Entrevista com Robert
McChestey
“Abandonadas ao seu curso atual e impulsionadas pelas
necessidades do capital, as tecnologias digitais podem enveredar por caminhos
que são terrivelmente adversos à liberdade, à democracia, e qualquer coisa
remotamente vinculada ao bom viver. Por isso, as batalhas em torno da internet
são de fundamental importância para todos aqueles que buscam construir uma
sociedade melhor”, escreve o pesquisador Robert McChestey na conclusão do seu livro sobre a desconexão
digital: como o capitalismo está agindo para que a internet se volte contra a
democracia. Como professor da Universidade
de Illinois em Urbana-Champaign,
o trabalho de McChesney abarca
a história e a economia política da comunicação. É também co-fundador da Free
Press, organização estadunidense pela reforma midiática. Na entrevista
a seguir com a Alai,
sintetiza os argumentos do seu livro, com ênfase na tendência da economia da
internet à promoção de monopólios.
A entrevista é de Sally
Burch e publicada no sítio da Alainet,
15-04-2014. A tradução é de André Langer.
Eis
a entrevista.
Como
você caracteriza a evolução da internet nas últimas duas
décadas?
Em síntese, a internet começou como uma função do setor público. Iniciou com
subsídios do governo e não era comercial, era inclusive anti-comercial no seu
começo. A visão com que surgiu sempre foi como um setor sem fins lucrativos,
igualitário, onde as pessoas pudessem reunir-se e compartilhar. Mas o processo a
partir do começo dos anos 1990, especialmente depois da invenção da rede mundial
(world wide web), viu-se, de um lado, marcada por intensa comercialização; e,
por outro, de um agressivo interesse das agências militares, de segurança
nacional, de inteligência e da polícia pela importância da internet. Estas duas
forças realmente fizeram das suas com a internet nos últimos 20 anos de maneira
que muito poucas pessoas, não faz muito tempo, aí por 1993 ou 1995, achavam
possível.
Em
nível global, quais foram as principais implicações desta
evolução?
Uma das grandes pretensões em relação à internet foi
que estimularia a eficiência econômica, o crescimento, a competição; que abriria
a economia a novos jogadores, especialmente para que pequenas empresas e novos
empreendedores pudessem entrar no jogo e competir com as empresas maiores, já
arraigadas, porque a internet lhes permitiria circundar as barreiras de entrada
que as mantinham afastadas dos consumidores e dos mercados. Também foi visto
como um lugar de empoderamento dos consumidores, que teriam mais possibilidades
de escolha e mais opções através da internet para obter preços mais baixos e
serviços melhores.
Infelizmente, quase nada disto se tornou realidade de
maneira significativa, e uma das grandes ironias da internet é que se converteu
no maior gerador de monopólio econômico que se conheceu, em qualquer sistema
econômico, máxime sob o capitalismo. Em vez de produzir mercados competitivos e
uma grande quantidade de empresários de sucesso, a internet fez todo o
contrário, e isso devido à economia da rede, que basicamente é uma economia do
“tudo para o ganhador’. Uma vez que alguém alcança o primeiro lugar, cria-se um
tremendo incentivo para que todo o mundo possa usar esse serviço, como os
buscadores, por exemplo, o eBay ou
o YouTube.
Utiliza-se o mesmo buscador porque se quer estar na mesma rede em que todo o
mundo já está, e com isso se obtém o que se chama de “monopólio natural”, devido
aos efeitos da rede.
Quando nos fixamos na internet, está cheia desses
monopólios, não existe uma “classe média” de 20 ou 30 empresas que competem em
uma determinada área. De modo geral, há uma empresa que domina, com talvez uma
ou duas mais que têm uma fatia do mercado. E isto acentuou e agravou o problema
da monopolização no capitalismo moderno, que é, evidentemente, um dos grandes
problemas da economia mundial.
Pois bem, isto é especialmente verdadeiro fora
dos Estados
Unidos, porque – e talvez não seja por acaso – os monopólios que
dominam a internet em nível mundial estão baseados nos Estados
Unidos. Google, Microsoft,Apple, Amazon, eBay, Facebook,
são empresas com sede nos Estados
Unidos. Estas empresas têm um poder desproporcional fora dos Estados
Unidos, e penso que para quem vive fora dos Estados
Unidos, seu domínio é de particular preocupação.
E
como esta dinâmica da internet repercute no plano da
democracia?
