biopirataria.

A reportagem é de Mónica López Ferrado e publicada no jornal El País, 20-10-2009. A tradução é do Cepat.

Nos mares e oceanos, milhões e milhões de microorganismos diminutos, que não chegam a medir nem micra [plural de micron, milionésima parte de um milímetro], são responsáveis por mais de 80% de processos como o ciclo do CO2, a captação de energia ou a mudança climática. Isso sem perder de vista seu papel na cadeia alimentar. Um litro de água marinha pode conter ao menos 25.000 tipos de micróbios. Nos mares mais ricos até 100.000, alguns com propriedades fantásticas como a bioluminiscência ou toxinas para sobreviver. Entender sua complexidade não apenas pode dar respostas a questões tão importantes como a origem da Terra, sua grande biodiversidade ou a mudança climática. Também tem um grande potencial comercial para criar novos medicamentos ou biocombustíveis. As patentes sobre a vida produziram um grande debate em terra firme que agora se reproduzir mar adentro.

Atualmente, não é permitido patentear organismos vivos. Contudo, agora, as novas tecnologias se sequenciamento tornaram acessível a caixa preta destes bichos: seu DNA. O funcionamento de um gene, ou vários, pode converter-se na engrenagem de bactérias artificiais a serviço da humanidade, postas a trabalhar para criar energia ou tratar doenças. E isso é possível patentear.

Visto este potencial, cada vez são mais numerosas as expedições científicas e comerciais (ou ambas, às vezes) que se adentram nos ecossistemas aquáticos do planeta à pesca de novos genomas. De fato, nos últimos seis anos foram registradas mais da metade das patentes relacionadas com recursos genéticos marinhos. Diante disso, os países que contam com uma riqueza marinha pedem regras claras. Muitos já tiveram que lutar contra a biopirataria terrestre, como aconteceu com o México e a tentativa norte-americana de patentear o feijão. Ou no Equador, com uma variedade de ayahuasca. Se as bactérias que são descobertas nessas expedições forem encontradas em águas territoriais (200 milhas da costa), o Convênio para a Biodiversidade da ONU reconhece a soberania dos países sobre seus recursos genéticos. E sobre as sequências de seus genes?

Sem dúvida, a expedição com maior potencial neste campo é a do Sorcerer II, uma iniciativa de Craig Venter, pai do genoma humano, que começou em 2003 e que já rastreou as águas de meio continente. Seu objetivo científico, e sem fim comercial segundo insiste em seus aparecimentos, consiste em desentranhar o metagenoma dos mares (seus microorganismos, seus genes e como interagem). Ninguém está alheio a que entre suas atividades mais lucrativas está a de criar vida artificial com bactérias com poucos genes, mas funções bem concretas. Segundo o próprio Venter, sua expedição ambiciona ser tão revolucionária quanto o foram, na sua época, as descobertas de Charles Darwin. Já detectou seis milhões de novos genes. Na revista Science publicou o metagenoma de um mar inteiro, o Mar de Sargazos.

Atualmente, o Sorcerer II se encontra ancorado entre Valência e Barcelona, à espera das licenças estipuladas pela Convenção sobre Direito do Mar da ONU. No começo de novembro sua equipe científica também se reunirá com pesquisadores do CSIC [Conselho Superior de Pesquisas Científicas] na Espanha, da Itália e da Grécia. Robert Friedman, à frente da expedição do Instituto Venter, insiste em que “a intenção é avançar no conhecimento científico da biodiversidade microbiana”. Como garantia de que suas descobertas não serão monopolizadas pela empresa de Venter, Friedman explica que a sequência do DNA de todos os microorganismos descobertos se encontra à disposição pública e gratuita em uma base de dados, Camera. Além disso, com os países que o solicitaram foram assinados acordos explícitos regidos pelo Convênio da Biodiversidade da ONU e que garantem a sua soberania sobre os recursos genéticos. Isso sim, todos são diferentes. No caso da Costa Rica ou do México, supõe um mero reconhecimento de sua soberania sobre os recursos genéticos, mas não estipula nenhum direito de propriedade intelectual. Na Austrália, o acordo é mais específico: “Todos os direitos de propriedade intelectual em relação com os materiais ou qualquer derivado, incluindo a propriedade intelectual resultante (direta ou indiretamente) do uso destes materiais ou qualquer derivado, investimentos ou outros usos”, explica Friedman. “Se um país pede para assinar direitos de propriedade intelectual, o fazemos”, acrescenta.

