quarta-feira, 17 de outubro de 2007

A construção de uma brecha

Iniciado como um projeto coletivo, Diacrianos tinha como propósito servir de ponto de apoio e de troca entre os membros de um pequeno grupo de pessoas que, em comum, possuíam uma preocupação bastante ampla: seria possível mapear, à luz do pensamento contemporâneo, as causas que engendraram a atual configuração cultural, ela própria geradora de colossais resíduos - aquilo que poderíamos denominar "cultura do cinismo" ? Ainda seria possível pensar uma saída coletiva a partir da filosofia e da Teoria Social contemporâneas ? Como estas se posicionam, enfim, frente à "cultura do cinismo" ?


A partir desse impulso inicial, esboçou-se uma espécie de "programa de estudos", partindo-se de autores pós-marxistas e pós-estruturalista (desconstrucionistas?), ficando implícito que a chamada "geração pós-68" teria algo a dizer sobre a pós-modernidade.(1)


Logo, entretanto, Diacrianos assumiu uma forma diferente, pois pensado como fórum coletivo, serviu de expressão, na quase totalidade, para apenas um dos integrantes daquele pequeno grupo. O que, evidentemente, traduziu-se em alterações no formato e na "linha editorial": se observadas em seu conjunto, as postagens e o lay-out parecem apontar para uma direção e expressam, de fato, não uma situação estática, mas a evolução e a transformação de uma personalidade particular.


Qual o resultado disso ?


Dentro daquele universo inicial de preocupações, podemos dizer que Diacrianos "segue em frente", tendo, não obstante, ampliado seu foco, como não poderia deixar de ser.


Vejamos.


Já nas décadas de 1950 e 1960, os Situacionistas levavam ao seu limite a crítica marxista, centrando a análise da modernidade na crise da linguagem e na reificação, pensamento-ação este que culminaria na obra mais importante de Debord (1967) e na própria Revolução de 1968. Se os Situacionistas protagonizaram o último movimento revolucionário visto no Ocidente, isso, por si só, tem muito a dizer e merece uma atenta reflexão. Pois em uma sociedade totalitária, o pensamento libertário não pode deixar de enfrentar uma questão "que não se cala": a de que a ideologia hegemônica apóia-se, reproduz-se e, sobretudo, aprofunda uma grande separação, que poderia ser exposta por meio, por exemplo, do seguinte conjunto de cisões (em um processo que ainda está movndo-se para novos desdobramentos):






  • natureza x cultura


  • inconsciente x consciente


  • indivíduo v coletivo


  • público x privado


  • comunidade x sociedade


  • dominados x dominadores


  • objeto x sujeito


  • intuição x pensamento analítico


  • ação x passividade


É dizer: a crítica da razão não pode pretender se desdobrar apenas em ação política ou econômica; que a transformação coletiva pressupõe um transformação individual; que a busca por uma alternativa concreta ao cotidiano moderno passa pela vida comunitária; que o colapso da comunicação e do diálogo - a crise da arte e da linguagem - somente pode ser superado por um movimento de reconciliação psíquica; enfim, que o processo de "autonomização" (atomização ?) das esferas deve ser detido em seu conjunto, pois sendo ele próprio produtor e expressão dos sintomas e resíduos, localiza-se na fragmentação e na negatividade uma fonte e uma expressão dessa cisão, onde quer que elas se manifestem (2).



De igual forma, podemos e devemos buscar, em cada configuração cultural hegemônica as bases emocionais em que ela se apóia e se desdobra: se, como em Freud e Elias, a modernidade foi a expressão da vergonha, poderíamos especular: a burocracia não se apoiaria no medo, sendo esta "a" emoção da pós-modernidade ?



É certo que importantes movimentos surgiram na história moderna como "brechas". Citamos o Situacionismo e a Revolução de 1968. Poderíamos, é claro, acrescentar sobretudo o Romantismo e os mivimentos contra-culturais do século XX. Por tras do aparente fracasso de seus resultados, encontramos importantes contribuições de fundo que merecem atenção. Por isso, tais "momentos" encontram-se no horizonte das análises a serem expostas em Diacrianos.



Urge, assim, um movimento de afirmação e de positividade radicais, posto que o sistema ideológico hegemônico cria e se alimenta da negatividade e da própria crítica: a configuração atual já foi muito apropriadamente taxada de "neo-Dadaísta" e, acrescento, alimenta-se de tudo o quanto contra ela é arremessado.(3)


Diacrianos, portanto, é uma janela, uma tentativa de brecha que encontra seu impulso nesse movimento de integração, sendo, ela própria, a expressão de inquietações filosóficas/emocionais, que tenta romper as dimensões público/privado, individual/coletivo.





Notas





(1) Esse esboço encontra-se neste Blog, sob o título "Grupo de Estudos... ", de 24 /05/2007.


(2) Por exemplo, no multiculturalismo de inspiração anglo-saxã, que se desdobra em políticas de ação afirmativa e que buscam aprofundar a fragmentação em curso.


(3) Aqui devo mencionar o Budismo, pois penso que essa positividade libertadora encontra sua formulação mais profunda nessa filosofia/prática.

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