segunda-feira, 29 de junho de 2009

Queremos o Xingu vivo para sempre



"É teu povo, Senhor, que eles massacram, é tua herança que eles humilham!"
(Sl 93 (94),5).



Sarney, Minc, Dilma e a hidrelétrica de Belo Monte



"Devido às fortes secas do Xingu, na maior parte do tempo Belo Monte seria a grande hidrelétrica mais improdutiva do mundo, considerando-se a relação entre a produção de energia e a capacidade instalada", escreve Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, professor da Universidade Federal do Pará, em artigo publicado por EcoDebate, 29-06-2009. Ele pergunta: "Então, por que a ministra Dilma investe tanto na construção da hidrelétrica de Belo Monte?"

Eis o artigo.

Há poucas semanas eu protestava contra o absurdo de o governo federal ter marcado já para setembro ou outubro a licitação para a construção da hidrelétrica de Belo Monte, uma vez que o componente antropológico do estudo de impacto ambiental ainda não está sequer concluído. O componente antropológico é a parte que trata do impacto da barragem sobre os povos que vivem na região, como os indígenas, e é um dos aspectos mais sensíveis da questão. Apesar disso, ao contrário da maior parte do Brasil, onde só havia motivos para se lamentar no Dia Mundial do Meio Ambiente, aqui no Xingu, o dia 5 de junho teve manifestações em clima de festa por conta da ordem da Justiça de Altamira (PA) que, atendendo ao pedido do procurador Rodrigo T. da Costa e Silva, mandou suspender o licenciamento da obra até que este trabalho seja concluído, como manda a lei.

Mais recentemente, outra boa notícia: o funcionário do Ibama que aceitou indevidamente os estudos de Belo Monte foi indiciado por improbidade administrativa pelo Ministério Público Federal no Pará. As vitórias foram comemoradas com queima de fogos em vários pontos da cidade, mas ninguém aqui se ilude. Apesar dos vivas ao Ministério Público do Pará, sabemos que se trata apenas de um breve alívio para o Xingu. Como ser mais otimista se o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, já disse que derrubaria esta liminar em poucos dias e que a usina hidrelétrica vai receber o licenciamento ambiental a tempo de participar do leilão de energia, previsto para setembro?

Enquanto isso, circulam pela cidade de Vitória do Xingu montes de homens de capacete demarcando a área onde se pretende construir 2.500 casas para abrigar os trabalhadores que levantarão a usina, sinal evidente da ilegalidade, afoiteza, e da gente “não oficial” a serviço das empreiteiras, já fazendo o serviço sujo para avançar ao máximo as preliminares de forma a tentar tornar a desgraça irreversível. Mais material para uma boa denúncia aos Ministérios Públicos Estadual e Federal, aos juízes e ao próprio Ibama, uma vez que este tipo de atitude está sendo tomada antes mesmo da concessão da licença prévia, e muito antes da licença de instalação.

A grande imprensa noticiou sem destaque a decisão da Justiça. Tanto a Folha quanto o Estadão publicaram a notícia apenas nos cadernos de economia. A Folha desqualificou a questão indígena como um “entrave” para a construção da usina e ambos os jornais repetiram a falácia de que Belo Monte terá uma potência de 11.181 MW. Na verdade esse valor só poderia ser alcançado pela usina durante um breve período do ano. Devido às fortes secas do Xingu, na maior parte do tempo Belo Monte seria a grande hidrelétrica mais improdutiva do mundo, considerando-se a relação entre a produção de energia e a capacidade instalada.

A última do Minc foi dizer à ministra Dilma Roussef que vetará o projeto para a construção da usina hidrelétrica de Torixoréu (MT) – da qual nem se ouvia falar – e, em troca (!), dará liberação da licença ambiental prévia para a Hidrelétrica de Belo Monte, assim que a liminar for cassada. É como se resolvesse entregar o nosso braço direito aos tubarões, em troca de um dedo da mão esquerda. Recentemente falou que “nunca se deu tanta licença na história desse país”, adaptando o lema do chefe ao seu triste papel “na história deste país”. Segundo um mal informado Minc, “o juiz acatou pedido de uma ONG contra a audiência pública alegando que não havia sido entregue um estudo sobre a questão indígena. E o estudo foi entregue”. Só que o estudo não havia de fato sido entregue. E o Ministério Público do Pará não é uma ONG. Ainda segundo o ministro, “Belo Monte é um problemão antigo no quesito ambiental e sempre vai haver conflito, senão é piquenique sem formiga”. Antes de assumir, o ministro dizia que não entendia nada de Amazônia. Então suponho que ele não imagina o tanto de formigas que haverá nesse seu piquenique no Xingu, nem o grau de ferocidade delas. E serão tantas que infernizarão a vida daqueles que pretendem vir aqui “fazer um lanche”.

Não é à toa que o Xingu é o grande rio dos índios, onde eles mantiveram mais terras do que em qualquer lugar. Não foi por causa da benevolência do conquistador, mas pela ferocidade destes povos quando o assunto é defesa de suas terras. E agora eles vão novamente se levantar. O governo que insistir em construir a hidrelétrica de Belo Monte inevitavelmente protagonizará cenas tristes como aquelas recentemente vistas no Peru, com índios sendo abatidos pela polícia de helicóptero. E este pode ser o destino de um possível governo de Dilma Rouseff, que está investindo fichas neste projeto arriscado.

