Era o ano 2001, quando ao economista Serge Latouche coube moderar um debate organizado pela UNESCO. Na mesa, à sua esquerda, lembra, estava sentado o ativista antiglobalização José Bové; e um pouco além, o pensador austríaco Ivan Illich. Naquele momento, Latouche já havia tido a oportunidade de comprovar em campo, no continente africano, os efeitos que a ocidentalização produzia sobre o chamado Terceiro Mundo.
A reportagem é publicada no sítio Redes Cristianas, 31-08-2013. A tradução é do Cepat.
Naqueles anos, o que estava em moda era falar de desenvolvimento sustentável. Entretanto, para os que discordavam deste conceito, o que o desenvolvimento conseguia era tudo, menos a sustentabilidade.
Foi nesse colóquio que a teoria do decrescimento começou a alçar voo. Um conceito que um grupo de mentes com inquietudes ecológicas resgataram do título de uma coleção de ensaios do matemático romeno Nicholas Georgescu-Roegen. A palavra decrescimento foi escolhida para provocar. Para despertar as consciências. “Era pre ciso sair da religião do crescimento”, diz o professor Latouche...
Foi assim que nasceu esta linha de pensamento... Um movimento que poderia se enquadrar dentro de certo tipo de ecossocialismo para bradar contra a cultura do usar e jogar, da obsolescência programada, o crédito sem tom, nem som e os atropelos que ameaçam o futuro do planeta.
Estamos imersos em plena crise. Para onde você acredita que o mundo caminha?
“Atualmente, a crise que estamos vivendo vem se somar com muitas outras, e todas se misturam. Já não se trata de uma crise econômica e financeira, mas é uma crise ecológica, social, cultural..., ou seja, uma crise de civilização. Alguns falam de crise antropológica...”.
É uma crise do capitalismo?
“Sim. O capitalismo sempre esteve em crise. É um sistema cujo equilíbrio é como o do ciclista, que nunca pode deixar de pedalar, caso contrário, cai no chão. O capitalismo sempre deve estar em crescimento, caso contrário é a catástrofe. Há trinta anos não há crescimento, desde a primeira crise do petróleo; desde então, temos pedalado no vazio. Não houve um crescimento real, mas um crescimento da especulação imobiliária, das bolsas. E agora esse crescimento também está em crise”.
Latouche defende uma sociedade que produza menos e consuma menos. Sustenta que é a única maneira de frear a destruição do meio ambiente, que ameaça seriamente o futuro da humanidade. “É preciso uma revolução. Porém, isso não quer dizer que haja que massacrar e apertar as pessoas. É preciso uma mudança radical de orientação”. Em seu último livro, “A sociedade da abundância frugal”, editado por Icaria, explica que é necessário almejar uma melhor qualidade de vida e não um crescimento ilimitado do Produto Interno Bruto. Não se trata de defender o crescimento negativo, mas um reordenamento de prioridades. A aposta no decrescimento é a aposta na saída da sociedade de consumo.
E como seria um Estado que apostasse no decrescimento?
“O decrescimento não é uma alternativa, mas uma matriz de alternativa. Não é um programa. E seria muito diferente a forma de construir a sociedade no Texas ou em Chiapas”.
Entretanto, em seu livro, você explica algumas medidas concretas, como os impostos sobre os consumos excessivos ou a limitação dos créditos que são concedidos. Também diz que é preciso trabalhar menos. É necessário trabalhar menos?
“É preciso trabalhar menos para ganhar mais, porque quanto mais se trabalha, menos se recebe. É a lei do mercado. Se você trabalha mais, aumenta a oferta de trabalho, e como a demanda não aumenta, os salários baixam. Quanto mais se trabalha, mais se provoca a baixa dos salários. É necessário trabalhar menos horas para que todos trabalhem, mas, sobretudo, trabalhar menos para viver melhor. Isto é mais importante e mais subversivo. Temos ficado doentes, toxicodependentes do trabalho. E o que as pessoas fazem quando lhes reduzem o tempo de trabalho? Assistem televisão. A televisão é o veneno por excelência, o veículo para a colonização do imaginário”.
Trabalhar menos ajudaria a reduzir o desemprego?
“É claro. É necessário reduzir as horas de trabalho e relocalizá-lo. É preciso fazer uma reconversão ecológica da agricultura, por exemplo. É necessário passar da agricultura produtivista à agricultura ecológica campesina”.
Dirão que isto significaria voltar na História...
“Nada. De qualquer modo, não haveria razão para ser obrigatoriamente algo ruim. Não é uma volta ao passado, já que há pessoas que fazem permacultura e isso não tem nada a ver com a forma como era a agricultura de outrora. Este tipo de agricultura requer muita mão de obra, e se trata justamente disso, de encontrar empregos para as pessoas. É necessário comer melhor, consumir produtos sadios e respeitar os ciclos naturais. Para tudo isso é preciso uma mudança de mentalidade. Caso se consiga os apoios suficientes, medidas concretas poderão ser tomadas para provocar uma mudança”.
Você disse que a teoria do decrescimento não é tecnófoba, mas ao mesmo tempo propõe uma moratória das inovações tecnológicas. Como essas coisas casam?
Isto foi um mal-entendido. Queremos uma moratória, uma reavaliação para ver com quais inovações é preciso prosseguir e quais outras não possuem grande interesse. Hoje em dia, importantes linhas de pesquisa são abandonadas, como as de biologia do solo, porque não possuem uma saída econômica. É necessário escolher. E quem escolhe? As empresas multinacionais”.
Latouche considera que as democracias, na atualidade, estão ameaçadas pelo poder dos mercados. “Já não possuímos democracia”, proclama... “Estamos dominados pela oligarquia econômica e financeira que tem a seu serviço toda uma série de funcionários que são os chefes de Estado dos países”. E sustenta que a prova mais óbvia está no que a Europa fez com a Grécia, submetendo-a a estritos programas de austeridade. “Eu sou europeísta convencido, teria que se construir uma Europa, mas não assim. Teríamos que ter construído, primeiro, uma Europa cultural e política, e ao final, um par de séculos mais tarde, adotar uma moeda única”.
Latouche sustenta que a Grécia deveria declarar a suspensão dos pagamentos, como as empresas fazem. “Na Espanha, o rei Carlos V quebrou duas vezes e o país não morreu, pelo contrário. Com a Argentina isto aconteceu após a ruína do peso. O presidente da Islândia, e isto não foi dito de forma suficiente, disse no ano passado, em Davos, que a solução para a crise é fácil: anula-se a dívida e, em seguida, a recuperação vem muito rápido”.
E essa também seria uma solução para outros países, como a Espanha?
“É a solução para todos, e acabará sendo realizada, não há outra. Faz-se de conta que está se tentando pagar a dívida, esmagando as populações, e é dito que deste modo são liberados os excedentes que permitem resolver a dívida, mas, na realidade, entra-se no círculo infernal, no qual cada vez é preciso liberar mais excedentes. A oligarquia financeira tenta prolongar sua vida o máximo tempo possível, é fácil de compreender, mas é em detrimento do povo”.
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