A democracia tem uma série de componentes, e uma das
grandes asseverações sobre a internet era que favoreceria que as pessoas comuns,
pessoas sem propriedade, pudessem participar da política de uma maneira nunca
antes pensada. Que se pudesse ter acesso a toda informação que antes estava
disponível só para as elites. Que se pudesse comunicar a baixo custo com pessoas
de ideias afins e estabelecer redes que seriam muito fortes, que sacudiriam esse
poder e o obrigariam, ou a deixar o poder ou a responder às aspirações
democráticas do povo. E de fato há algo disso, sejamos claros: são muitos os
aspectos positivos da internet para aumentar o poder dos de baixo diante das
hierarquias. Mas, quando se fizeram essas asseverações, se esquecia que os de
cima também possuíam computadores. Na verdade, fazem os computadores, são donos
das redes e eles também sabem o que estão fazendo, e o estão fazendo para
ganhar, não estão jogando com as regras do jogo. O que fazem é neutralizar a
ameaça de que a internet se torne uma força democrática que possa deter ou
desafiar o poder da elite.
Pois bem, uma das áreas cruciais onde isto acontece –
sobre o qual estudo e escrevo muito – é a grande crise do jornalismo em todo o
mundo e nos Estados
Unidos. À medida que se avança no âmbito digital, não há maneira de
sustentar o jornalismo satisfatoriamente, contar com jornalistas suficientes
para seguir o passo das pessoas no poder e ver como agem.
[...]
Voltando
à questão dos monopólios... em uma economia globalizada, necessitam-se de
acordos políticos e instituições mundiais para estabelecer as regras, controles
e corretivos necessários para o seu funcionamento, em defesa do interesse
público (como têm a maioria dos Estados-nação para restringir os monopólios em
âmbito nacional). Mas cada vez mais, as mesmas corporações globais que eles
deveriam controlar acabam subordinando estes espaços internacionais. No que diz
respeito à internet, quais são os principais desafios a assumir em termos de
governança global?
A pergunta é tão boa que contém parte da resposta, já
que é crucial contar com acordos globais para o comércio, a economia e a
governabilidade, especialmente para a internet. Infelizmente, devido a que há
tanto dinheiro investido agora na internet, estes acordos de governança estão
dominados por enormes empresas monopólicas, que são tão ricas e tão poderosas
que podem dispor que o governo dos Estados
Unidos seja sua força policial privada. A função global atual do
governo dos Estados
Unidos é proteger os interesses destes monopólios privados. Nunca faz
nada contra os seus interesses. Isto significa que a possibilidade para os
estados nacionais na Europa, América
Latina,África ou Ásia de
reverter estas pressões, para criar seu próprio âmbito digital autônomo, é
bastante difícil, já que implicaria em enfrentar praticamente toda a estrutura
econômica mundial.
Você
participou de algumas das grandes batalhas que se travaram nos Estados Unidos em
torno da liberdade, dos direitos, da democracia e da internet. Quais são,
atualmente, os temas centrais?
Na minha opinião, os grandes temas nos Estados
Unidos, e creio que em diversos graus em todo o mundo, são três. Em
primeiro lugar, a questão de conseguir financiamento a sério para instituições
midiáticas sem fins lucrativos, independentes e não comerciais, sem censura e
competitivas, no plano local e nacional. Com alguns colegas estamos trabalhando
a ideia de criar um bônus de 200 dólares de fundos federais que qualquer pessoa
disporia para entregar a um meio de comunicação da sua escolha. Desta maneira,
se teria um enorme subsídio para os meios de comunicação sem fins lucrativos,
mas não seria o governo que controlaria quem recebe o dinheiro, mas as
pessoas.
A segunda grande problemática neste país é que o
controle sobre o acesso à internet e aos telefones celulares limita-se a apenas
três empresas: Comcast, Verizon e AT&T.
Há algumas outras empresas em cena, como Sprint e T-Mobile,
mas as três grandes estabelecem os termos e as demais seguem. Dividiram o
mercado como um cartel e não competem entre si; cobram altos preços e os
estadunidenses pagam uma quantidade incrível de dinheiro para a telefonia
celular e o acesso à internet, em troca de um serviço muito medíocre. É
realmente indignante. Necessitamos de uma campanha nos Estados
Unidos – ou inclusive internacionalmente – para retirar a prestação de
serviços da internet das mãos dos monopólios privados, e estabelecer algo
parecido com os correios. O acesso à internet deveria ser um direito humano; o
governo deveria administrá-lo, o que permitiria que os custos caíssem. Será uma
briga difícil, porque estas empresas agem como grupos de pressão de classe
mundial, têm os políticos no seu bolso, mas sua existência é totalmente
ilegítima. Não criam nada de valor, salvo para nos calotear e obter lucros
super-monopólicos para oferecer um péssimo serviço.