Na prática, a expedição cumpre com as normas internacionais, mas o que representa tornar públicos todos os recursos genéticos para os países que não assinaram um acordo claro sobre sua exploração comercial? É certo que a lei de patentes não permite que os genes em si mesmos sejam patenteados. Mas seus usos e derivados. Em consequência, se não há um acordo explícito, o país em questão terá dificuldades para reclamar benefícios sobre a exploração de bactérias únicas encontradas em suas águas.

Para aqueles que criticam a expedição de Venter, colocar o sequenciamento genético à disposição de todos não significa estar em igualdade de condições. O genoma é apenas um mapa. É a tecnologia para interpretá-la que faz com que se possa tirar um proveito comercial. “Em outro mundo, estaria bem, mas a realidade é que para interpretar toda essa informação genética são necessárias ferramentas disponíveis apenas por alguns países ricos, ou seja, podem usar a informação apenas aqueles que tiverem meios para interpretá-la. Para nós, trata-se de uma estratégia, não de autêntica forma de democratizar: é melhor colocar a informação à disposição de todos para que assim ninguém me critique”, afirma Silvia Ribeiro, representante da organização não governamental ETC Group, uma das que lutou de forma mais ativa contra a biopirataria e, precisamente, a que mais desconfia da atividade de Venter.

Mas nem todos veem atrás de Venter a sombra ampliada da biopirataria. Também há pesquisadores que percebem a situação como uma oportunidade para a ciência autóctone de cada país, caso se estabeleça o marco adequado. Muitos cientistas buscam microorganismos no mar há muito tempo e com muitas dificuldades. Não perdem de vista que pouquíssimos no mundo têm o potencial de sequenciamento de Venter. Não é estranho que outra das estratégias que Venter aplicou para adentrar-se no mar seja envolver os cientistas da região a ser explorada.

Entretanto, nas primeiras expedições não foi assim. Na Costa Rica, por exemplo, foi assinado um acordo pelo qual se pactuou a participação dos pesquisadores autóctones. Algo que Giselle Tamayo, coordenadora de bioprospecção do InBio, o maior centro de pesquisa em biodiversidade do país, vê como uma oportunidade perdida. “O convênio de biodiversidade é um marco. Se não pedes nada, perdes tudo. Nesta negociação não se pediu mais do que o custo da permissão e não se tirou o proveito que se poderia ter tirado. Se nos tivessem consultado (seu Governo), teríamos dito ‘sim, vamos em frente’, mas com condições, com a nossa participação para assim poder aprender, e com a informação que já coletamos, que teria permitido recolher dados nas zonas onde sabemos que há maiores possibilidades de futuro”. Tamayo está consciente do potencial de suas águas: “Ninguém perde de vista que, mesmo que a expedição seja científica, também pode ter um interesse comercial, mas se colaborarmos ambas as partes podem se beneficiar”.

Para os pesquisadores espanhóis, colaborar com Venter representa uma injeção de recursos importantes. Os pesquisadores do Instituto de Ciências do Mar de Barcelona do CSIC ainda têm que negociar os termos da colaboração com o Sorcerer II pelo Mediterrâneo. Não será a primeira vez que trabalham com o Instituto de Venter que, para os pesquisadores espanhóis, também representa uma oportunidade. “Para mim, Craig Venter é um gênio, há pouquíssimas pessoas que têm essa visão excepcional. Estamos encantados com a quantidade de dados que colocou à disposição pública, sua influência vai ser determinante”, afirma Carles Pedrós-Alió, pesquisador do centro encarregado dos contatos com a expedição.

