“O convivialismo, uma ideia nova para evitar a catástrofe”. Entrevista com Alain Caillé
“Jamais a humanidade dispôs de tantos recursos materiais e competências técnicas e científicas (...) Mas, por outro lado, ninguém pode mais acreditar que essa acumulação de poder possa prosseguir indefinidamente, tal qual em uma lógica de progresso técnico inalterada, sem se voltar contra ela mesma e sem ameaçar a sobrevivência física e moral da humanidade”. Essas são as primeiras frases do Manifesto do Convivialismo, uma publicação de 40 páginas, mas de grande ambição intelectual diante desse sentimento de urgência.
Na origem está a vontade de Alain Caillé, sociólogo fundador do MAUSS (Movimento Antiutilitarista nas Ciências Sociais), que conseguiu reunir e fazer trabalhar juntos um grupo de 64 pesquisadores e universitários procedentes do mundo inteiro, de sensibilidade altermundista, ecologista, ou oriundos do cristianismo social (Edgar Morin, Susan George,Patrick Viveret, Serge Latouche, Elena Lassida, Jean Baptiste de Foucauld, Jean Pierre Dupuy, Jean Claude Guillebaud...). O resultado é a elaboração de uma nova base doutrinal filosófica, o convivialismo, para responder às quatro grandes crises – moral, política, econômica e ecológica – vividas pelas nossas sociedades nesse início do século XXI.
A entrevista é de Olivier Nouaillas e publicada no sítio da revista francesa La Vie, 17-06-2013. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Qual é a gênese desse Manifesto Convivialista?
O ponto de partida é um colóquio organizado em julho de 2011 em Tóquio em torno da herança de Ivan Illich. Havia especialmente três convidados franceses: Serge Latouche, que é um promotor do decrescimento, Patrick Viveret, que trabalhou muito sobre os novos indicadores de riqueza, e eu. E para minha grande surpresa, embora eu tenha muitas reticências em relação aos dois primeiros conceitos – especialmente o decrescimento que é uma palavra inutil mente desmancha-prazeres –, nós fomos capazes de ultrapassar as nossas divergências intelectuais para nos colocar de acordo sobre uma constatação: não podemos mais fundamentar o projeto democrático sobre uma perspectiva de crescimento infinito. A humanidade não sobreviverá a ele.
A questão que se coloca então e para a qual temos que encontrar um novo conceito é como, apesar das suas imperfeições, a palavra convivialismo se impôs a nós. Depois, no meu retorno à França, decidi escrever um livro Rumo a um manifesto do convivialismoreunindo pessoas – cerca de 40 nomes que eu gostaria de associar a este projeto. E para minha grande surpresa, todos eles aceitaram participar do projeto, sem nenhum confronto narcísico. Como se houvesse um sentimento de urgência diante do estado do mundo. Depois, com reuniões de trabalho em Paris e intercâmbios pela internet com outros amigos que se encontram nos Estados Unidos, no Japão e no México, chegamos a esse manifesto, um texto curto de 40 páginas, publicado pela editora Le Bord de l’Eau e que lançamos em Paris no dia 19 de junho. Eu estou muito orgulhoso com esse resultado, pois creio que soubemos manter um equilíbrio entre duas extremidades possíveis: o catastrofismo (o decrescimento) e uma versão irênica (o amor universal).
Você pode dar uma definição simples do convivialismo?
A palavra pode ser problemática. Por outro lado, quando dois terços dos participantes, se reuniram, dissemos: “Estamos de acordo em trabalhar juntos, mas não em relação ao termo que se utilizaria”. Certamente, porque compreendia, por um lado, a palavra convivialidade e, por outro, havia um “ismo”. Mas, como não encontramos uma palavra melhor, voltamos ao ponto de partida. Eu defendia muito o “ismo” por uma razão fundamental: nós temos 36.000 soluções de políticas econômicas, financeiras, ecológicas para propor, mas o que nos falta hoje é uma base doutrinal de filosofia política comum. E para representar isso, nós precisamos de uma palavra em “ismo” que seja agregadora. Daí esta definição que propomos de convivialismo, segundo os trabalhos de Marcel Mauss: como conviver sem se massacrar? É uma questão prévia, central em todas as sociedades humanas e indispensável para colocar antes daquela de saber qual seria o bom regime político (monarquia, república, império, socialismo, etc.), em relação ao qual cada um pode ter suas preferências.
A constatação do mundo que vocês fazem é inquietante. Vocês evocam especialmente as “dinâmicas mortíferas”, e inclusive que “a questão da sobrevivência física e moral da humanidade está colocada”. Por que tamanho pessimismo?
