quarta-feira, 19 de setembro de 2007

A Poesia de Brecht e a História


Por: Leandro Konder

Bertold Brecht fez poesia desde muito cedo. Desde 1913, quando tinha quinze anos de idade, ele publicava poemas. A princípio, no jornal da escola; depois, no suplemento literário de um jornal de Augsburg, sua cidade natal.
Quando começou a Primeira Guerra Mundial, em 1914, Brecht, influenciado por professores, chegou a escrever poemas patrióticos. Em 1916, entretanto, já estava com 18 anos e se rebelou. Deram-lhe para comentar um verso do poeta Horácio ("doce e honroso é morrer pela pátria") e o moço reagiu com acrimônia: escreveu que o verso só podia ser mera propaganda, já que "despedir-se da vida é sempre duro, na cama ou no campo de batalha".
A partir daquele momento, consolidaram-se as suas convicções pacifistas e a sua poesia passou a denunciar não só a inumanidade das guerras como a estreita ligação, nelas, entre a desgraça dos pobres e o aumento do lucro dos ricos.
O pacifismo do poeta se desdobrou em antimilitarismo. Havia, na tradição prussiana, autoritária, bastante espaço para uma idealização do exército e da vida militar.
Brecht se insurgiu contra essa idealização em vários poemas, ao longo dos quatro ou cinco anos que se seguiram no final da Primeira Guerra Mundial. Um deles é a "Canção dos três soldados", que se refere a três amigos que morrem no último quarteto e são logo substituídos por outros jovens convocados (Gesammelte Gedichte, ed. Suhrkamp, pp. 127-128). Outro é um "flash" extraído da existência quotidiana prosaica e embrutecedora dos soldados, uma quadrinha grotesca intitulada "Ich will nur grõssere Stiefel haben" (Quero apenas botas maiores):

As unhas do meu pé crescem, vistosas,
agora que já não são mais cortadas.
Só preciso de botas espaçosas,
pra não gemer nas minhas caminhadas.
(Gesammelte Gedichte, p. 119)

Outro tema fundamental na poesia de Brecht é o da grande cidade. Ainda na juventude, ele ficou profundamente impressionado com Munique e, em seguida, com Berlim. Surpreende-o a inumanidade das condições em que os seres humanos sobrevivem nas metrópoles da época, sob a lei do mais crasso utilitarismo e pressionados pela mais brutal competição. Willi Bolie observa:
A metrópole contemporânea aparece aos seus olhos, antes de mais nada, como uma grande praça mercantil, 'onde se negocia o ser humano' (BOLLE, Willi, 1987, p. 61).
Brecht inventa um nome para esse palco de brutalidades: "Mahagonny". Seu amigo, o crítico Walter Benjamin, notou que ele queria compreender que tipo de gente povoava aquele espaço inóspito, insalubre: "Brecht é, talvez, o primeiro grande poeta que tem algo a dizer a respeito do homem urbano" (BENJAMIN, Walter, 1966).
Aproveitando um conto de Grimm, que relata o assassinato de um cavalo falante, de nome Falladah, Brecht fez um poema – "O Falladah, você que está aí pendurado" (GG, pp. 61-62) – no qual indagava, em nome do animal que acabara de morrer, as razões da sofreguidão com que os circunstantes retalharam sua carne quando perceberam que o bicho não agüentava mais, antes mesmo que ele fechasse os olhos. Falladah se pergunta:

Perguntei pra mim mesmo: que tipo de frieza
baixou sobre esses desgraçados?
Quem os levou à torpeza?
Quem os fez baixar o nível?
Vocês precisam ajudá-los, rápido, coitados.
Se não, vai acontecer algo que vocês acham impossível...

Essa visão apocalíptica da grande cidade como geradora de uma guerra permanente (um entrelaçamento do tema da metrópole e do tema da guerra) está muito presente tanto nos poemas como no teatro de Brecht, ao longo dos anos vinte. Uma de suas peças desse período se intitula, sintomaticamente, "Na Selva das Cidades".
Por outro lado, ele era um materialista, acentuadamente pessimista, visceralmente desconfiado em face das mistificações conformistas patrocinadas pelos pregadores da resignação, representantes das religiões organizadas; por outro lado, esse inconformado diante de uma sociedade atomizada, amesquinhada, tinha sua sensibilidade marcada pela leitura da Bíblia. Imagens bíblicas alimentavam sua revolta contra o mundo dos indivíduos privados de valores reais, incapazes de transcender seus horizontes particulares, carentes de universalidade (MARSCH, Edgar, 1974, p. 157).
As imponentes construções do "homem urbano", a seu ver, constituíam apenas tentativas irrisórias de disfarçar a provisoriedade da sua passagem pelo mundo. A exacerbação dos conflitos estruturais da metrópole criava um cenário de guerra que tendia a promover uma destruição generalizada. Um curto poema "Sobre as Cidades", de 1927, caracteriza a metrópole da seguinte maneira:

Em baixo dela, Os esgotos;
nela mesma, não tem nada;
em cima dela, fumaça.
Nela nós vivemos, rotos,
a nossa vida frustrada,
uma passagem violenta.
E a cidade também, lenta,
a cidade também passa.
(GG, p. 215)

Naqueles anos, a poesia de Brecht tinha pontos de contato com o estado de espírito que se manifestava nas obras de alguns autores expressionistas. A violência da linguagem, em especial, correspondia à sua necessidade íntima de reagir contra a sobriedade e o equilíbrio de uma cultura "oficial" conservadora. Em face dos "bons modos" que camuflavam a terrível gravidade dos problemas da época, o poeta se sentia obrigado a evocar, com deliberada impertinência, "das gigantische Darmgerãusch, mit dem das letzte Mammut sein hartes und seliges Erdenleben abschloss" (o gigantesco peido com que o último mamute encerrou sua dura e bem-aventurada existência terrena) (GG, p. 75).
Em alguns momentos, o ímpeto contestado assumia, mesmo, um tom niilista. É o que se pode ver, por exemplo, no poema "Der Nachgeborene" (O que nasceu tarde) (GG, p.99):

Confesso: não
tenho nenhuma esperança.
Os cegos falam de uma saída. Eu, porém, vejo.
Quando os erros já foram usados e abusados,
senta-se à nossa frente, pra nos fazer companhia,
o Nada.

Esse sentimento era partilhado por outros artistas, Brecht não estava isolado; seus poemas tinham considerável repercussão. Antes de completar trinta anos, já o reconheciam como um grande poeta.
Sua coletânea de poemas intitulada Hauspostille (Breviário Doméstico), publicada em 1927, provocou impacto. Kurt Tucholsky saudou-o, escrevendo: "Ele e Gottfried Benn são, na minha opinião, os maiores talentos poéticos na Alemanha atual". E Hervert Ihering afirmou que ele tinha mudado a fisionomia literária da Alemanha: "Com Bert Brecht, o nosso tempo ganhou um novo tom, uma nova melodia, uma nova maneira de ver as coisas".
É verdade que o sucesso do Breviário se beneficiou de uma atitude de incisiva provocação assumida por Brecht no final de 1926: ele foi convidado para julgar cerca de 400 poemas apresentados num concurso instituído pela revista O Mundo Literário e decidiu que nenhum dos autores que haviam se candidatado merecia o prêmio. Na justificativa do seu julgamento, ainda acrescentou: "Fiquei conhecendo aqui uma espécie de juventude que eu teria tido grande proveito em continuar desconhecendo".
O escândalo, sem dúvida, contribuiu para a projeção do petulante julgador. No entanto, a reação escandalizada do público e de boa parte da crítica não bastaria, por si só, para assegurar ao livro o êxito alcançado. Havia nos poemas não só uma altíssima qualidade literária como também um timbre de autenticidade que foi reconhecido e apreciado pela nova geração de escritores, à qual Brecht pertencia.
Nos setores mais inquietos da intelectualidade alemã, podiam ser notadas a angústia e a frustração ligadas à derrota da esquerda revolucionária e à situação de esvaziamento da crítica radical no interior da República de Weimar, quer dizer, às condições institucionais que se seguiram ao fim da guerra e ao fim do império. Expandia-se a sensação de que não havia muita coisa a fazer para mudar o estado de coisas existentes, considerado altamente insatisfatório.
Brecht participava do impasse em que se mesclavam uma contestação furiosa e um desânimo insuperável. Fernando Peixoto observa: "Seus primeiros poemas e suas primeiras peças são a reflexão da trágica situação de uma geração desiludida" (PEIXOTO, Fernando, 1974, p. 26).
O que o escritor queria, com a sua poesia, era contribuir para que a dureza do quadro fosse percebida em toda a sua dimensão. Ele manifestava uma drástica recusa a qualquer tentativa de "embelezamento" da realidade. Eventualmente, se assim lhe parecesse, o poeta precisava ter a coragem de encarar a escuridão total, a podridão, o beco sem saída, a inexorabilidade da morte. A companhia do Nada.
Havia, contudo, uma esperança subterrânea, a convicção de que a condição humana tinha uma força própria, um insuprimível poder de se insurgir, uma certa grandeza ineliminável. "Menschsein ist eine grosse Sache" – admitia o poeta: "Ser humano é uma grande coisa" (GG, p. 144).
Na origem dessa força, dessa grandeza, estava, seguramente, o gosto pela vida. Mesmo postos em condições miseráveis de existência, os seres humanos se apegam à vida, resistem à idéia de deixar o mundo. O poeta lhes recorda essa peculiaridade num poema que se chama: "Von der Freundlichkeit der Welt" (GG, p. 205).

