A voz dos excluídos da cúpula de Copenhague, que defendem um desenvolvimento sustentável, será ouvida com força na Bolívia, em lugar da dos governos que ditam estratégias segundo seus interesses para enfrentar a mudança climática, como o mercado de carbono, afirmou Nnimmo Bassey. Este ativista nigeriano chegou à cidade boliviana de Cochabamba para participar da Conferência Mundial dos Povos sobre a Mudança Climática e os Direitos da Mãe Terra, iniciada ontem (19/04) com presença de, aproximadamente, 15 mil representantes de organizações da sociedade civil, todas preocupadas com o rumo oficial na luta contra a variabilidade climática.
A reportagem e a entrevsita é de Franz Chávez, da IPS, e publicada pela Agência Envolverde, 20-04-2010.
Bassey, o costarriquenho Isaac Rojas e o uruguaio Martín Drago são os portadores da posição da Amigos da Terra Internacional, rede composta por 77 organizações não governamentais. Com os objetivos de “mobilizar, resistir e transformar”, esta coletividade ambientalista promove a justiça econômica, a soberania alimentar, o uso de energias alternativas, a conservação da biodiversidade e uma aberta batalha contra a exploração inadequada de minerais e petróleo.
Destacado entre outras coisas por sua luta tenaz contra as atividades extrativistas contaminantes das empresas de petróleo multinacionais em seu país, Bassey resumiu para a IPS o que considera virtudes de um encontro como o de Cochabamba, onde os povos podem se expressar e estabelecer um discurso real contra a mudança climática.
Eis a entrevista.
Qual a diferença entre as cúpulas mundiais e esta de Cochabamba?
Aqui não prevalecem os governos, que habitualmente dizem o que se deve fazer. Agora é o povo que dirá aos governantes quais tarefas devem realizar em matéria de luta contra a mudança climática. Em dezembro, em Copenhague – na 15ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP-15) –, as organizações sociais, como a Amigos da Terra, foram excluídas dos debates, mas em Cochabamba ocorre o inverso, e participamos de todas as mesas de análises.
Quais as suas expectativas com relação a este encontro de organizações sociais?
Nesta conferência o mundo tem a oportunidade de ouvir as demandas do povo, conhecer os problemas e as soluções reais e autênticas. Nossa posição é contrária às compensações de emissões de carbono em troca da conservação das florestas. As selvas devem ficar fora das considerações do mercado. Rechaçamos a monocultura, a produção de alimentos geneticamente modificados, e exigimos manter os combustíveis de origem fóssil debaixo da terra. A indústria agrícola está se transformando na causa do problema climático e, em lugar disso, lutamos por uma atividade sustentável no campo, igual à demanda expressa pela organização Via Camponesa, o movimento mundial de camponeses que impulsiona a produção de alimentos sadios.
Em que consiste sua proposta de manter o petróleo debaixo da terra?
Na Nigéria fizemos campanhas para manter o petróleo sob a terra e contra as multinacionais que causam a contaminação pelas emissões de carbono, promovem a destruição ambiental e a vida dos habitantes e das comunidades. Queremos mudar esta forma de geração de energia por um modelo de desenvolvimento sustentável para acabar com o uso de combustíveis fósseis e promover o investimento em energia renovável.
Qual o papel dos povos indígenas nesta batalha?
O importante é expressar a reclamação pela destruição do meio ambiente onde vivem os povos, mas eles precisam ter o poder sobre as terras e adquirir capacidade para administrar seus recursos naturais. Trata-se de uma demanda por poder para a produção de alimentos em condições apropriadas com a natureza e com a preservação dos recursos naturais. Também se busca reduzir o poder das transnacionais, e o seu desmantelamento.
Essa meta parece muito ambiciosa, considerando o poder dos países industrializados e de suas empresas. Então, qual é o processo que vem a seguir?
Está claro que a batalha é muito grande, mas precisamos nos unir, compartilhar informação e experiências de lutas contra o poder multinacional.
A partir dessa postura, que opinião tem sobre o modelo boliviano que promove a defesa da Mãe Terra?
O governo da Bolívia é muito inspirador para os povos do mundo. É como um sonho ter um governo disposto a ouvir as demandas dos povos e cuidar da Pachamama (Mãe Terra).
Cochabamba. Rejeições a compensações ganham força
A Conferência Mundial dos Povos sobre a Mudança Climática e os Direitos da Mãe Terra, que começou ontem (19/04) na cidade boliviana de Cochabamba, refletirá a força da resistência social à compensação de emissões de gases-estufa, afirmam dirigentes sociais. A Redução de Emissões de Carbono Causadas pelo Desmatamento e pela Degradação das Florestas (REDD) é o tema central da mesa de debate número 14, que tem por meta elaborar uma proposta que promova o fortalecimento da conservação das montanhas naturais, reconhecendo os direitos dos indígenas.
A reportagem é de Franz Chávez, da IPS, e publicada pela Agência Envolverde, 20-04-2010.
