sábado, 28 de novembro de 2009

Felicidade Interna Bruta: líder do Butão no Brasil



Nem quando vem ao Brasil o Butão fica perto


O primeiro-ministro do Butão esteve no Brasi. "Ele veio ao Brasil ensinar como se administra um país pelos preceitos da Felicidade Interna Bruta (FIB)", escreve Marcos Sá Corrêa, jornalista, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 25-11-2009.

Eis o artigo.

O País perdeu tanto tempo vendo os presidentes Lula e Ahmadinejad torturarem intérpretes para abrir a conexão português-inglês-farsi que não deu a mínima a um visitante muito mais exótico, que andou por aqui quase ao mesmo tempo que o iraniano. No caso, o primeiro-ministro do Butão, Lyongpo Jigme Thinley.

Ele, sim, tinha assunto para encher jornais, pelo menos nos segundos cadernos. Convidado a testar em Foz do Iguaçu um carro elétrico desenvolvido pela Fiat em parceria com Itaipu, pegou o volante na sede da usina e só o largou na sede do hotel.

Em outras palavras, sem ter nada a esconder, divertiu-se escancaradamente. Almoçou no bandejão da empresa. Adorou o canal da piracema, que promove a migração de peixes através da barragem. Passeou pela hidrelétrica, alegando que, dispondo de água a rodo, um dos pratos fortes da exportação butanesa é a energia que vende à Índia e à China.

Mas ele veio ao Brasil ensinar como se administra um país pelos preceitos da Felicidade Interna Bruta (FIB). A ideia brotou anos atrás de uma das monarquias mais isoladas da terra. O Butão não passa de um país com pouco mais de 38 quilômetros quadrados, enrugado por montanhas com mais de 7 mil metros de altitude e coberto de florestas originais em quase 65% de seu território. É habitado por raridades, como o leopardo das neves, elefantes asiáticos, mais de 50 espécies de rododendros e 700 de pássaros e orquídeas inumeráveis. Mas tem menos de 700 mil habitantes.

É o cenário da moda. O livro Buthan, a Visual Odyssey, de Michael Hawley, mereceu uma edição de luxo com 58 quilos de peso, 40 mil fotografias e as dimensões de uma mesa para seis comensais. Sai por US$ 30 mil. Mas tem uma versão menor e barata, por US$ 50. Dizem que foi de lá que, no século passado, o escritor inglês James Hilton tirou a ideia de Xangri-Lá.

O fato é que tudo o que se imagina do Nepal o Butão tem. Menos turismo de massa. Em 2008, ele acolheu 21 mil turistas, que só podem visitá-lo pelas mãos de um guia da agência oficial. A televisão e a internet só entraram legalmente no país há uma década e com recomendações de uso moderado. Sua economia não é lá essas coisas. A moeda local se ancora na rupia indiana. Sua principal indústria é a produção artesanal de peças religiosas. Suas relações diplomáticas com os Estados Unidos, a Rússia e outras potências são feitas via Nova Délhi, na Índia.

O Butão tem uma longa história de guerras, golpes e até impeachments monárquicos. Mas anda cada vez mais quieto. Sua Felicidade Interna Bruta está entregue a um rei que ainda não fez 30 anos.

O novo Rei do Butão


E a um conselho que aplica a receita da FIB a partir de 72 indicadores sociais, onde têm peso o tempo de lazer de cada cidadão e sua bem-aventurança ambiental. Lá, o noticiário policial, por falta de assuntos mais trepidantes, registra queixa de vizinhos por briga de cachorros.

Quando o FIB surgiu, o jornal Financial Times tratou-o como uma viagem mística em marcha a ré. Mas ultimamente as pesquisas de opinião pública atestam que só 3% dos butaneses se declaram infelizes. Há três anos, a revista Business Week, apoiada numa enquete da Universidade da Califórnia em Berkeley, pôs o Butão num honroso oitavo lugar entre os países mais felizes de todo o mundo. Perdia para a Dinamarca, a Finlândia e a Suécia, sem dúvida. Mas, até na categoria dos reinos encantados, ganhava de Luxemburgo. As grandes economias do mundo vinham muito atrás, na poeira do crescimento econômico.




Matérias relacionadas, neste Blog:

Fetichismo do PIB

O Fim da Crise e o capitalismo que virá

O PIB precisa ser colocado em seu papel de coadjuvante

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quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Divulgando Festa !