Vocês nasceram franzinos,
pequenos e nus também;
sobreviveram, mofinos,
graças à ajuda de alguém.
Ilustres desconhecidos,
ninguém, de fato, os chamou;
não foram bem acolhidos,
mas alguém os ajudou.
O mundo é frio, é imundo,
mas, sob uma crosta dura,
vocês amaram o mundo,
ao irem pra sepultura.

Se, por um lado, essa capacidade de amar o mundo engendrava uma esperança preciosa, que permitia aos seres humanos a busca de uma existência menos penosa, essa própria esperança, por outro lado, tornava as criaturas mais vulneráveis às ilusões mentirosas. Os que tiram proveito das guerras e exploram a miséria nas grandes cidades dispõem de instrumentos e disposição para extrair vantagens das expectativas acalentadas pela maioria sofredora da humanidade. No essencial, as posições éticas/estéticas de Brecht, naquele período, passavam por uma espécie de conclamação às pessoas no sentido de não acreditarem nas palavras melífluas dos de "cima".
O poema "Contra a sedução" (GG, p. 260), como assinalou Walter Benjamin, parodia a forma solene do sermão eclesiástico, servindo-se de suas afirmações peremptórias e de suas advertências moralizastes, para incitar os leitores a uma certa incredulidade fundamental. Cada uma das quatro quadras do poema começa com uma advertência: "Não se deixe seduzir!", "Não se deixe enganar!" e – repetindo – "Não se deixe seduzir!". O ser humano precisa saber assumir seu apego à vida, precisa saber gozála, lutar pelo direito de vivê-la plenamente, porque ela é curta e "não será suficiente, quando vocês tiverem que deixá-la".
Por que os de "baixo" se acomodam com tanta docilidade às normas estabelecidas pelos de "cima"? Essa questão preocupa Brecht, e o inclina a enfatizar sua vocação para a rebeldia. Os poetas que mais lhe interessam são contestadores. Ele lê com fascínio o francês François Vilion, expoente do século XV, boêmio, ladrão e assassino. Sofre a influência dos poemas de Franz Wedekind, agitado precursor da "revolução sexual", que sacudiu os espíritos da "Belle Époque" na passagem do séc. XIX ao séc. XX. E se encanta com os versos de Arthur Rimbaud, o gênio precoce que olhava em volta e denunciava: "la vraie vie est ausente" (a verdadeira vida está ausente), antes de concluir "il faut changer la vie" (é preciso mudar a vida) (PIETECKER, Carl, 1974).
Admirando-os, Brecht, de algum modo, se identifica com eles, enxerga-os como "modelos". Dá mostras de pertencer a uma "família" especial de poetas: integra a estirpe dos "libertários", daqueles artistas que se contrapõem, apaixonadamente, à ordem vigente, à teia das normas instituídas, aos padrões dominantes na sociedade em que vivem. Não são revolucionários articulados, não se filiam a nenhum movimento político ou social organizado, não têm compromisso assumido com a ação coletiva de algum grupo empenhado em edificar uma sociedade diferente.
Nessa postura "libertária", Brecht se insurge contra um mundo deformado, mas, como não confia em nenhuma alternativa definida para esse mundo, sente-se imerso nele.
Vê-se cercado de tipos humanos que não aprecia, porém admite que são seus "iguais".
Num poema ironicamente intitulado "Sobre o pobre B.B." (GG, p. 261), escrevia, em 1922:

São animais de odor bastante peculiar,
e eu digo: não faz mal, eu também sou.
Na medida em que não se sentia o representante de uma nova espécie (ou de uma nova sociedade), admitia estar condenado a uma certa degradação: apesar das raízes que trazia da Floresta Negra e das remotas camponesas, era – afinal – um "homem urbano". Por isso, estava condenado a ser, ao menos um pouco, como os outros (não podia situar-se inteiramente acima deles). Por isso, se descrevia: "Desde o começo, / me deram todos os tipos de extrema-unção: / jornais. E cigarros. E conhaque".
Com esse estado de espírito, era bastante compreensível que o poeta, cético, não estivesse propenso a entoar o canto do "amor-acima-de-tudo". Embora se envolvesse com diversas mulheres – sucessiva e às vezes concomitantemente – Brecht não podia deixar de levar para o amor a sua divisão interior, que o impedia de se por inteiro nas relações amorosas. Ele mesmo prevenia as mulheres: "em mim vocês têm alguém em quem não podem confiar".
Contudo, as contradições internas e a desconfiança em face da entrega amorosa não o impediam de amar. E o amor, inevitavelmente, se expressava nos poemas. Em dois poemas desse período, o amor aparece associado às nuvens. Na "Canção da nuvem da noite" (GG, p. 48), o amor tem a ver com a nuvem que "quer ser o imenso céu inteiro", porém só consegue ficar "sozinha com o vento". E em "Recordação da Marie A." (GG, p. 232) o rosto da namorada beijada em Augsburg não é lembrado com nitidez, mas permanece na lembrança uma nuvem branca que estava no céu na hora do enlace amoroso e logo se desvaneceu.
Essa nuvem chamou a atenção de uma leitora atenta dos poemas de Brecht: a ensaísta Hannah Arendt. Não se pode, certamente, atribuir a ela uma significação unívoca, atrelando a riqueza sugestiva da imagem a uma tradução restritamente conceituai. Em todo caso, talvez não seja uma interpretação abusiva aquela que sugere que na nuvem havia uma certa comprovação de que as experiências vividas pelos homens comportam elementos capazes de perdurar, mesmo quando aparentemente se dissipam, se são recriados pela poesia (ARENDT, Hannah, 1987, p. 197).
A questão estava posta para o jovem Brecht e voltaria a se apresentar, sob outra forma, para o Brecht maduro: o movimento dos seres humanos, ao fazerem sua história, só engendra realidades provisórias, efêmeras, momentâneas? Ou, sem resvalar para uma perspectiva metafísica, podemos pensar na existência de uma dimensão na qual – hegelianamente – uma certa continuidade se afirma através da descontinuidade?
Somos indivíduos mortais, realidades humanas singularmente fugazes. Algo de nós (daquilo que fazemos) pode, entretanto, se incorporar a um movimento humano coletivo e ter, assim, uma continuação? Um prosseguimento na história?

II

Para Brecht, uma coisa era certa: os de "baixo" – com os quais ele se solidarizava – precisavam se unir contra os de "cima". A força dos privilegiados, a rigor, era mais provisória que a capacidade de resistência dos oprimidos.
Se algo capaz de perdurar e renascer na história podia ser alcançado pela ação humana, esse algo viria da massa dos pobres. Um pequeno poema dizia isso de forma exemplar. Na peça Santa Joana dos Matadouros, a neve caía, implacável, congelando as pessoas; então, aparecia no palco um cartaz informando aos espectadores que nem o frio conseguiria destruir definitivamente o povo. No cartaz se lia o poema "Tempestade de neve" (GG, p. 1149):

A tempestade nos gela.
Quem vai resistir a ela?
Quem fica? Vê se descobres:
A terra, as pedras e Os pobres.

