(em 23/08/2007)
Caro M.,
Obrigado pelos textos.
Embora meu interesse pelo xamanismo seja recente, venho estudando assuntos relacionados já há algum tempo.
Vendo como as coisas caminharam nos últimos meses, acho até curioso como acabei focando meus interesses nesse tipo de coisa. Há 1 ano, jamais poderia imaginar isso, pois me concentrava nos estudos da cultura pós-moderna e no fenômeno da ideologia e alienação do capitalismo avançado. Entretanto, 2 fatores acabaram se cruzando: uma inquietação existencial muito pessoal me levava a questionar minha própria identidade e natureza de meu sofrimento, o que acabou me aproximando da filosofia budista; e, certamente influenciado por isso, os estudos sobre pós-modernismo me levaram a considerar a indispensabilidade de se ter em alta conta as interpretações psicanalíticas – pois hoje o “sistema” se encontra dependente, mais do que nunca, da personalidade narcisista para sua reprodução (poderíamos até dizer que o sistema é a cultura narcisística). Isso me levou, naturalmente, a Zizek e a todos os autores pós-68, material farto de interlocução...
E onde fica o xamanismo nisso ? Bem, é que me aprofundando mais um pouco, comecei a realizar minhas próprias “experiências” com a natureza da identidade, buscando seus limites, pois estava claro que a natureza da manipulação do capitalismo apoiava-se no apego individual a uma auto-imagem, ela própria criada e manipulada culturalmente. Essa seria também a natureza de meu próprio sofrimento... Experimentando alguns tipos de meditação e lendo bastante sobre isso, acabei por experimentar estados subjetivos que me esclareceram algumas coisas sobre a natureza do Ego, especialmente a cisão entre consciente e inconsciente: é como se partíssimos das proposições psicanalíticas do aparelho psíquico cindido para irmos um pouco mais além, buscando a superação dessa cisão. O próprio Freud tem uma frase muito sugestiva sobre isso: “Trata-se de incorporar porções cada vez maiores do ISSO/ID e avançar sobre o SUPER-EGO” (extraí de um livro sobre Debord – não por acaso). Assevero desde já que o budismo se encontra bem à vontade nesse tipo de reflexão, tendo ido bem além da psicanálise...Pois bem, experimentando o contato com o inconsciente, especialmente (mas não exclusivamente) por meio dos sonhos, cheguei à conclusão de que essa incorporação do ID/ISSO envolve uma metamorfose de ambas as instâncias (inconsciente e consciente), uma espécie de síntese transformadora em todos os níveis (inclusive cognitivo). Isso somente é possível pela abertura de um contato consciente, uma espécie de janela, pela qual podemos admitir, aceitar, a interferência de vontades inconscientes em nosso cotidiano, e vice-versa (ou seja, o consciente também transforma o inconsciente). É uma espécie de passagem para o outro, que resulta num terceiro Eu, uma espécie de deslocamento de perspectiva. E aqui temos o xamanismo, que nada mais é que esse trânsito com o outro que temos dentro de nós mesmos e que não conhecemos nem sabemos sua extensão e profundidade.
Tais reflexões resultaram em textos como o aqueles que coloquei no Blog sobre sonhos (http://diacrianos.blogspot.com/2007/08/sobre-sonhos3-uma-proposta-preliminar.html).
De tudo isso concluo com uma nota para você: acredito que seu talento já está sendo reconhecido e é apenas um começo. Porém não abra mão de sua independência, o que só pode ser garantida com um contato (e um respeito, uma aceitação) cada vez maior com/pelas suas próprias inquietações íntimas, que é a principal fonte de criação. O que proponho é que toda reflexão teórica só adquire brilhantismo se mantivermos essa conexão com nosso inconsciente, fonte última da criação. Lembro-me a esse propósito de um texto de W. Mills (acho que era a Imaginação Sociológica ou algo assim) que falava que todos os grandes autores (Weber, Marx etc) são antes de tudo sonhadores e artistas.
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