Este Blog faz uma pausa para uma...festa !!
(parceria com o Blog Epifenomenologia)



Alunos da USP homenageiam Lévi-Strauss com Selvagens Trópicos, festa de despedida e aniversário


Nada de chororô ou liturgia. O que alunos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP) escolheram para homenagear um dos mais ilustres ex-professores da casa, Claude Lévi-Strauss, que faleceu no último dia 30 de outubro e faria aniversário no dia 28 de novembro, próximo sábado, foi realizar uma festança gratuita, regada a cerveja vendida a R$ 1,50 e animada por sons bem brasileiros.
O nome do evento, Selvagens Trópicos, faz referência ao livro "Tristes Trópicos", publicado pelo antropólogo e filósofo francês em 1955 - uma etnografia romanceada que narra a experiência do autor entre grupos indígenas brasileiros.
O show da banda Totens & Tabus, formada por professores e alunos da Universidade de São Paulo, promete experimentos musicais intrigantes. Um samba-enredo para Lévi-Strauss, talvez? Ou uma bossa nova em Bororo, quem sabe? De qualquer forma, não será algo que ocorre ordinariamente nos corredores da Cidade Universitária.
Entrando no jogo, as garotas Jamille Pinheiro, Larissa Barcellos e Nana Ribeiro cuidam da discotecagem. Tropicalistas como Caetano Veloso, Os Mutantes e Tom Zé devem dar o tom no repertório, além do soul funk de Tim Maia, o sambalanço de Jorge Ben Jor e outras batucadas, acústicas e eletrônicas.
Serviço
Selvagens Trópicos
Data: 27/11, sexta-feira
Horário: 22h - ******* IMPORTANTE: Não-alunos da Universidade de São Paulo devem chegar à Cidade Universitária antes das 20h. ******
Local: Espaço Verde, no Prédio de Ciências Socias da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH)
Endereço: Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, Cidade Universitária - São Paulo/SP
Cerveja a R$ 1,50
Entrada Franca
Banda
Totens & Tabus
DJs
Jamille Pinheiro
Larissa Barcellos
Nana Ribeiro
Se você é jornalista e deseja mais informações a respeito da Selvagens Trópicos, entre em contato pelo e-mail selvagenstropicos@gmail.com

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Níveis de gases-estufa batem recorde na atmosfera, diz ONU


Por Robert Evans

As concentrações de gases que provocam o efeito estufa na atmosfera estão no maior nível já registrado e continuam aumentando, disse na segunda-feira a Organização Meteorológica Mundial (OMM, um órgão da ONU).

O diretor da agência, Michel Jarraud, disse que essa tendência pode estar levando o mundo para os cenários mais pessimistas com relação ao aquecimento global nas próximas décadas, caso não haja uma ação urgente.

No pior cenário traçado pelos cientistas de uma comissão da ONU em 2007, a temperatura média do planeta subiria entre 2,4 e 6,4 graus Celsius até o final do século. Isso provocaria inundações, secas, degelo das calotas polares e outros problemas climáticos.

O G-8 e outras grandes economias concordaram, em uma cúpula na Itália em julho passado, em limitar o aumento para até 2 graus Celsius.

Em entrevista coletiva em Genebra, a propósito do lançamento oficial do Boletim do Gás do Efeito Estufa, uma publicação anual, Jarraud disse que "o conteúdo de CO2 (dióxido de carbono, o mais comum dos gases-estufa) na atmosfera subiu ligeiramente mais rápido em 2008 do que ao longo da última década, quando a taxa de crescimento era de 1,9 parte por milhão (ao ano)".

Segundo ele, a concentração de CO2 atingiu 385,2 partes por milhão em 2008, um aumento de 2 partes por milhão em um ano.

GASES-ESTUFA EM NÍVEIS RECORDE

"Em 2008 as concentrações mundiais de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso na atmosfera atingiram os maiores níveis registrados desde a época pré-industrial", disse o OMM.

O dado deve ser levado em conta na reunião ministerial da ONU entre 7 e 18 de dezembro, em Copenhague, que discutirá a adoção de um novo tratado climático global.

Um dos principais itens a serem discutidos são as metas de redução das emissões de gases-estufa por causa da queima de combustíveis fósseis, especialmente nos países industrializados.