Para que os humildes, os deserdados, tornassem consciência de sua força, da força derivada dessa capacidade de perdurar, era importante que eles não fossem nem bajulados pelos "amigos" nem se sentissem desqualificados, acreditando no discurso dos "inimigos".
Deveriam se despir de suas ilusões, reconhecer que dependiam uns dos outros, lutar juntos.
Uma das dificuldades que os homens do povo enfrentam para poderem se enxergar e se aceitar como são está justamente numa certa autodepreciação, que os leva a confiar demais nos chefes, nos dirigentes, nos cérebros iluminados de alguns "super-homens".
Brecht tinha consciência dessa dificuldade e, no poema "Os Grandes Homens" (GG, p. 146), alertava: "Die grossen Mãnner sagen viele dumme Sachen" (Os grandes homens dizem muita asneira). E recomendava: "Os grandes homens devem ser respeitados, / mas não se deve acreditar neles".
Entre os "grandes homens" ridicularizados no poema, ao lado do "grande Alexandre" e do "grande Copérnico", os leitores encontravam ninguém menos que o "grande Brecht", auto-ironicamente caracterizado como um sujeito que não conseguia compreender as coisas mais simples e filosofava sobre o capim...
Como escritor influente, teatrólogo famoso, artista muito conhecido, Brecht se dava conta de que, de algum modo, figurava entre os "grandes": não era igual à multidão dos indivíduos anônimos a quem dava sua solidariedade. Mesmo quando estava junto com eles e procurava ajudá-los, era diferente.
Hannah Arendt vê no protagonista do poema "O Senhor dos Peixes" (GG, p. 192) um "auto-retrato" do poeta, com sua "mescla de orgulho e humildade", solícito em relação aos pescadores, mas condenado a permanecer um tanto estranho a eles. É um ser "próximo e desconhecido de todos" ("Alien unbekannt und allen nah"), que jamais se integra completamente à comunidade, porém "de fato não impede ninguém de falar onde ele se cala".
Em torno de 1926 e 1927, Brecht viveu um período de mudanças significativas.
Preocupava-o, mais do que nunca, o destino das grandes cidades e de seus habitantes.
Publicou, na época, uma coletânea de poemas intitulada De um manual para habitantes da cidade. O poema que abria o volume – "Apaga os teus rastros" (GG, p. 267) – expressava, vigorosamente, o mal-estar da massa dos moradores que não se sentiam em casa no espaço urbano, a angústia dos que eram obrigados a sobreviver na metrópole como se fossem exilados ou perseguidos. Transmitia-lhes o conselho terrível: "quando o teu companheiro bater, / não – oh! – não abras a porta, / mas / apaga os teus traços!".
Walter Benjamin notou que os assustadores conselhos que o poeta transmitia aos habitantes das grandes cidades tinham algo das recomendações que os dirigentes das organizações revolucionárias clandestinas costumam fazer aos seus militantes, atuando à margem da lei.
Quando escreveu o poema, o próprio Brecht, contudo, não podia saber que nos meses seguintes viria a se aproximar do marxismo o dos comunistas. De fato, ele pretendia escrever uma peça intitulada Joe Açougueiro e resolveu estudar a mecânica da sociedade capitalista; passou, então, a ler O Capital e outras obras de Marx. Entusiasmou-se com o que leu. Chegou à conclusão de que Marx era "o espectador ideal" das suas peças.
Convenceu-se de que as teorias do filósofo o ajudavam a compreender melhor o alcance e o sentido das coisas que vinha escrevendo. Mais: forneciam-lhe preciosas armas para travar com maior eficácia seu combate contra a burguesia.
Os conceitos de Marx chegaram num momento em que Brecht estava realmente buscando o que eles podiam lhe dar. Na peça Dreigroschenoper (Ópera de três centavos), encenada em 1928, o poeta, nas suas canções, não fala diretamente por si mesmo: fala por seus personagens. E se serve de critérios marxistas para expor, com "distanciamento", o ponto de vista de cada um (com seu peculiar condicionamento de classe).
O negativismo que ele mesmo havia manifestado nos anos anteriores foi transposto para o discurso de seres de ficção, que se moviam no palco, representando múltiplos descaminhos. O final da canção "Von der Unzulãnglichkeit menschlichen Strebens" (De como são vãs as aspirações humanas) é cantado por um explorador de mendigos, o meliante Peachum. E a canção "Die Seerãuber-Jenny" (A Jenny do pirata) é cantada por Pollly, a filha de Peachum, que vai se casar com o gangster Macheath, cognominado "Mac Navalha". Polly está num beco sem saída e só pode ansiar por um tipo de salvação como aquele que aparece na canção: piratas desembarcarão, prenderão as criaturas à sua volta e lhe perguntarão quem eles devem executar. "E então vocês vão me ouvir dizer: todos"
(GG, p. 1099).
Desde bem jovem, Brecht punha muitas vezes música em seus poemas e os cantava, acompanhando-se ao violão. Para musicar os poemas da Ópera de três centavos, entretanto, contou com a colaboração inspirada do compositor Kurt Weil. O filósofo Ernst Bloch, comentando "Die Seerãuber-Jenny", observou que a cena da canção mistura um ambiente de alegre restaurante ordinário com algo do clima de uma solene catedral. e os tons jazzísticos jocosos se combinam com um "ritmo em quatro tempos, que se transforma – tão facilmente! – em marcha fúnebre" (BLOCH, Ernst, 1957).
O personagem Macheath, na peça, está disposto a progredir em seus negócios, passando de gangster a banqueiro. Numa cena inesquecível, ele pergunta aos seus capangas: "O que é um torpedo, em comparação com uma ação ao portador? O que é assaltar um banco, em comparação com fundar um banco?"
Os argumentos do terrível Mac Navalha estão retomados na "Canção de Fundação do Banco Nacional de Depósitos" (GG, p. 339):
para fundar um banco,
Precisa-se de capital inicial.
Se a grana, porém, faltar,
onde obtê-la sem roubar?

Recém-convertido ao marxismo, Brecht via no banqueiro o mestre do qual o gangster era um mero aprendiz. À sua volta, banqueiros poderosos financiavam o crescimento do partido nazista e os comunistas se preparavam para ásperos conflitos. O escritor, com suas peças educativas ("Lehrstücke"), dispunha-se a fortalecer a consciência revolucionária dos trabalhadores politizados. Num poema da peça "Die Massnahme" (A Decisão) – "Modifique o mundo: ele precisa" (GG, p. 1144) – o poeta chega a dizer que, se for preciso, o militante empenhado em transformar a sociedade deve estar disposto até a abraçar um facínora.
A partir do final dos anos vinte, a poesia de Brecht passa a veicular, cada vez mais, expressões de apoio militante ao comunismo. Sintomaticamente, contudo, o poeta evita filiar-se ao partido. E a dimensão do autoquestionamento não é abandonada. Manifesta-se, então, mais uma tensão constante na criação literária desse autor tão rico em contradições assumidas.
Numa sociedade tão profundamente dilacerada por séculos de conflitos sociais, era natural, segundo Brecht, que as pessoas também fossem divididas. A luta de classes, milenar, não se limitava a lançar grupos humanos uns contra os outros; ela contrapunha tendências antagônicas no interior de cada indivíduo.
O poeta transmitiu claramente essa convicção no epílogo da peça Santa Joana dos Matadouros, quando o coro comenta a trajetória da "heroína" Joana Dark, abnegada servidora do Exército da Salvação, e alude a uma conhecida passagem do Fausto de Goethe, que se refere à coexistência de "duas almas" no interior do nosso peito. Para Brecht, não podemos renunciar inteiramente ao nosso lado "baixo", não podemos ficar apenas com o nosso lado "elevado": precisamos dos dois.

