segunda-feira, 25 de junho de 2007

A HEGEMONIA AMERICANA FACE AO TERROR

Reproduzo artigo extraído do site http://ccorrente.no.sapo.pt/paginas/artbrzezinski.htm.
O artigo tem interesse porque levanta uma questão: a perda de legitimidade dos EUA podera ameaçar o capitalismo enquanto sistema econômico dominante ( ao menos na configuração que conhecemos)? Em outras palavras: não estaria o atual capitalismo dependente inteiramente da ideologia (e não o contrário)?
Zbigniew Brzezinski *

A hegemonia mundial americana é actualmente uma realidade estabelecida. Ninguém pode negá-la, nem mesmo os Estados-Unidos, que poriam em perigo a sua própria existência se tivessem que decidir - como a China, digamos que há mais de cinco séculos - retirar-se dos assuntos do mundo. Contrariamente a esta última, os Estados-Unidos não se poderiam isolar a si mesmos do caos planetário que se seguiria sem demora. Mas acontece com a política internacional o mesmo que com todas as coisas neste mundo: para qualquer potência, o declínio é inevitável. A hegemonia é uma fase histórica transitória. A prazo, ainda que longo, a hegemonia mundial dos Estados-Unidos desagregar-se-á.
(...)
(...) Os Estados-Unidos saíram da Guerra Fria como triunfadores, acedendo verdadeiramente, então, ao estatuto de superpotência. Um decénio mais tarde, arriscam-se a tornar-se numa superpotência afectada por uma marca negativa. Nos dois anos que se seguiram ao 11 de Setembro, a solidariedade mundial inicial recuou, para dar lugar ao isolamento, a empatia transformou-se em suspeição generalizada: o mundo interroga-se sobre as verdadeiras motivações que determinam o exercício do poderio americano.
A invasão do Iraque, em particular, coroada pelo sucesso militar, mas objecto de controvérsias internacionais persistentes, é objecto de um paradoxo preocupante: a credibilidade militar americana nunca esteve tão alta, a sua credibilidade política nunca esteve tão reduzida. (...)
A designação do terrorismo como ameaça central feita à segurança dos Estados-Unidos é sustentada por três afirmações estratégicas implícitas: a primeira resume-se na fórmula «quem não está connosco está contra nós»; a segunda consiste em, não só justificar prevenção e precedência militares, como também em confundi-las numa só definição; por fim, a terceira legitima a substituição de alianças duráveis por coligações de circunstância. Estas três regras suscitam inquietação no mundo inteiro. A primeira é considerada perigosamente imperativa, a segunda como uma fonte de imprevisibilidade estratégica, a terceira como pouco propícia às relações de confiança. Combinadas, contribuíram para dar aos Estados-Unidos a imagem de uma superpotência cada vez mais arbitrária nas suas decisões. (...)
(...)
Uma das fontes essenciais da sedução mundial dos Estados-Unidos, e, logo, do seu poderio, consiste na existência do seu sistema democrático e do seu poder de atracção. Torna-se assim crucial que os americanos consigam preservar o delicado equilíbrio entre liberdades individuais e exigências da segurança nacional. A tarefa é fácil quando as guerras ocorrem longe, com custos socialmente aceitáveis. Mas a intensidade das reacções da opinião depois dos crimes do 11 de Setembro - reacções talvez deliberadamente atiçadas pelo cálculo político - poderia modificar este equilíbrio. Uma mentalidade de Estado-regimento pode envenenar a democracia. Aquilo que a hostilidade regional fez por Israel, os medos engendrados pela hostilidade mundial poderiam bem fazê-lo pelos Estados-Unidos.
Uma fortaleza erguida sobre uma montanha e votada ao isolamento projecta uma sombra ameaçadora sobre tudo o que estiver no seu sopé. Nesta posição, os Estados-Unidos atrairiam sobre si mesmos o ressentimento do mundo inteiro. Uma cidade sobre uma montanha, pelo contrário, pode iluminar o mundo, transmitindo-lhe a esperança de um progresso humano - mas com a única condição de que este progresso apareça como uma perspectiva visionária e como uma realidade tangível para todos.
(in Le Vrai Choix. L'Amérique et le reste du monde, trad. Jorge Borges, Editions Odile Jacob, Paris, 2004)
* Zbigniew Brzezinski foi conselheiro de Segurança Nacional do presidente Jimmy Carter, sendo actualmente conselheiro no Center for Strategic and International Studies em Washington e professor na Johns Hopkins University.