Então, por que a ministra Dilma investe tanto na construção da hidrelétrica de Belo Monte? A força política da ministra vem do presidente Lula, que tem sua maior base de apoio no Nordeste. Belo Monte é uma peça fundamental do plano de conquista e colonização da Amazônia através da Rodovia Transamazônica, que é a entrada do Nordeste para esta região, diferentemente das BR-163 e 363, que partem do Sul para o Norte. Assim, esta obra se tornou fundamental para alavancar sua candidatura à presidência. Politicamente falando seria mais sensato, até para evitar as tais cenas de massacres de índios, investirem primeiro na construção das hidrelétricas do Madeira, que já estão em uma fase mais avançada e que já serão um desastre de grandes dimensões sob o ponto de vista ambiental. Dificilmente o governo teria como bancar politicamente estas grandes obras ao mesmo tempo. Mas Dilma já está totalmente atrelada a esta idéia. Por isso sinto calafrios quando vejo suas percentagens de intenção de votos crescerem.

Além dos custos sociais e ambientais discutidos, os custos propriamente econômicos de Belo Monte vão crescendo e se revelando estratosféricos. A última notícia é que a nova estimativa do custo da obra é R$ 30 bilhões, segundo a Alstom, gigante fornecedora de equipamentos para usinas hidrelétricas, que já está negociando com as empresas interessadas em participar da disputa da usina. Agora, as empresas concorrendo para entrar no leilão, estão admitindo que o custo da energia deva ser bem mais alto do que o das hidrelétricas do rio Madeira. Isso vai ficando mais claro à medida que empresas e bancos começam a fazer as contas de modo um pouco mais realista.

Pode-se argumentar que este é o custo da instalação das bases de um país moderno e desenvolvido. Mas está longe de ser o caso aqui. A Alstom é investigada por corrupção na Suíça, na França e no Brasil.[

Recentemente foi condenada no Tribunal de Contas de São Paulo pelo pagamento de propinas a políticos em troca de favorecimentos em encomendas públicas para as obras do Metrô. A Eletronorte, a Eletrobrás, o Ministério das Minas e Energia, a ANEEL, a Camargo Correa e a Elabore estão tomados por mentirosos doentios que nos empurram goela abaixo este projeto catastrófico e injustificável, inclusive financeiramente falando. São paus-mandados do grupo de Sarney, que hoje nos envergonha com os escândalos no Senado. Mas aquilo que vemos no noticiário na TV é apenas a ponta do iceberg. Apesar de toda polêmica em torno da construção de hidrelétricas no Xingu, em 2005 o Senado aprovou a construção de Belo Monte em regime de urgência. A relatoria ficou a cargo de quem? José Sarney. É essa turma que se perpetuaria com a eleição de Dilma Roussef, que também tornaria mais provável a tragédia da construção desta hidrelétrica no rio Xingu.




Os povos indígenas do Xingu e a hidrelétrica Belo Monte



Por: Dom Erwin Krautler
(Bispo do Xingu e presidente do Cimi)


(Publicado por Agência Amazônia)

O Xingu é um rio peculiar e único. Não dá para compará-lo com qualquer outro rio da Amazônia. Só ele faz aliança com o majestoso Amazonas através de um largo delta. Na foz, suas lindas águas verde-esmeralda se mesclam com as águas barrentas do rio-mar no qual se perde finalmente acima do Forte de Santo Antônio de Gurupá. Percorreu 2045 km desde o Mato Grosso, onde nasce a 600 metros acima do nível do mar na junção da Serra do Roncador com a Serra Formosa.

O Xingu é misterioso. Seu nome até hoje não tem explicação etimológica. Alguns estudiosos querem traduzi-lo como "casa dos deuses" ou melhor "Casa de Deus", mas não se tem certeza qual seria a verdadeira raiz subjacente a este nome. Suas águas ora são calmas e pacíficas formando extensos lagos, ora furiosas e indômitas quando se estreitam em perigosas cachoeiras que já ceifaram muitas vidas de viajantes desavisados ou afoitos que teimaram enfrentá-las. Pode ser que não seja a Casa de Deus, mas que é um rio sagrado para os povos que habitam nas suas margens há milhares de anos, quem teria a ousadia de negar!


O Xingu narra a história do paraíso de antanho e repete as palavras divinas "E Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom" (Gn 1,31). Mas conta também a história da rebelião contra Deus, da prepotência e arrogância dos homens que queriam ser como deuses (cfr. Gn 3,5). Relata ainda a violência assassina que ceifou a vida do irmão e brada pelos séculos afora a palavra de Deus: "Que fizeste! Ouço o sangue de teu irmão, do solo, clamar por mim!" (Gn 4,10).

Na realidade, as águas do Xingu deveriam ter a cor do sangue por causa das inúmeras chacinas que se perpetraram ao longo dos séculos passados. A fúria antiindígena assassinou com armas de fogo a índios munidos apenas de arco e flecha e bordunas. Os invasores misturaram nas praças das aldeias com o barro vermelho também o sangue de indefesas mães e mulheres grávidas, jovens e crianças recém-nascidas. Milhares tombaram!

O mundo que se autodenomina de "civilizado" fechou os olhos, mostrou indiferença diante do sangue indígena bradando por justiça, gritando pelo direito de viver, reclamando a pátria que Deus criou para estes povos, defendendo o chão de seus mitos e ritos, chorando a terra onde sepultaram os antepassados. Até hoje o índio é chamado com desprezo de "silvícola", um termo que insinua tratar-se apenas de algum bípede a mais, sem inteligência e livre arbítrio. Grande parte da sociedade envolvente vê ainda os povos indígenas como uma horda de malfeitores, de agressores hostis, selvagens, traiçoeiros, bárbaros, cruéis, não-confiáveis.