Por este mecanismo se propõe que os países mais ricos paguem para serem mantidas florestas de regiões tropicais como forma de compensar suas emissões de gases-estufa. Um encontro prévio à conferência realizado por organizações indígenas e de outros setores sociais da Bolívia aprovou uma resolução exigindo das nações industrializadas que reduzam drasticamente suas emissões de gases como dióxido de carbono, metano e óxido nitroso, responsáveis pelo aquecimento global.
O documento transformado em uma proposta central deste grupo de trabalho reclama a criação de uma instância internacional que regule o cumprimento do pagamento da chamada dívida climática. “Copenhague foi uma decepção, o planeta está morrendo”, disse à IPS em tom firme o médico boliviano José Ramírez, que há 43 anos vive na Alemanha. A referência é a falta de resultados na 15ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP-15) realizada em dezembro na capital dinamarquesa.
Representando as organizações Médicos Contra a Guerra Nuclear (IPPNW) e Solidariedade Alemã Estrangeira, este ativista confia na emergente força dos movimentos sociais para resoluções a favor das florestas. A queda do consumo e a vida em harmonia com o planeta, recolhendo a experiência boliviana do “Viver bem”, serão um acordo mundial e a participação da sociedade civil não pode ficar sem resposta, disse este médico partidário de “romper com o sistema capitalista” e que acompanhou os debates em Copenhague e agora é ator nas discussões em Cochabamba.
Por sua vez, o indígena guatemalteco Felipe Gómez, do Programa sobre Desenvolvimento Endógeno Sustentável Mesoamérica, disse à IPS que “a política de cuidados com as florestas em troca de dinheiro é uma armadilha e representa uma ameaça enorme dos governos partidários desse esquema e das empresas multinacionais”. Gómez explica que o pagamento de compensações pelas emissões de carbono tem implicações desconhecidas. “A comunidade receberá o dinheiro, mas qual será o destino da comunidade?”, pergunta.
Sua companheira de delegação, a indígena Andrea Rocché, também recorda à IPS que seu povo aprendeu com os antepassados a “conservar a natureza e praticamos com nossos filhos a proteção e o amor à vida silvestre”. Gómez se mostra temeroso quanto aos impactos de uma “mercantilização do problema”. Diante de uma situação de mudança climática, a resposta dos países industrializados ocorreu com termos de mercado, replica. Uma saída para o tema da crise ambiental, na opinião deste líder dos povos indígenas da Guatemala, deve começar com um reconhecimento do ser humano em sua integridade e a compreensão de que sua existência está condicionada à vida da natureza.
“O ser não pode ser separado do saber e tampouco se pode separar o saber do fazer”, diz em uma interpelação a única ciência divulgada pelos países industrializados, dos quais é cobrado um reconhecimento de outros conhecimentos dos povos sobre saúde, economia e política. “Quando forem reconhecidos os sistemas próprios dos povos se admitirá que não existe uma ciência única ou uma cultura que defina o pensamento para dividir. Deve-se romper com o monoculturalismo científico”, afirma.
No Equador, o programa “MUYU: fruta comida, semente semeada”, conseguiu incorporar-se nas atividades escolares com tarefas de reflorestamento e cultivos em viveiros. Seu criador, o colombiano Hernando Rojas, chegou à conferência para divulgar seu êxito participando da mesa 16, sobre Estratégias de Ação. Rojas é autor do livro “Pura vida!”, onde expõe um pensamento “para compartilhar com a natureza e a humanidade, resistindo ao sistema de produção, mercado e consumo competitivos, partindo da filosofia do Viver Bem”.
Sobre as campanhas em favor da compensação pela conservação das florestas, tem uma opinião enérgica, e explicou à IPS que “o problema não está em negociar com os que destroem o planeta e geram o aquecimento global e a corrida armamentista. Se o povo não tiver poder, não terá força para deter os que destroem a natureza e a humanidade. Por isso, a proposta do presidente boliviano, Evo Morales, para convocar uma consulta mundial, é uma prioridade”, disse Rojas. Também ratifica uma estratégia destinada a conservar as florestas e reflorestar pela ação dos povos.
A proposta que apresenta na conferência consiste em deter o atual sistema de produção baseado no mercado, enfrentá-lo e promover o Viver Bem. O ativista colombiano pede geração de energia limpa à margem da exploração de combustíveis fósseis e uma corrida contra as multinacionais, as quais responsabiliza de perseguirem apenas o lucro. Uma proposta de compensação é uma atitude de dupla moral e uma forma de disfarçar o verdadeiro objetivo. “É uma maneira de fazer negócio com a morte do planeta e, quando se trata de negócios, não há limite”, afirma Rojas.
Por sua vez, a também colombiana Judith Pineda, que realiza uma campanha solidária em favor do planeta baseada na palavra da Bíblia, afirmou à IPS que as emissões de carbono “não têm compensação porque de todo modo são destrutivas, e a única compensação válida é suspendê-las”.
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