Duas almas moram
no teu peito humano,
nas entranhas tuas.
Evita o insano
esforço da escolha:
precisas das duas.
Pra ser um, amigo,
deves ter contigo
conflito incessante:
um lado elevado,
bonito, elegante;
o outro, enfezado
e sujo, aos molambos.
Precisas de ambos.
(Die heilige Johanna der Schlachthõfe, ed. Suhrkamp, 1965, p.149).

O poeta assumia sua própria cisão interior: por um lado, punha lenha na fogueira da paixão revolucionária; por outro, tratava de temperá-la com a água fria da dúvida.
Cultivava simultaneamente a esperança e o ceticismo. Tinha plena consciência de que, se não desconfiasse de si mesmo, se não desenvolvesse o espírito autocrítico, não conseguiria se renovar tanto quanto devia. E sabia, igualmente, que, se não acreditasse em si mesmo, se não tivesse fé no que se dispunha a fazer, jamais alcançaria os resultados que precisava alcançar.
Chegou até a formular uma síntese dialética do crer e do descrer. No poema "Glaube nur" (Só acredite), de 1931, há três momentos: no primeiro, recomenda-se desconfiar dos outros; no segundo, desconfiar de si mesmo; no terceiro, desconfiar da própria desconfiança.

Só acredite no que os teus olhos vêem e os teus ouvidos escutam.
Não acredites nem no que os teus olhos vêem e os teus ouvidos
escutam.
E fica sabendo que não acreditar, afinal, também é acreditar.
(GG, p. 373)

Em 1930, no auge do entusiasmo do seu "engajamento", o autor das contundentes peças educativas era capaz de se debruçar, auto-ironicamente, sobre suas próprias limitações. Em Le Lavandou, no sul da França, depois de visitar um local que na Idade Média havia sido povoado pelos mouros, o poeta registrou sua impressão num poema que o mostra muito consciente da sua finitude (GG, p. 332):

Dessa muralha é que o antigo mouro
pensava, debruçado sobre o mar:
não demora muito ela vai chegar,
a morte vem, pra me tirar o couro.
Soube o mouro prever, soube acertar
(que ele morreu, não há quem o conteste).
Dessa muralha, agora, Bert Brecht
se debruça, pensando, sobre o mar.

A percepção da provisoriedade da existência individual induzia o poeta a procurar o caminho de possíveis realizações perenes em articulação com os movimentos coletivos de inspiração libertária. Ele se sentia ética e esteticamente comprometido com os anseios e os protestos populares; e sua maneira de solidarizar-se com a população pobre consistia em ajudá-la a lutar contra a injustiça e a opressão.
Coerente com essa convicção, o poeta via a dialética, não como um método para o registro das contradições e das mudanças, mas como uma impulsionadora das transformações. Isso se explicita no famoso "Elogio da Dialética" (GG, p. 467), que assegura, em tom confiante:

Os vencidos de hoje são os vencedores de amanhã
e o "nunca" se tornará "hoje mesmo".

Mas o ânimo do poeta combatente sofreu um rude golpe: em janeiro de 1933, Hitler se tornou o Primeiro-Ministro da Alemanha, os nazistas assumiram o poder e desencadearam uma colossal onda de repressão, que forçou dezenas de milhares de cidadãos a saírem do país. De uma hora para outra, a vida sofreu uma mudança drástica.
Um novo período começou: o dos anos do exílio.

III

Era uma época deprimente. Brecht deixou sobre ela depoimentos dolorosos.
Percebeu que o exilado é sempre um ser que incomoda: com sua simples presença, mesmo sem agir ou sem falar, ele torna visível um problema grave, que as outras criaturas não têm prazer algum de enxergar.
Muitos escritores alemães passaram pelo dissabor de morar como trânsfugas em países estrangeiros: foram obrigados a depender de favores, a se servir de uma língua que não era a deles e que não dominavam. Ficaram na dependência de tradutores que nem sempre eram suficientemente confiáveis. Eram compelidos a se dirigir a um público com o qual não tinham intimidade, a leitores que tinham outros hábitos, outras inclinações, outro quadro de referências. Sofriam todo tipo de pressões. Experimentavam, a cada dia, novas espécies de angústia, novos tipos de incerteza. Diversos morreram naqueles anos sufocantes, em condições ligadas à onda de repressão desencadeada pelo nazismo: Kurt Tocholsky, Walter Benjamin, Stefan Zweig, Klaus Mann, Walter Hasenclever, Ernst Toller, Egon Friedel, Theodor Lessing, Rudolf Hilferding e vários outros.
Brecht sobreviveu. Durante quinze anos, foi – como dizia – um "Embaixador da Desgraça" em terra estranha. Em alguns momentos, mudando de país mais freqüentemente do que de sapatos.
Para exorcizar o desespero, era imprescindível reavivar a combatividade. A poesia também era um campo de batalha, os versos também podiam ser armas. O poeta fazia da literatura a sua trincheira. Nesse período, mais do que qualquer outro, sua obra confirma a observação de Marianne Kesting: "Quase não se encontra em Brecht uma linha sequer que não seja política" (KESTING, Marianne, 1986, p. 79).
Chegavam-lhe notícias tristes, da prisão e da morte dos que tinham ficado na Alemanha. Vinham também informações constrangedoras a respeito de escritores e artistas que se resignavam, ou conciliavam com o regime (e até aderiam a ele).
Brecht se preocupava com a posição do ensaísta Karl Kraus, que lhe parecia contaminada por um certo capitulacionismo. Num poema que escreveu na época, o poeta exilado reconhece a validade da constatação pessimista de que a injustiça podia prevalecer (nada assegurava que não), mas insistia em sua convicção de que a proibição do uso da palavra "fome" pela ditadura não impediria que Os esfomeados sentissem a falta do pão que lhes era roubado (GG, p. 501).
O importante, naqueles anos, era reorganizar os democratas, reanimar os combatentes, restabelecer a autoconfiança dos oprimidos, para que eles resistissem à maré montante do nazifascismo. Brecht se sentia especialmente próximo dos comunistas; esperava deles que se mantivessem firmes no combate. Sabendo que os revolucionários, afinal, também eram seres humanos falíveis, e temendo que alguns fraquejassem, dirigiu-se a eles no poema "Aos Vacilantes" (GG, p. 678). Lembrou ao militante que o destino da causa por ele defendida dependia da firmeza com que se dispunha a defendê-la.

O que está errado, agora, no nosso discurso?
Alguma coisa? Ou tudo?
Com quem ainda podemos contar?
Somos sobras da correnteza viva,
que o rio depositou em suas margens?

Ficaremos para trás, sem entendermos,
sem sermos entendidos por ninguém?
Precisamos ter sorte?
Isso é o que perguntas. Não esperes
resposta a não ser de ti mesmo.

Nesse poema, pode-se perceber que a apaixonada disposição com que Brecht mobilizava sua capacidade de criação poética para pô-la a serviço da ação histórica transformadora não o levava a aderir a uma concepção rigidamente "determinista" da história. Justamente porque a revolução dependia das iniciativas dos revolucionários, eles não deviam crer num movimento objetivo inexorável e precisavam estar atentos para o fato de que nenhum avanço podia estar assegurado de antemão.
A combatividade exacerbada não imunizava o lutador contra as frustrações pessoais. Brecht sabia que, mergulhado num "tempo sombrio", jamais poderia desfrutar da luminosidade das certezas inabaláveis, da unidade monolítica, invulnerável às tristezas privadas e protegida contra as dilacerações íntimas.
Orgulhava-se de ter tomado partido pela revolta contra a injustiça, porém reconhecia que os gritos de um protesto, ainda que justo, também enrouquecem a voz. Por isso, dirigindose "aos que ainda vão nascer" ("An die Nachgeborenen", GG. pp. 722-725), pediu que os pósteros, que viveriam com certeza num mundo melhor e mais humano, pensassem nele e em seus companheiros com indulgência:

Vocês que vão emergir da onda
em que nós nos afogamos
(...)
pensem em nós
com indulgência.

