segunda-feira, 25 de junho de 2007

A HEGEMONIA AMERICANA FACE AO TERROR

Reproduzo artigo extraído do site http://ccorrente.no.sapo.pt/paginas/artbrzezinski.htm.
O artigo tem interesse porque levanta uma questão: a perda de legitimidade dos EUA podera ameaçar o capitalismo enquanto sistema econômico dominante ( ao menos na configuração que conhecemos)? Em outras palavras: não estaria o atual capitalismo dependente inteiramente da ideologia (e não o contrário)?
Zbigniew Brzezinski *

A hegemonia mundial americana é actualmente uma realidade estabelecida. Ninguém pode negá-la, nem mesmo os Estados-Unidos, que poriam em perigo a sua própria existência se tivessem que decidir - como a China, digamos que há mais de cinco séculos - retirar-se dos assuntos do mundo. Contrariamente a esta última, os Estados-Unidos não se poderiam isolar a si mesmos do caos planetário que se seguiria sem demora. Mas acontece com a política internacional o mesmo que com todas as coisas neste mundo: para qualquer potência, o declínio é inevitável. A hegemonia é uma fase histórica transitória. A prazo, ainda que longo, a hegemonia mundial dos Estados-Unidos desagregar-se-á.
(...)
(...) Os Estados-Unidos saíram da Guerra Fria como triunfadores, acedendo verdadeiramente, então, ao estatuto de superpotência. Um decénio mais tarde, arriscam-se a tornar-se numa superpotência afectada por uma marca negativa. Nos dois anos que se seguiram ao 11 de Setembro, a solidariedade mundial inicial recuou, para dar lugar ao isolamento, a empatia transformou-se em suspeição generalizada: o mundo interroga-se sobre as verdadeiras motivações que determinam o exercício do poderio americano.
A invasão do Iraque, em particular, coroada pelo sucesso militar, mas objecto de controvérsias internacionais persistentes, é objecto de um paradoxo preocupante: a credibilidade militar americana nunca esteve tão alta, a sua credibilidade política nunca esteve tão reduzida. (...)
A designação do terrorismo como ameaça central feita à segurança dos Estados-Unidos é sustentada por três afirmações estratégicas implícitas: a primeira resume-se na fórmula «quem não está connosco está contra nós»; a segunda consiste em, não só justificar prevenção e precedência militares, como também em confundi-las numa só definição; por fim, a terceira legitima a substituição de alianças duráveis por coligações de circunstância. Estas três regras suscitam inquietação no mundo inteiro. A primeira é considerada perigosamente imperativa, a segunda como uma fonte de imprevisibilidade estratégica, a terceira como pouco propícia às relações de confiança. Combinadas, contribuíram para dar aos Estados-Unidos a imagem de uma superpotência cada vez mais arbitrária nas suas decisões. (...)
(...)
Uma das fontes essenciais da sedução mundial dos Estados-Unidos, e, logo, do seu poderio, consiste na existência do seu sistema democrático e do seu poder de atracção. Torna-se assim crucial que os americanos consigam preservar o delicado equilíbrio entre liberdades individuais e exigências da segurança nacional. A tarefa é fácil quando as guerras ocorrem longe, com custos socialmente aceitáveis. Mas a intensidade das reacções da opinião depois dos crimes do 11 de Setembro - reacções talvez deliberadamente atiçadas pelo cálculo político - poderia modificar este equilíbrio. Uma mentalidade de Estado-regimento pode envenenar a democracia. Aquilo que a hostilidade regional fez por Israel, os medos engendrados pela hostilidade mundial poderiam bem fazê-lo pelos Estados-Unidos.
Uma fortaleza erguida sobre uma montanha e votada ao isolamento projecta uma sombra ameaçadora sobre tudo o que estiver no seu sopé. Nesta posição, os Estados-Unidos atrairiam sobre si mesmos o ressentimento do mundo inteiro. Uma cidade sobre uma montanha, pelo contrário, pode iluminar o mundo, transmitindo-lhe a esperança de um progresso humano - mas com a única condição de que este progresso apareça como uma perspectiva visionária e como uma realidade tangível para todos.
(in Le Vrai Choix. L'Amérique et le reste du monde, trad. Jorge Borges, Editions Odile Jacob, Paris, 2004)
* Zbigniew Brzezinski foi conselheiro de Segurança Nacional do presidente Jimmy Carter, sendo actualmente conselheiro no Center for Strategic and International Studies em Washington e professor na Johns Hopkins University.

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