ANOTAÇÕES SOBRE A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO

Apresentação de uma edição pirata
Emiliano Aquino
Mas como a reflexão e o pensamento suplantaram as belas artes, a ação e a intervenção social suplantarão doravante a verdadeira filosofia. Também a consciência, neste instante preciso, apressa-se a penetrar em toda parte e, apenas bem sucedida nela mesma, procura agora precipitar a ação.” AUGUST CIESZKOWSKI, Prolegômenos à historiosofia.
A Sociedade do Espetáculo foi editado, pela primeira vez, em novembro de 1967, em Paris, pela Editora Buchet-Chastel. Nesta edição, o autor era apresentado de um modo simples e direto: “Guy Debord é diretor da revista Internacional Situacionista”. Essa simples apresentação, já naquele momento, dizia, no entanto, muita coisa. A Internacional Situacionista (I.S.), a revista, já contava com 11 números, desde sua primeira aparição, em 1958. E o grupo que a editava, a Internacional Situacionista (I.S.), era já conhecido por sua intensa e contundente atividade nos meios das avant-gardes européias desde dez anos antes, quando fora fundada, em 1957. Logo depois, ainda em [19]67, outro livro foi lançado por um membro da I.S.: Tratado do saber viver ao uso das jovens gerações, de Raoul Vaneigem, editado pela Gallimard.
Na revolta de maio de 1968, esses livros tiveram uma marcante influência sobre o setor mais radical do movimento. Inicialmente, sobre os enragés, grupo de uns dez “antiestudantes” que, na Universidade de Nanterre, começara alguns meses antes uma agitação social contra o sistema de ensino, os professores e as autoridades acadêmicas e que, por essas atividades, esteve nas origens do movimento que iria explodir e se expandir em maio. Mas também, quando enragés e situacionistas romperam com os estudantes da Sorbonne ocupada e formaram o Conselho pela Manutenção das Ocupações (num momento em que centenas de fábricas francesas estavam já ocupadas pelos operários grevistas), uma variedade de blusões negros, jovens operários e outras figuras perigosas de Paris vieram juntar-se a este comitê, expressando, assim, também uma concordância com as teses radicais dos situacionistas.
Uma das características da revolta de maio foi, sem dúvida, as pinturas nas paredes de Paris, nas portas das fábricas, escolas e universidades. Boa parte dessas frases, consideradas as mais belas e, com certeza, as mais contundentes daquele movimento, foram tiradas diretamente dos livros e panfletos situacionistas. Essa aparente “adesão” às idéias situacionistas não se explicaria se, antes, as atividades de agitação e os escândalos promovidos pela I.S. não tivessem confluído e contribuído para a revolução de maio; e, certamente, se suas idéias não ajudassem a compreender e levar às últimas conseqüências as tendências mais profundas daquele movimento.
Com efeito, antes de maio de [19]68, os situacionistas já vinham falando na necessidade e no conteúdo da próxima revolta, do “novo levante proletário”. Iniciaram suas atividades contestando o establishment cultural, retomando e aprofundando as tendências já presentes entre os dadaístas e surrealistas, que procuraram a superação da arte e sua realização na vida cotidiana; os situacionistas chegaram, assim, à posição de que o conteúdo da revolução proletária seria a revolução da vida cotidiana, com a superação da totalidade das alienações do capitalismo moderno, com o apoderamento pelos indivíduos de suas próprias vidas, tornando-as uma obra-de-arte, e o seu acesso à “história total”. Sem dúvida, uma influência decisiva — nesse passo teórico dado pelos situacionistas entre as posições das vanguardas anteriores acerca da superação da arte (enquanto atividade separada da vida cotidiana) e o novo conceito de revolução da vida cotidiana — foi aquela exercida sobre eles pela elaboração de Henri Lefebvre, em sua Crítica da Vida Cotidiana (1947, com um novo Prefácio em 1958, e um segundo volume em 1961).
A crítica da arte, enquanto atividade separada, ligava-se estreitamente à crítica da política, enquanto atividade também necessariamente separada, pois situada na esfera do Estado, esfera exterior à vida cotidiana, e que, assim como a arte, se punha como atividade alienada e reprodutora da alienação.
Tratava-se, para os situacionistas, não mais de buscar a produção sublimada de uma crítica ou comunicação ou conciliação com a realidade na forma da arte, mas de produzi-las realmente como prática. A exigência feita contra a arte não poderia, portanto, ser recompensada pela política, pois esta também só podia oferecer mecanismos que eram eles mesmos alienados: a representação, os sindicatos operários e estudantis, os partidos, o Estado. Se se tratava de procurar realizar na prática a abolição de todo poder exterior, de toda linguagem unilateral e “comunicação” indireta (a pseudocomunicação) do mundo alienado, esta procura haveria que se dar no nível mesmo da vida cotidiana, recusando todo especialismo artístico, político e teórico(1). Neste ponto, como em outros, a convicção mais profunda dos situacionistas era a de que, como dirá mais tarde Debord, “já não [se] pode combater a alienação sob formas alienadas” (A Sociedade do Espetáculo [SdE], § 122).
O “nó” que “amarrava” todas essas preocupações era a compreensão de que o conjunto dessas alienações conforma uma totalidade a partir da determinação da forma-mercadoria sobre o conjunto da vida social, das atividades e relações entre os indivíduos; em outras palavras, o domínio da reificação (do latim res: coisa), da coisificação. É o que os situacionistas chamaram de “economização da vida”. É o domínio da economia, entendida no sentido estrito de economia de mercado, que submete as relações humanas — as relações dos homens entre si, a cultura, a relação com o uso do espaço e do tempo de vida, a relação com a história e a destruição da memória no “eterno presente” da produção e do consumo da mercadoria — à lógica autônoma da transformação do dinheiro-capital em mais-dinheiro, da relação entre os homens como portadores de mercadorias segundo a lógica própria das trocas mercantis (que se dão segundo o critério do valor econômico).
Enfim, o fato de que as relações produzidas e estabelecidas pelos homens ganham vida própria e, assim, passam a dominá-los; o fato de que, nessas relações, as coisas são produzidas não pela sua utilidade, mas pelo seu valor econômico; de que a partir dessa hierarquia primeira do valor econômico sobre a utilidade das coisas se ergue a hierarquia da economia sobre os homens e suas vidas, e dos especialistas e dirigentes da produção mercantil sobre o conjunto da sociedade; de que essa hierarquia demonstra-se também no Estado, mas antes e sobretudo num sistema completo de hierarquias, alienações e expropriações da vida que está presente em todo o cotidiano e nas instituições separadas que, desde fora, planejam e controlam a cotidianidade.
Os situacionistas, desse modo, reencontravam a seu modo a crítica da economia política. Como Debord dirá mais tarde, em um outro contexto, a crítica da economia política significava, nas condições do capitalismo moderno, a compreensão e o combate à sociedade do espetáculo(2). O espetáculo, assim, seria o conceito que daria conta da submissão da totalidade da vida cotidiana à lógica do trabalho assalariado, o trabalho-mercadoria; e, neste sentido, “unifica e explica uma grande diversidade de fenômenos aparentes” (SdE, § 10): o lazer, o urbanismo, a serialização e homogeneização dos produtos “culturais”, a agressão à natureza, a intensificação do racismo etc. O princípio do espetáculo é a não intervenção, a contemplação, a passividade diante da realidade; em última instância, a transformação dos homens em espectadores de suas próprias vidas. A sua essência: a economia autonomizada, a reificação das relações sociais, a alienação do trabalho. A edição em 1960, pela revista Arguments, de uma tradução francesa de História e consciência de classe (1923), de George Lukács, cuja temática principal é o da reificação, certamente deve ter tido uma forte influência no desenvolvimento dessa teoria(3). Diversos escritos situacionistas, anteriores a essa publicação, testemunham já a presença da crítica da economia política. Este é o caso de “Posições situacionistas sobre a circulação” (I.S. nº 3, dezembro de 1959), de Debord, que opõe a circulação de mercadorias ao livre uso do espaço e do tempo (questões centrais para os situacionistas, principalmente em torno da temática da crítica do urbanismo); e de “O fim da economia e a realização da arte” (I.S. nº 4, junho de 1960, depois publicado no mesmo ano no livro intitulado Crítica da política econômica), de Asger Jorn.
Sabemos o quanto é problemático, hoje, falar em “totalidade”. Em geral, este é um conceito que, em determinadas vozes, faz lembrar — para o bem ou para o mal — o velho ideal filosófico de sistema, de saber absoluto. Mas não é disso que se trata para Debord e os situacionistas, e por dois motivos. Primeiro, porque a teoria não é, para eles, um conhecimento positivo, e não se trata, assim, de constituir um conhecimento do todo, um sistema de saber. Nada mais adverso às suas perspectivas teóricas do que um tal projeto. Na tese 125 de A sociedade do espetáculo, Debord afirma que “o homem é idêntico ao tempo” e, alguns anos mais tarde, no aforismo XXXI dos Comentários sobre a sociedade do espetáculo (1988), repetiria Baltasár Gracián: “Seja a ação, seja o discurso, tudo precisa ser medido pelo tempo. É preciso querer quando se pode; pois nem a estação nem o tempo esperam por ninguém”. A teoria, para Debord, é tão finita e passageira quanto o são as gerações dos homens; produzida no tempo, diz respeito às lutas e, nesse sentido, cumpre uma função estratégica. Assim, longe de um saber total, ele supunha uma crítica total às condições de existência da sociedade dominada pela mercadoria. E tal crítica só podia ser total na medida em que, nesta sociedade, uma determinação se fez total: as relações de compra-e-venda, submetendo a si todas as dimensões da vida. Trata-se, portanto, não de realizar algum tipo de totalidade, mas de nos livrarmos da má totalidade. Debord não lamenta o fato de que a economia tenha dominado tudo, propondo contra isso limitar a economia, mas denuncia a economia como necessariamente totalitária e, contra isso, propõe a sua dissolução — que é ao mesmo tempo a dissolução do Estado e de todo o sistema único de alienações e hierarquias. “Um tal programa”, dizem Debord e Canjuers, “não propõe aos homens nenhuma outra razão de viver senão a construção por eles mesmos de sua própria vida”(4).
A compreensão crítica de totalidade é o que permitiu aos situacionistas estar atentos aos novos sinais da contestação social, aos rastros do que viria: num primeiro momento, as insurreições operárias no Leste europeu (Alemanha, Hungria...), depois — e nesses casos, foram os primeiros e, até [19]68, os únicos — o “crime” e a “destruição das máquinas de consumo” nos países capitalistas desenvolvidos, com o surgimento das primeiras greves selvagens na França e das novas formas de contestação juvenil (não apenas estudantil).
Em todo esse esforço teórico de compreensão das novas condições de existência social, e das lutas contra elas, um momento importante foi o documento — intitulado Preliminares para uma definição da unidade do programa revolucionário — escrito em julho de 1960 por Guy Debord e Pierre Canjuers (pseudônimo de Daniel Blanchard), membro do grupo Socialismo ou Barbárie(5). Esse documento expressava uma aproximação entre as posições revolucionárias das vanguardas artísticas e as do movimento operário. Em seu conteúdo, esse pequeno texto buscava demonstrar como os problemas da cultura e aqueles da revolução social haviam se tornado um só, e dizia respeito ao uso da vida pelos homens.
Nesse sentido, refletia teoricamente a necessidade da compreensão das novas formas de contestação contra a “negação da vida” pela extensão cotidiana do domínio da economia. As páginas da Internacional Situacionista vão, nos anos seguintes, buscar acompanhar essas formas de contestação e refleti-las teoricamente.
Em agosto de 1961, no número 6 da I.S., a nota editorial se intitula: “Instruções para uma tomada de armas”. Esta nota defendia as tendências conselhistas que surgiam em novos grupos autônomos da Europa e definia que a revolução da vida cotidiana e a reivindicação dos Conselhos Operários seriam os critérios fundamentais para a colaboração dos situacionistas com as novas forças revolucionárias. No mesmo número, uma nota intitulada “Defesa incondicional” propunha a solidariedade com a nova revolta da juventude em seus métodos mais radicais, considerados criminosos por sua violência, e que contestavam a família, os lazeres, o trabalho etc.
No número 7, aparecido em abril de 1962, os situacionistas falavam da luta contra o armamento nuclear e a construção de abrigos anti-nucleares pelos mesmos governos que impulsionavam a corrida armamentista, nos EUA, na Alemanha Federal, na Suíça, Suécia etc(6). E, na nota “Os maus dias findarão”, analisaram o surgimento das novas formas de contestação operária, anti-sindical e violenta, como manifestações de operários fabris em Nápoles, que quebraram escritórios da fábrica, incendiaram ônibus e enfrentaram a polícia num protesto em solidariedade à greve dos condutores de ônibus, ou como o ataque de mineiros franceses aos carros estacionados na empresa em que trabalhavam. Nesses casos, segundo a avaliação situacionista, se exemplificava a luta contra a expropriação do tempo marginal de transporte e os objetos do consumo mercantil. “Do mesmo modo que a primeira organização do proletariado clássico foi precedida, nos fins do século 19, de uma época de gestos isolados, ‘criminosos’, visando a destruição das máquinas de produção, que eliminavam as pessoas de seu trabalho, assiste-se neste momento à primeira aparição de uma onda de vandalismos contra as máquinas de consumo, que muito seguramente também nos eliminam da vida” (I.S. nº 7, p. 11)(7).
No número 10, de março de 1966, publicou-se uma longa análise elaborada por Debord sobre a rebelião negra em Watts, Estados Unidos, intitulada “O declínio e a queda da economia espetacular-mercantil”. Nesta análise, Debord volta a considerar os métodos radicais, como os saques, os incêndios, as barricadas e os enfrentamentos com a polícia, relacionando-os com a resistência à mercadoria, à hierarquia e às separações que a sociedade de mercado necessariamente produz e, nas condições do capitalismo moderno, aprofunda. Mais uma vez, manifestava-se, para ele, que a resistência à mercadoria havia se tornado tão cotidiana em seus alvos e em suas formas como a própria mercadoria o havia em seu domínio.
É neste espírito que, em 1966, os situacionistas e um grupo de estudantes que lhe era simpático promovem o chamado “escândalo de Strasbourg”. Esse grupo de estudantes fora conduzido à direção da seção local da UNEF (União Nacional de Estudantes da França) e, fazendo uma crítica do sindicalismo estudantil, planeja a dissolução da entidade, constrói uma “Associação pela reabilitação de Karl Marx e Ravachol”, difunde em cartazes uma história em quadrinhos chamada “O retorno da Coluna Durruti” e, no dia da aula inaugural do período, em novembro de 1966, evento sempre tão solene e ritualístico na Universidade francesa, distribuiu um pequeno ensaio intitulado Da miséria no meio estudantil, considerada nos seus aspectos econômico, político, sexual e especialmente intelectual e de alguns meios para a prevenir(8). Este ensaio, editado naquele momento em 10 mil exemplares (pois nos meses seguintes, iria ser editado uma infinidade de vezes, inclusive no exterior), denunciava a condição alienada e auto-contemplativa da situação do estudante francês, relacionando-a à totalidade da nova miséria social do capitalismo desenvolvido. Tudo isso foi, efetivamente, um escândalo e deu uma tonalidade radical, pela primeira vez, à nova contestação juvenil, contemporânea das novas formas da contestação proletária.
Assim, quando em 1967, A Sociedade do Espetáculo é editado e, alguns meses depois ocorre a revolta de maio na França, revolta que, a partir de um estopim estudantil (provocado, em suas origens, pelas provocações dos antiestudantes enragés), incendiou-se nas centenas de greves operárias com ocupação de fábrica, o autor desse livro e seus comparsas eram já identificados às tendências teóricas mais extremistas — porque pretendiam uma revolução total — da nova contestação social. E dessa maneira foram entendidos — para o bem ou para o mal — pelos participantes de maio de [19]68.
* * *
De que tu te ocupas exatamente? Eu não sei bem.— Da reificação, responde Gilles.— É um estudo pesado, acrescentei.— Sim, diz ele.— Estou vendo, observa Carole admirada. É um trabalho muito sério, com livros grossos e muitos papéis sobre uma mesa grande.— Não, diz Gilles, eu passeio. Principalmente eu passeio.” MICHÈLE BERNSTEIN, Tous les chevaux du roi.
Em Preliminares para uma definição da unidade do programa revolucionário, os seus autores compreendiam que a “base” das perspectivas teóricas que eles ali anunciavam não era senão “a luta do proletariado em todos os níveis; e todas as formas de recusa explícita ou de indiferença que devem combater permanentemente, por todos os meios, a instável sociedade existente. A sua base é, do mesmo modo, a lição do fracasso essencial de todas as tentativas de mudanças menos radicais. É, enfim, a exigência que se faz hoje em certos comportamentos extremos da juventude (cujo adestramento se demonstra menos eficaz) e, agora, de alguns meios de artistas”(9).