Jarraud disse que o relatório mostra que "estamos realmente mais próximos do cenário mais pessimista" e "reforça o fato de que uma ação tem de ser tomada assim que possível". "Quanto mais adiarmos a decisão, maior será o impacto".

A OMM coordena a observação dos gases do efeito estufa na atmosfera por meio de uma rede de estações em mais de 50 países. Esse boletim anual tem sido divulgado desde 2005.

Jarraud disse que o aumento das emissões nos últimos anos mostra a ineficácia do atual tratado climático global, o Protocolo de Kyoto, aprovado em 1997. "Mas, sem ele, a situação hoje seria bem pior," admitiu.


Fonte: http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude/ultnot/reuters/2009/11/23/niveis-de-gases-estufa-batem-recorde-na-atmosfera-diz-onu.jhtm

25/11/2009

Planeta perto do ponto de colapso


A Conferência do Clima de Copenhague subiu no telhado há poucos dias, quando os líderes dos dois países que mais emitem gases-estufa no mundo, Estados Unidos e China, avisaram o resto do planeta que um acordo climático forte e de verdade não sairá em dezembro deste ano. Barack Obama e Hu Jintao jogaram a toalha e a Europa suspirou. O líder mais poderoso do mundo parece não querer fazer nada no exterior sem sinalização doméstica, Pequim não quer fazer nada sem Washington, e a Europa, para quem uma crise econômica no meio do caminho agravou conflitos internos, finalmente encontrou uma boa desculpa (os outros) para poder adiar as coisas. A 11 dias de Copenhague existe apenas uma certeza: o fosso entre o que diz a ciência e o que querem fazer os políticos nunca foi tão abissal.

O comentário é de Daniela Chiaretti e publicado pelo jornal Valor, 25-11-2009.

Não que a ciência também seja unânime (os 5% de céticos sempre colocam a dúvida que os demais terráqueos têm agido em transe de paranoia coletiva) ou forneça dados absolutamente coerentes e incontestáveis. Mas o dado científico mais eloquente diz que o mundo precisa cuidar para não ultrapassar as 450 partes por milhão (ppm) de concentração de CO2 na atmosfera em 2050. Este indicador limitaria o aumento da temperatura a 2°C no fim do século, o que deixaria a Terra um lugar mais seguro para se viver. Na segunda-feira, a Organização Meteorológica Mundial, das Nações Unidas, disse que as concentrações já estão em 385,2 ppm, o maior nível já registrado, e continuam aumentando. Seria assim mesmo, segundo as previsões do IPCC, o braço científico da ONU: as concentrações atingiriam o pico em 2015 e depois cairiam drasticamente até porque a ordem das coisas não pode ser alterada de uma hora para outra. O problema é que só a primeira parte desta premissa parece estar se confirmando.

Na matemática do clima, para ficar na margem de segurança dos 2°C, as reduções globais deveriam ser algo entre 40% e 60%. Por ora, os países fazem promessas de 17% a 20% no máximo à exceção do Japão (25%) ou da Noruega (40%). "A minha leitura de Copenhague é que todo mundo vai querer ficar bem na foto, mas compromissos, de verdade, serão pequenos", avalia o físico José Goldemberg. "Os governos vão esperar a situação ficar mais grave para tomar providências." Isto significa que a conta vai ficar mais cara econômica, social e moralmente.

Os ambientalistas têm dito que no atual estágio da negociação ainda é possível haver um acordo minimamente ambicioso em Copenhague. Não estão todos cegos e surdos ou sofrendo de complexo de Poliana. Eles apostam na vontade política de acertar números de redução de emissão compatíveis com o tamanho do problema para os países ricos, de desvio na curva de emissões para os em desenvolvimento e de suporte financeiro para quem precisa.

É a ladainha do circo diplomático do clima desde a conferência de Bali, em 2007, e que não decola. Quem imagina que Copenhague seja apenas um acordo ambiental não entendeu nada. O acordo é difícil porque não se trata "somente" de salvar o planeta daqui a 100 anos, mas porque há muito receio de se criar desequilíbrios no presente. Há quem se assuste muito com a seguinte ideia: se China e Índia, por exemplo, não tiverem suas emissões limitadas, os produtos japoneses estão ameaçados de perder competitividade. Por quê? Porque em países onde a fabricação de algo é dependente da queima de carvão ou do petróleo, se as emissões dos gases-estufa que são produzidos ali forem limitadas, fica mais caro gerar energia. Mas e se isto não acontecer no vizinho? Na especulação acima, as fábricas poderiam sair do Japão e escolher entre ir para China ou Índia.