Não sentia nenhuma comiseração por si mesmo: procurava olhar para suas contradições internas com a mesma rude franqueza com que falava das contradições sociais. Debruçado sobre sua própria existência, empenhava-se em compreender o processo da construção de um ser humano. A peça Um Homem é um Homem já havia mostrado como um sujeito humano podia ser desmontado e remontado de acordo com um papel que outros lhe atribuíam. No entanto, independentemente dos casos em que um modelo externo lhe é imposto, sem alternativa, o sujeito humano se faz sempre (e só pode se fazer) contraditoriamente. É o que se infere da leitura do poema (GG, p. 770).

Assim se faz o homem:
dizendo sim e dizendo não,
batendo e apanhando,
unindo-se a uns aqui, a outros acolá.
Assim se faz o homem: transformando-se:
assim e forma em nós a sua imagem,
igual à nossa, no entanto diversa.

O elenco das respostas que o ser humano vai dando às questões que a vida lhe apresenta é que vai determinar sua identidade, quer dizer, seu modo peculiar de inserir-se no movimento do mundo. Precisamos estar atentos para o fato de que a assimilação de valores só funciona se os valores correspondem à situação social de quem os assimila. "Se fôssemos reais" – dizia Brecht O "agiríamos como reis". Mas acrescentava: "agindo como reis, agiríamos diferentes de nós" (GG, p. 780).
A situação espiritual de alguém que se desloca do ângulo da sua classe de origem para aderir ao ponto de vista de outra classe social nunca poderia ser uma situação simples.
Brecht admitia que a burguesia, de onde provinha, tinha razões poderosas para condená-lo.
No início de um poema de 1938, se classifica como "traidor de sua classe" (GG, p. 721).
A autodescaracterização (a perda da identidade) é um risco a que estão expostos todos os seres humanos. O medo dos descaminhos, contudo, se torna maior entre exilados que, além de viverem em terra estranha, sentem-se comprometidos com valores estranhos aos da classe em que foram criados.
O intelectual de esquerda exilado tende, com freqüência, a alimentar ilusões compensatórias. Uma delas, no caso dos alemães antinazistas, era a ilusão de que, passada a tempestade que os havia expulsado da sua pátria, eles regressariam aos lugares que haviam deixado e os encontrariam tais como eram, de modo que suas vidas voltariam ao "normal". Brecht, a propósito, evocou a experiência de Ulisses, o herói homérico da Odisséia, que passou vinte anos longe de casa. Identificando-se com o grego, escreveu:

Já do navio viste a tua
casa. Com gente, inda habitada.
Depois, pensaste: só a lua
ficou, aqui, inalterada.

No entanto, o poeta alemão do século XX estava plenamente consciente da diferença da sua situação, quando comparada à do herói de Homero, rei de ítaca. O mundo dos antigos gregos era um mundo de luzes e de deuses, ao passo que o nosso mundo nos escapa, está cheio de sombras, suscita em nós dúvidas e perplexidade, parece abandonado pelos deuses.
Desunidos, inseguros, dominados pela lógica de uma competição desenfreada, desconfiamos das criaturas que pretendem nos ofuscar, que se apresentam como excessivamente superiores a nós. Buscamos a verdade, mas sabemos que devemos nos mover com muita prudência, com infinitos cuidados.
Brecht, no seu exílio, não abria mão de suas reservas, de suas suspeitas. Sabia que conhecer, nas condições históricas do século XX, se tornou, mais do que nunca, uma operação arriscada. Por isso, recomendava (GG, p. 569):

Como o ladrão esperto
que de noite espia
com dificuldade
se tem polícia por perto,
assim deveria
mover-se aquele que busca a verdade.
E deveria como algo roubado,
em perigo,
trazer com cuidado
a verdade consigo.

Mesmo em relação à causa do comunismo, que lhe merecia um apoio tão resoluto, Brecht se inquietava com as coisas que não lhe pareciam estar caminhando bem. Em 1931, ele tinha conhecido em Berlim o escritor soviético Sérgei Tretiákov, de quem se tornou amigo. No exílio, na Dinamarca, soube que Tretiákov – comunista convicto e sincero – tinha sido condenado à morte como traidor por um tribunal bolchevista (e logo fora executado). Indagou num poema: "O Povo é infalível?" Nas várias estrofes, falava da gravidade das acusações formuladas contra seu "mestre e amigo", porém terminava sempre com um verso interrogativo: "E se ele for inocente?" (GG, p. 741).
O contexto histórico-político piorava a cada ano. As tropas do general Franco derrubaram a república espanhola. Hitler e Mussolini se fortaleciam. Em breve, o belecismo intrínseco do nazifascismo desencadearia uma conflagração mundial. Brecht procurava arregimentar, em todos os níveis, todas as consciências, contra a guerra que estava sendo preparada e contra os seus preparadores. Até nos poeminhas que escrevia para crianças, o exilado tentava desferir farpas contra o inimigo (GG, p. 511).

Em Hitler tem algo, penso,
que é muito estranho, obsceno:
um bigode tão pequeno
num focinho tão imenso.

Desde que descobrira a riqueza teórica de Marx, no final dos anos vinte, o poeta se esforçava para aproveitar as armas proporcionadas pelo autor do Capital na desmistificação da sociedade burguesa. O crítico italiano Paolo Chiarini observou, contudo, que Brecht tinha seu modo peculiar de aproveitar as idéias de Marx:

Brecht jamais acreditou fideisticamente no marxismo, num ímpeto de entusiasmo; como artesão esperto e desconfiado que era, percebeu ter encontrado nele um instrumento capaz de penetrar,
mais do que qualquer outro, na trama do mundo moderno, nas relações humanas, na substância da civilização (CHIARINI, Paolo, 1954, p. 32).

Servindo-se das idéias de Marx como fermento para enriquecer sua crítica radical à sociedade burguesa, o poeta era levado, naturalmente, a interessar-se pelas idéias de marxistas independentes, que liam Marx com desenvoltura, cada um à sua maneira. Encarava com evidente desânimo a produção teórica do "marxismo oficial", porém se animava com a leitura dos escritos de Karl Korsch, de Fritz Sternberg e de seu amigo Walter Benjamin. Acompanhava com viva curiosidade as discussões sobre as implicações do marxismo na esfera da estética. Irritavam-no algumas concepções do filósofo marxista húngaro Georg Lukács, que não apreciava suas obras do período anterior ao exílio e com quem Brecht teve, em mais de uma ocasião, o ímpeto de polemizar.
Outros intelectuais de inspiração marxista que irritavam o nosso poeta eram os alemães exilados Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, pensadores "clássicos" da chamada "Escola de Frankfurt". Brecht não apreciava suas construções teóricas hipersofisticadas e chegou a pensar em utilizá-los como modelo para um romance satírico que não escreveu: o romance dos TUI (Telect-Ua-ls), cérebros especulativos capazes de desfigurar teorias revolucionárias, distanciando-as da ação. Para Brecht, como para Walter Benjamin, a inspiração essencial de Marx exigia que a elaboração teórica, em algum momento do seu desenvolvimento, se inserisse energicamente na prática, mesmo que precisasse se simplificar e se tornar mais rude nessa inserção. Os dois usavam a expressão "plumpes Denken" para designar esse tipo de encontro da teoria com sua destinação prática e a mudança sofrida pela própria teoria ao se simplificar. A tradução aproximada do "plumpes Denken" poderia ser "pensamento grosseiro" ou "rombudo". Ou "truculento".
Essa "truculência", sem dúvida, não se confundia com a "vulgata" do "marxismo soviético"; no entanto, em nome do respeito pelo "plumpes Denken", tanto Brecht como Benjamin se inclinavam a "tolerar" aspectos deploráveis da União Soviética, na convicção de que o Estado que se criara na esteira da revolução leninista tinha um papel decisivo a desempenhar na transformação prática do mundo, na história política do século XX.
Sobretudo a partir do momento em que a União Soviética apareceu como contrapeso fundamental ao avanço do nazifascismo.
Quando a guerra começou, a contraposição entre os comunistas e os nazistas ficou um tanto obscurecida pelo Pacto Ribbentrop-Molotov, o acordo que facilitou para Hitler a invasão da Polônia e permitiu às tropas de Stálin a imposição de alterações nas fronteiras da União Soviética com a Polônia e com a Finlândia. O entendimento com o "Terceiro Reich" causou constrangimento a muitos intelectuais comunistas no mundo inteiro. A invasão da União Soviética pelas tropas alemãs, entretanto, em 1941, confirmou em Brecht sua convicção de que a grande força capaz de se contrapor eficazmente ao imperialismo hitieriano era o Estado dirigido por Stálin.
A contraposição essencial voltava a ser nítida.