O terceiro ponto – e isto nos leva novamente à questão
dos monopólios naturais – é que no final das contas há três opções em uma
sociedade democrática para fazer frente aos monopólios. Agora, a forma como os
economistas utilizam o termo monopólio significa basicamente uma empresa que
controla uma parte muito grande do mercado de tal modo que pode fixar os preços
em toda a indústria e também determinar quanta competição tem pela frente. Se
quisesse apagar todos os outros para ter 100% do mercado, provavelmente poderia
fazê-lo, mas isso menosprezaria seus lucros, pelo que se contenta com uma
porcentagem menor do mercado e assim menos pessoas ficam à margem, mas consegue
o benefício máximo que a indústria permite. Esse é o tipo de domínio monopólico
que estamos vendo. John
D. Rockefeller, no auge do seu monopólio com a Standart
Oil, não contava com 100% do mercado do petróleo nos Estados
Unidos; creio que sua porcentagem máxima chegou a pouco mais de 80%,
mas encontrava-se em uma situação na qual, se quisesse, tinha o poder de baixar
o preço para tirar os outros do negócio. Simplesmente, não era o seu interesse
fazê-lo. O Google, Apple, Amazon, Facebook, eBay e PayPal são
todos monopólios do estilo da Standard
Oil e, por regra geral, a única competição que enfrentam em seus
mercados monopólicos medulares provém dos outros monopólios. Assim que se
o Google tem
um buscador de sucesso, então evidentemente, a Microsoft terá
outro para competir. Já não há empresas independentes capazes de competir com
eles, já que todas elas são absorvidas.
Então, o que vamos fazer em relação a estes monopólios
que são completamente contraditórios com a teoria democrática? Esta não é sequer
uma noção progressista. Milton
Friedman – o economista conservador de direita, cujo legado na América
Latina, graças a Pinochet,
é bastante obscuro – foi o primeiro a argumentar que a defesa do capitalismo em
uma sociedade democrática é que as pessoas que administram a economia deixem de
administrar o governo. O poder era difuso e isso permitia que a liberdade
prosperasse, ao contrário do feudalismo ou do comunismo existente nessas épocas,
onde as pessoas que administravam o governo também administravam a economia. A
chave do argumento de Friedman era
que o mercado econômico tinha que ser competitivo. Se fosse dominado por algumas
poucos empresas gigantes, essas empresas, invariável e inevitavelmente,
desmoronariam como um castelo de cartas. É por isso que, na teoria democrática,
tanto da direita como da esquerda, o poder econômico monopólico sempre
representou uma crise.
Neste contexto, há três opções sobre o que uma
sociedade pode fazer. A primeira é manter o poder do monopólio privado, para
depois tentar regulá-lo em função do interesse público. Nos Estados
Unidos fizemos isso durante muito tempo com a companhia
telefônica AT&T e
ainda procuramos fazê-lo um pouco com as nossas empresas de cabo e de telefonia.
Mas a evidência demonstra que não funciona. Estas empresas são muito grandes,
capturam os reguladores, são donos do governo e a regulação resulta em grande
medida ineficaz; segue-se tendo um monopólio que trapaceia o cliente e os
monopolistas administram o governo. Realmente, não é uma boa solução.
A segunda solução é dividir o monopólio em unidades
menores, que realmente compitam. Assim, em vez de ter uma só empresa petroleira,
como a Standard
Oil, se poderia dividi-la em 5, 10 ou 15 que competiriam entre si, com
os benefícios da competição no mercado e sem ter os inconvenientes do controle
monopólico do governo. Infelizmente, no caso da internet, isso não é possível;
por causa dos efeitos da rede, convertem-se muito rapidamente em monopólios,
porque essa é a lógica da tecnologia. Não há maneira de ter buscadores que
compitam, porque as pessoas se inclinarão para o melhor, e todos os outros
sairão do mercado.
Assim que com os monopólios naturais, só resta um
caminho possível, e de fato foi o próprio mentor de Milton Friedman, Henry
C. Simons, quem o disse. Ele observou que, inclusive no capitalismo de
livre mercado, é necessário socializar e nacionalizar as empresas monopólicas,
porque do contrário vão roubar os lucros das empresas menores e cobrar preços
mais altos delas e dos consumidores, e corromperão a operação eficiente da
economia de mercado, só para benefício próprio. De modo que, inclusive aqueles
que verdadeiramente desejam e respeitam a economia de mercado deveriam apoiar a
socialização destes grandes monopólios que não podem funcionar com a
competição.