O acordo "ambicioso", que durante um período se imaginou ser possível de atingir em Copenhague, é de uma complexidade incrível. Terá que definir, por exemplo, a qual país do globo podem ser lançadas as emissões aéreas de voos sobre o Atlântico. Ou como remunerar quem preserva florestas nativas e quem quer plantar o que quer que seja em lugares já desmatados. Ou ainda qual mecanismo criar para que a transferência de tecnologia dos países ricos aos pobres realmente aconteça e que consiga resolver o nó ancestral de que tecnologias costumam ser propriedade privada e a demanda climática é imensamente pública. Não há nada simples neste negócio. Imaginar que tudo isso seria resolvido num estalar de dedos é ingenuidade ou desconhecimento. Mas, sim, se acreditava que Copenhague resolveria os grandes temas, que é sempre bom repetir: o quanto cortariam os ricos, o quanto desviaram os emergentes de sua curva crescente de emissõ es, quanto dinheiro se colocaria na mesa para os países mais pobres e mais afetados. Mesmo num cenário ideal, os detalhes ficariam para depois. Copenhague é um processo, mas poderia (ainda pode?), ser também um marco histórico.

Todos os dias há um estudo científico novo descrevendo um horizonte de horrores. O denominador comum de tanta informação é que o aumento do nível do mar, o derretimento da calota polar e o aumento da temperatura observado é, em geral, muito maior do que o previsto pelo IPCC no relatório publicado em 2007 com dados de 2005. "Todos os novos estudos jogam as estimativas para cima", diz o físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo e membro do IPCC. "Não conheço nenhum novo trabalho publicado que reveja nossas previsões para baixo." Em outras palavras, tudo está acontecendo de forma mais acelerada e pior do que as previsões. Artaxo prefere um acordo light em Copenhague a nada. Assim, imagina, o grande e ambicioso acordo poderá ser feito em seis meses e revisado em um ano. O risco do atraso em Copenhague é que a luz vermelha se acenda. "Atrasar em seis me ses as decisões significa atrasar em seis meses a redução de emissões. E como indicam os últimos estudos estamos caminhando a passos largos para o ponto do colapso", lembra Carlos Rittl, coordenador do programa de mudança climática do WWF-Brasil.




terça-feira, 17 de novembro de 2009

O fim da propriedade intelectual ?



O mundo mudou e com ele as formas de propriedade também mudaram”.

Entrevista especial com Sergio Amadeu


Um dos principais defensores do compartilhamento de arquivos pela Internet, Sérgio Amadeu, conversou, por telefone, com a IHU On-Line sobre pirataria, autoria, banda larga entre outros temas que cercam a questão da troca de informações via rede digital. Segundo ele, “a indústria fonogr áfica está em crise, a imprensa e a ideia de gatekeeper estão em crise e também os partidos estão em crise porque no mundo das redes existem várias formas de articulação direta entre os cidadãos”. Sérgio explica que as redes digitais não substituem o Poder Legislativo ao proporcionar uma participação direta da população, mas “permitem que as pessoas que defendem uma determinada causa possam ter essa defesa ampliada para o escopo político sem necessariamente se ligar a um ou outro partido”.


Sérgio Amadeu da Silveira é sociólogo formado pela Universidade de São Paulo, onde também obteve o título de mestre e doutor em Ciência Política. Atualmente, é professor na Faculdade Cásper Líbero e é consultor do Instituto Campus Party. Entre os livros que escreveu, destacamos: Exclusão Digital: a miséria na era da informaçÍ ?o. (São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001), Software Livre: a luta pela liberdade do conhecimento (São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2004) e Ciberespaço: a luta pelo conhecimento (São Paulo: Editora Salesiana, 2008).

Confira a entrevista.


IHU On-Line – Entre os brasileiros que têm Internet em casa, 45% revelam que baixam conteúdo pirata. No mundo, os números são parecidos com a realidade brasileira. A pirataria venceu?