IV

O pacifismo de Brecht e seu antimilitarismo tornam facilmente compreensível sua disposição para, através da poesia, investir, desde o início, contra aqueles que desencadearam a guerra. Nos poemas que escreveu nos primeiros anos da conflagração, é freqüente a forma concisa, epigramática. Um estilo lapidar, quer dizer, adequado a uma lápide, a uma inscrição em pedra, feita para ser posta sobre um túmulo. Aliás, um dos poemas desse momento se intitulava "Inscrição no túmulo de um soldado de Hitler" (GG, p. 758):

Papai, você deixou que eu me alistasse;
Mamãe, podias ter me protegido;
Irmão, não tive quem me aconselhasse;
Irmã, ninguém me havia prevenido!

Em outro poema – "É noite" (GG, p. 735) – o estilo lapidar aparece ainda mais depurado: a morte dos que ainda vão ser engengrados em solo alemão é anunciada, sobriamente, em poucas, pouquíssimas palavras:

É noite.
Os casais
vão juntos para a cama. As mulheres jovens
vão parir órfãos.

Após a invasão da União Soviética pelo exército nazista, Brecht escreveu um poema bem mais longo, que fez um imenso sucesso: "A Canção da Mulher do Soldado Nazista" (GG, pp. 1215-1216). É um texto de estrutura simples, com um recado direto, eficaz: o soldado vai enviando para a mulher presentes que vão assinalando as etapas da expansão militar hitleriana: Praga, Varsóvia, Oslo, Rotterdam, Bruxelas, Paris... Até a estrofe final, em que o poeta se pergunta o que a mulher do soldado recebeu da "longínqua Rússia" e responde: ela recebeu "o véu de viúva / para o funeral".
Ao longo da guerra, outros poemas de Brecht dão testemunho das esperanças que depositava no Exército Vermelho, esperanças – diga-se de passagem – que eram partilhadas por poetas e romancistas tão importantes como Paul Eluard, Louis Aragon, Pablo Neruda, Carlos Drummond de Andrade, Theodore Dreiser, Ítalo Calvino, Henri Barbusse, Erskine Caldwell, Martin Andersen Nexo, Dashiel Hanmett, John dos Passos, Oswald de Andrade, Graciliano Ramos e Jorge Amado, entre muitos outros.

No coração dos comunistas mais inquietos, havia uma expectativa: com a intensa mobilização da sociedade soviética para enfrentar o invasor alemão, haveria de se desenvolver certa pressão interna que promoveria a democratização do Estado. Os homens de esquerda, em geral, tendiam a admitir que a derrota militar de Hitler, Mussolini e Hiroíto abriria caminho para uma nova era na história da humanidade. Brecht, provavelmente, gostaria de acreditar nisso.
Contudo, vivendo nos Estados Unidos, como refugiado, percebia que na sociedade norte-americana, tal como ela emergeria da guerra, vitoriosa, persistiriam mecanismos de opressão e exploração que, embora combinados com instituições liberais, não eram qualitativamente muito diversos dos mecanismos que haviam degradado a sociedade alemã, preparando-a para resignar-se a algo tão abominável como o nazismo.
Olhando à sua volta, o que o poeta via não lhe agradava. Em Santa Monica, em Hollywood, sentia-se "mais isolado do mundo do que quando se achava no interior da Finlândia", foragido. Escrevia roteiros para filmes que acabaram não sendo feitos (o único que foi filmado foi Hangmen – Os Carrascos também morrem – dirigido por Fritz Lang, sobre a execução do nazista Heydrich). Nos Estados Unidos – falava – havia muito desenvolvimento, mas não havia nada de desenvolvendo... (Arbeitsjournal, vol. 1, p. 361).
O trabalho, no dia a dia, não era nada entusiasmante. No poema "Hollywood" (GG, p. 848), Brecht diz que comparecia, regularmente, como vendedor, ao "mercado onde se vendem mentiras". Para consolar-se de suas frustrações, tinha a conversa com o compositor Hanns Eisler e o escritor Lion Feuchtwanger, com o pintor Georg Grosz e os atores Peter Lorre e Charles Laughton.
Na medida em que a guerra ia se aproximando de seu final, caracterizava-se um quadro cheio de sutilezas e contradições, uma situação bastante complicada, na qual as mudanças não assumiam nem os ritmos ansiados pela impaciência revolucionária, nem as formas prescritas pelas doutrinas políticas melhor elaboradas.
O poeta se sentiu desafiado a refletir com maior profundidade sobre os tempos da germinação do novo. E admitiu (GG, p. 856):

As novas épocas não começam de repente.
Meu avô já vivia num tempo novo,
meu neto com certeza ainda vai viver no antigo.
A carne nova é comida com os velhos garfos.

A história tem, de fato, tempos múltiplos. As transformações se fazem em tempos diversos. Há mudanças que só podem se realizar, realmente, na escala dos séculos, dos milênios; outras, precisam se realizar em ritmos acelerados, a risco de se deixarem neutralizar.
Ao revolucionário, então, cabia compatibilizar "paciência" e "impaciência". Para poder incentivar o nascimento e o fortalecimento do novo, precisava saber enxergá-lo onde ele realmente estava e encaminhá-lo por onde ele efetivamente podia avançar. Brecht, leitor atento de Hegel (perto de quem viria a ser enterrado, em Berlim), era um mestre na dialética. Para ele, estava claro que a possibilidade de engendrar o novo e compreendê-lo dependia da capacidade do sujeito humano, em sua ação, conferir-lhe um sentido, uma razão. Essa razão, por sua vez, não poderia jamais preexistir à intervenção inovadora dos homens, isto é, não poderia presumir-se definitiva, inquestionável. Ao contrário, deveria ser, necessariamente, uma razão autoquestionadora, disposta a aprender com a história na qual se manifesta e realiza.
A interdependência dialética da razão e da história exige que ambas sejam permanentemente repensadas. Se a história fosse apenas urna derivação de uma razão preexistente, seu movimento seguiria um curso predeterminado, e nele não haveria espaço para a presença inventiva, surpreendente, fecundamente perturbadora, dos sujeitos humanos (os homens seriam meras marionetes). Se a razão fosse apenas o registro passivo a posteriori do movimento da história, esse registro não passaria de uma construção inócua, incapaz de imprimir uma racionalidade efetivamente humana aos projetos e às iniciativas dos sujeitos (o movimento da história ficaria entregue a uma "racionalidade" – ou "irracionalidade"? – que, por princípio, sempre nos seria estranha). Brecht, ao longo da elaboração da sua obra, tanto no teatro como na poesia, debruçou-se com freqüência sobre essa questão. Buscou, apaixonadamente, uma compreensão da história que lhe permitisse articular o reconhecimento da necessidade com a preservação do espaço da liberdade, sem escorregar para o jogo inócuo da contraposição mecânica de uma à outra, que acaba sempre por anular um dos dois pólos em detrimento do outro.
Talvez a melhor síntese que o poeta chegou a formular a respeito desse tema se encontre no poema "Alles wandelt sich" ("Tudo se Transforma"). É um poema de estrutura circular: os versos que aparecem na primeira metade reaparecem, repetidos, na segunda. O movimento circular paga tributo à necessidade. No entanto, a ordem dos versos, na repetição, é alterada e o sentido do que está sendo dito se modifica, abrindo espaço para o movimento do novo e para a liberdade. Vejamos os versos (GG, p. 888);

Tudo se transforma.
Recomeçar é possível mesmo no último suspiro.
Mas o que aconteceu, aconteceu. E a água
que puseste no teu vinho não pode
mais ser retirada.
O que aconteceu, aconteceu. A água
que puseste no teu vinho não pode
mais ser retirada. Porém
tudo se transforma. E recomeçar
é possível mesmo no último suspiro.