Isso
poderia conduzir à nacionalização ou socialização do Google ou da
Microsoft?
Bom, esse é o debate que temos que fazer, em última
instância. Podemos começar agora, ou podemos esperar 20 anos para falar disso,
mas no final das contas vamos ter que fazer algo nesse sentido. Se nos fixamos
nas 30 empresas de maior valor de mercado nos Estados
Unidos hoje, 12 delas são monopólios da internet; as que eu acabo de
mencionar e mais algumas. Elas dominam totalmente a economia política
dos Estados
Unidos (quando não a economia política mundial), constituem a força
vital, tal como é, do capitalismo atual. Este tipo de poder econômico se traduz
em um controle total sobre o governo. Nos Estados
Unidos, sempre falamos dos bancos muito-grandes-para-quebrar, os que receberam o enorme resgate.
Como disse o senador Dick
Durbin, de Illinois,
são francamente os donos do governo. São os donos do Congresso, sempre conseguem
o que querem. Bem, há apenas dois ou três desses bancos entre as 30 maiores
empresas dos Estados
Unidos, mas há 12 monopólios de internet. De modo que se queremos
seriamente fazer frente ao poder monopólico como uma ameaça tanto para a
economia como para a democracia política, se seriamente queremos revitalizar a
democracia, então mesmo se alguém é defensor do livre mercado, cedo ou tarde vai
ter que abordar este problema dos monopólios, e eu diria que quanto antes
começarmos esse debate, melhor.
No
caso dos monopólios mundiais, significaria considerar a possibilidade de criar
empresas públicas globais?
Estas são perguntas muito interessantes, e creio que
nos Estados
Unidos falta entrar muito mais em debates como esse. Como nossos
mercados são muito grandes e as empresas têm sua sede aqui, nós apenas pensamos
em soluções nacionais, como se fosse suficiente. No entanto, tão logo se cruza a
fronteira para qualquer outro país, seguramente o debate tem que mudar, porque
então as soluções puramente nacionais têm limites reais para esses países,
inclusive em teoria, e as soluções puramente nacionais ou regionais tornam-se
muito mais importantes. Mas, neste ponto da discussão, converto-me em estudante,
já não em professor.
Voltando
ao nosso ponto de partida, a evolução da internet: entre a utopia digital ou o
pesadelo do Grande Irmão, qual é o saldo atual?
Está se deslocando para o pesadelo do Grande Irmão. Sei
que são palavras pesadas, pejorativas e qualquer um poderia descartar o que
estou dizendo com ‘este cara é um louco’. (Vale dizer, não eram os termos que eu
escolhi – que isto fique claro – mas, ao mesmo tempo, eu não vou fugir deles.)
Uma das coisas que encontrei quando estava fazendo a pesquisa para o meu
livro Desconexão
Digital, que não apreciei em sua plena dimensão há apenas dois ou três
anos, foi em que grau tudo o que fazemos on-line é conhecido por interesses
comerciais e governamentais. Você deve partir da suposição de que tudo o que faz
é gravado, se escuta, é monitorado e está disponível para alguém, em algum
lugar, de alguma maneira. Assustou-me quando fiz a pesquisa, mas assim que o
livro saiu, vieram à tona as revelações de Snowden sobre a NSA e
isso despertou a consciência mais generalizada sobre todo este
processo.
Mas acabo de levar um novo susto. O ex-chefe do
programa de vigilância da NSA renunciou
há pouco tempo, e ele deu algumas entrevistas nas quais disse que a NSA tem
acesso a tudo e pode realizar um seguimento de todas as pessoas, em todas as partes do mundo.
Realmente, têm esse poder e o estão utilizando. Então, o que fazem agora quando
querem prender alguém? É muito mais fácil, podem armar um caso contra alguém (e
parece que sempre podem encontrar alguma lei que alguém infringiu, em algum
lugar) e apresentar essa informação, recopilada de maneira ilegal, à polícia e
dizer: juntem toda a informação que podem obter, para assim contar com um caso
documentado legalmente. Com isso, podem prender essa pessoa, caso queiram; têm
essa capacidade. Como disse o ex-chefe, esta é a definição de um Estado
policial. Mas, embora não o façam, essa ameaça, a noção mesma de que essa
possibilidade está presente como pano de fundo, cria exatamente o mundo
orwelliano no qual não creio que alguém queira
viver.
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