Sergio Amadeu – Não. Eu acho que copiar arquivos digitais ou baixar um arquivo que estava disponível na rede não tem nada a ver com pirataria, porque a metáfora é feita para manter um modelo, são negócios construídos no mundo industrial que não têm mais sentido nas redes digitais. No mundo das redes digitais, quando alguém copia um arquivo, não está tomando nada do original. A metáfora da pirataria não é nada mais do que uma metáfora, ou seja, quando o navio pirata encostava num outro navio e o roubava, ele levava os bens materiais, e o navio que foi roubado fica sem aqueles produtos. Agora, quando você entra num repositório e copia, por exemplo, uma música, isso não tem nada a ver com aquilo que era feito pelos piratas no passado. Aquilo é uma imagem que é equivocada, assim como é equivocada a ação das indústrias de copyright no mundo das redes di gitais. É uma coisa completamente absurda. A Internet é uma rede baseada em computação digital.


Os computadores digitais baseiam-se em cópias o tempo todo, quando abro uma página no meu navegador, o que eu fiz foi copiar instruções binárias e que mandam orientações para meu browser. Toda a Internet é baseada, portanto, em cópia. Falar para não copiar nas redes digitais é ir contra a natureza técnica das próprias redes. Não é à toa que a indústria de copyright está afundando. Isso está acontecendo não por cópia não autorizada por eles, mas por causa da diversidade de produtos culturais que temos disponíveis na rede e que eles nunca tiveram no mundo controlado pelo mass-media. Na semana passada, tive acesso a uma pesquisa que mostra que as pessoas que mais baixam músicas pela Internet são as que mais compram cd’s. Então, o alvo criminal deles é o que sustenta a velha indústria da intermediação. O que está acontecendo com a Internet é basicamente a crise dos vários intermediários, porque ela permite que um grupo de música, por exemplo, entre em contato diretamente com seu fã sem a necessidade da intermediação da indústria do copyright. O mundo digital está alterando muito esse “ecossistema” da produção e distribuição de bens culturais.

IHU On-Line – Processar piora a situação para a indústria de filmes e músicas?

Sergio Amadeu – Eles vão ficar processando pessoas comuns. Veja o caso do Pirate Bay, um site que tinha um cracker, ou seja, tinha um mecanismo de busca onde os próprios internautas se registravam no site e quando alguém buscava alguma música ou vídeo, não baixava do site, mas dos computadores das pessoas diretamente. Essa prática de compartilhamento é muito comum, é uma prática antiga. Um exemplo: antigamente, as pessoas pegavam o vinil, botavam no seu aparelho de 3 em 1, gravavam uma fita cassete, emprestavam para os amigos, e isso não era considerado um grande problema. A questão virou um problema quando essa prática, que é comum, encontrou um meio técnico que permite que a prática seja feita com mais intensidade. Então, processar as pessoas é tão ridículo quanto a frase do Elton John que, há algum tempo, disse: “as pessoas não compram mais minha música por causa da Internet, então peço a vocês que fechem a Internet por alguns anos”. Isso é ridículo!

IHU On-Line – Como você vê iniciativas como a do Partido Pirata?

Sergio Amadeu – O programa do Partido Pirata é baseado na liberdade de compartilhamento, de fluxo de bens culturais, de conhecimento. Eles utilizam o nome pirata num sentido bastante irônico, porque trabalham contra a ideia de que existe a pirataria. Mas eles utilizam esse nome para poder chocar e fazer com que as pessoas prestem a atenção para o que está acontecendo no mundo dos bens culturais e do próprio conhecimento. A tentativa dos grandes grupos é a de bloquear ao invés de garantir a livre disseminação da cultura, o que é muito importante numa sociedade que se baseia cada vez mais em informação. Então, acho que a iniciativa é extremamente interessante nesse sentido.


Por outro lado, acho que é bastante complicado montar um partido só sobre um tema, por isso acho que ele cumpre um papel importante, mas ele é limitado porque é um partido mono temático. Penso que hoje os partidos têm de ter um papel muito mais amplo. Por isso acho que o que está em crise hoje é um conjunto de intermediários, como já havia dito. A indústria fonográfica está em crise, a imprensa e a ideia de gatekeeper estão em crise e também os partidos estão em crise porque no mundo das redes existem várias formas de articulação direta entre os cidadãos. Não estou dizendo que o Poder Legislativo está em crise e que vamos substituí-lo por participação direta da população, mas estou dizendo que hoje as redes digitais permitem que as pessoas que defendem uma determinada causa possam ter essa defesa ampliada para o escopo político sem necessariamente se ligar a um ou out ro partido.