A história dos índios é uma história de rios de sangue derramado. Assim, tudo que hoje acontece de desfavorável, de adverso faz emergir do inconsciente coletivo destes povos todo o sofrimento do passado, toda hostilidade de que foram vítimas desde que os europeus fincaram o pé neste continente e os bandeirantes avançaram em todas as direções abrindo caminho a ferro e fogo.

Não faz tanto tempo que o próprio órgão governamental encarregado de proteger os povos indígenas, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), participou de massacres. Foi extinto por causa da repercussão no exterior das escandalosas carnificinas e substituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Em 1967 veio à tona o assim chamado "Massacre do Paralelo 11" que aconteceu em 1965. Um seringalista do Mato Grosso deu ordem para exterminar uma aldeia. Primeiro sobrevoaram o povoado e jogaram bombas, depois entraram na aldeia e mataram a todos. Eu mesmo vi uma fotografia que mostra uma mulher indígena presa pelos pés, de cabeça para baixo, ladeada por dois homens brancos com facões. Esquartejaram a mulher. A mera lembrança da foto me causa arrepios. Isso não aconteceu no tempo dos bandeirantes, mas há apenas pouco mais de quarenta anos.

Naquela mesma década de 60, outra agressão bem planejada aconteceu no Xingu. A ação criminosa nunca foi investigada. Os criminosos não foram identificados e punidos por homicídio qualificado cometido em série. Alguns políticos queriam a todo custo tirar Altamira do ostracismo. A cidade precisava ser ligada através de uma estrada - mesmo que fosse apenas uma picada - com Santarém, o portal a dar acesso ao mundo.

O empecilho para concretizar o intento foram os índios Arara, que viviam na região que hoje coincide com os municípios de Medicilândia e Uruará. Mas, para não frear o progresso, "esses selvagens" tinham que ser "eliminados". Se a expedição avistasse um índio Arara, a ordem era de executá-lo imediatamente! Não se sabe do número exato de índios Arara mortos naquele tempo. Só se sabe que foram muitos. Morreram até eletrocutados quando se aproximaram do barraco da "força expedicionária" circundado por uma cerca de arame conectada com um grupo gerador. Os índios queriam ver os "brancos", seguraram no arame e levaram choques de 220 volts.

A história deste povo que vivia sossegado no meio da mata entre Altamira e Santarém culminou em outra tragédia durante a construção da Transamazônica. A nova rodovia passava a três quilômetros da aldeia dos Arara no igarapé Penetecaua. Os índios foram até perseguidos por cachorros. A forçada convivência com o mundo dos brancos trouxe doenças como gripe, tuberculose, malária. Outros tantos morreram. O mundo lá fora, no Brasil e no exterior, nada soube desta desgraça que desabou sobre um povo. Continuava a aplaudir "a conquista deste gigantesco mundo verde", palavras que constaram da placa afixada no tronco de uma castanheira derrubada quando o presidente da República deu solenemente início aos trabalhos de construção da Transamazônica. A que preço! Nunca me esqueço do dia em corria a notícia de que, finalmente, os "terríveis índios Arara" haviam sido dominados. Como prova de que o "contato" tinha sido um sucesso total, trouxeram uns representantes daquele povo que até então vivia livre na selva xinguara. Nus, tremendo de medo em cima de uma carroça, foram expostos à curiosidade popular como se pertencessem a alguma rara espécie zoológica.

Vivemos em outros tempos. Pelo menos assim pensamos. Celebramos 60 anos de promulgação da Carta Magna dos Direitos Humanos. Qualquer discriminação racial é condenada. É proclamada a igualdade de povos e raças. No Brasil temos desde 1988 uma Constituição Federal em que os direitos indígenas são inscritos no Artigo 231. Foi abolida a tutela de um órgão estatal. Os indígenas, outrora equiparados aos menores de idade e aos deficientes mentais, alcançaram plena cidadania, não precisando mais ser tutelados. Tem todo o direito de ir e vir como qualquer brasileiro. Mesmo assim, enquanto já estamos festejando os 20 anos da Constituição "cidadã", parte da imprensa ainda não se inteirou desta novidade constitucional e há jornais insistindo que "a Polícia Federal deverá pedir explicações à Funai (...) já que o órgão é o tutor legal dos índios brasileiros" [1].

O salto qualitativo da letra constitucional para o chão concreto da realidade em que os povos indígenas vivem ainda não aconteceu. Se uma demarcação de área indígena é concluída com a homologação pelo presidente, prevista em lei, um clamor ensurdecedor se levanta pelo Brasil afora, reclamando que "há muita terra para pouco índio". E o pior aconteceu há algumas semanas em Altamira. Uma rádio local se desdobrou em berrar agressões verbais contra os índios, insultos racistas que fazem inveja ao tratamento destinado aos judeus pelo regime nazista. Pensávamos que tais excessos pertencessem a um passado longínquo e tivessem sido, há muito tempo, extirpados do vocabulário jornalístico. Infelizmente, nos enganamos. A onda antiindígena assume novamente proporções alarmantes.