No mesmo sentido afirma a tese 115, de A sociedade do espetáculo, acerca das novas manifestações de crítica prática: “Aos novos sinais de negação, incompreendidos e falsificados pela ordenação espetacular, que se multiplicam nos países mais avançados economicamente, pode-se já tirar a conclusão de que uma nova época está aberta: depois da primeira tentativa de subversão operária, é agora a abundância capitalista que falhou. Quando as lutas anti-sindicais dos operários ocidentais são reprimidas primeiro que tudo pelos sindicatos, e quando as correntes revoltadas da juventude lançam um primeiro protesto informe, no qual, porém, a recusa da antiga política especializada, da arte e da vida cotidiana, está imediatamente implicada, estão aí as duas faces de uma nova luta espontânea que começa sob o aspecto criminoso. São os signos precursores do segundo assalto proletário contra a sociedade de classe. Quando os enfants perdus deste exército ainda imóvel reaparecem nesse terreno que se tornou outro e permaneceu o mesmo, eles seguem um novo ‘general Ludd’, que desta vez os lança na destruição das máquinas do consumo permitido”.
Com efeito, os situacionistas pretendiam expressar teoricamente esses “novos sinais da negação”, inserindo-se praticamente neles: “A I.S. não apenas viu chegar a subversão proletária moderna; chegou com ela. Não a anunciou como um fenômeno exterior, pela extrapolação glacial do cálculo científico: a I.S. foi ao seu encontro”, dizem Debord e Gianfranco Sanguinetti, no documento em que anunciam, em 1972, o fim da Internacional Situacionista(10).
Nesses trechos, seus autores afirmam um método teórico fundamental e que constitui o núcleo de como os situacionistas entendiam a teoria, tendo a negação prática como base da crítica teórica. Em distintos momentos, antes e após [19]68, os situacionistas afirmaram fazer a “teoria em ato”, a “teoria do momento mesmo”, e que a teoria revolucionária tornara-se um “valor de uso” e, como tal, deveria ser usada. Entendiam a relação entre crítica prática e crítica teórica como um mesmo trabalho do negativo. Eles recusavam, assim, qualquer teoria separada, por mais coerente que fosse; coerência que seria, no modo da separação, apenas ideologia revolucionária, “a coerência do separado da qual o leninismo”, segundo Debord, “constitui o mais alto esforço voluntarista” (SdE, § 105). “Nós não temos nenhuma necessidade”, diz ele em outro contexto, referindo-se à própria experiência da I.S., “de ‘pensadores’ enquanto tais, isto é, de pessoas produzindo teorias fora da vida prática. Na medida em que nossas teorias em formação me parecem tão justas quanto possível, pelo momento e nas condições que encaramos, eu admito que todo desenvolvimento teórico que pode se inscrever na coerência do ‘discurso situacionista’ vem da vida prática, decola desta legitimamente. Mas isto não é, ainda, em nada suficiente. É necessário que as fórmulas teóricas retornem à vida prática, senão elas não valem o esforço de um quarto de hora”(11). Não é difícil ver a relação dessas palavras com a crítica do fetichismo mercantil e o mundo de separações que ele funda. Portanto, a relação entre a denúncia da inversão operada entre homem e mundo pela produção mercantil e a crítica da própria inversão operada pela ideologia (aqui totalmente recusada) entre vida e pensamento, da qual, segundo ele, o espetáculo é a materialização (SdE, capítulo IX).Esse aspecto leva-nos a uma questão da suma importância hoje em dia, quando pomo-nos a pensar a obra de Debord e a experiência situacionista. Os esforços que se têm feito, em determinados setores, para separar uma parte da obra de Debord de outras dimensões de seu pensamento, expressam antes de tudo o esforço em separar o conjunto de seu pensamento da sua atividade prática, em dissolver sua relação com as misérias e as lutas de seu tempo. Assim, na mais recente recepção midiática de sua obra, toma-se o Debord “filósofo” contra o avant-garde, o escritor contra o cineasta, o “artista” contra o revolucionário.
Também problemática nesse aspecto é a tendência — hoje comum no Brasil — de aproximá-lo das formulações do grupo alemão Krisis, a partir de uma centralidade separada (que, enquanto separada, não pode logicamente permanecer como centro de nada) de sua crítica do fetichismo mercantil, sua crítica da economia política. O livro que prepara essa aproximação (A. Jappe, Guy Debord), livro conceitual e historiograficamente sério, talvez o melhor sobre este personagem, tem o mérito teórico e intelectual de argumentar claramente em defesa da tese de uma divisão entre “dois” Debord: o da crítica do fetichismo mercantil e o da luta de classes — tal como O colapso da modernização de R. Kurz defende a existência de “dois Marx”. “Debord demonstrou, ainda que de modo sucinto, o caráter inconsciente da sociedade regida pelo valor. Mas, ao mesmo tempo, refere-se ao aspecto da teoria de Marx que põe no centro os conceitos de ‘classe’ e de ‘luta de classes’, dos quais também se prevalece o movimento operário. A insistência na ‘luta de classes’ desconhece, entretanto, a natureza das classes criadas pelo movimento do valor e que só têm sentido em seu interior. Proletariado e burguesia só podem ser os instrumentos vivos do capital variável e do capital fixo; são os comparsas e não os diretores da vida econômica e social. Seus conflitos, isto é suas ‘lutas de classes’, passam necessariamente pela mediação de uma forma abstrata e igual para todos — dinheiro, mercadoria. Desde então, tratava-se apenas de lutas de distribuição no interior de um sistema que ninguém punha seriamente em dúvida. (…) Quando acredita que é possível, nas condições atuais, a existência de um sujeito por sua própria natureza ‘fora’ do espetáculo, Debord parece esquecer o que ele mesmo declarou sobre o caráter inconsciente da economia mercantil, e o esquece novamente quando identifica esse sujeito ao proletariado”(12).
A seriedade teórica e intelectual não livra ninguém, no entanto, de cair em unilateralismos e em sérios problemas de análise. É o que, parece-me, acontece com a análise de Jappe. Na argumentação acima citada, é chave a expressão “ao mesmo tempo”, pois é ela que dissocia dois elementos históricos a meu ver inseparáveis: o surgimento da crítica da economia política, em sua forma téorica, já nas obras juvenis de Marx(13), e as lutas proletárias que naquele momento a realizavam praticamente, manifestando-se contra as hierarquias do trabalho assalariado14. E, por isso, dissolve também a ligação metodológica — reconhecida por Debord e os situacionistas — entre a crítica situacionista da mercadoria e as novas formas de subversão que se apresentavam nos países capitalistas desenvolvidos nos anos [19]60 (e que se prolongaram até os [19]70). Para além de uma questão histórica, penso que há aqui uma seríssima questão teórico-metodológica e, antes de tudo, prática sobre qual é e deve ser o ponto de partida da crítica teórico-prática: a negação conceitual ou a negação prática.
Ligada a isso, está a idéia afirmada por Jappe de que, dados pelo fetichismo, proletariado e burguesia seriam “instrumentos do capital variável e do capital fixo”(15). Se se quer dizer que essas classes se constituem a partir do domínio da economia autonomizada, isso é uma verdade que, no entanto, se torna falsa quando não se tem presente a compreensão de que o capital enquanto tal é uma forma de relação social entre os homens, relação histórica e, principalmente, antagônica; relação que se produz e reproduz cotidianamente, através dos atos singulares de indivíduos singulares e, por isso mesmo, a cada momento em xeque; relação na qual, ao experimentarem cotidianamente o antagonismo de suas vidas com a economia autônoma, @s proletarizad@s manifestam-se negativamente de múltiplas formas, não sendo portanto verdadeiro que as “suas ‘lutas de classes’ passam necessariamente pela mediação de uma forma abstrata e igual para todos — dinheiro, mercadoria” (grifos meus). Finalmente, longe de constituírem apenas um dos “pólos de uma mesma unidade” (expressão de R. Kurz, cuja tese é aqui retomada por Jappe), @s proletarizad@s, por suas condições negativas de existência, encontram-se objetiva e subjetivamente negad@s em tal relação. Por isso mesmo, portam, como experiência cotidiana, a negação da unidade sintética da relação capital(16).
A posição de Debord quanto ao caráter revolucionário do proletariado não significa, de modo algum, qualquer tipo de representação metafísica sobre tais potencialidades revolucionárias. Aliás, proletariado é um conceito que se precisa ter em permanente reconsideração, dadas as transformações contínuas na forma de existência d@s proletarizad@s, transformações determinadas tanto por suas lutas quanto, em conseqüência, pelas transformações das relações de produção capitalistas. Longe de qualquer tipo de idealização, Debord considerava que a verdade revolucionária do proletariado estava não no que ele é, mas no seu devir.
Há particularmente uma passagem em que Debord retoma explicitamente essa questão — de qualquer modo já antes enfrentada pelos situacionistas e em A sociedade do espetáculo —, rechaçando tanto a negação do caráter revolucionário do proletariado pelo que ele é, quanto a afirmação disso na dependência de uma vanguarda dirigente. Eis o trecho, que fala melhor por si mesmo do que qualquer esforço de simplesmente reproduzir seu conteúdo: “Os observadores do governo, tanto quanto os do partido dito comunista falam do que os operários são — e a cada vez restabelecem como os operários não são revolucionários, pois o único fato de que eles o possam dizer confirma empiricamente sua análise. Sobre o mesmo terreno da metodologia burguesa, mas mais extravagantes ainda, os maoístas crêem que os operários são tout à fait revolucionários — e mais, segundo as grotescas modalidades maoístas! —, e eles querem sinceramente lhes ajudar a sê-lo: como em Cantão em 1927. Mas o problema histórico não é de nenhum modo o de compreender o que os operários ‘são’ — hoje eles não são senão operários — mas o que eles vão devir. Este devir é a única verdade do ser do proletariado, e a única chave para compreender verdadeiramente o que são já os operários”(17).
Assim, a aproximação entre Debord e o Krisis só é possível se se leva em conta as mediações postas pelo próprio Krisis em sua análise das lutas de classes, da obra de Marx e, como o faz Jappe, da obra de Debord. Assim fazendo-se, verificar-se-á que essa aproximação se dá — e com coerência! — somente a partir do próprio Krisis, na medida em que esse grupo considera razoável a separação entre a crítica teórica do fetichismo (em Marx e em Debord) e a crítica prática experimentada pelas lutas proletárias. Porém, ainda assim, é essa separação mesma que permanece discutivel.
* * *
“No livro que preparo atualmente, veremos, eu espero, de forma mais clara do que nas obras precedentes, que a I.S. trabalhou no centro dos problemas que a sociedade moderna a si coloca. Então eu creio que se admitirá que alguns objetivos gerais da I.S. são bem traçados no concreto, como tu reclamas.” Carta de Guy Debord a Asger Jorn, 13 de janeiro de 1964.
Mas afinal do que trata A sociedade do espetáculo? O único número da revista da seção italiana da I.S., publicado em 1969, traz uma tradução do 4º capítulo desse livro, capítulo apresentado ali como sendo a parte central da obra, e apresenta também uma espécie de sumário temático de todo o livro. É, neste sentido, uma boa introdução à leitura dessa obra, particularmente o trecho reproduzido abaixo:
“ ‘O proletariado como sujeito e como representação’ é o capítulo que ocupa a parte central do livro. O primeiro capítulo expõe o conceito de espetáculo. O segundo define o espetáculo como um momento no desenvolvimento do mundo da mercadoria. O terceiro descreve as aparências e as contradições sócio-políticas da sociedade espetacular. O quarto, traduzido aqui, retoma o movimento histórico anterior (procedendo sempre do abstrato ao concreto) sob a forma da história do movimento revolucionário. É uma síntese do fracasso da revolução social e de seu retorno. Ele desemboca sobre a questão da organização revolucionária. O quinto capítulo trata do tempo histórico e do tempo da consciência histórica. O sexto descreve o ‘tempo espetacular’ da sociedade atual como ‘falsa consciência do tempo’ e como ‘tempo da produção’ de uma sociedade histórica que recusa a história. O sétimo critica a organização do espaço social, o urbanismo e a divisão do território. O oitavo recoloca na perspectiva revolucionária histórica a dissolução da cultura enquanto ‘separação do trabalho intelectual e trabalho intelectual da divisão’, e une à crítica da linguagem uma explicação da linguagem mesma deste livro, que ‘não é a negação do estilo, mas o estilo da negação’, o emprego do pensamento histórico, sobretudo aquele de Hegel e de Marx, e o emprego histórico da dialética. O nono considera a sociedade espetacular como materialização da ideologia e a ideologia como ‘a base do pensamento de uma sociedade de classes’. Ao auge de sua perda da realidade corresponde sua reconquista pela prática revolucionária, a prática da verdade em uma sociedade sem classes organizada em Conselhos, lá ‘onde o diálogo se armou para tornar vitoriosas suas próprias condições’ ”(18).
Alguns anos mais tarde, no Prefácio que preparou para a 4ª edição italiana de A sociedade do espetáculo, Debord afirma que, desde a primeira edição do livro, “o espetáculo aproximou-se de modo mais exato de seu conceito”: “Foi possível ver a falsificação tornar-se mais densa e descer até a fabricação das coisas mais banais, qual bruma pegajosa que se acumula no nível do solo de toda a existência cotidiana. Foi possível ver, até a loucura ‘telemática’, a pretensão do absoluto controle técnico e policial sobre o homem e as forças naturais, controle cujos erros aumentaram tão depressa quanto os recursos que movimenta. Foi possível ver a mentira estatal se desenvolver em si e por si, no perfeito esquecimento de seu vínculo conflituoso com a verdade e a verossimilhança, a ponto dessa mentira descrer de si mesma e se substituir de hora em hora”(19).
Já nos Comentários sobre a sociedade do espetáculo, texto de 1988 que se debruça não sobre a anterior obra de 1967, mas sobre a coisa mesma e seu desenvolvimento nos vinte anos anteriores, Debord propõe-se a acrescentar, em relação a A sociedade do espetáculo, no plano teórico, “apenas um detalhe”: “Em 1967, eu distinguia duas formas, sucessivas e rivais, do poder espetacular: a concentrada e a difusa. Ambas pairavam acima da sociedade real, como seu objetivo e sua mentira. A primeira forma, ao destacar a ideologia concentrada em torno de uma personalidade ditatorial, havia acompanhado a contra-revolução totalitária, fosse nazista ou stalinista. A segunda forma, ao instigar os assalariados a escolherem livremente entre uma grande variedade de mercadorias novas que se enfrentavam, representara a americanização do mundo, assustadora sob certos aspectos, mas também sedutora nos países onde as condições das democracias burguesas de tipo tradicional conseguiram se manter por mais tempo. Uma terceira forma constituiu-se a partir de então, pela combinação das duas anteriores, e na base geral de uma vitória da que se mostrou mais forte, mais difusa. Trata-se do espetacular integrado, que doravante tende a se impor”(20).
E explica, mais adiante: “O espetacular integrado se manifesta como concentrado e difuso, e, desde essa proveitosa unificação, conseguiu usar amplamente os dois aspectos. O anterior modo de aplicação destes mudou bastante. No lado concentrado, por exemplo, o centro diretor tornou-se mais oculto: já não se coloca aí um chefe conhecido, nem uma ideologia clara. No lado difuso, a influência espetacular jamais marcara tanto quase todos os comportamentos e objetos produzidos socialmente. Porque o sentido final do espetacular integrado é o fato de ele ter se integrado na própria realidade à medida que falava dela e de tê-la reconstruído ao falar dela. Agora essa realidade não aparece diante dela como coisa estranha. Quando o espetacular era concentrado, a maior parte da sociedade periférica lhe escapava; quando era difuso, uma pequena parte; hoje, nada lhe escapa. O espetáculo confundiu-se com toda a realidade, ao irradiá-la. Como era teoricamente previsível, a experiência prática da realização sem obstáculos dos desígnios da razão mercantil logo mostrou que, sem exceção, o devir-mundo da falsificação era também o devir-falsificação do mundo. Exceto uma herança ainda considerável, mas com tendência a diminuir, de livros e construções antigas — que são, aliás, cada vez mais selecionados e considerados de acordo com as conveniências do espetáculo —, já não existe nada, na cultura e na natureza, que não tenha sido transformado e poluído segundo os meios e os interesses da indústria moderna”(21). As características do espetacular integrado que ele analisa em todo o restante desses Comentários, e sobre os quais seriam necessárias algumas considerações as quais não podemos fazer aqui, são: “a incessante renovação tecnológica, a fusão econômico-estatal, o segredo generalizado, a mentira sem contestação e o presente perpétuo”(22).