O Instituto Venter já se encarregou de sequenciar os genomas de duas bactérias heterotróficas descobertas pelo Instituto de Ciências do Mar na baía de Blanes. Para sobreviver, extraem a sua energia do consumo de matéria orgânica, mas também da luz. “Poderiam ser comparadas aos carros híbridos, que funcionam em parte com eletricidade e em parte com combustível. Interessa-nos o gene para utilizar a luz”, explica Pep Gasol, um dos pesquisadores do centro. Procedem da baía de Blanes. “O acordo com Venter era que contaríamos com a sequência das bactérias com exclusividade durante meio ano para poder publicar resultados”, explica Carles Pedrós-Alió, pesquisador principal do projeto. Os pesquisadores estão satisfeitos com o fato de terem publicado suas descobertas na revista Nature e na PNAS. “Por isso, acreditamos que Blanes é o primeiro ponto do Mediterrâneo que Venter deveria explorar”, afirma Gasol. Qual é o potencial comercial do genoma desta bactéria? Talvez poderia ser utilizado em processos energéticos. Patentes? Elas não existem. “Nosso interesse é conhecer os organismos do mar”, afirma Pedrós-Alió.

Esta posição contrasta com a de outros pesquisadores com uma visão mais protecionista: “Há muitos cientistas que pensam que todos os recursos genéticos pertencem à humanidade, que não estão limitados pelas fronteiras de um país. Aqui cremos que um país deve ter o direito de decidir o que fazer com seus recursos genéticos e a ser reconhecido”, afirma Tamayo. Seu centro trabalha com genes presentes nas bactérias do trato intestinal dos cupins, o que permitiria aproveitar melhor a energia. Neste caso, contam com um acordo com uma empresa norte-americana que Tamayo reconhece como “vantajoso para o nosso país e para eles”. Em última instância, todas estas descobertas, realizadas com fundos públicos, também podem impulsionar o I+D do país colaborador, e reverter no financiamento de novos projetos públicos.

Outra expedição europeia, o Projeto Mamba, com participação espanhola através do Instituto de Catálise e Petroquímica do CSIC, que busca explicitamente princípios ativos para aplicações médicas nos microorganismos marinhos. Mas enquanto Venter explora águas superficiais, o projeto se centra em fossas do Mediterrâneo que se encontram a mais de 3.500 metros de profundidade, localizadas no Golfo de Rosas, na Líbia e Sicília. Ali se concentram altos níveis de sal, acumulado ali há milhares de anos, quando o Mediterrâneo secou. Nestas zonas se acumula um quilo de sal por litro de água, explica o pesquisador do CSIC Manuel Ferrer. “Ali vivem microorganismos extremófilos, muito interessantes por seu metabolismo, já que são capazes de produzir enzimas interessantes para a biomedicina”, acrescenta.

Neste caso, oito centros públicos colaboram com três empresas privadas. Entre elas, a Pharmamar. “Uma expedição custa entre 30.000 e 40.000 euros por dia. Nossas expedições duram não mais de três semanas e custam meio milhão de euros”, explica. Nesse sentido, Ferrer reconhece o potencial de Venter, que para terminar seu projeto conta com o financiamento da Fundação John e Betty Moore (mais de quatro milhões de dólares) e do Departamento de Energia dos Estados Unidos (outros 12 milhões). As amostras recolhidas são enviadas aos laboratórios de Venter nos Estados Unidos, que têm potencial para produzir 240.000 sequências a cada 24 horas.

