"O
fato é que, gostando ou não, a frequência, intensidade e simultaneidade
de eventos climáticos extremos vêm aumentando década após década
mundialmente e no Brasil.
E é justamente o despreparo para tal nova conjuntura do sistema
climático global que nos aponta o relatório do pesquisador inglês sir Nicholas Stern como a maior e mais premente ameaça relacionada às mudanças ambientais globais", escreve Paulo Nobre, climatologista e Marcelo Seluchi, pesquisador titular do Centro Monitoramento de Alerta de Desastres Naturais, em artigo publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, 25-03-2014.
Eis o artigo.
Dias
de céu azul, sol forte e temperatura elevada são comumente percebidos
como "tempo bom", pelo menos em locais onde a chuva é abundante. Será?
Experiência rara, o Sudeste do Brasil experimentou
nesse verão de 2014 período de estiagem prolongado e calor extremo,
gerando uma das mais severas anomalias climáticas registrada na região
desde o início dos registros instrumentais, em meados do século passado.
Esta
se deveu ao estabelecimento de uma intensa, persistente e anômala área
de alta pressão atmosférica nos altos níveis da atmosfera sobre o oceano Atlântico, nas proximidades da região Sudeste.
O ar mais "pesado" inibiu
o levantamento do ar desde a superfície, necessário para a formação das
nuvens de chuva. Assim, o descenso do ar mais denso desde os altos
níveis da atmosfera ocasionou a dissipação da nebulosidade e o aumento
da insolação solar, que por sua vez provocou um aumento progressivo das
temperaturas.
Ocorre que esse tipo de situação é uma feição climatológica de inverno, quando observamos os dias característicos de céu azul, mas nos quais o sol se encontra baixo no horizonte resultando em impacto moderado na temperatura. Já no caso presente, a circulação típica de inverno encontrou o sol a pino, resultando em excesso de radiação solar à superfície e pouca chuva.
Ocorre que esse tipo de situação é uma feição climatológica de inverno, quando observamos os dias característicos de céu azul, mas nos quais o sol se encontra baixo no horizonte resultando em impacto moderado na temperatura. Já no caso presente, a circulação típica de inverno encontrou o sol a pino, resultando em excesso de radiação solar à superfície e pouca chuva.
Mas não estamos sós. Ingleses experimentam inundações generalizadas. Norte-americanos enfrentam ondas de frio polar.
Australianos convivem com intensa onda de calor; ao mesmo tempo!
Coincidência, diriam uns. Orquestração da natureza contra os abusos
humanos em relação ao planeta, diriam outros.
O
fato é que, gostando ou não, a frequência, intensidade e simultaneidade
de eventos climáticos extremos vêm aumentando década após década
mundialmente e no Brasil.
E é justamente o despreparo para tal nova conjuntura do sistema
climático global que nos aponta o relatório do pesquisador inglês sir Nicholas Stern como a maior e mais premente ameaça relacionada às mudanças ambientais globais.
No
passado não muito distante, poderíamos encolher os ombros,
escondendo-nos na desculpa de que "nós não sabíamos". Hoje, não mais.
Sabemos que as alterações da composição atmosférica induzidas pelo
consumo de combustíveis fósseis e desflorestamento tropical em grande escala são em parte responsáveis pelo aumento de eventos climáticos extremos.
Sabemos
também que tais eventos, como os desse verão, constituem somente o
tira-gosto de uma nova realidade do clima que se avizinha. Ao mesmo
tempo, também aprendemos a partir de pesquisas minuciosas das relações
entre as florestas tropicais do Brasil e a atmosfera que as árvores fazem parte do processo de geração de chuva, contribuindo para a estabilização do clima.
Assim,
enquanto não podemos impedir os grandes movimentos da atmosfera global,
como esse que ocasionou o longo período de estiagem sobre o Sudeste do Brasil, podemos e devemos manter os maciços florestais remanescentes não somente na Amazônia,
mas também e principalmente os cinturões verdes ao redor das
megacidades brasileiras. Com isso, não estaremos imunes aos extremos
climáticos futuros, mas teremos contribuído para atenuar seus efeitos em
nossas cidades.
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