IHU On-Line – A banda larga deveria ser regulada? De que forma?

Sergio Amadeu – Na verdade, no Brasil, precisamos que antes ela seja ampliada. O Brasil tem uma carência muito grande de banda larga, ela está presente em apenas alguns lugares. Na maioria dos municípios, a banda larga ainda não chegou, o que gera uma conexão completamente assimétrica, distante das possibilidades de uso multimídia, o que é um absurdo. Além disso, a banda larga nas periferias das grandes cidades também não chega como deveria. Nós temos que exigir uma regulamentação que faça com que essas operadoras – que são oligopólios que controlam a conectividade – levem a banda larga a ser um serviço unive rsal como é a telefonia fixa.

Também devemos incentivar que os municípios liberem o sinal e criem nuvens de conexão gratuita. Está mais claro que isso reduz o custo enormemente. Várias cidades estão abrindo o sinal e aumentando a conectividade, incentivando as pessoas a comprarem computadores. Um dos grandes problemas no Brasil é o alto custo da telecomunicação. Aqui, o megabitt chega a ser 20 vezes mais caro do que na Europa. Nós temos um modelo absurdo de precificação da comunicação de dados da banda larga. E tem outro problema: mesmo quando a cidade abre o sinal, essa prefeitura tem que comprar o sinal de uma rede de alta velocidade. Geralmente, ela mensura a sua rede para 200 usuários, por exemplo, mas isso incentiva a conectividade e esse número pula para mil. Com isso, vai querer aumentar a disponibilidade de banda no provedor, e esta empresa que provê a rede passa a cobrar o que quiser do município. Ou seja, essas empresas cobram cada vez mais caro quando aumenta o uso , o que acaba gerando uma megacrise nesses municípios que implantam o programa Cidades Digitais. Temos que ter uma regulamentação que seja completamente diferente do que a ANATEL faz hoje no país.


IHU On-Line – De que forma o conceito de autoria foi modificado com a Internet?

Sergio Amadeu – A sociedade cria os seus arranjos culturais, jurídicos e políticos. A autoria, antes do Renascimento, era uma coisa pouco importante para a criação. Com a industrialização, nasce o processo de divisão do trabalho que existe no mundo das fábricas para o mundo das artes. O compositor passa a ser um cara que não executa, o executor é uma função especializada, e isso vai acontecendo com o conjunto das artes. Isso faz parte do desenvolvimento histórico social que est á ligado aos processos e contradições na sociedade, principalmente a ocidental. A ideia de autoria se disseminou a partir do Renascimento, antes não fazia sentido isso, a arte era de domínio comum. Quando a sociedade muda e acaba apostando num tipo de tecnologia que é baseado na troca de bens e materiais, que não tem desgaste nem escassez, de arquivos digitais que podem ser copiados uma vez ou um milhão de vezes sem nenhuma alteração do seu original, nós estamos numa outra fase.

Essa fase dissolve a autoria e coloca novos problemas para essa ideia e retoma noção de que a cultura é um bem comum e que a maior parte das criações têm como base a própria cultura. Aí começamos a ver que não tem sentido sustentarmos uma indústria da intermediação que vive efetivamente do controle da produção cultural. Exemplo: que sentido tem a proteção de uma obra, como diz na nossa legislação, 70 anos depois da morte do autor? Lá atrás diziam que faziam isso para incentivar o criador. O criador morreu há 70 anos, ou seja, não há incentivo ao criador, mas sim estamos mantendo uma indústria da intermediação, que é a maior afetada pelas redes digitais. O mundo mudou e com ele as formas de propriedade também mudam.


IHU On-Line – O senhor já afirmou que a Internet sofre grande influência da cultura hacker. Como podemos compreender essa cultura?