Além da relevância científica que, evidentemente, a descoberta de uma nova bactéria tem, dá-se um passo a mais na exploração do potencial comercial destas bactérias? Ferrer indica que aí está o interesse de colaborar com a indústria. No Projeto Mamba ainda não se acertou os termos da divisão dos direitos das possíveis patentes que surgirem entre o sistema público e as empresas privadas. Por suas outras experiências, Ferrer indica que “as empresas costumam querer levar entre 98% e mesmo 100% dos royalties. Este é um problema pelo qual se deve lutar, mas tivemos que passar por aí porque o pesquisador necessita desse dinheiro”.



sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Uma ilha sem estrangeiros, sem câmeras e sem problemas


A política xenófoba praticada pelo ministério do interior italiano, através do ministro Roberto Maroni, da Liga Norte, provoca abandono de centro de refugiados em Lampedusa (Itália).

A reportagem é de Stefan Troendle e publicada no sítio Deutsche Welle, 21-09-2009.

O lema do ministro italiano do Interior, Roberto Maroni, é evitar que refugiados cheguem a território italiano. Pequenas embarcações conseguem, apesar da política do governo, aportar na Itália, mas os passageiros estão sendo discretamente transportados para a Sicília, passando ao largo das observações da mídia.

As associações que o nome Lampedusa até agora desencadeavam se deviam ao superlotado campo de admissão de refugiados situado no centro da ilha. Um campo que, na verdade, já havia se tornado quase num pequeno povoado. Até há pouco, praticamente todo imigrante ilegal que chegava à Itália era levado para esse centro, onde permanecia pelo menos por alguns dias.

Às moscas

No ano passado, 31 mil refugiados passaram por ali. Hoje, o centro se encontra vazio. No início de junho último, os últimos habitantes do campo foram removidos, e agora não há mais nenhum imigrante ilegal em Lampedusa.

"É surreal. Não encontro outras palavras para descrever. Durante muito tempo, havia 1.500 pessoas aqui. E agora só nós. Parece completamente diferente", resume Paola Silvino, vice-diretora do centro. Silvino lembra, por exemplo, o mês de outubro de 2008, um momento em que o número de refugiados em Lampedusa atingiu seu ápice. "Outubro foi um mês recorde, com a chegada de incontáveis embarcações. Em alguns dias, tivemos aqui mais de duas mil pessoas. Foi um desses meses todos se acotovelavam por aqui", conta Silvino.

Apreensões em alto-mar

A vice-diretora do centro não cita oficialmente as razões pelas quais o campo se encontra agora vazio, embora elas sejam óbvias. O ministro Maroni, da Liga Norte, partido italiano de extrema direita, quer assim provar o sucesso de sua política xenófoba para refugiados.

Desde maio deste ano, ele ordena que as embarcações de refugiados sejam apreendidas em alto-mar e que dali sejam levadas à Líbia, antes que qualquer passageiro tenha posto os pés na Itália e adquira, assim, a possibilidade de requerer asilo.

A Itália, desta forma, transgride a Convenção para Refugiados de Genebra. Além disso, Lampedusa é um dos pontos nevrálgicos nessa questão. Se dali não saem imagens de refugiados para serem divulgadas pela mídia, isso significa, na lógica que Maroni vende como bem-sucedida, que não há mais refugiados no país.

Deportação imediata

Apesar disso, ainda há imigrantes que conseguem chegar ao país por via marítima, mesmo que em número bem menor do que no ano passado. Estes, no entanto, não estão mais sendo levados a Lampedusa, mas sim a Porto Empedocle, na Sicília, ou a outros lugares, quando não são deportados de imediato.

Os funcionários do campo de acolhimento em Lampedusa não têm alternativa exceto esperar. "Estamos sempre a postos, nossos funcionários estão aqui 24 horas por dia. Da administração até as assistentes sociais, passando pelos trabalhadores especializados, para nós nada mudou. Garantimos uma prestação de serviços em potencial, pois, no momento, não há nenhum imigrante ilegal aqui. Mas estamos prontos, caso chegue alguém", descreve uma funcionária.