Rio Xingu: um cenário de rara beleza /PEDRO MARTINELLI-ISA


De Kararaô a Belo Monte

Muitos não recordam o tempo a ditadura militar e, já que a memória tem fama de ser curta, poucas pessoas se lembram dos mandos e desmandos dos presidentes plenipotenciários daquela época. Um deles foi o general Emílio Garrastazu Médici. Tornou-se célebre pelo Projeto de Integração Nacional e a construção da rodovia Transamazônica, inaugurada em setembro de 1972. Foi a década do "Integrar para não entregar" e de outro slogan que desencadeou uma migração sem precedência no Brasil. "Terra sem homens para homens sem terra!", exclamava eufórico o general-presidente, o que não deixou de ser um tremendo insulto aos povos indígenas que há milênios habitam a Amazônia. O presidente simplesmente os ignorou, despojou-os da cidadania, negou-lhes a existência, considerou-os definitivamente mortos.

Milhares de famílias rumaram do Nordeste, Centro, Sudeste e Sul para a Amazônia. No entanto, o Projeto de Integração Nacional previu também a construção de barragens. A rodovia cortou os grandes rios nas proximidades das principais quedas d’água. Já em 1975 a Eletronorte contratou a firma CNEC (Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores) para pesquisar e indicar o local exato de uma futura hidrelétrica. Em 1979 o CNEC terminou os estudos e declarou a viabilidade de construção de cinco barragens no Xingu e uma no rio Iriri, maior afluente do Xingu. Ao povo do Xingu negou-se qualquer informação mais detalhada. Só se sabia que o governo pretendia tocar a construção o quanto antes possível.

Os povos indígenas reagiram pela primeira vez em 1989. Vieram uns 600 índios para Altamira e hospedaram-se no centro Betânia da Prelazia do Xingu. Vieram para protestar contra a decisão do governo de sacrificar o rio Xingu. O encontro que os índios chamaram de "Primeiro Encontro das Nações Indígenas do Xingu" realizou-se entre os dias 20 e 25 de fevereiro de 1989 e alcançou uma enorme repercussão nacional e internacional.

A foto que retratou a cena em que a índia Kayapó Tuyra encostou a lâmina de seu facão no rosto do então presidente da Eletronorte e hoje presidente da Eletrobrás, José Antônio Muniz Lopes, percorreu o mundo inteiro e virou a logomarca da oposição indígena ao projeto de hidrelétrica. Tuyra tornou-se a mulher mais famosa do mundo Kayapó, mãe carinhosa com seus filhos e ao mesmo tempo guerreira intransigente quando se trata da defese sua terra e seu rio. Pouco depois daquele memorável encontro, o Banco Mundial negou o suporte financeiro e o projeto foi arquivado. Nunca, porém, foi abandonado. Já na década de 90 foi desengavetado e veio à tona com mais força.

No inicio do mês de junjunho de 2007, reuniram-se outra vez representantes de vários povos indígenas do Xingu no Centro Betânia da Prelazia do Xingu e insistiram que colaborássemos com eles para promover um Encontro dos Povos Indígenas semelhante àquele que aconteceu em 1989. Os índios pretendiam chamar a atenção do Brasil e do mundo, condenando o projeto faraônico que ameaça imolar ao deus-progresso o rio Xingu que para eles é sagrado, símbolo da vida, dádiva de Deus.

No dia 3 de junho de 2007, os participantes do encontro foram para a beira do rio, em Altamira, para uma manifestação contra o projeto de hidrelétrica ressuscitado que recebeu o nome "Belo Monte" em substituição à denominação anterior "Kararaô" que equivale a um grito de guerra do povo Kayapó. Mudou apenas o nome! O atual governo o considera prioridade no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). O presidente Lula antes de ser eleito manifestou-se contra Belo Monte. Do mesmo jeito vários membros do Congresso Nacional, entre eles o deputado federal Zé Geraldo (PT/PA), eleito pelas comunidades do Xingu, declararam-se visceralmente contrários, quando estavam em campanha eleitoral. Mas que surpresa para todos nós: depois de eleitos mudaram de posição. O que antes condenaram com veemência, de repente, da noite para o dia, passaram a defender com unhas e dentes. O que estaria por trás dessa repentina metamorfose camaleônica?

Doravante, o povo do Xingu é informado de que se trata apenas de uma Unidade Hidrelétrica (UHE) e não mais de um Complexo Hidrelétrico. Não deixa de ser uma mentira deslavada que se propaga sem nenhum pudor, um artifício empregado propositadamente para ludibriar o povo. Todo mundo sabe que seria um incalculável desperdício investir bilhões de reais em uma usina que durante o verão tropical não tem condições de funcionar plenamente quando o volume de águas do Xingu diminui. É a estação em que extensas praias de areia branca e dourada emergem das águas cristalinas transformando a região numa paisagem deslumbrante.

Mas os barrageiros não se deixam impresionar pela beleza exótica do Xingu. Já baixaram a sentença e fim de papo. O rio tem que ser sacrificado! É o preço a pagar! Outras barragens serão necessárias e estão programadas! Para adiantar o serviço, a Eletrobrás já dispõe de todo o "inventário" do Xingu com o respectivo mapa que prevê os barramentos e as áreas alagadas até acima da cidade de São Félix do Xingu. Parece tratar-se de estudos clandestinos, pois não são acessíveis ou revelados ao público, algo que deve estar levando o carimbo "matéria alttamente confidencial" ou "segredo de Estado". Por que todo esse sigilo?