* * *
O que, ao contrário, constitui o mérito de nossa teoria é o fato não de ter uma idéia justa, mas de ter sido naturalmente conduzida a conceber essa idéia. Em resumo, não se poderia muito repetir senão que aqui — como no domínio inteiro da prática — a teoria está aí bem mais para formar o prático, para lhe fazer o julgamento, do que para lhe servir de indispensável apoio a cada passo de que necessita a realização de sua tarefa.”CLAUSEWITZ, Campanha de 1814.
A primeira edição de A sociedade do espetáculo só veio à luz no Brasil em julho de 1997(23), quase trinta anos após a primeira edição francesa e mais de duas décadas de sua tradução nas principais línguas do mundo. Em 1972, houve uma primeira edição em Portugal, que Debord considerou a única que, com certeza, tivera até então uma boa tradução logo na primeira tentativa(24). Esta presente edição pelo Coletivo Acrático Proposta é feita a partir dessa tradução portuguesa com as naturais e não prejudiciais alterações lingüísticas(25). Sua intenção é baratear o acesso à obra e facilitar o potlatch: daí porque ela venha fotocopiada, e com páginas duplas em folha de tamanho A4, em formato brochura (que, ao serem retirados os grampos, possibilita a sua reprodução barata em qualquer esquina). Revela com isso suas intenções práticas: quer contribuir não apenas para uma difusão não acadêmico-editorial da obra, mas para que a nova geração de contestadores sociais possa fazer das teses aqui apresentadas algum uso.
Esse aspecto tem também uma importância histórica. Mais de trinta anos após sua edição na França e seu uso prático pelos contestadores que se multiplicaram na Europa após [19]68, A sociedade do espetáculo agora encontra alguma ligação com os movimentos sociais que atuam sob e contra o Estado brasileiro. Esta ligação, com a presente edicão, conhece um modo de divulgação da obra que foi bastante usual no final dos anos [19]60 e em todos os anos [19]70 na Europa: sua divulgação através de uma edição pirata. É verdade que a edição brasileira anterior feita legalmente já permitiu um certo encontro de uma não tão ampla variedade de indivíduos e grupos com a teoria crítica do espetáculo, o que foi reforçado depois com a edição do livro de Anselm Jappe, com a disponibilização de vários textos situacionistas nas páginas eletrônicas “Biblioteca Virtual Revolucionária”, “Na luta contra a alienação humana”, “Conselhos Operários” e “Comunistas de Conselhos” e pelas publicações na grande imprensa, uma vez ou outra, de artigos de acadêmicos sobre Guy Debord e sua obra. E assim, hoje, e apenas hoje, a crítica social desenvolvida por Debord começa a dar-se a conhecer e, pontualmente, a manter algum tipo de relação com uns poucos movimentos contestatórios que atuam por aqui. Esta é, talvez, a grande novidade, a qual vem compor (e com ela contribuir) esta edição pirata de A sociedade do espetáculo.
E este caráter de novidade tem uma explicação histórica. Em [19]68, e nos anos seguintes, não se verificou por aqui qualquer influência da teoria situacionista sobre o movimento estudantil e suas lutas contra a ditadura. Não há qualquer registro histórico de uma tal influência: não há conhecimento de nenhum panfleto, nenhuma inscrição em parede, nenhuma publicação ou grupo organizado que tenha manifestado, em suas posições, qualquer semelhança com a crítica do espetáculo, do trabalho assalariado, da sociedade mercantil e do Estado, crítica que, na Europa, os situacionistas estavam a sustentar. A influência do próprio [19]68 francês — apresentado aqui e na Europa nos anos seguintes como uma “revolução estudantil” — não se exerceu senão sobre o “estado de ânimo” da geração de estudantes que, em [19]68, combatia a ditadura, não se verificando nestes qualquer identificação com às tendências profundas daquele movimento e suas expressões teóricas.
Os próprios situacionistas, em sua análise do maio francês, não deixaram de exagerar a influência do “movimento de ocupações” (de fábrica pelos operários grevistas) em maio sobre as lutas que se desenvolviam nos países semi-industrializados da América Latina. “A luta nos países capitalistas modernos”, dizem eles em uma primeira publicação sua sobre o movimento de maio, “tem naturalmente relançado a agitação dos estudantes contra os regimes ditatoriais, e nos países sub-desenvolvidos. Ao fim de maio [de 68], houve violentos confrontos em Buenos Aires, em Dakar, em Madrid, e uma greve de estudantes do Peru. Em junho, os incidentes se estenderam ao Brasil; ao Uruguai — onde culminaram em uma greve geral —; à Argentina; à Turquia, onde as universidades de Istambul e de Ankara fora ocupadas e fechadas sine die; e até ao Congo onde os secundaristas exigiram a supressão dos exames”(26).
Situado num capítulo de Enragés e situacionistas no movimento das ocupações, sobre as perspectivas da revolução mundial após o [19]68 francês, esse diagnóstico relaciona-se ali não diretamente com a influência das idéias situacionistas, mas com o desenvolvimento das lutas que se davam a partir da Europa e com as quais, segundo a avaliação da I.S., as idéias situacionistas teriam uma profunda e essencial ligação. É precisamente sobre esta aspecto que pode-se falar em exagero, na medida em que as questões práticas, tais como foram assumidas pelo movimento, ainda que sem dúvida dissessem respeito aos problemas do capitalismo em sua configuração mundial, não se desenvolviam aqui tendo as mesmas bases objetivas e perspectivas subjetivas que tiveram no movimento de maio e nas lutas que o seguiram nos anos seguintes na Europa (Itália, Espanha e mesmo nas experiências de autonomia proletária em Portugal durante a crise do salazarismo).
Na verdade, como sabemos, as lutas estudantis que se deram aqui contra a ditadura no final dos anos [19]60 tinham predominantemente um caráter democrático do ponto de vista político e as tendências “extremistas” organizadas mais influentes se mantiveram no horizonte de uma “revolução democrático-nacional”. Socialmente, tais lutas estudantis expressavam em grande medida a pressão da nova “classe média” que, constituída no interior do Estado e da nova fase de industrialização que teve partida nos anos [19]50, tinha no diploma universitário uma via de ascensão social. Falado assim, esse quadro não pretende fazer esquecer que aqueles foram anos ricos em discussões e debates, nos quais, portanto, haveria a possibilidade de se ver uma outra perspectiva teórico-programática surgir e, talvez, com conhecimento das tendências mais extremas que se desenvolviam na Europa naquele momento. Mas, ao final de [19]68, particularmente com a imposição fascista do AI-5, todas essas possibilidades ficariam definitivamente travadas, restando, em geral, para os jovens mais combativos, o ilusório caminho da luta armada(27).
Hoje, sem dúvida, Debord e seu pensamento ganham no Brasil como na Europa uma nova recepção, dessa vez midiática, que nada mais é do que um produto medíocre da reedição das obras e a publicação agora de suas Correspondências, buscando acompanhá-las na “autonomia da aparência” própria do espetáculo. Para nós, no entanto, repitamo-lo, o efetivamente novo é a recepção de sua crítica social por uma parcela bastante minoritária de ativistas sociais. Esse parcela, longe de reivindicar uma suposta tradição situacionista, quer, a partir de suas próprias lutas cotidianas, estabelecer um diálogo com a teoria crítica do espetáculo, enquanto crítica do mercado, do Estado e de seu sistema de alienações. Como disse, esta edição do Coletivo Acrático Proposta tem a ver com isso.
Campinas, SP, novembro de 2001
Notas
1. Do ponto de vista da formulação teórica dessa questão, três textos de Debord são fundamentais: Preliminares para uma definição da unidade do programa revolucionário (1960, em conjunto com Pierre Canjuers), Perspectivas de modificação consciente da vida cotidiana (publicado na I.S. nº 6, agosto de 1961) e Os situacionistas e as novas formas de atuação na política e na arte (1963).
2. Cf. Debord, “Notes pour servir à l’histoire de l’I.S. de 1969 a 1971” in La Véritable Scission dans l’Internationale [1972], Paris, Fayard, 1998, p. 95.
3. Ver, sobre isso, R. Gombin, Les Origines du gauchisme, Paris, Seuil, 1971; P. Wollen, “The Situationist International”, in New Left Review, London, March/April 1989, pp. 67 ss; A. Jappe, Guy Debord [1993], Petrópolis, Vozes, 1999, pp. 37 ss..
4. P. Canjuers, G. Debord, “Préliminaires pour une définition de l’unité du programme révolutionaire” [1960], in D. Blanchard, Debord dans le bruit de la cataracte du temps, Paris, Sens & Tonka, 2000, p. 54; Preliminares para uma definição da unidade do programa revolucionário, tradução para o português de Emiliano Aquino e Romain Dunand, no prelo (disponível na home page “Debordiana”www.geocities.com/debordiana).
5. Grupo surgido em 1949, na França, do qual participaram Cornelius Castoriadis, Claude Lefort, Jean-François Lyotard, dentre outros; S. ou B. surgiu a partir do rompimento de seus fundadores com o Partido Comunista Internacionalista (trotskista) e — a partir da crítica do suposto caráter “operário” e “pós-capitalista” da URSS, como sustentava Trotsky e seus companheiros, afirmando ao contrário seu caráter capitalista — evoluiu progressivamente para uma posição em defesa da “autonomia operária”. Os textos que mais expressam essas reflexões são aqueles do próprio Castoriadis, particularmente os intitulados “Sobre o conteúdo do socialismo” que, num conjunto de três, foram formulados a partir de 1958. Entre o final de 1960 e maio de 1961, Debord participou de reuniões e atividades do grupo Socialismo ou Barbárie; com um grupo de seus militantes, foi a Bélgica, entre dezembro e janeiro, acompanhar atividades relativas às greves que ocorriam naquele momento naquele país; e, por fim, chegou a participar do Congresso do Pouvoir Ouvrier (Poder Operário) belga, pequena organização ligada ao Socialismo ou Barbárie francês. Em 5 de maio de [19]61, Debord dirige uma carta ao S. ou B. demitindo-se de sua participação, devido à centralização extrema que ele encontrava ali e que se expressaria numa relação professores-alunos entre os militantes mais antigos e os mais novos. A esse respeito, ver Debord, Correspondance II, Paris, Fayard, 2001; e C. Bourseiller, Vie et mort de Guy Debord, Paris, Plon, 1999, pp. 149 ss e 164 ss.
6. Essa é uma questão que permanecerá presente nas preocupações situacionistas, que a consideram um exemplo da “organização estatal da sobrevivência”. Assim, quando em abril de 1963, na Inglaterra, o grupo clandestino Spies for peace revelou publicamente planos governamentais de preparação de uma eventual guerra nuclear, os situacionistas organizaram na Dinamarca uma mostra em homenagem à ação do grupo inglês e como forma de manter e prosseguir a luta em torno dessa questão.
7. Para Debord, esses seriam os indícios da nova contestação social presente nos anos [19]60, articulando as lutas anti-sindicais dos operários, suas greves selvagens, e a revolta juvenil mais radical que buscava a transformação da vida cotidiana (o que, com certeza, o [19]68 francês e o amplo movimento contestatório dos anos seguintes iriam confirmar).
8. Em Portugal, foi editada em 1983, por Fenda Edições, na cidade de Coimbra, uma tradução de Júlio Henriques; essa mesma tradução encontra-se disponível na internet, no endereço [www.terravista.pt/IlhadoMel/1540/miseriaestudantil.htm], e no Brasil circula uma distribuição potlatch sob o selo editorial @s enraivecidos.
9. P. Canjuers, G. Debord, Preliminares para uma definição da unidade do programa revolucionário, segundo a tradução para o português publicada pela home page “Debordiana”www.geocities.com/debordiana.
10. G. Debord e G. Sanguinetti, “Thèses sur l’Internationale situationniste et son temps” in La Véritable Scission dans l’Internationale, edição citada, pp. 15-16.
11. G. Debord, “Rapport de Guy Debord à la VIIe Conférence de l’I.S. à Paris (extraits)” [1966], in La Véritable Scission dans l’Internationale, edição citada, pp. 132-133.
12. A. Jappe, Guy Debord, edição citada, pp. 58-59.
13. Particularmente os Manuscritos econômico-filosóficos, Miséria da filosofia, Trabalho assalariado e capital e Salário, preço e lucro.
14. A contemporaneidade da crítica teórica e da crítica prática é o que, do ponto de vista teórico-metodológico, segundo Marx, o diferenciava da economia política clássica, segundo diz no Posfácio da 2ª edição alemã de O capital (1873); nesse texto, ele identifica claramente a economia política com as relações de produção capitalistas, e a crítica da economia política com as lutas do proletariado, entendendo-a como a sua expressão teórica. A partir de 1830, em França e na Inglaterra, “a luta de classes reveste, na teoria como na prática, formas cada vez mais declaradas, cada vez mais ameaçadoras. É ela quem dá o toque de finados da economia burguesa científica”, diz Marx. E, quanto a crítica da economia política, diz ele mais adiante, “Na medida em que representa uma classe, tal crítica só pode representar aquela cuja missão histórica é revolucionar o modo-de-produção capitalista e, finalmente, abolir as classes — o proletariado”. Uma excelente análise dessa relação entre a teoria marxiana e as lutas proletárias — apesar da presença ali de conceitos questionáveis como “marxismo” e “sistema marxista” — pode ser encontrada na obra de Karl Korsch Marxismo e filosofia (1923), livro que, sem dúvida, também teve influência no pensamento de Debord, particularmente quanto à crítica da ideologia e a sua concepção de teoria.
15. Capital variável diz do dinheiro-capital investido na compra de força de trabalho e que, pela produção da mais-valia, varia (aumenta) em relação à sua quantia inicialmente investida; Marx o diferencia do capital constante (e não do capital fixo), aquela parte do dinheiro-capital investida em meios de produção e que, no processo de autovalização do capital, mantém-se inalterada em seu valor, apenas transferindo-o — pelo desgaste e o consumo desses meios durante a produção mesma — para as novas mercadorias produzidas. Já o capital fixo é a parte do dinheiro-capital investida naqueles meios de produção mais permanentes (máquinas, instalações etc), e que se diferencia do capital circulante, a parte do dinheiro-capital investida naquelas mercadorias (força de trabalho, matérias-primas, energia, combustível…) que, no processo de produção, mais rapidamente são consumidos e é, assim, a parte do capital que mais rapidamente deve ser renovada em seu investimento. Essas duplas conceituais têm funções específicas e diferentes nas análises de Marx sobre as tendências da economia capitalista, funções sobre as quais não cabe aqui falar. Mas, não tem menor sentido em falar que à burguesia cabe portar apenas o capital fixo e, ao proletariado, o capital variável, mesmo considerando aí a perspectiva do Krisis. Mais correto seria dizer, nesse caso, mas já segundo o nosso ponto de vista, que o proletariado é determinado pela sua submissão ao capital variável, ao salário, e a burguesia pela sua identidade com o movimento do capital como um todo em seu movimento tautológico de auto-valorização: D-M-D’ (Dinheiro-Mercadoria-Dinheiro a mais). E, assim, há também que se observar que o proletariado é forçado a incluir-se na relação mercantil por sua busca de valores de uso, daí porque veja-se economicamente coagido a vender sua força de trabalho; já o que move a burguesia, enquanto portadora do dinheiro-capital, é a criação e a realização monetária de mais-valor. A contradição que daí surge, no entanto, antes de ser conceitual ou “categorial”, é da ordem prática, tanto no que diz respeito à experiência cotidiana dos diversos constrangimentos e a resistência a eles, quanto à experiência histórica das lutas proletárias, e sua compreensão.

