Vigiar para Controlar: mais um capítulo da domesticação de corpos e almas.
Um pedido de reconhecimento de patente, dentre os milhares avaliados diariamente nos Estados Unidos, tem despertado interesse e preocupação. Trata-se de um software desenvolvido pela Microsoft e que tem atributos de inteligência artificial capazes de monitorar a produtividade dos trabalhadores, seu bem-estar físico e comportamento. Este software consiste num sistema de computador que une os trabalhadores a computadores por sensores sem fios que medem seu metabolismo. E permitirá o monitoramento do desempenho individual, medindo a temperatura de corpo, movimentos, expressão facial e pressão sanguínea.
Pra quem já está familiarizado com a história do panóptico de Jeremy Bentham e seus desdobramentos, não há nenhuma novidade. Apenas mais um capítulo. A crítica foulcaudiana nos mostrou que sucesso do panopticismo estava na sua capacidade de transpor a simples domesticação dos corpos dóceis rumo à potencialização de sua produtividade. Em suma, não bastava tornar dóceis os cidadãos, no sentido de adequados ao status quo predominante, mas também produtivos em nome da saúde, bem-estar e proveito da população, da cidade e seu Estado. E nesse processo, Michel Foucault passou a se ocupar da genealogia da domesticação das almas, próximo passo do bem-sucedido projeto de colonização das esferas de subjetivação, da intimidade e individualidade. E a dupla acepção do termo "sujeito" denotaria, justamente, esta ambivalência: estar entre um estado do ser em que se pode ocupar a posição tanto de sujeito quanto de sujeição.
No livro Conversações, Gilles Deleuze procurou problematizar estas questões tendo em vista a escalada tecnológica que ampliava, vertiginosamente, o leque de possibilidades de controle e acesso aos sujeitos, mais sujeitados que nunca. Fico pensando se George Orwell realmente imaginou que tal cenário poderia vir a se concretizar em tão pouco tempo, sem maiores problemas e resistência, ou se somos nós que compreendemos esta marcha como um desfecho inelutável da nossa promessa moderna - tão bem analisada por Immanuel Kant - de sapere aude, isto é, ousar saber incessantemente e ampliar os horizontes de um sujeito moderno cada vez mais obstinado em controlar e vigiar. Mesmo que pra isso tenha que se sujeitar a uma devassa que o automatiza e destitui de qualquer espaço de individualidade, no sentido positivo que o termo poderia ainda resguardar.
por messias basques.
Links das matérias:
http://technology.timesonline.co.uk/tol/news/tech_and_web/article3193480.ece
http://www.engadget.com/2008/01/03/microsoft-patent-app-reveals-plans-for-monitoring-group-activiti/
http://research.microsoft.com/vibe/projects/bci.aspx?0sr=a
http://www.repubblica.it/2006/09/sezioni/scienza_e_tecnologia/microsoft4/big-brother/big-brother.html
Pra quem já está familiarizado com a história do panóptico de Jeremy Bentham e seus desdobramentos, não há nenhuma novidade. Apenas mais um capítulo. A crítica foulcaudiana nos mostrou que sucesso do panopticismo estava na sua capacidade de transpor a simples domesticação dos corpos dóceis rumo à potencialização de sua produtividade. Em suma, não bastava tornar dóceis os cidadãos, no sentido de adequados ao status quo predominante, mas também produtivos em nome da saúde, bem-estar e proveito da população, da cidade e seu Estado. E nesse processo, Michel Foucault passou a se ocupar da genealogia da domesticação das almas, próximo passo do bem-sucedido projeto de colonização das esferas de subjetivação, da intimidade e individualidade. E a dupla acepção do termo "sujeito" denotaria, justamente, esta ambivalência: estar entre um estado do ser em que se pode ocupar a posição tanto de sujeito quanto de sujeição.
No livro Conversações, Gilles Deleuze procurou problematizar estas questões tendo em vista a escalada tecnológica que ampliava, vertiginosamente, o leque de possibilidades de controle e acesso aos sujeitos, mais sujeitados que nunca. Fico pensando se George Orwell realmente imaginou que tal cenário poderia vir a se concretizar em tão pouco tempo, sem maiores problemas e resistência, ou se somos nós que compreendemos esta marcha como um desfecho inelutável da nossa promessa moderna - tão bem analisada por Immanuel Kant - de sapere aude, isto é, ousar saber incessantemente e ampliar os horizontes de um sujeito moderno cada vez mais obstinado em controlar e vigiar. Mesmo que pra isso tenha que se sujeitar a uma devassa que o automatiza e destitui de qualquer espaço de individualidade, no sentido positivo que o termo poderia ainda resguardar.
por messias basques.
Links das matérias:
http://technology.timesonline.co.uk/tol/news/tech_and_web/article3193480.ece
http://www.engadget.com/2008/01/03/microsoft-patent-app-reveals-plans-for-monitoring-group-activiti/
http://research.microsoft.com/vibe/projects/bci.aspx?0sr=a
http://www.repubblica.it/2006/09/sezioni/scienza_e_tecnologia/microsoft4/big-brother/big-brother.html
Um comentário:
Fico, é claro, com a segunda opção. Nossa compreensão dessa marcha como algo inevitável - "naturalizando-a" - advém precisamente do fato de que nós também estamos mergulhados, inseridos e sujeitados a ela ! Considero que indivíduos "racionais" tendem a a se apegar ao senso-comum. Que senso-comum ? Ora, aquele que lhes permite esmagar a infinita diversidade do mundo, as singularidades (1+1 = 2 ?)de todas as suas manifestações, classificar todos os seres e fenômenos dentro dos chavões cada vez mais estreitos e abrangentes de nossa cultura. Seres que enchergam o mundo por meio da lente obliterante do senso-comum tendem a reproduzir essa mesma ideologia por meio de ações como essa que vc descreveu tão bem. Daí o sucesso dos meios de controle e de colonização do insconsciente. Entretanto, na medida em que começamos a nos desapegar desse pensar, começamos a ver que a dita "marcha" não é necessária e, pelo contrário, "pipocam" aqui e ali diversas manifestações, infinitas manifestações do inesperado, do mistério da infinitude !
Parabens pelo artigo !
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