No mesmo dia 3 de junho de 2007 um cacique Kayapó subiu num caminhão estacionado na avenida que margeia o Xingu, pegou o microfone e indagou gritando: "O que será de nossas crianças?" e acrescentou: "Não permitimos que as sepulturas de nossos ancestrais vão para o fundo!". Enquanto empresários e comerciantes defendem Belo Monte na acalentada esperança de "chuvas de dinheiro" desabando sobre Altamira e não se preocupam com as consequências perniciosas para a vida de milhares de pessoas - mormente a população das baixadas que terá suas casas e propriedades alagadas, enquanto os membros desse consórcio empresarial abertamente demonstram que não lhes causa nenhuma inquietação se áreas indígenas demarcadas e homologadas são alagadas e o povo ribeirinho prejudicado - enquanto essa gente que em sua grande maioria veio de outros estados não tem nenhuma dor de consciência diante de um programado desastre ecológico irreversível, um índio, até hoje considerado um supérfluo resíduo da idade da pedra lascada, esse índio discriminado e tratado com desdém ou desprezo, é quem dá uma lição a toda a sociedade. Esse consórcio "comercial, industrial e agropastoril" só pensa em si. Não mantém laços nem com o passado, nem os estabelece com as futuras gerações, não se relaciona nem com quem vivia antes nem com quem vem depois. É uma associação de gente imediatista, interesseira e egoísta que aposta apenas em lucros fabulosos e declara guerra a quem tiver a petulância de se opor a sua ambição e ganância que não respeita nada e ninguém.

De repente, um índio chama a atenção para o direito das futuras gerações que também querem viver e estabelece ainda uma ponte com os antepassados, de quem herdamos este mundo que Deus criou. O índio teve a coragem de alertar para as consequências nefastas de um projeto megalomaníaco. À beira do rio, indígenas e não-indígenas se deram as mãos para selar o pacto de lutar contra a destruição do rio e da vida: Xingu Vivo para Sempre!

Em 1989 os índios se manifestaram, em 2007 insistiram de novo num grande encontro e mostramo-nos sensíveis ao pedido de todos os povos indígenas da bacia do Xingu.

Por que representantes da Eletrobrás ou Eletronorte nunca passaram por uma única aldeia para ouvir os índios a respeito de Belo Monte? Por que não pediram ajuda de quem realmente entende do mundo Kayapó para manter contatos com esses povos que são os primeiros a habitar esta terra? Por que essa discriminação, exclusão, marginalização dos povos autóctones? Por quê?

Nas audiências chamadas "públicas" não se fala a verdade nem existe real possibilidade para o povo manifestar as suas dúvidas, fazer indagações e apresentar críticas. Essas audiências são apenas parte de um ritual em que os enviados da Eletrobrás ou do governo recitam o rosário de vantagens e benefícios. Só vantagens! Só benefícios! Parece terminantemente proibido criar no povo a sensação de que possa haver alguma sequela negativa ou algum dano irreparável. Se alguém se atrever em insistir e opor-se ao discurso oficial, a resposta repetida até criar náuseas é e será sempre: "É o preço a ser pago pelo progresso!" "É a exigência do desenvolvimento".

Instados a explicar o que entendem por desenvolvimento e progresso, recusam-se a responder. Dizem que não não vieram para discutir questões "ideológicas". Fato é que a Eletrobrás sabe o que convém à sociedade, não ao zé-povinho. Causa realmente espécie a repetição de slogans, chavões pré-fabricados não com a intenção de esclarecer, mas de cooptar.

Veja-se o caso da índia Xipaia que está sendo aplaudida pelo pessoal do Consórcio e filmada afirmando que está a favor de Belo Monte, porque "o índio está no escuro". Sei quem é essa senhora. Ela mora há décadas na cidade e há luz na casa dela desde que a energia elétrica chegou a Altamira. "Cimi não dá dinheiro! Dom Erwin não dá dinheiro! Eletronorte dá dinheiro, paga conta! Por isso somos a favor de Belo Monte!" são frases que foram ouvidas na aldeia de determinado grupo que se distanciou dos outros povos indígenas do Xingu e não participou mais de nenhum evento. Que maneira mais esdrúxula de defender a "UHE Belo Monte", cooptando índios menos avisados e ainda acenando com vantagens financeiras aos que prometem defender o projeto.

Obcecado pela idéia de acelerar o crescimento da economia, o próprio presidente Lula identificou como "entraves" a esta medida a questão dos índios, dos quilombolas, dos ambientalistas e até do Ministério Público. Considerou ainda "penduricalhos" os artigos da legislação ambiental pois estes parâmetros legais estariam travando o desenvolvimento do país. Por isso a ordem é de desconsiderar ou, pelo menos, não dar tanta importância a impactos sociais e ambientais. Caso contrário, o país estaria condenado à estagnação.

, já que são exigidos estudos preliminares no caso de uma hidrelétrica, o governo encarrega os primeiros interessados no projeto, os grandes empreendedores, de providenciar os estudos de viabilidade ou de impacto ambiental e social. Terão a seu dispor cientistas de sua inteira confiança que na mais cega obediência aos ditames superiores corroborarão a tese que já é definida antes do estudo: o impacto ambiental e social será mínimo ou praticamente nulo. Alega-se: "O Brasil não pode esperar!" Ou alguém pensa sa que uma dessas empresas esteja interessada em apontar impactos ou danos sociais e ambientais? Isso equivaleria a cortar o galho em que estão sentadas.

A pergunta chave é: A quem mesmo interessa Belo Monte? Ao Brasil? Vai melhorar o padrão de vida dos paraenses, dos xinguaras, do povo de Altamira, Vitória do Xingu, Souzel, Anapu, da Transamazônica, do Baixo Xingu? A energia, a quem será destinada? Todos sabemos que serão mais uma vez beneficiadas as multinacionais que vivem às custas do Brasil com todas mordomias fiscais e facilidades energéticas.