16. Para uma crítica das posições do grupo Krisis, ver Ilana Amaral, “Crítica ao ‘Manifesto contra o trabalho’ ” (revista contra-a-corrente, Fortaleza, CE, nº 9, set-dez/99); e sobre a relação entre a crítica da economia política e as lutas cotidianas, ver da mesma autora “Por que não somos marxistas, situacionistas, conselhistas, anarquistas… mas, simplesmente, inimig@s da economia política” (revista contra-a-corrente, Fortaleza, CE, nº 12, set-dez/01).
17. Cf. Debord, “Notes pour servir à l’histoire de l’I.S. de 1969 à 1971” in La Véritable Scission dans l’Internationale, p. 122.
18. Section italienne de l’Internationale situationniste, Écrits complets. 1969-1972. Traduits par Joël Gayraud et Luc Mercier, Paris, Éditions Contre-Moule, 1988, p. 60.
19. Debord, “Prefácio à 4ª edição italiana de A sociedade do espetáculo” in G. Debord, A sociedade do espetáculo, tradução de Estela dos Santos Abreu, Rio de Janeiro, Contraponto, 1997, pp. 152-153.
20. Debord, “Comentários sobre a sociedade do espetáculo” in G. Debord, A sociedade do espetáculo, edição citada, p. 172.
21. Idem, p. 173.
22. Idem, p. 175.
23. Essa edição traz ainda a “Advertência da edição francesa de 1992”, o “Prefácio à 4ª edição italiana de A sociedade do espetáculo” (1979) e os Comentários sobre a sociedade do espetáculo (1988).
24. Cf. Debord, “Prefácio à 4ª edição italiana de A sociedade do espetáculo” in A sociedade do espetáculo, edição citada, p. 145.
25. A tradução é de Francisco Alves e Afonso Monteiro, reeditada pelas Edições Mobilis in Mobile, Lisboa, 1991 (e que se encontra na home page portuguesa “Conselhos Operários” — [http://www.geocities.com/Paris/Rue/5214/debord.htm]).
26. R. Viénet, Enragés et situationnistes dans le mouvement des occupations (1968), Paris, Gallimard, 1998, p. 208. Esta obra, ainda que assinada por René Viénet, teria sido — segundo Christophe Bourseiller — uma “obra coletiva”. Cf. C. Bourseiller, Vie et mort de Guy Debord, edição citada, pp. 283-284.
27. Faço questão de observar que o caráter ilusório da luta armada dos últimos anos [19]60 e primeiros [19]70 no Brasil não elimina a justeza humana e política daquelas ações armadas que — a despeito das primeiras ilusões quanto ao desenvolvimento de “guerra de guerrilhas”, “foco guerrilheiro”, “guerra popular prolongada” em que se dividiam conceitualmente os diversos grupos de guerrilha urbana e rural — tiveram a utilidade de salvar a vida daqueles que, presos nos calabouços da ditadura, tinham ali a limine sua pena capital decretada e a ponto de ser executada. Texto extraído do sítio Debordiana, sobre Guy Debord, em várias línguas, inclusive português (www.geocities.com/debordiana/).