Protestos veementes

Outra razão pela qual Lampedusa deixou de ser centro de admissão de refugiados foram os protestos furiosos na ilha. No início do ano, o governo italiano quis concentrar ali todos os refugiados que chegavam ao país por via marítima (chamados de boatpeople), até que estes fossem deportados, o que desencadeou um estado de emergência na ilha.

Os moradores de Lampedusa foram às ruas protestar e no campo superlotado houve uma revolta no dia 18 de fevereiro, quando refugiados queimaram colchões e provocaram um incêndio, destruindo o prédio principal.

Hoje, já está tudo consertado, conta Paola Silvino. "Está tudo reconstruído, do jeito como era antes. Os trabalhos estão quase encerrados e todas as instalações prontas para serem usadas de novo. O prédio tinha sido completamente queimado e teve, por isso, que ser construído de novo."

Embora tudo indique que as instalações irão permanecer vazias, pelo menos a médio prazo. Parecem ter sido completamente deixados de lado, mesmo que não oficialmente, os planos de ampliação para um segundo campo de deportação, a ser construído numa caserna da Marinha desativada na outra extremidade da ilha.

Fechado para sempre?

Os prédios, todos em decadência, ainda estão sendo vigiados por três soldados, com alguns cães de guarda ao redor, embora não haja mais nenhum sinal de uma reforma em andamento. No campo de admissão na ilha, há oficialmente lugar para 850 pessoas. A vice-diretora Paola Silvino não sabe dizer quanto tempo essas instalações ainda permanecerão vazias, se algum dia serão reocupadas ou se serão até mesmo fechadas para sempre.

Apenas de uma coisa ela se diz certa: da qualidade dos serviços prestados ali. Para os funcionários do campo de acolhimento, a postura xenófoba do ministro do Interior, que afirmou publicamente que o país deveria "ser mau" com os refugiados, não tem vez em Lampedusa, garante Silvino. "Aqui nunca ninguém foi maltratado. Sempre tentamos fazer o melhor que podíamos para tratar essas pessoas da forma mais digna possível", resume.






quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Uma Abordagem Ética à Proteção Ambiental



Ensinamentos: Uma Abordagem Ética à Proteção Ambiental

Por S.S. O Dalai Lama





A paz e a vida na Terra estão ameaçadas por atividades humanas não compromissadas com valores humanitários. A destruição da natureza e seus recursos é resultado da ignorância, da cobiça e da falta de respeito pelos seres vivos, incluindo nossos próprios descendentes. As gerações futuras herdarão um planeta extremamente degradado, caso a paz mundial não se efetive e a destruição da natureza continue nesse ritmo.

Nossos ancestrais viam a Terra como rica e generosa, o que ela realmente é. Muita gente no passado também via a natureza como inexaurivelmente sustentável. Está comprovado que caso cuidemos bem da Terra, ela pode ser efetivamente uma fonte inesgotável de recursos.

Não é difícil perdoar a destruição causada à Terra no passado, fruto da ignorância. Hoje, contudo, temos fácil acesso a todo o tipo de informação e é essencial que examinemos eticamente o que herdamos, quais são nossas responsabilidades e o que passaremos para as gerações vindouras. Muitas dessas gerações poderão não conhecer habitats, animais, plantas, insetos e microorganismos da Terra. Temos a capacidade e a obrigação de agir e devemos fazê-lo antes que seja tarde demais. O mesmo cuidado que temos em cultivar relações pacíficas com nossos semelhantes, deve ser estendido ao meio ambiente.

E não apenas por uma questão moral ou ética, mas pela nossa própria sobrevivência. Para a geração presente e para as futuras, o meio ambiente é fundamental. Se o explorarmos exaustivamente, podemos receber algum benefício hoje, mas, a longo prazo, sofreremos as conseqüências. Quando o meio ambiente se altera, as condições climáticas também se alteram e, por conseguinte, nossa saúde está sendo muito afetada. Repetindo, a conservação não é meramente uma questão moral, mas sim da nossa própria sobrevivência.