Da constatação de que "tudo se transforma" o poema chega à percepção de que nós, afinal, podemos transformar a própria transformação. Não estamos presos a uma engrenagem.
Brecht logo pôde confirmar a justeza do seu insight. A guerra acabou, o nazismo foi vencido, o "Terceiro Reich" não durou os mil anos que havia prometido durar, a transformação foi transformada. Em seguida, contudo, novas transformações se precipitaram. Estabeleceu-se uma polarização entre dois grupos de Estados: um liderado pela União Soviética, outro pelos Estados Unidos. Aumentaram as tensões entre os dois blocos, instalou-se o clima da "guerra fria".
O refugiado Brecht foi intimado a depor diante do comitê de investigação deatividades antiamericanas, criado pelo Senado dos Estados Unidos. Fizeram-lhe várias perguntas a respeito de suas idéias comunistas e ele lhes deu respostas espertas e irônicas.
Esclareceu que não pertencia ao partido comunista (o que era verdade) e explicou que os aspectos "subversivos" de suas obras deveriam ser vistos no quadro geral de uma "subversão" contra Hitler. E fez questão de discutir deficiências das traduções de seus textos com os parvos inquisidores direitistas (ver PEIXOTO, Fernando, 1991, pp. 118-125).
Em fins de 1947, o poeta saiu dos Estados Unidos, passou por Paris e foi se instalar em Zürich, na Suíça. Pretendia voltar para a Alemanha, porém recusava a idéia de, vendo o país ocupado e dividido, optar por uma parte dele e "morrer para a outra". Procurou adaptar-se à situação, ganhando tempo. Obteve um passaporte austríaco (e o manteve até o fim da vida). Depositou dinheiro na Suíça para a eventualidade de precisar morar fora da Alemanha outra vez. Fez contratos para publicar seus livros com um editor da parte oriental e outro da parte ocidental da Alemanha. Acabou, contudo, por fixar residência em Berlim. Como as autoridades norte-americanas não facilitavam a autorização para que ele morasse na parte ocidental do país, estabeleceu-se, em maio de 1949, na parte oriental, sob controle russo: dirigia seu teatro, o Berliner Ensemble, e escrevia poemas (muitos dos quais reunidos no volume Buckower Elegien, quer dizer, Elegias de Buckow, homenagem a um lugar nos arredores de Berlim, onde tinha uma casa de campo).
Tornou a escrever poemas para crianças, dedicando-os à atriz Helene Weigel, sua mulher. Escreveu também poemas de amor para sua namorada Ruth Berlau. O caminho da poesia política não foi abandonado, mas tornou-se pedregoso, difícil de ser trilhado. O respeito que sentia pela dedicação à "causa" e o apreço que tinha pela coragem demonstrada pelos velhos companheiros na resistência contra o nazismo não eram acompanhados, no poeta, pela convicção de que o governo desses velhos companheiros correspondia, de fato, às necessidades e aos anseios dos trabalhadores alemães.
Aos poucos, foi notando que, além da estreiteza sectária dos velhos, crescia a influência de jovens burocratas oportunistas, pessoas que prejudicavam, a seus olhos, a imagem de uma nova geração, da qual havia esperado muito.
Sentiu-se, obviamente, numa posição incômoda. Não desejava, como se dizia na época, "levar água para o moinho dos inimigos do socialismo"; recusava-se, porém, a embelezar uma realidade problemática.
Em junho de 1953, quando os trabalhadores berlinenses, algumas semanas após a morte de Stálin, protestaram contra o governo da República Democrática Alemã, Brecht reiterou seu apoio ao Partido Comunista, mas expressou suas inquietações através de um poema intitulado "Die Lõsung" ("A Solução"), no qual ridicularizava o secretário da União dos Escritores, um burocrata que acusava o povo de ter deixado de merecer a confiança do governo; e perguntava (GG, p. 1010): "Não seria mais / fácil o governo dissolver / o povo e / eleger um outro?".
Nos três últimos anos de sua vida, falava em "limpar as cavalariças de Áugias" do Estado alemão-oriental (VOLKER, Klaus, 1976). Enfrentou dificuldades para chegar a publicar, em fins de 1955, um álbum com fotos de guerra e pequenos textos pacifistas (EWEN, Frederic, 1991, p. 456).
Nesse ambiente, era natural que ele não se sentisse nem um pouco à vontade. E isso transparecia em sua produção poética. No poema "A Troca de Roda" (GG, p. 1009) o malestar se explicita:

Sentado na calçada,
vejo o motorista trocando a roda do carro.
Não me sinto bem no lugar de onde venho.
Não me sentirei bem no lugar pra onde vou.
Por que, então, espero a troca de roda
com impaciência?

Não há dúvida de que essa sensação de não estar em casa sufocava o poeta, prejudicava sua criação. Hannah Arendt percebeu esse prejuízo e chegou até, num exagero polêmico, a afirmar: "o pior que pode acontecer a um poeta é deixar de ser poeta, e foi o que aconteceu a Brecht nos últimos anos de sua vida" (ARENDT, Hannah, 1987, p. 182).
Brecht, na realidade, nunca deixou de ser poeta. A própria Hannah Arendt admitiu que ao menos um dos últimos poemas – "Canção de um apaixonado" ("Lied einer Liebenden", GG, p. 994) – é "um produto perfeito". E reconheceu que em outros poemas desse período final podem ser encontrados alguns "versos tocantes".
Pouco antes da sua morte, que chegou no dia 14 de agosto de 1956, o poeta, alquebrado, entristecido, ainda tinha energia poética suficiente para assumir o movimento vigoroso de suas contradições e traduzi-lo num poema em que diz:

Vou às vezes ao vazio;
volto do vazio cheio.
Quando me acerco do Nada,
redescubro o necessário.
Na sensação derramada,
sou sempre um pouco usurário.
Mas do meio do meu frio
nasce um calor, me incendeio.

V
Toda poesia – ensinava o velho Goethe – é poesia de circunstância. Brecht confirma isso: cada poema seu mostra, com franqueza, as marcas do momento e do contexto em que nasceu. Em um de seus versos, o poeta nos diz: "Tudo se transforma e só existe para sua época", GG, p. 791.
No entanto, poesia é linguagem: nela, o poeta trabalha suas vivências e lhes confere uma forma capaz de lhes atribuir densidade significativa. Transfigura suas sensações, seus sentimentos, elevando-se a um plano no qual outras criaturas podem se reconhecer neles.
Realiza, portanto, um movimento universalizador que parte sempre da circunstância porém acaba por transcendê-la na linguagem.
Através do acerto formal conseguido no plano da linguagem, a poesia tem o poder de tocar leitores situados em outros tempos, em outros contextos. Em circunstâncias diferentes daquelas em que o poema se formou.
Assim, a própria poesia de Brecht, na medida em que preserva ainda hoje seu vigor e é lida com emoção por leitores de outras culturas e de outros tempos, corrige a unilateralidade do verso, na parte em que ele afirma: "...só existe para sua época". Fica de pé a primeira parte do verso, que reitera uma convicção profunda do poeta, proclamada diversas vezes ao longo da sua obra: "tudo se transforma". A capacidade de perdurar, alcançada pela poesia, não a exclui do movimento transformador que tudo abrange, que se realiza em todas as coisas, e que nós designamos como história. Os poemas sobrevivem porque transcendem suas respectivas circunstâncias, mas não se situam acima da história, fora dela: são, inevitavelmente, submetidos a novas leituras, reavaliados e reinterpretados por novos leitores, que os enxergam com novos olhos, a partir de novas circunstâncias.
Leitores que viveram uma história que o autor não viveu são levados a perceber na obra aspectos que o próprio autor não percebia. E com isso a obra, de algum modo, se transforma.
Como ficam os poemas de Brecht nesse movimento no qual se inserem e que, modificando-os, os traz até nós? O que podemos, à luz das preocupações que nos impõe a nossa história, neste final do século, dizer sobre as representações, neles, da história da primeira metade do século?
A visão que Brecht tinha das grandes cidades modernas, na sua época, por exemplo, continua a produzir um impacto perturbador. Suas advertências a respeito das nossas metrópoles "inabitáveis" ainda têm o poder de nos sacudir: nossos modernos centros urbanos, mais do que nunca, são "Mahagonny". E a existência de armas atômicas e de poderosíssimos meios de destruição confere maior credibilidade aos versos assustadores que o poeta escreveu em 1922, no poema "Vom armen B.B." (Sobre o pobre Bert Brecht):

Dessas cidades só ficará: o vento que passa por elas.
A casa acolhe alegremente o visitante que chega, mas ele a depreda.
Sabemos que somos provisórios
e depois de nós virá: nada que valha a pena dizer
(GG. p. 262).