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Basta de mediocridade!


(*) Artigo extraído de http://www.cfh.ufsc.br/~aped/

(**) Filósofo, sociólogo e historiador, Cornelius Castoriadis também foi economista e psicanalista. "Um titã do pensamento, enorme, fora do comum" , é a opinião de Edgar Morin sobre ele. Nascido na Grécia, em 1922, instalou-se em Paris em 1945, quando criou a revista "Socialismo ou barbárie" . Em 1968, com Edgar Morin e Claude Lefort, publicou "Maio 68: a brecha" (edit. Fayard, Paris). Em 1975 aparece "L'institution imaginaire de la société" (edit. Seuil, Paris), sem dúvida sua obra mais importante. Em 1978, ele se engaja na série "Les Carrefours du labyrinthe" . Foi após a publicação de "La Montée de l'insignifiance" (edit. Seuil, Paris, 1996), que ele concedeu uma entrevista, em novembro de 1996, a Daniel Mermet - produtor do seriado "Là-bas si j'y suis" , da emissora France-Inter - na qual se baseou este texto.






Faz falta a voz de Cornelius Castoriadis, esse dissidente fundamental, nestes tempos de "não-pensamento". Ele não se acomodou numa resignação de esteta, nem mergulhou no cinismo ou nessa apatia bem nutrida que diz: "Tudo se equivale, já não há mais nada a ver e nada leva a nada." Ele denuncia uma elite política que se restringe a aplicar o integrismo neoliberal, mas ressalta também a responsabilidade do "cidadão" que, na precariedade, desiste da atividade cívica. Silenciosamente, uma formidável regressão foi tomando conta desse espaço: um não-pensar que produz essa não-sociedade, esse racismo social. Até o fim, Castoriadis buscou radicalidade: "Sou um revolucionário que defende mudanças radicais", dizia, algumas semanas antes de morrer, em dezembro de 97.
No tempo da monarquia, para chegar ao poder era necessário bajular o rei. Hoje, na nossa "pseudo- democracia", a arte de chegar ao poder está em ser fotogênico na televisão, em saber farejar a opinião pública.
É evidente que o que caracteriza o mundo contemporâneo são as crises, as contradições, as fraturas, mas aquilo que realmente me chama a atenção é a mediocridade. Tomemos a discussão entre esquerda e direita. Ela perdeu o sentido. Tanto uns como outros dizem a mesma coisa. A partir de 1983, os socialistas franceses puseram em prática uma política, depois veio Balladur e fez a mesma política; voltaram os socialistas e fizeram, com Pierre Bérégovoy, a mesma política; voltou Balladur e fez a mesma política; Chirac ganhou a eleição de 1995 dizendo: "Vou fazer diferente" e fez exatamente a mesma política.



A impotência da política



Os dirigentes políticos são impotentes. A única coisa que podem fazer é seguir a corrente, ou seja, aplicar a política ultraliberal da moda. Os socialistas não fizeram outra coisa desde que voltaram ao poder. Não se trata de políticas, mas de políticos, no sentido de politiqueiros. Gente que caça voto de toda e qualquer maneira. Não têm programa algum. O seu objetivo é permanecer no poder ou voltar ao poder e para isso são capazes de tudo.
Existe um vínculo intrínseco entre essa espécie de nulidade da política, essa transformação da política em nulidade, e a mediocridade que grassa na arte, na filosofia, na literatura. É a característica espiritual de uma época. Tudo conspira no sentido de prolongar a mediocridade.
A política é um ofício curioso. Ele pressupõe duas faculdades sem qualquer relação intrínseca. A primeira é a de chegar ao poder. Sem se chegar ao poder, de nada adianta ter as melhores idéias; e isso então implica numa arte de chegar ao poder. A segunda faculdade, é a de saber governar, quando já se está no poder.
Há milhões de cidadãos na França. Por que não seriam eles capazes de governar? Porque toda a vida política tem justamente como objetivo desensiná-los, convencê-los que existem peritos a quem se deve confiar o governo.
Nada garante que quem sabe governar sabe como fazer para chegar ao poder. No tempo da monarquia, para chegar ao poder era necessário bajular o rei, cair nas graças de Madame Pompadour. Hoje em dia, na nossa "pseudo-democracia", a arte de chegar ao poder consiste em ser fotogênico na televisão, em saber farejar a opinião pública. Digo "pseudo-democracia" porque sempre achei que a democracia dita representativa não é uma democracia de verdade. Já dizia Jean-Jacques Rousseau: os ingleses pensam que são livres porque elegem os seus representantes a cada cinco anos, mas no fundo eles só são livres um dia a cada cinco anos: o dia da eleição. Não que haja necessariamente fraude nas urnas. A eleição é trambicada porque as opções se definem previamente. Nunca se indaga ao povo quais são os assuntos sobre o quais ele quer votar. Dizem-lhe, por exemplo: "Vote a favor ou contra Maastricht" . Mas quem é que elaborou o tal tratado de Maastricht? Certamente não foi o povo.



Uma fábrica de cínicos



Há aquela frase maravilhosa de Aristóteles: "Quem é o cidadão? Cidadão é aquele que é capaz de governar e de ser governado." Há milhões de cidadãos na França. Por que não seriam eles capazes de governar? Porque toda a vida política tem justamente como objetivo desensiná-los, convencê-los que existem peritos a quem se deve confiar o governo. Existe, portanto, uma contra-educação política. Ao invés das pessoas se habituarem a exercer todo tipo de responsabilidade e a tomar iniciativas, habituam-se a seguir cegamente ou a votar nas opções que lhes são apresentadas. E como não são idiotas, as pessoas passam a acreditar cada vez menos na política, tornando-se cínicas.
E o que fizeram muitos intelectuais? Desenterraram liberalismo nu e cru do início do século XIX, tão combatido durante cento e cinqüenta anos e que teria indiscutivel- mente conduzido a sociedade à catástrofe.
Nas sociedades modernas, desde os tempos das revoluções americana (1776) e francesa (1789) e mais ou menos até o fim da segunda guerra mundial (1945), havia um vivo conflito social e político. Havia oposições, as pessoas se manifestavam sobre causas políticas. Os operários faziam greve, e nem sempre por interesses mesquinhos, corporativos. Havia grandes questões que diziam respeito a todos os assalariados. Foram lutas que marcaram os dois últimos séculos.
Observa-se, hoje, um recuo na atividade das pessoas. É um círculo vicioso. Quanto mais cresce o número de pessoas que desistem da atividade, mais os burocratas, os politiqueiros, os pretensos dirigentes, vão tomando conta do pedaço. Eles chegam com a justificativa: "Estou tomando a iniciativa porque ninguém faz nada..." E, quanto mais dominam, mais as pessoas ficam dizendo: "Não vale a pena se envolver, já tem bastante gente cuidando e, além disso, de qualquer maneira, não se pode dar jeito em nada."
O segundo motivo, vinculado ao primeiro, está na dissolução das grandes ideologias políticas - fossem elas revolucionárias ou reformistas - que queriam realmente operar mudanças na sociedade. Por mil e uma razões, essas ideologias foram desconsideradas, deixaram de corresponder às aspirações, à situação e à experiência histórica da sociedade. Um acontecimento de enormes proporções foi o colapso da URSS e do comunismo em 1991. Será que algum, entre todos os políticos de esquerda, para não dizer politiqueiros, parou para refletir sobre o que aconteceu? Por que isso aconteceu e quem soube, como diria o bobo, tirar as lições? Uma evolução desse tipo mereceria uma reflexão muito aprofundada, começando pela sua primeira fase - a acessão à monstruosidade, ao totalitarismo, ao Gulag etc. - e passando em seguida ao colapso propriamente dito; e uma conclusão sobre aquilo que um movimento que quer mudar a sociedade pode fazer, deve fazer, não deve fazer, não pode fazer. No entanto, o que temos? Nada, absolutamente nada.
Por volta de 1850, o liberalismo era uma verdadeira ideologia, porque apostava no progresso. Os liberais acreditavam que, com o progresso, ocorreria uma elevação do bem-estar econômico. Nas classes exploradas, as pessoas não ficariam ricas, mas a jornada de trabalho seria cada vez menor e o trabalho menos pesado: era esse o grande tema da época.
E o que fizeram muitos intelectuais? Desenterraram o liberalismo nu e cru do início do século XIX, combatido durante cento e cinqüenta anos, e que teria indiscutivelmente conduzido a sociedade à catástrofe. Pois, convenhamos, o velho Marx nem sempre estava errado. Se o capitalismo tivesse corrido solto, cem vezes teria desmoronado. Teria havido uma crise de superprodução a cada ano. Por que não desmoronou? Porque os trabalhadores lutaram, impuseram aumentos salariais, criaram enormes mercados de consumo interno. Impuseram reduções na jornada de trabalho que absorveram praticamente todo o desemprego tecnológico. Tem gente que estranha agora o fato de que há desemprego. Nem lembram que não houve, desde 1940, diminuição da jornada de trabalho ...
Os liberais nos garantem: "É preciso confiar no mercado." Mas os próprios estudiosos de economia refutaram essa afirmação desde a década de 30. E esses economistas não eram revolucionários nem marxistas! Eles mostraram que toda a conversa dos liberais sobre as virtudes do mercado - que garantiria o melhor investimento possível dos recursos e uma distribuição mais imparcial da renda - era um monte de aberrações. Tudo isso foi demonstrado. O que temos aí é essa grande ofensiva econômico-política das camadas governantes e dominantes - cujos símbolos estão nos nomes de Ronald Reagan e de Margaret Thatcher, e até mesmo no de François Mitterrand! Que diz: "Muito bem, chega de brincadeiras! Agora, todo mundo na rua!", vamos eliminar as "gorduras ruins", como disse Juppé! "Depois, a longo prazo, vocês verão que o mercado irá garantir-lhes o bem-estar." A longo prazo... Nessa espera, fica-se na França com uma taxa oficial de desemprego de 12,5%!