Portanto, para conseguirmos proteção e conservação ambiental mais eficazes, é essencial que o ser humano desenvolva um equilíbrio interno. O desconhecimento em relação à importância da preservação do meio ambiente causou graves danos à humanidade. Precisamos agora ajudar as pessoas a compreenderem a necessidade urgente da proteção ambiental para a nossa sobrevivência.

Se você quer ser egoísta, então seja sábio e não mesquinho em seu egoísmo. A chave está no nosso senso de responsabilidade universal. Essa é a verdadeira fonte de luz, a verdadeira fonte de felicidade. Se esgotarmos tudo o que estiver disponível na Natureza, como árvores, água e sais minerais, e não fizermos um planejamento adequado para as próximas gerações, para o futuro, certamente estaremos em falta. Entretanto, se tivermos um verdadeiro senso de responsabilidade universal como força motriz, nossa relação com o meio ambiente e com nossos vizinhos serão bem mais equilibradas.



Por último, a decisão de salvar o meio ambiente deve brotar do coração do homem. Clamemos a todos para que desenvolvam um senso de responsabilidade universal fundamentado no amor, na compaixão e na clareza de consciência.

(Texto extraído da obra A Policy of Kindness, Snow Lion Publications, 1990.)

O viver junto com o outro é uma das grandes questões do século XXI



Duas semanas depois de a França ter fechado a "selva" de Calais, refúgio de 800 imigrantes ilegais a caminho da Grã-Bretanha, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) divulgou uma verdadeira acusação contra as políticas anti-imigratórias. Apresentado nesta segunda-feira (5), o relatório anual do Pnud é inteiramente consagrado a este tema, sob o título explícito "Levantar as barreiras, migração e desenvolvimento humanos".

Catherine Wihtol de Wenden, diretora de pesquisa no Centro de Estudos e Pesquisas Internacionais, que acaba de publicar A Globalização Humana, depois do recente Atlas Mundial das Migrações (editora Autrement), também acredita que os governos estão no caminho inverso ao privilegiar a abordagem da segurança.

A pesquisadora concedeu entrevista à Grégoire Allix do Le Monde, 11-10-2009, reproduzida pelo Uol Notícias Internacional com tradução de Eloise De Vylder.

Eis a entrevista.

Por que podemos falar da globalização das migrações?

Quase todas as regiões do mundo estão agora preocupadas seja com saída, seja com a recepção, seja com o trânsito de migrantes. É uma revolução considerável. Em menos de vinte anos, o mundo entrou em movimento. Mas este período de mobilidade generalizada não traduz necessariamente uma migração de povoamento. Muitos migrantes desejam a mobilidade como modo de vida. A mobilidade é valorizada pelos mais qualificados, pelos mais ricos, mas os pobres também a aspiram. As pessoas não aceitam mais a fatalidade de nascer em um país pobre, mal governado, sujeito a riscos climáticos.

Em que isso obriga as sociedades a evoluir?

Esse fenômeno diz respeito a viver junto com o outro, ou seja, a própria definição de cidadania. Os países europeus vivem há pouco tempo a experiência desse multiculturalismo, que conduziu os Estados Unidos, o Canadá e a Autrália a redefinirem sua cidadania durante os anos 60. O viver junto com o outro é uma das grandes questões do século 21: todas as sociedades estarão envolvidas com a migração. Isso também é verdade no sul: o Marrocos, o México, a Turquia ainda são países de saída, mas também passaram a ser países de recepção e trânsito. Há uma confusão de status dos países, mas também das categorias de migrantes. Ao longo de sua vida, uma pessoa pode ser um imigrante ilegal, um trabalhador qualificado, um refugiado.

Por que essa evolução é tão dolorosa para a Europa?

