Professor de sociologia da Universidade de Genebra e da Sourbonne de Paris, ex-parlamentar socialista do Parlamento Federal Suíço, relator especial da ONU para o direito à alimentação, e hoje vice-presidente do comitê consultivo do Conselho dos Direitos Humanos, Jean Ziegler, ao longo da sua vasta experiência internacional em nível diplomático, institucional e político, registra há muito tempo uma aversão generalizada por parte das populações do Sul do mundo e dos seus representantes internacionais com relação ao Ocidente. Um sentimento difuso, que envolve milhões de pessoas e que é arauto de situações trágicas e perigosas.
Reencontrar as raízes desse ódio, buscar desativá-lo, responsabilizando o Ocidente de modo a construir uma sociedade planetária mais justa, respeitosa das identidades e dos direitos de todos é o objetivo que Ziegler se colocou com o seu livro "L'odio per l'Occidente" [O ódio pelo Ocidente] (Ed. Marco Tropea, 263 páginas).
A análise é de Mauro Trotta, publicada no jornal Il Manifesto, 13-03-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A primeira parte do livro é, por isso, ligada às causas pelas quais, aparentemente de modo imprevisto, explodiu na sociedade planetária esse sentimento de aversão para com o Ocidente. A primeira razão localizada é o brusco reaparecimento da memória ferida dos povos do Sul, ou seja, as recordações relacionadas aos sofrimentos e às humilhações sofridas durante três séculos após a ocupação colonial e o escravismo.
Refazendo-se a tese sobre a memória coletiva de Maurice Halbawachs, que morreu em Buchenwald pouco antes da libertação do campo, Ziegler mostra como as sociedades humanas, do mesmo modo que os indivíduos, tendo uma vez sofrido um choque devido a uma agressão de violência inaudita, têm a necessidade de remover esse evento que a consciência não consegue controlar. E, quanto mais traumático é o evento, mais profundamente ele é enterrado na memória.
Essa memória obscura, porém, não é apagada e depois de um longo período de maturação volta à consciência. É o que ocorreu, por exemplo, com o Holocausto, que começou a ter um reconhecimento coletivo definitivo só duas gerações depois da queda do nazismo, pelo menos, apesar de acontecimentos, amplamente publicizados, como o processo de Nüremberg.
Do mesmo modo, a memória histórica do Sul do mundo, depois de momentos fundamentais para a sua própria reemersão – como a Conferência de Bandung de 1955 que viu o nascimento do Movimento dos Não-Alinhados – parece hoje ter chegado poderosamente à consciência de todos. E às justas reivindicações que os oprimidos dirigem a seus próprios opressores, a resposta, ainda hoje, é marcada pela arrogância, indiferença e desprezo, como mostram os tantos episódios citados no livro do fracasso, provocado pelos ocidentais, das duas conferências contra o racismo de Durban (a última ocorreu em abril de 2009) ao discurso do presidente francês Sarkozy em Dakar em julho de 2007, um tapa na cara dos povos africanos, e não apenas deles.
Se a isso se acrescenta que, há mais de 500 anos, os ocidentais dominam o planeta, as raízes do ódio parecem estar bem mais do que explicadas.
Um domínio que se explica por meio daquilo que, segundo Fernard Braudel escreveu no passado, é a essência mais verdadeira do Ocidente, ou seja, o seu modo de produção, isto é, o capitalismo, que "se fundamenta sobre monopólios de direito e de fato", gerando exclusão e opressão.
E não só: referindo-se a Immanuel Wallerstein, Jean Ziegler nota como o Ocidente é um potentado cujo passatempo preferido consiste em dar lições de moral ao mundo inteiro, usando, porém, uma linguagem ambivalente "quando se trata de desarmamento, de direitos humanos, de não proliferação nuclear, de justiça social planetária".
Assim, relacionando fatos históricos muitas vezes pouco conhecidos e acontecimentos da atualidade contemporânea, mostrando as contínuas humilhações ainda hoje reservadas ao povos do Sul, Ziegler constrói um livro fascinante, atravessado por mais vozes, daquelas dos diplomatas, dos governantes, mas também dos governados, dos oprimidos, movendo-se entre hotéis luxuosos, conferências internacionais, mas também entre periferias, favelas, vilarejos perdidos.
Tudo isso é sustentado por uma escrita ágil e clara e por raciocínios, reflexões e motivações límpidas e praticamente inatacáveis. E ele enriquece o seu texto com dois casos significativos, descrevendo, de um lado, a situação nigeriana, onde o grande poder das multinacionais petrolíferas, dentre as quais a Agip, encontra um apoio perfeito nos governantes do país e, de outro, a revolução boliviana encarnada na eleição do primeiro presidente indígena, Evo Morales.
O autor não se cala nem mesmo sobre os perigos inerentes ao ódio para com o Ocidente, ou seja, a difusão possível de racismos, por assim dizer, ao contrário, que, ligados à cega arrogância ocidental, propõem o etnonacionalismo e o fanatismo tribal.
Contra os predadores do mundo
Jean Ziegler é um estudioso que não compactua com nenhuma moda cultural. Ele poderia ser definido como um socialista ao velho estilo, pela capacidade de analisar as "coisas do mundo" a partir da diferença entre ricos e pobres, entre quem tem poder e quem não tem.
E, por isso, nos seus livros, não se apresenta muito o problema do respeito a um rigor teórico. O método que ele escolhe é o de oferecer amplas respostas sobre rigorosas documentações em torno ao tema que se propõe analisar. Assim, neste "L'odio per l'Occidente" (Ed. Marco Tropea), Ziegler acumula dados e restitui a história das políticas predatórias do Norte do mundo com relação às do Sul.
O livro que o tornou conhecido também na Itália, "A Suíça lava mais branco" (Ed. Brasiliense), uma denúncia do trabalho do sistema bancário suíço com relação ao rio de dinheiro proveniente de atividades ilícitas do mundo. Tese retomada também no ensaio contido em "Il libro nero del capitalismo" (Ed. Il Saggiatore). Nos últimos anos foram publicados: "Os senhores do crime" (Ed. Record), "A fome no mundo explicada a meu filho" (Ed. Vozes), "La privatizzazione del mondo" (Ed. Marco Tropea), e "L'impero della vergogna" (Ed. Marco Tropea).
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