A crise não é uma fatalidade



Já se falou do tipo de terrorismo do pensamento único, ou seja, do não-pensamento. Ele é realmente único no sentido de ser o primeiro tipo de pensamento que é um não-pensamento integral. Um pensamento único liberal que ninguém ousa contestar. Qual era a ideologia liberal em seus tempos áureos? Por volta de 1850, o liberalismo era uma grande ideologia, porque se acreditava no progresso. Os liberais daquele tempo pensavam que, com o progresso, ocorreria uma elevação do bem-estar econômico. Mesmo quando não havia enriquecimento, como nas classes exploradas, caminhava-se em direção à diminuição do trabalho, ou para torná-lo menos penoso: era esse o grande tema da época. Dizia Benjamin Constant: "Os operários não podem votar porque são embrutecidos pela indústria [falou sem rodeios, naquela época eles eram mais honestos!], portanto é preciso um sufrágio do tipo censitário".
O que prevalece, hoje, é a resignação, inclusive entre os representantes do liberalismo. Qual é, afinal, o grande tema do momento? "Talvez seja ruim, mas a outra alternativa seria pior." E isso intimida bastante as pessoas. Elas pensam mais ou menos assim: "Se a gente fizer muita onda, acaba indo na direção de outro Gulag."
Mais tarde, diminuiria a jornada de trabalho, viriam a alfabetização, a educação, algumas luzes, não mais as luzes subversivas do século XVIII, mas luzes que, mesmo assim, difundem-se pela sociedade. Desenvolve-se a ciência, humaniza-se a humanidade, civilizam-se as sociedades e, aos pouquinhos se irá chegando a uma sociedade onde praticamente inexistirá exploração, onde essa democracia representativa se tenderá a transformar-se numa verdadeira democracia.
Mas não deu certo! Em consequência, as pessoas não acreditam mais nessas idéias. O que prevalece, hoje, é a resignação, mesmo entre os representantes do liberalismo. Qual é, o grande argumento que se ouve agora? "Talvez seja ruim, mas a outra alternativa seria pior." E isso imobilizou um bocado de gente. Ficam dizendo, para seus botões: "Se a gente fizer muita onda, vai acabar num novo Gulag." É isso que existe por trás deste esgotamento ideológico; e dele só sairemos se uma crítica poderosa ao sistema realmente vier a ressurgir. Junto com um renascimento da atividade e da participação das pessoas.



Nova chance para as utopias



Todavia, aqui e ali já se começa a compreender que a "crise" não é uma fatalidade da modernidade à qual cada um teria que se subordinar, "se adaptar", para não ser arcaico. Já se percebem vibrações de uma retomada de atividade cívica. E aqui surge o problema do papel dos cidadãos e da competência de cada um para exercer direitos e deveres democráticos com o objetivo - doce e bela utopia - de sair do conformismo generalizado.
Para tanto, será que nos deveríamos inspirar na democracia ateniense? Quem era eleito em Atenas? Não os magistrados, que eram designados através de um sorteio ou por rotatividade. Para Aristóteles, é bom relembrar, um cidadão é aquele que é capaz de governar e de ser governado. Como todo mundo é capaz de governar, escolhe-se por sorteio. A política não é para ser feita por especialistas. Não existe ciência da política. O que há é uma opinião, a doxa dos gregos, não há episteme 1. A idéia de que não há especialistas da política e que as opiniões têm igual valor é a única justificativa razoável para o princípio da maioria. Portanto, voltando aos gregos, o povo decide e os magistrados são escolhidos por sorteio ou por rotatividade. Nas atividades especializadas - construção de estaleiros ou de templos, condução de uma guerra -, especialistas são necessários. Esses são eleitos. Eleição é exatamente isso. Eleição significa "escolha dos melhores" . E aí intervém a educação do povo. Faz-se uma primeira eleição, ocorre erro, constata-se, por exemplo, que Péricles é um deplorável estrategista militar; ora muito bem, não o reelejamos, ou revoguemos seu mandato.
A política não é para ser feita por especialistas. Não existe ciência da política. O que há é uma opinião, a doxa dos gregos, não há episteme. A idéia de que não há especialistas da política e que as opiniões têm igual valor é a única justificativa razoável para o princípio da maioria.
Mas é necessário que a doxa seja cultivada. E como se pode cultivar uma doxa que se refere ao governo? Governando. A democracia, portanto - e isto é importante -, trata da educação dos cidadãos, o que definitivamente não existe hoje em dia.



Reflexão e ação



Recentemente, uma revista francesa publicou uma estatística revelando que 60% dos deputados confessam não entender coisa alguma de economia. Deputados que a todo momento estão decidindo! Na verdade, esses deputados, assim como os ministros, dependem dos seus técnicos. Têm seus especialistas, mas também têm preconceitos ou preferências. Quem acompanha de perto o funcionamento de um governo, ou de uma grande repartição burocrática, pode ver que os dirigentes confiam em especialistas, mas escolhem, entre estes, os que concordam com suas opiniões. É um jogo completamente imbecil, e é assim que somos governados.
As instituições dos dias de hoje enxotam, afastam, dissuadem as pessoas de participar. E, no entanto, em matéria de política, a melhor educação é a participação ativa - o que exige uma transformação das instituições de modo que essa participação passe a ser permitida e incentivada.
A educação deveria ser muito mais voltada para a coisa comum. Seria preciso compreender os mecanismos da economia, da sociedade, da política etc. As crianças se chateiam nas aulas de história, no entanto, aprender história é algo apaixonante. Seria preciso ensinar uma autêntica anatomia da sociedade contemporânea, como ela é, como funciona. Aprender a se defender das crenças, das ideologias.
A sociedade capitalista tende ao suicídio, pois não aprendeu a se autolimitar. E uma sociedade realmente livre, uma sociedade autônoma, deve saber fazê-lo: deve saber que há coisas que não podem ser feitas, ou que não se deve nem tentar fazer, ou que não devem ser desejadas.
Aristóteles dizia: "O homem é um animal que deseja o saber." Não é verdade. O homem é um animal que deseja a crença, a certeza de uma crença; daí a força e a influência das religiões, das ideologias políticas. O movimento operário tinha, no começo, uma postura muito crítica . Observe-se a segunda estrofe da Internacional: "Messias, Deus, chefes supremos: Nada esperamos de nenhum!" - nada de religião, nada de Lenin!
Hoje em dia, mesmo havendo uma parcela que continua procurando a fé, as pessoas tornaram-se muito mais críticas. Isso é muito importante. A "cientologia", as seitas ou o fundamentalismo são fortes em outros países, não no nosso, ou nem tanto. As pessoas tornaram-se muito mais céticas. E isso as inibe de agir.
Em seu discurso ao povo de Atenas, dizia Péricles: "Nós somos os únicos para quem a reflexão não inibe a ação." Admirável! E acrescenta: "Os outros povos, ou não refletem - e são temerários, cometem absurdos - ou então, por refletirem, acabam nada fazendo, pois ficam dizendo: há o discurso e há o discurso contrário." Atualmente atravessamos uma fase de inibição, sem dúvida. Gato escaldado tem medo de água fria... Não há carência de grandes discursos, há carência de discursos verdadeiros.



Os desejos e os limites



Seja como for, há um desejo irredutível. Nas sociedades antigas ou tradicionais, não há um desejo irredutível, esse desejo transformado pela socialização. Essas sociedades são sociedades de repetição. Lá se diz, por exemplo: "Tomarás tua mulher em tal clã ou tal família. Terás uma única mulher em tua vida. Se tens duas mulheres, ou dois maridos, será em segredo, será uma transgressão. Terás uma posição social, essa aqui e não uma outra."
Há uma frase maravilhosa de Tucídides: "É preciso escolher: descansar ou ser livre". Liberdade é atividade. E a liberdade é uma atividade que ao mesmo tempo se autolimita, ou seja, sabe que pode fazer tudo, mas sabe que não deve fazer tudo. Esse é o grande problema da democracia e do individualismo.
Ora, há hoje em dia uma liberação, em todos os sentidos da palavra, com relação às restrições impostas pela socialização dos indivíduos. Entramos numa época de ilimitação e é nisso que temos o desejo de infinito. Essa liberação é, num sentido, uma grande conquista. Não se trata de voltar às sociedades de repetição. Mas também é preciso - e esse é um tema da maior importância - aprender a se autolimitar, individual e coletivamente. A sociedade capitalista é uma sociedade que caminha para o abismo, sob todos os pontos de vista, por não saber se autolimitar. E uma sociedade realmente livre, uma sociedade autônoma, deve saber se autolimitar, saber que há coisas que não se pode fazer, que não se deve nem tentar fazer, ou que não se deve desejar.



Descansar ou ser livres



Vivemos neste planeta que estamos destruindo - e enquanto pronuncio essa frase, tenho em mente maravilhas. Penso no mar Egeu, nas montanhas cheias de neve, na vista sobre o Pacífico que se tem num cantinho da Austrália, penso em Bali, nas Índias, nos campos da França, que estamos transformando em desertos. Tantas maravilhas em vias de extinção. Penso que deveríamos ser os jardineiros deste planeta. Teríamos que cultivá-lo. Cultivá-lo como ele é e pelo que é. E, a partir daí, encontrar nosso lugar, nossa vida. A tarefa é enorme. Poderia absorver grande parte do lazer das pessoas, liberadas de um trabalho imbecil, produtivo, repetitivo etc. Só que isto está muito longe não só do atual sistema quanto da imaginação dominante. O imaginário da nossa época é o da expansão ilimitada, é a acumulação de bugingangas: uma tevê em cada quarto, um micro em cada quarto... isso é que é preciso destruir. É nesse imaginário que o sistema se apóia.
A liberdade é difícil. Porque é muito fácil a gente se deixar levar. O homem é um animal preguiçoso. Há uma frase maravilhosa de Tucídides: "É preciso escolher: descansar ou ser livre". E Péricles dizia, ao povo de Atenas: "Se quiserem ser livres, vocês têm que trabalhar." Não podem descansar. Não podem ficar plantados na frente da tevê. Vocês não são livres quando estão na frente da tevê. Voces se imaginam livres ao apertarem como idiotas os botões do controle remoto, mas vocês não são livres, isso é uma falsa liberdade. Liberdade é atividade. E a liberdade é uma atividade que ao mesmo tempo se autolimita, ou seja, sabe que pode fazer tudo, mas sabe que não deve fazer tudo. Esse é o grande problema da democracia e do individualismo.