A Europa tem dificuldades para aceitar que é um continente de imigração. Ela até hoje não integrou o fato de ter se tornado uma região de recepção, porque ela foi por muito tempo uma região de saída de emigrantes. De repente, ela se tornou uma terra não somente de imigração - depois da 2ª Guerra Mundial -, mas de povoamento. Os imigrantes passaram a fazer parte da população dos países europeus. Há um sentimento por parte de certos grupos de opinião de que a Europa está perdendo sua identidade. A imigração é vista de uma forma defensiva, daí a tensão quanto ao controle de fronteiras, os clandestinos, etc.

Portanto, o Pnud afirma que a imigração beneficia os Estados...

Sim, é o que todos os estudos mostram. Mas os países só ganham se os imigrantes tiverem seu status reconhecido, se pagarem as contribuições sociais, consumirem, enviarem dinheiro para seus parentes... E não se tiverem de se esconder o tempo todo. Ainda assim, na maior parte dos países desenvolvidos, os menos qualificados, aqueles que têm os trabalhos mais duros, são ilegais. É urgente desenvolver um estatuto do imigrante. Isso faz muita falta no mundo de hoje. As mobilidades não são acompanhadas, elas são impedidas. Em matéria de saúde, de meio ambiente, os governos escutam as recomendações dos especialistas. As migrações são o único domínio onde os Estados fazem sistematicamente o contrário daquilo que todos os especialistas preconizam.

É possível que haja um direito universal à mobilidade?

Isso está progredindo. É uma diplomacia paralela, proposta pelas Nações Unidas no fórum mundial sobre a migração e o desenvolvimento, que se reunirá pela terceira vez em Atenas em novembro. Colocaremos na mesma mesa não só os países de acolhimento, até agora os únicos que decidiram as políticas migratórias, mas também os países de saída, os empregadores, os sindicatos, as ONGs... A convenção das Nações Unidas sobre os direitos dos trabalhadores migrantes só foi assinada por quarenta Estados, todos do terceiro mundo. Os países de acolhimento têm muita dificuldade em aceitar que devem adotar uma posição em comum, como em matéria de clima.

Isso não acontece porque o direito à mobilidade coloca em questão o modelo de Estado-nação?

Sim, de fato. O grande perdedor com essa mobilidade é o Estado, em sua tentativa de impor sua soberania sobre o controle das fronteiras, sobre a definição da identidade nacional. Os governos resistem muito fortemente, confortados por suas opiniões públicas mais conservadoras. Durante o endurecimento recente das políticas migratórias, houve o efeito da crise econômica, é claro, mas também o fato de que consideramos as migrações, antes de mais nada, como uma questão de segurança. Nós criminalizamos a migração, em detrimento da abordagem econômica e social que prevalecia antes.


Matérias relacionadas :

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Lester Brown: ''O que se necessita é de liderança''




Lester Brown diz que, às vezes, seus pontos de vista parecem extremos porque a grande maioria dos meios de comunicação dominantes não entende a urgência e os desafios que impõe o catastrófico fenômeno da mudança climática. “Não podemos nos dar ao luxo de deixar que o planeta esquente muito mais”, afirma. Após trabalhar como fazendeiro no Estado de Nova Jersey (EUA), na década de 60 entrou para o Serviço Civil, convertendo-se em um especialista em políticas agrícolas ates de fundar o Worldwatch Institute, em 1974.

A reportagem e a entrevista é de Stephen Leahy, da IPS, e publicada pela Agência Envolverde, 08-10-2009.

Ganhador de muitos prêmios e títulos honoríficos, Brown é autor de 50 livros. Em 2001 fundou o Earth Policy Institute, com sede em Washington, do qual é presidente, para traçar um mapa do caminho para uma economia ambientalmente sustentável. A IPS conversou com Brown sobre seu novo livro, “Plan B 4.0: Mobilizing to save civilization” (Plano B 4.0: mobilizar para salvar a civilização). Trata-se da quarta versão, e talvez a mais urgente, da série “Plano B”, que pode ser acessada no site do Instituto na Internet.

Eis a entrevista.