O preço da energia para a família brasileira é escandaloso, é exorbitante, mas as empresas transnacionais contam com a benevolência magnânima dos sucessivos governos. O Pará, a Amazônia é considerada mera "província" energética, mineral, madeireira, última fronteira agrícola... Nunca saiu dessa categoria de "província". A metrópole, o centro nevrálgico das decisões e deliberações, sempre se encontra alhures! Pouco interessa à metrópole se os povos da "provínciíncia" passam bem ou vão de mal a pior. Algumas migalhas sempre caem, mais por descuido do que por amor aos pobres.


E os nossos políticos, em vez de questionar esse sistema iníquo, de criticar estruturas prejudiciais aos povos da Amazônia, de exigir direitos e "royalties", aplaudem de pé e não hesitam em apelar até para a terminologia teológica quando falam em "salvação", "redenção" da região, do Pará e da Amazônia. Infelizmente nada entendem da máxima do grande Santo Tomás de Aquino: "Gratia supponit naturam" (a graça pressupõe a natureza). No contexto da Amazônia, jamais haverá redenção se a criação for arrasada, destruída, aniquilada. Aí só vai sobrar a desgraça, o caos, o apocalipse.

Mata ciliar desmatada perto da BR-080, limite norte do Parque Indígena do Xingu /ANDRÉ VILLAS-BÔAS Xingu Vivo para Sempre




No dia 19 de maio de 2008 tive o privilégio de fazer a abertura do encontro Xingu Vivo para Sempre no Ginásio Poliesportivo de Altamira. Mais de 600 indígenas, mulheres, homens e crianças, entraram solenemente no recinto, cantando e dançando, erguendo suas lanças, bordunas e facões. Quem não se emocionou quando os índios Kayapó cantaram o Hino Nacional em sua língua materna! A platéia aplaudiu entusiasmada.

Apresentei todos os caciques das 24 etnias presentes e saudamos os outros participantes do evento chamando-os por município. O ar foi festivo, animado, algo excepcional, pois não é todo dia que se vê tantos indígenas, pintados segundo suas tradições, dançando de acordo com os seus ritos milenares e cantando num idioma ancestral enquanto se movimentam num ritmo tão peculiar. Volta e meia, uma ou um Kayapó levanta para fazer sua dança individual erguendo um facão ou mostrando borduna e lança, os homens com seus barítonos volumosos e fortes, as mulheres com vozes elevadas, incisivas, às vezes até estridentes. A beleza exótica das expressões culturais comove e impressiona. A juventude, presente nas arquibancadas, vibra com as danças e aplaude com prolongadas salvas de palmas.

Na mmanhã do segundo dia continuou a apresentação. Faz parte do ritual indígena que cada cacique fale, mesmo que repita argumentos ou opiniões anteriormente já expressos por um parente. Aliás, todos se entendem como parentes. A procedência geográfica não conta nem sequer a etnia ou o tronco linguístico a que pertencem. Todos se tratam de "õbikwa", familiares! Se um sofre ou é agredido, todos se sentem atacados. Quando se apresentam, falam primeiro em sua língua materna e depois traduzem, eles mesmos, a fala paara o português. Uns tem mais facilidade de expressar-se em português, outros não conseguem fazê-lo de modo correto.

Percebe-se a sua alegria, mas muitas vezes também a angustia ou indignação por causa de alguma decisão do governo contrária a eles ou do avanço de latifundiários, mineradoras, madeireiras, garimpeiros para as terras habitadas por eles desde tempos imemoriais. São muito sensíveis a qualquer falta de consideração da parte da sociedade envolvente. Não ocultam a sua decepção. "Já estamos cansads de ouvir e não ser ouvidos. Já estamos cansados de escutar ameaças de construção de barragens na volta grande do Rio Xingu. Não estamos só defendendo o rio Xingu, mas os rios da Amazônia: moradia dos povos indígenas" reclama um dos caciques.

Debates e o incidente

Ao término das apresentações foi composta a mesa de trabalho para os debates. Foram chamados o professor Oswaldo Sevá Filho, da Universidade de Campinas (Unicamp); o engenheiro Paulo Fernando Viana Rezende, da Eletrobrás; Roquivan Alves da Silva, do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB); Jean Pierre Leroy, da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) e Glenn Switkes, diretor do Programa Latino-americano do International Rivers Network (IRD).

Oswaldo Sevá é conhecido nosso e dos indígenas. Veio para mais uma vez alertar sobre as consequências dos projetos hidrelétricos no rio Xingu. Foi ele quem organizou o livro Tenotã-Mo, lançado em 11 de agosto de 2005, uma coletânea de artigos de especialistas de diversas áreas que pretendia provocar um amplo debate sobre as hidrelétricas na Amazônia. Fui convidado a escrever o prefácio para este livro. Para nossa total decepção, a Eletrobrás nunca respondeu às indagações e críticas da parte do mundo científico. Percebe-se nitidmente a arrogância de alguns órgãos do governo. Nós apelamos para argumentos, eles para o "poder", ostensiva e cinicamente manifestado.