Sergio Amadeu – A Internet é fortemente influenciada pela cultura hacker. No início da Internet, esse grupo de programadores talentosos enfrentava desafios por livre e espontânea vontade. Ao superar esses desafios, eles compartilhavam com todos os outros as soluções. Essa prática de compartilhamento foi combatida pela indústria de software e hardware e passou a chamar de hackers ou crackers, ou seja, passou a confundir o hacker com um criminoso. Isso é uma disputa semiológica e ideológica. A imprensa é financiada pelos grandes grupos, e, assim, passou a disseminar a ideia do hacker como um criminoso. Os historiadores da rede e da Internet apontam, como no livro A Galáxia da Internet (Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003), escrito por Manuel Castells, que a cultura hacker é uma das culturas fundamentais na criação da rede aberta, não proprietária, que nós temos hoje, que se chama Internet. É uma rede que permite que se crie formatos, novos conteúdos e novas tecnologias sem pedir permissão a ninguém. Uma rede que é de controle, mas que a cultura hacker garante que esse controle não chegue ao indivíduo porque garante a comunicação anônima. Toda essa construção é baseada também e principalmente na cultura hacker.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Partido Pirata




Os piratas brasileiros. Entrevista especial com o Partido Pirata


Em janeiro de 2006, na Suécia, surge o primeiro Partido Pirata. Ao difundir suas ideias contra as leis de copyright e patentes, contra a violação do direito de privacidade e a favor das práticas do compartilhamento, o Partido Pirata não foi apenas ganhando “seguidores”, mas também dissidências. Nesse contexto, em 2007, nasce o Partido Pirata brasileiro, focando sua atuação na defesa dos direitos humanos, na transparência governamental e no compartilhamento do conhecimento. “Mas temos políticas para problemas mais particulares do Brasil, como a questão da inclusão digital, que se relaciona, por exemplo, com as lan houses”, descreve o movimento aqui no Brasil. Ele relata que a pirataria é como um antídoto à propriedade intelectual. “Nós, Piratas, também defendemos a liberdade, o acesso à cultura, às ideias, à informação, que são as riquezas do nosso tempo”, apontou.

Ainda se estruturando para ser considerado um partido político de verdade, os Piratas brasileiros ainda não estarão presentes nas próximas eleições. Mas como os partidos piratas surgem no contexto da popularização da Internet e defendem a livre troca de material, é possível prever que, em 2012, eles já ocupem algumas cadeiras municipais. A população é abertamente a favor dos mesmos objetivos do Partido Pirata, uma vez que, segundo uma pesquisa recente, 66% dos brasileiros comprou pelos menos um produto pirata. Outro dado aponta o mesmo caminho: 45% dos brasileiros que têm Internet em casa afirmam baixar conteúdo pirata. “Os partidos piratas defendem um novo modelo que leve em consideração a nova realidade em que vivemos. A cultura e a informação hoje podem ser realmente livres, e o acesso a ela pode ser finalmente garantido como direito humano fundamental”, responderam, de forma colaborativa, alguns membros do Partido Pirada brasileiro em entrevista concedida à IHU On-Line, por email.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em que contexto surge o Partido Pirata?

Partido Pirata –
Cronologicamente, o primeiro partido pirata surgiu na Suécia, em 2006. Logo depois, formou-se uma grande rede internacional. No Brasil, estamos nos organizando a algum tempo, através da Internet, e já realizamos encontros presenciais em diversas cidades, como Rio de Janeiro, Recife, São Paulo, Brasília etc.

Os partidos piratas surgem principalmente no contexto da popularização da Internet. Ela se tornou o maior espaço de troca de cultura e informações da história, e é o espaço mais livre que existe hoje para a liberdade de expressão. Com o tempo, grupos de interesse, como grandes empresas e alguns governos, começaram a se incomodar com essa liberdade e passaram a incentivar ações para restringi-la: desde então, tentam acabar com a livre troca de material com copyright e até ameaças à neutralidade da rede. Em parte, os piratas, como movimento político, ganharam muita força ao ir contra isso.

Os partidos piratas defendem um novo modelo que leve em consideração a nova realidade em que vivemos. A cultura e a informação hoje podem ser realmente livres, e o acesso a ela pode ser finalmente garantido como direito humano fundamental. Além disso, a tecnologia permite hoje que os governos sejam muito mais democráticos, com transparência total, e uma aproximação muito grande entre os cidadãos e sistema político.

IHU On-Line – Um "Pirata" defende o quê?

Partido Pirata –
Para resumir em alguns conceitos: a liberdade de expressão, a natureza comum das ideias, o anonimato, a privacidade, a transparência pública, a intervenção ativa do cidadão na administração pública, entre outras propostas.

IHU On-Line – Por que instituir-se um Pirata?