Havia uma enorme inquietação em nosso grupo. Embora eu esteja cheio de otimismo, é preciso levar a sério a versão pessimista. Seria à maneira de Jean Pierre Dupuy, que afirma que “o único meio de evitar a catástrofe é estar seguro de que ela virá”. Quando se vê os riscos nucleares pós Tchernobyl e Fukushima, o esgotamento dos recursos naturais ou ainda as ameaças de aquecimento climático, só podemos estar inquietos.
Das quatro crises que o Manifesto evoca – moral, política, econômica e ecológica – qual lhe parece a mais grave?
A mais grave é, certamente, a crise moral, porque sua resolução condiciona todas as outras. Tomemos as discussões sobre o desenvolvimento sustentável; podemos imaginar todos os tipos de soluções técnicas, mas se você não tem homens e instituições confiáveis para colocá-las em prática, nada acontecerá. E, portanto, anterior a um verdadeiro desenvolvimento sustentável é uma democracia duradoura que, ela mesma, tem necessidade de um alicerce, de uma base ética duradoura. É uma condição para que os políticos não caiam na hubris, na desmedida. E a tradução concreta e visível desta desmedida é a corrupção, seja financeira, seja pelo poder. Ela explode em os cantos do mundo. Especialmente na França com a acumulação dos negócios (Cahuzac, Tapie, Guéant) que atingem tanto a direita como a esquerda. Como imaginar um instante em que podemos salvar a democracia, se, de um lado, não há mais crescimento econômico e se, do outro, todas as classes dominantes estão corrompidas? Esta corrupção está estreitamente ligada aos paraísos fiscais e a uma economia criminosa, às vezes constituída de verdadeiras máfias, como no Oriente Médio, na Ásia e na Rússia.
Pelo contrário, vocês evocam uma infinidade de iniciativas alternativas – do slow food à sobriedade voluntária, passando pelo cuidado ou pelo comércio justo. Mas elas têm peso diante de um sistema econômico mundializado?
Todas essas iniciativas aparecem de forma dispersa e não chegam a explicitar o que têm em comum. Ora, a hipótese central do Manifesto é que nós não chegaremos a inverter uma relação de forças com um neoliberalismo rentista e especulativo, caso não encontrarmos uma forma de unidade. As cúpulas altermundistas tinham esta vontade, mas elas não tiveram sucesso nisso. Porque elas permaneceram na justaposição de visões ético-ideológicas de uns e de outros, mas isso faz um patchwork insuficiente.
Com efeito, o principal problema que se coloca é um problema de filosofia política. Nós somos herdeiros das grandes filosofias políticas da modernidade: o liberalismo e o socialismo, com suas derivações que são o anarquismo e o comunismo. Estas quatro doutrinas não estão mais à altura dos atuais problemas. Porque todas elas repousam sobre uma visão errada de ser humano, visto como um “homo economicus”. As quatro doutrinas, com efeito, tinham em comum a ideia de que o principal problema da humanidade era a falta de meios para a satisfação das necessidades materiais. Que o homem é um ser de necessidades movido pela escassez e que, portanto, a solução primária é o crescimento. Ora, esta visão antropológica é falsa – os homens não são seres de necessidades, mas de desejos – e a solução proposta tornou-se impossível de achar, inclusive perigosa: o crescimento contínuo, permanente do PIB não pode mais ser uma solução. Primeiramente, porque já não é mais uma realidade nos países ricos – nós não teremos mais as taxas de crescimento dos “Trinta Gloriosos” – e, em segundo lugar, nos países emergentes vai diminuir e não será mais ecologicamente sustentável.
Quais podem ser os contornos de uma “alternativa ao modo de existência atual”? Vocês apontam algumas pistas, como a instauração de uma renda máxima ou a relocalização da produção nos territórios...
A solução está em pesquisar do lado desta velha ideia dos economistas ingleses do século XIX, como John Stuart Mill, a saber, que as sociedades tendem para um estado estacionário. Mas, hoje, tratar-se-á, com todas as invenções tecnológicas de que nos beneficiamos (na informática, na medicina, etc.) de um estado estacionário dinâmico, uma espécie de “prosperidade sem crescimento”, termo que empresto de Tim Jackson, outro economista inglês, desta vez contemporâneo.
Esta sociedade estacionária dinâmica deverá ser relocalizada, reterritorializada, permanecendo aberta ao mundo inteiro. Há uma reabilitação a fazer aqui e agora, porque nada deve ser comandado a 20.000 quilômetros de onde se vive. E se quisermos colocar no centro do projeto a luta contra a desmedida e a corrupção, isso implica igualmente duas outras medidas simples de compreender, mas mais difíceis de realizar: uma renda mínima e uma renda máxima. Para nós, tanto a extrema pobreza como a extrema riqueza são ilegítimas. Pois, o Manifesto do Convivialismo se assenta sobre uma forte vontade de justiça social.
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