Em seu novo livro você reclama redução de 80% nas emissões de carbono até 2020. Isso é muito mais do que qualquer país propôs até agora.

Os líderes políticos se fixam na magnitude que deveria ter a redução das emissões para ser politicamente viável. No Earth Policy Institute, entretanto, avaliamos quanto é preciso para evitar os efeitos mais perigosos da mudança climática. As enormes plataformas geladas da Groenlândia e da Antártida ocidental já estão derretendo em ritmo acelerado. Se derreterem completamente, isso elevará em 12 metros o nível do mar. Os glaciais de montanha estão diminuindo em todo o mundo e correm risco de desaparecer, incluídos os das montanhas da Ásia, onde o derretimento dos gelos alimenta os principais rios do continente durante a estação seca. Para estabilizar o clima e manter o futuro aumento das temperaturas globais em um mínimo, precisamos manter a concentração de dióxido de carbono em 400 partes por milhão.

É possível semelhante redução das emissões?

Exigirá uma mobilização mundial própria de tempos de guerra. Primeiro, investir em eficiência energética nos permitirá impedir o aumento da demanda mundial por energia. Deixar de usar diodos emissores de luz e passar a sensores inteligentes como os detectores de movimento, o que pode reduzir em 90% a quantidade de eletricidade utilizada em iluminação. Depois, podemos reduzir em um terço as emissões substituindo os combustíveis fósseis por fontes de energia renovável na produção de eletricidade e calor. Em poucos anos, o Texas vai quadruplicar sua produção de energia eólica para oito mil megawatts. E pretende aumentar para 40 mil MW, o equivalente a 50 centrais alimentadas a carvão.

Reduções adicionais de 14% nas emissões seriam conseguidas reestruturando nossos sistemas de transporte e diminuindo o uso de carvão e petróleo na indústria. Acabar com o desmatamento em todo o mundo pode representar redução de mais 16%. Por último, plantar árvores e manejar solos para capturar carbono pode absorver outros 17%. Nenhuma dessas iniciativas depende das novas tecnologias. Sabemos o que é necessário fazer para reduzir em 80% as emissões de dióxido de carbono até 2020. e tudo o que se precisa agora é liderança,.

A maioria das pessoas, incluídos os líderes políticos, não parece ter nenhum senso de urgência ou perigo a respeito da mudança climática. O que motiva esta proposta de mobilização “de guerra”?

A mudança já está ocorrendo e se acelerando. As emissões de carbono nos Estados Unidos baixaram 9% este ano, e não apenas pela recessão. Duvido que no futuro se construa uma nova usina elétrica movida a carvão neste país: somente neste anos, 22 serão fechadas ou reconvertidas. Quando o aumento do nível do mar for mais evidente, as pessoas agirão. Isto é algo semelhante à queda do Muro de Berlim, em 1989. houve anos de descontentamento generalizado antes dessa queda, e depois, aparentemente da noite para o dia, se produziu uma revolução política que mudou tudo. Esmos nos movendo para esse tipo de ponto de inflexão.

Quais outros sinais de que o planeta está chegando a esse ponto de inflexão?

Vejo uma mudança nos padrões de socialização. Em uma época, obter a licença para dirigir ou possuir um automóvel era a chave para a interação social dos jovens. Isso está mudando. No Japão, a socialização agora acontece via Internet e as vendas de carros novos estão em queda. A frota automobilística diminui, inclusive nos Estados Unidos, e aumenta o uso de bicicletas.

Também vejo muito busca por valor: quais são os efeitos na saúde do uso de automóveis e do estilo de vida baseados no traslado contínuo? Como podemos construir ruas completas com passeios e ciclovias que sejam seguras para todos? A crise econômica também mudou o pensamento. Creio que surgiremos como uma sociedade muito menos materialista.

Isso será suficiente para reestruturas as economias mundiais?

Não sei. No final, a corrida para salvar a civilização é entre os pontos de inflexão sócio-econômicos e os naturais.