Entrei no ginásio já no final da palestra do professor Oswaldo Sevá. Chegou a vez do representante da Eletrobrás, o engenheiro Paulo Rezende. Tive a impressão de que não encontrou tempo para se preparar. Assim optou por uma sessão "Power Point" como a Eletrobrás costuma fazer quando é solicitada por prefeitos, vereadores, comerciantes e empresários. Na tela apareceram números e estatísticas, dificilmente identificáveis por causa da claridade do ambiente. A platéia começou a ficar inquieta e reagiu quando o engenheiro desqualificou o professor Oswaldo Sevá, chamando-o de "desatualizado". As vaias se tornaram cada vez mais incisivas. Falei para a professora Mônica sentada ao meu lado: "Por que esse homem não pára, com todas essas vaias?". Pareciam antes estimular o engenheiro. Alteou a sua voz, elevando-a a um tom provocador.

O engenheiro cumpriu seu papel dentro do ritual previsto. Nada de admitir que o projeto possa trazer também conseqüências adversas, irreversíveis. Aulas de pedagogia não devem constar da grade curricular de uma faculdade de engenharia. Assim o engenheiro não teve nenhum preparo para lidar com situações diferentes das que ele conhece no âmbito empresarial. Não conseguiu envolver a platéia, de modo especial os indígenas presentes. Perdeu as estribeiras e apelou para a arrogância. Por que não fez uma exposição mais simples para todo mundo entender? Por que não dividiu sua palestra em duas partes? Poderia, se assim o quisesse, falar primeiro das vantagens e dos benefícios que Belo Monte pode trazer. Em seguida abordaria com sinceridade e simplicidade as desvantagens, os prejuízos que, sem dúvida, a hidrelétrica irá causar. Mas nada disso aconteceu. Faltava franqueza e imparcialidade. O engenheiro transmitiu à platéia a sua convicção de que, haja oposição ou não, Belo Monte vai sair de qualquer jeito!



Quando após a palestra do engenheiro, o representante do Movimento dos Atingidos por Barragens, iniciou sua fala dizendo que os índios irão defender o Xingu para protegê-lo, ressoou de repente pelo ginásio um terrível grito de guerra. Os índios se levantaram e ergueram bordunas e facões e, em seguida, iniciaram uma dança movimentando-se em direção ao engenheiro. Vi os índios gesticular com facões e bordunas. Simbolizaram um ataque. Do lugar, onde eu estava, não pude observar que um dos fações resvalou no braço do engenheiro, ferindo-o. Quando consegui ficar mais próximo, percebi o corte no braço direito do engenheiro. Vi também como ele derramou toda uma garrafa de água mineral sobre o corte que sofreu. A intenção que teve, foi sem dúvida a de limpar a ferida, mas o resultado foi uma imensa poça d’água misturada com sangue que causou a tétrica impressão de que alguém havia sido esquartejado ou guilhotinado naquele mesmo instante. Inúmeras vezes esta mesma cena foi repetida nas reportagens de televisão. Sangue espalhada por toda parte. O engenheiro foi encaminhado para o hospital. Levou seis pontos e recebeu alta. Padre Renato Trevisan que tem uma larga experiência com o povo Kayapó, além de falar muito bem seu idioma, solicitou a um cacique que apaziguasse na língua Kayapó os espíritos excitados. O cacique pegou prontamente o microfone e falou a seu povo.

Nós, da coordenação e responsáveis pelo evento, ficamos espantados, muito aflitos e angustiados ao extremo. Imaginávamos logo a repercussão do acidente nos meios de comunicação. Havia gente nossa chorando convuvamente. Ninguém se conformara com o acontecido. Tudo estava correndo tão bem, sem sobressaltos. E agora?

Afirmo com toda a ênfase e convicção que o corte com o facão que o engenheiro sofreu foi acidental. Muito lamentável, sem dúvida, mas jamais foi tententativa de homicídio, pois se os índios quisessem matar o engenheiro não o teriam atingido apenas no braço. Aliás, o próprio engenheiro em entrevista gravada para o programa "O Fantástico" da TV-Globo admitiu que foi um acidente. Repúdio e rejeito por umuestão de consciência a afirmação de que a agressão foi premeditada ou programada. São as forças antiindígenas que mais uma vez vêm à tona e agora se deleitam no macabro prazer de sustentar essa tese absurda.

A coordenação do evento veio imediatamente a público e falou do incidente lastimável. Redigimos uma nota em que lamentamos profundamente o ocorrido. Fui procurado por jornalistas e dei várias entrevistas a diversos canais de televisão. Mesmo assim, parte da mídia optou pela divulgação sensacionalista dos fatos o que engendrou todo tipo de comentário ao longo dos dias e semanas subseqüentes. Condenaram sumariamente a Prelazia do Xingu e o seu bispo e as outras entidades coordenadoras do evento.

Pensávamos por alguns momentos até em encerrar o encontro, julgando que não houvesse mais clima para a continuação, mas, finalmente, decidimos cancelar apenas a passeata pelas ruas da cidade de Altamira e substitui-la por uma manifestação à beira do rio Xingu.

No dia 23 de maio, representantes dos povos indígenas e gente que vive ao longo do Xingu e seus afluentes, gente do campo e da cidade e representantes dos movimentos sociais se deram mais uma vez as mãos à beira do rio Xingu. Mais uma vez os índios discursaram e dançaram. As mulheres com as crianças entraram n’água para demonstrar como amam o rio e como dependem dele.