Outro tema merecedor de uma atenção especial é o da relação do poeta com o comunismo. Hoje, extinta a União Soviética, derrubado o "Muro de Berlim", é fácil percebermos numerosos aspectos "datados" nas vicissitudes do envolvimento de Brecht com os comunistas. Vemo-lo empenhado em "fazer história" e ao mesmo tempo tropeçando numa história que o "dribla", que lhe "escapa", que não corresponde aos seus critérios. Vemo-lo reiterando princípios, transformados em "artigos de fé", no momento em que a vida (a história) ia impor uma rude revisão a seus companheiros.
Brecht fez muitos poemas de agitações e propaganda ("agitprop", na terminologia da época). Esse tipo de poema tem sua eficácia, evidentemente, prejudicada, quando se ofusca, na sociedade, a causa em função da qual ele agita e da qual faz propaganda. Nas condições atuais, não se pode esperar que tenham efeito comparável ao que tiveram, em torno de 1930, os versos do "Elogio do Partido" (GG, p. 464): "O indivíduo tem dois olhos, / o Partido tem mil olhos". Ou: "O indivíduo tem sua hora, / o Partido tem muitas horas".
Por outro lado, na leitura de outros poemas, um leitor despreconceituoso, hoje, não pode deixar de ficar impressionado com o fato de que a arrebatadora paixão revolucionária do poeta, mesmo sacudida por manifestações de uma desconfiança renascente, era sempre retomada por ele, tanto nos versos como na vida.
Há algo de profundamente "verdadeiro" no sentimento que se expressa na poesia política de Brecht. As condições em que se difunde, agora, o estado de espírito chamado de "pós-moderno" não devem obscurecer, na nossa compreensão dos poemas revolucionários, a capacidade de enxergar o vigor das motivações do poeta. Nas circunstâncias da "República de Weimar", do assassinato de Rosa Luxemburg e de Karl Liehknecht, do oportunismo da social-democracia, da ascensão do nazifascismo, um democrata radical tinha freqüentemente boas razões para simpatizar com as desassombradas posições anticapitalistas assumidas pelos "vermelhos". Pode-se mesmo dizer que, nas circunstâncias em que Brecht vivia, às vezes era difícil não ser comunista: o comunismo, em alguns momentos, aparecia como o canal "natural" para o investimento das energias daqueles que não se conformavam com a inumanidade da sociedade burguesa e ansiavam pela criação revolucionária de uma sociedade mais justa, mais igualitária.
Brecht nunca abriu mão de seu visceral inconformismo. Uma revolta que desde jovem foi a sua motivação fundamental em face do mundo criado pela burguesia levou-o a se aproximar do comunismo, porém as características da inquietação rebelde jamais se deixaram disciplinar completamente pela adoção de uma "doutrina".
No grande teórico do comunismo, Marx, o poeta encontrou, mais do que respostas, estímulos para aprofundar seus próprios questionamentos. O marxismo foi para ele, essencialmente, urna perspectiva crítica implacável, um modo de submeter as enganadoras construções ideológicas a uma corajosa investigação desmistificadora.
Os livros de Marx convenceram-no de que, para ser mais conseqüente na contestação à burguesia, ele deveria se apoiar no ponto de vista do proletariado; deveria pensar criticamente a sociedade burguesa do ângulo correspondente à posição do trabalhador, do homem que está excluído da propriedade particular dos grandes meios de produção e só tem para vender no mercado a sua força de trabalho.
Esse aspecto da leitura de Marx por Brecht não teve sua importância reconhecida por Jan Knopf. Num artigo publicado na revista Text und Kritik, Jan Knopf lembrou a frase de Hegel segundo a qual o herói não é reconhecido como tal por seu criado de quarto, não porque seja herói, mas porque o criado de quarto é um criado de quarto. Para Knopf, Brecht, insurgindo-se contra a representação ideológica elitista da história como história dos "grandes homens", e solidário com Os "de baixo", encampa a perspectiva do criado de quarto: "Por que o criado de quarto ("Kammerdiener") não escreveria a história sem heróis?" (KNOPF, Jan, 1973, p. 100). O que Brecht contrapõe à história ideológica dos "heróis", contudo, não é a história escrita pelo "criado de quarto", que, Karel Kosik desqualifica como mero "lacaio" (KOSIK, Karel, 1994, p. 191). Não é, também, a solidariedade incondicional aos "de baixo", que tanto podem se rebelar contra os "de cima" como podem se resignar e se acomodar passivamente à canga que lhes é imposta. A alternativa para a história que tem sido feita é a história que poderá vir a se fazer, a partir de um movimento revolucionador realizado pela classe operária. São os trabalhadores, segundo Brecht, que poderão promover na sociedade as transformações necessárias, que não se prendem à esfera privada (onde permanece o criado de quarto), mas passam pela luta política organizada, pela ação na esfera pública.
Essa expectativa poderia levar o poeta a resvalar, facilmente, para uma idealização do proletário. Atribuindo-lhe a faculdade de enxergar o todo da sociedade em seu dinamismo e entender-lhe o movimento (tal como Lukács fazia, em 1922, em História e Consciência de Classe), Brecht corria o risco de transformar a classe operária numa espécie de "chave" mágica, que abriria todas as portas da história e explicaria todas as suas contradições.
O trabalhador que o fascina, entretanto, não é aquele que pretensamente resolve o enigma da história (conforme palavras usadas, em outro contexto, pelo jovem Marx): é aquele que, no diálogo com a história, é capaz de interpelar os historiadores com maior radicalidade. O trabalhador com quem se identifica é aquele que se inquieta, que insiste em compreender melhor (mais criticamente) o mundo que anseia por modificar; é o trabalhador que lê e faz perguntas.
Isso fica claro no poema que transcrevemos a seguir e com o qual encerramos o presente trabalho:

"Fragen eines lesenden Arbeiters" (GG, p. 656)
(Perguntas de um trabalhador que lê).
Quem construiu Tebas, a cidade das sete portas?
Nos livros estão nomes de reis; os reis carregaram pedras?
E Babilônia, tantas vezes destruída, quem a reconstruía sempre?
Em que casas da dourada Lima viviam aqueles que a
edificaram?
No dia em que a Muralha da China ficou pronta,
para onde foram os pedreiros?
A grande Roma está cheia de arcos-do-triunfo:
quem os erigiu? Quem eram
aqueles que foram vencidos pelos césares? Bizâncio, tão
famosa, tinha somente palácios para seus moradores? Na
legendária Atlântida, quando o mar a engoliu, os afogados
continuaram a dar ordens a seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César ocupou a Gália.
Não estava com ele nem mesmo um cozinheiro? Felipe da
Espanha chorou quando sua frota
naufragou. Foi o único a chorar?
Frederico Segundo venceu a guerra dos sete anos. Quem
partilhou da vitória?
A cada página uma vitória.
Quem preparava os banquetes comemorativos? A cada dez anos
um grande homem.
Quem pagava as despesas?
Tantas informações.
Tantas questões.

BIBLIOGRAFIA:

ARENDT, Hannah. Homens em tempos sombrios, 1987, ed. Companhia das Letras, São Paulo;

BENJAMIN, Walter. Versuche über Brecht, 1966, ed. Suhrkamp, Frankfurt/Main; BLOCH, Ernst. "La chanson de Jenny", na revista Europe, 1957, n° 133/134, Paris; BOLLE, Willi. "Introdução à poesia de Brecht", em Brecht no Brasil, AAVV, ed. Paz e Terra, 1987;

BRECHT, Bertold. Gesammelte Gedichte, 1976, ed. Suhrkamp, Frankfurt/Main (4 volumes);

_________. Arheitsjournal, 1973, ed. Suhrkamp, Frankfurt/Main;

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