Partido Pirata –
Piratas, na história, eram homens que não se sentiam representados por nenhum governo e preferiam viver em alto-mar, territórios neutros, democraticamente organizados. A vida nos navios era árdua, mas, para os Piratas, também conhecidos como Corsários, a liberdade era o bem mais precioso.

Hoje, pelo que propomos, a pirataria é uma espécie de antídoto à propriedade intelectual. Nós, Piratas, também defendemos a liberdade, o acesso à cultura, às ideias, à informação, que são as riquezas do nosso tempo. Ao contrário dos bens materiais, é impossível ter propriedade (direto EXCLUSIVO de usufruto) desses princípios. Os direitos autorais não protegem as obras nem os artistas, ao contrário, eles cerceiam a cultura e inibem a criatividade.

Nenhuma ideia pode ser absolutamente nova, o tempo todo estamos construindo sobre pilares pré-existentes. Todas as invenções devem, portanto, pertencer à humanidade. Por isso, defendemos, entre outras coisas, o fim da "propriedade intelectual" para que mais pessoas, em um menor prazo de tempo, tenham acesso a informações, e para que essas informações possam contribuir para o desenvolvimento intelectual e social das comunidades, para a realização de pesquisas, para novas invenções etc. Somos Piratas porque nos outorgamos à liberdade de usufruir e compartilhar o nosso legado cultural, por não nos submetermos às imposições dos poderosos, muitas vezes, pressionados por grandes companhias através de lobbys. Enfim, somos piratas porque acreditamos em uma sociedade mais justa e mais igualitária em que todos tenham acesso às riquezas culturais que nosso país de dimensões continentais como é o Brasil tem a nos oferecer.

IHU On-Line – Por que o copyright é contra a democracia?

Partido Pirata –
O uso abusivo dos direitos autorais, com base na propriedade intelectual, é um empecilho a uma sociedade democrática. Como estão hoje, os direitos autorais trabalham com a exclusão de acesso ao conteúdo, com uma falsa premissa de proteção do criador e de sua obra. Nós acreditamos que a informação e a cultura são bens comuns. Nenhum autor cria a partir do nada, mas sim a partir de ideias já existentes e a partir de sua base cultural. Por isso, é justo que sua obra também se torne parte dessa base de domínio comum. Cultura e informação são a base para o desenvolvimento da sociedade, mas, se esta não puder acessá-las, desfrutá-las e modificá-las livremente, esse potencial nunca será plenamente realizado.

IHU On-Line – Por que um partido, e não um movimento?

Partido Pirata –
O Partido Pirata é parte de um movimento. Existem muitas pessoas, favoráveis ou contrárias ao partido, que defendem as mesmas ideias. Os partidos piratas são compostos de pessoas que querem fazer isso pela política. Nosso objetivo é trabalhar ativamente para mudar as leis que consideramos injustas, de acordo com nossos ideais, e tornar o processo político mais democrático e transparente. E queremos fazer isso num grupo político novo, que tenha essas causas como primárias, e que tenha um modo de agir condizente. Isso não existe hoje, e é o que queremos ser.

IHU On-Line – A pauta dos piratas brasileiros é mesma dos piratas europeus?

Partido Pirata –
Sim, mas temos políticas para problemas mais particulares do Brasil, como a questão da inclusão digital, que se relaciona, por exemplo, com as lan houses. Além disso, cada partido tem seu jeito particular de ver, analisar e defender as ideias piratas. Concordamos nos princípios gerais, mas cada partido é autônomo para ter suas próprias propostas, de como cumprir seus objetivos, suas metas.

IHU On-Line – Como um Pirata faz “campanha” de suas teses?

Partido Pirata –
Condizente com o contexto do qual surgimos, nosso principal meio de campanha é a Internet. É nosso principal meio de comunicação e de organização interna também. Mas é claro que queremos agir fora da rede também. Em países menores e com mais membros, como Alemanha e Suécia, já houve grandes manifestações dos partidos locais nas ruas.

IHU On-Line – O Partido pretende apresentar candidatos nas eleições de 2010?

Partido Pirata –
O Partido Pirata ainda não é oficializado no Brasil. Estamos em processo de elaborar os documentos e colher todas as assinaturas necessárias para isso. Mas não há mais como realizar a oficialização para concorrer nas eleições de 2010, pois o prazo para o registro de novos partidos já foi esgotado.