Acabou o encontro Xingu Vivo para Sempre, mas não acabou a luta em defesa desse rio maravilhoso e dos povos do Xingu. Foi lido o documento final em que os índios fazem questão de manifestar-se como "cidadãos e cidadãs brasileiras". "Vimos a público comunicar a nossa decisão de fazer valer o nosso direito e o de nossos filhos e netos a viver com dignidade, manter nossos lares e territórios, nossas culturas e formas de vida, honrando também nnossos antepassados, que nos entregaram um ambiente equilibrado. Não admitiremos a construção de barragens no Xingu e seus afluentes, grandes ou pequenas, e continuaremos lutando contra o enraizamento de um modelo de desenvolvimento socialmente injusto e ambientalmente degradante, hoje representado pelo avanço da grilagem de terras públicas, pela instalação de madeireiras ilegais, pelo garimpo clandestino que mata nossos rios, pela ampliação das monoculturas e da pecuária extensiva que desmatam nossas florestas".

"Queremos o Xingu vivo para sempre!"


Nota:

[1] Por exemplo, "O Liberal", em sua edição de 26 de maio de 2008.


Fontes:

http://www.adital.com.br/SITE/noticia.asp?lang=PT&cod=33774


e

http://www.unisinos.br/_ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=23501


Belo Monte. 'A sociedade está cansada de projetos que não sejam apresentados de forma transparente'

4/8/2009

O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão afirmou que "a sociedade não pode ser penalizada com energia mais cara, porque os ambientalistas e ONGs atrapalham a construção das hidrelétricas". Como pôde afirmar que a energia de Belo Monte será mais barata se os estudos de viabilidade econômica não foram entregues pelo consórcio à sociedade?


A pergunta é de Antônia Melo da Silva integrante do Movimento Xingu Vivo para Sempre em artigo publicado no sitio do Cimi, 03-08-2009.


Eis o artigo.



A todo momento a mídia está divulgando entrevistas com representantes do governo federal ou diretores da Eletronorte e Eletrobrás anunciando as datas para a emissão da licença prévia e o leilão da usina hidrelétrica de Belo Monte. Uma última declaração do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, nos chamou a atenção. Afirma que "a sociedade não pode ser penalizada com energia mais cara, porque os ambientalistas e ONGs atrapalham a construção das hidrelétricas". Como pôde afirmar que a energia de Belo Monte será mais barata se os estudos de viabilidade econômica não foram entregues pelo consórcio à sociedade?

Os estudos e o relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA) foram recentemente aceitos pelo IBAMA, apesar do reconhecimento dos técnicos do órgão de que estavam incompletos. Só agora, a sociedade civil está começando a ter contato com os 36 volumes com mais de 20.000 páginas de estudos produzidos pelos empreendedores e deve haver amplo diálogo antes de se tomar uma importante decisão cujo impacto afetará a vida de tantas pessoas, muitas delas populações indígenas e extrativistas.

Em audiência realizada no dia 17 de março de 2009 com diretores da Eletrobrás e Eletronorte, diversos vereadores, secretários municipais, prefeitos, deputados federais e estaduais da região da transamazônica, poucas informações a respeito dos impactos sócio-ambientais da obra e das medidas mitigadoras e compensatórias propostas foram apresentadas. Muitos dos que até então vinham apoiando o processo recuaram diante de algumas informações (ou falta delas!). O entusiasmo inicial manifestado pelos mais diversos representantes dos governos da região cedeu lugar à decepção quando o diretor da Eletrobrás anunciou que royalties da obra beneficiariam somente às prefeituras de Altamira, Brasil Novo e Vitória do Xingu e ao governo do estado. Vários representantes dos municípios da região que sofrerão impactos da obra viram a possibilidade de suas demandas não serem atendidas.

As análises ainda preliminares apontam lacunas e sérias distorções nas informações apresentadas que precisam ser esclarecidas, tais como: 1) Qual a quantidade de famílias e de povos indígenas atingidos direta e indiretamente pela obra? 2) De que forma serão atingidos e quais serão as medidas mitigadoras para apoiar todas essas pessoas? 3) Como as cidades e regiões impactadas estão sendo preparadas do ponto de vista da infra-estrutura para receber um grande contingente populacional?

É fundamental que nesse processo também sejam esclarecidos os aspectos relacionados aos custos da obra. Será que os custos do empreendimento, quando comparados à energia que será efetivamente gerada, considerando-se a grande variação de vazão do rio Xingu nos períodos de pico e de seca, justificarão os gastos propostos? A verba pública está sendo utilizada de maneira eficiente e em prol da sociedade como um todo A previsão de custos do empreendimento anunciada na mídia varia de 7 a 30 bilhões de reais! Em face de tamanha incerteza e de custos possivelmente subestimados, algum investidor já vem dando sinais de reticências quanto a sua participação no negócio.

A decisão de construção de uma obra desse porte, numa Bacia como a do Rio Xingu, com sócio-biodiversidade única no planeta, não pode ser tomada de qualquer jeito, atropelando a população, os costumes locais, a sabedoria dos povos das florestas, atropelando o próprio processo de licenciamento previsto em Lei.

Quando a sociedade se manifesta contra Belo Monte, não se trata de uma oposição à obra de infra-estrutura, mas sim uma oposição ao desrespeito do governo para com o povo, sem a promoção do devido diálogo que a questão merece. Trata-se de uma oposição a um modelo de desenvolvimento que desrespeita os modos de vida tradicionais, que exaure os recursos ambientais e ameaça a sobrevivência dos povos e das futuras gerações da região.

A população se manifesta contra todos os processos desastrosos promovidos por usinas já implementadas na Amazônia, como Balbina e Tucuruí, por exemplo. E a sociedade está cansada de projetos de qualquer natureza que não sejam apresentados e conduzidos de forma transparente e democrática.



Fonte:

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=24495




Um comentário:

Anônimo disse...

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