Filósofo, sociólogo e historiador, Cornelius Castoriadis também foi economista e psicanalista. "Um titã do pensamento, enorme, fora do comum" , é a opinião de Edgar Morin sobre ele. Nascido na Grécia, em 1922, instalou-se em Paris em 1945, quando criou a revista "Socialismo ou barbárie" . Em 1968, com Edgar Morin e Claude Lefort, publicou "Maio 68: a brecha" (edit. Fayard, Paris). Em 1975 aparece "L'institution imaginaire de la société" (edit. Seuil, Paris), sem dúvida sua obra mais importante. Em 1978, ele se engaja na série "Les Carrefours du labyrinthe" . Foi após a publicação de "La Montée de l'insignifiance" (edit. Seuil, Paris, 1996), que ele concedeu uma entrevista, em novembro de 1996, a Daniel Mermet - produtor do seriado "Là-bas si j'y suis" , da emissora France-Inter - na qual se baseou este texto. [voltar]
1 O saber teoricamente fundamentado, ciência. [voltar]

terça-feira, 19 de junho de 2007

O STATUS ONTOLÓGICO DA TEORIA DA CONSPIRAÇÃO

Hakim Bey

(Para Kevin Coogan)

A teoria da conspiração é uma ilusão da Direita que também infectou a Esquerda? Teóricos da conspiração esquerdistas algumas vezes fazem um uso acrítico dos textos dos mais direitistas teóricos da conspiração – pesquisando por detalhes do Assassinato de JFK no trabalho do Liberty Lobby (1), adquirindo noções no estilo da John Birch Society (2) sobre os internacionalistas “liberais” CFR/Bilderberg/Rockefeller (3) etc. etc. Como o anti-semitismo pode ser encontrado tanto na Esquerda quanto na Direita, ecos dos Protocolos podem ser escutados de ambas as direções. Mesmo alguns anarquistas são atraídos pelo “Revisionismo Histórico”. O anticapitalismo (4) ou populismo econômico na Direita tem seu contraponto na Esquerda com o “Fascismo Vermelho”, que irrompeu na superfície da História no pacto Hitler/Stalin, e retornou para nos assombrar na bizarra combinação européia de “Terceira Onda” do extremismo de esquerda com o de direita, um fenômeno que aparece nos EUA com o niilismo libertino e o “satanismo” de grupos anarco-fascistas como a Amok Press (5) e a Radio Werewolf (6) – e a teoria da conspiração desempenha um importante papel em todas estas ideologias.
Se a teoria da conspiração é essencialmente da facção da direita, só pode ser assim por que ela pressupõe uma visão da História como o trabalho de indivíduos mais que de grupos. De acordo com este argumento, uma teoria no estilo de Mae Brussel (7) (ela acreditava que os nazistas tinham se infiltrado na Inteligência e Governo americanos no nível administrativo) poderia parecer esquerdista mas de fato não fornece nenhuma sustentação para uma genuína análise dialética, uma vez que ignora a economia e a luta de classes como forças causais, e em vez disso atribui todos os eventos às maquinações de indivíduos “escondidos”. Mesmo a Esquerda anti-autoritária pode algumas vezes adotar esta opinião rasa sobre a teoria da conspiração, apesar do fato de não estar presa a nenhuma crença dogmática no determinismo econômico. Tais anarquistas concordariam que acreditar em teoria da conspiração é acreditar que as elites podem influenciar a História. O anarquismo postula que as elites são simplesmente arrastadas pelo fluxo da História e que sua crença em seu próprio poder ou instrumentalidade é pura ilusão. Se fosse para se acreditar no contrário, tais anarquistas argumentam, então Marx e Lênin estariam certos, e o vanguardismo conspiratório seria a melhor estratégia para o “movimento do social”. (A existência do vanguardismo prova que a Esquerda – ou pelo menos a Esquerda autoritária – não foi simplesmente contaminada acidentalmente pela teoria da conspiração: o vanguardismo É conspiração!) Os Leninistas dizem que o estado é uma conspiração, seja de Direita ou de Esquerda – faça a sua escolha. Os anarquistas argumentam que o estado não “tem” poder em nenhum sentido absoluto ou essencial, mas que ele meramente ursupa o poder que, em essência, “pertence” a cada indivíduo, ou à sociedade em geral. O aspecto aparentemente conspiratório do estado é portanto ilusório – pura masturbação ideológica da parte de políticos, espiões, banqueiros e outras escórias, servindo cegamente aos interesses de sua classe. A teoria da conspiração é, por conseguinte, de interesse apenas como um tipo de sociologia da cultura, um rastreamento das fantasias ilusórias de certos grupos de incluídos e de excluídos – mas a própria teoria da conspiração não tem nenhum status ontológico.
Esta é uma hipótese interessante de muito valor, especialmente como uma ferramenta crítica. No entanto, como uma ideologia, ela sofre da mesma falha que qualquer outra ideologia. Ela constrói uma Idéia absoluta, então explica a realidade em termos de absolutos. A Direita e a Esquerda autoritárias compartilham uma visão do status ontológico das elites ou das vanguardas na História; a resposta anti-autoritária é transferir o peso ontológico-histórico para indivíduos ou grupos; mas nenhuma das teorias se importou em questionar o status ontológico da História, ou, quanto a isso, da própria ontologia.
No sentido tanto de confirmar quanto de negar a teoria da conspiração categoricamente, deve-se acreditar na categoria da “História”. Mas desde o século 19, a “História” se fragmentou em dúzias de partículas conceituais – etno-história, psico-história, história social, história das coisas e idéias e mentalidades, cliometria (8), micro-história – tais não são ideologias históricas rivais, mas simplesmente uma multiplicidade de histórias. A noção de que a História é o resultado da luta cega entre interesses econômicos, ou de que a História “É” sob qualquer condição algo específico, não pode realmente sobreviver a esta fragmentação numa infinidade de narrativas. A abordagem produtiva a uma tal idéia fixa não é ontológica mas epistemológica; ou seja, agora perguntamos não o que a “História” “é”, mas de preferência o que e como podemos saber sobre e a partir das muitíssimas estórias, supressões, aparecimentos e desaparecimentos, palimpsestos e fragmentos dos múltiplos discursos e múltiplas histórias das complexidades inextricavelmente emaranhadas do devir humano.
Então deveríamos pressupor (como um exercício epistemológico, se nada mais) a noção de que embora seres humanos sejam arrastados ou movidos por interesses de classe, forças econômicas, etc., podemos também aceitar a possibilidade de um mecanismo de feedback, por meio do qual as ideologias e ações tanto de indivíduos quanto de grupos possam modificar as reais “forças” que as produzem.
De fato, me parece que, como anarquistas de um tipo ou de outro, devemos adotar uma tal visão das coisas, ou então aceitar que nossa agitação, educação, propaganda, formas de organização, levantes, etc., são essencialmente fúteis, e que só a “evolução” pode ou irá ocasionar qualquer mudança significativa na estrutura da sociedade e da vida. Isto pode ou não ser verdade a respeito da longa duração do devir humano, mas é evidentemente falso no nível da experiência individual da vida cotidiana. Aqui, uma espécie de existencialismo tosco prevalece, de tal forma que devemos agir como se nossas ações pudessem ser efetivas, ou então sofrer em nós mesmos uma escassez de devir. Sem a vontade da auto-expressão em ação, somos reduzidos a nada. Isto é inaceitável. Portanto, mesmo que se pudesse provar que toda ação é ilusão (e não acredito que qualquer evidência nesse sentido esteja disponível), ainda nos defrontaríamos com o problema do desejo. Paradoxalmente somos forçados (sob a pena da total negação) a agir como se livremente escolhêssemos agir, e como se a ação pudesse causar mudança.
Com base nisso, parece possível elaborar uma teoria da conspiração não-autoritária que nem negue isso completamente, nem o eleve ao status de uma ideologia. Em seu sentido literal de “respirar junto”, a conspiração pode até ser pensada como um princípio natural de organização anarquista. Face a face, não mediados por qualquer controle, juntos construímos nossa realidade social para nós mesmos. Se devemos portanto fazê-lo clandestinamente, no sentido de evitar os mecanismos de mediação e controle, então perpetramos um tipo de conspiração. Mas tem mais: podemos também ver que outros grupos podem se organizar clandestinamente não para evitar o controle mas para tentar impô-lo. É inútil fingir que tais tentativas são sempre fúteis, porque mesmo que eles fracassem em influenciar a “História” (ou o que quer que isso seja), eles podem certamente ter impacto e se intersectar com nossas vidas cotidianas. Para tomar um exemplo, qualquer um que negue a realidade da conspiração deve certamente encarar uma difícil tarefa quando tentar justificar as atividades de certos elementos dentro da Inteligência e do Partido Republicano nos EUA durante as últimas poucas décadas. Não importa o Assassinato de Kennedy, esta perda de tempo espetacular; esqueça os remanescentes da Organização Gehlen (9) que estavam à espreita em Dallas; porém, como se pode sequer começar a discutir sobre os arapongas de Nixon, o Irã-Contra, a “crise” das poupanças e empréstimos (S&L) (10), as guerras-show contra a Líbia, Granada, Panamá e Iraque, sem alguma recorrência ao conceito de “conspiração”? E mesmo que acreditemos que os conspiradores estavam agindo como agentes de forças ocultas, etc., etc., podemos negar que suas ações tenham realmente produzido ramificações no nível de nossas próprias vidas cotidianas? Os Republicanos lançaram uma aberta “Guerra às Drogas”, por exemplo, enquanto secretamente usaram dinheiro da cocaína para financiar insurreições de direita na América Latina. Alguém que você conhecia morreu na Nicarágua? Alguém que você conhecia foi apanhado na hipócrita “guerra” à maconha? Alguém que você conhecia caiu na desgraça do vício em crack? (Não vamos nem mencionar os negócios da CIA com heroína no sudeste da Ásia ou no Afeganistão).
Como aponta Carl Oglesby, a teoria da conspiração mais sofisticada não pressupõe nenhuma trama singular, todo-poderosa, suprema, a cargo da “História”. Isso com certeza seria uma forma de paranóia estúpida, seja da Esquerda ou da Direita. Conspirações ascendem e caem, brotam e decaem, migram de um grupo para outro, competem entre si, fazem conluio, se colidem, implodem, explodem, falham, têm sucesso, suprimem, forjam, esquecem, desaparecem. Conspirações são sintomas das grandes “forças ocultas” (e portanto úteis como metáforas, se nada mais), mas elas também realimentam essas forças e algumas vezes até afetam ou infectam ou têm efeito sobre elas. Conspirações, de fato, não são A forma com que a história é feita, mas são antes partes de um vasto conjunto de miríades de formas nas quais nossas múltiplas estórias são construídas. A Teoria da Conspiração não pode explicar tudo mas pode explicar algo. Se ela não tem status ontológico, ainda assim ela realmente tem seus usos epistemológicos.
Aqui vai uma hipótese:
A história (com “h” minúsculo) é um tipo de caos. Dentro da história estão embutidos outros caos, se se pode usar um tal termo. O capitalismo “democrático” tardio é mais um destes caos, no qual o poder e o controle se tornaram extraordinariamente sutis, quase alquímicos, difíceis de localizar, talvez impossíveis de definir. Os escritos de Debord, Foucault, e Baudrillard, levantaram a possibilidade de que o “poder em si” está vazio, “desaparecido”, e foi substituído pela mera violência do espetáculo. Mas se a história é um caos, o espetáculo só pode ser visto como um “atrator estranho” (11), mais que como algum tipo de força causadora. A idéia de “força” pertence à física clássica e tem pouca função a desempenhar na teoria do caos. E se o capitalismo é um caos e o espetáculo um atrator estranho, então a metáfora pode ser ampliada – podemos dizer que as conspirações “Republicanas” são como os reais padrões gerados pelo atrator estranho. As conspirações não são causais – mas, então, nada é realmente “causal” no velho sentido clássico do termo.
Uma maneira útil pela qual podemos, por assim dizer, investigar no caos que é a história, é olhar através das lentes fornecidas pelas conspirações. Podemos ou não acreditar que as conspirações são meras simulações do poder, meros sintomas do espetáculo – mas não podemos rejeitá-las como desprovidas de qualquer significação.
Mais que falar da teoria da conspiração, poderíamos em vez disso tentar elaborar uma poética da conspiração. Uma conspiração seria tratada como um constructo estético, ou constructo de linguagem, e poderia ser analisada como um texto. Robert Anton Wilson fez isso com sua longa e divertida fantasia “Illuminatti”. Podemos também usar a teoria da conspiração como uma arma de agit-prop. Conspirações do “poder” fazem uso da pura desinformação; o mínimo que podemos fazer em retaliação é rastreá-la até sua origem. Sem dúvida deveríamos evitar a mística da teoria da conspiração, a ilusão de que a conspiração é todo-poderosa. Conspirações podem ser dinamitadas. Elas podem até mesmo ser impedidas. Mas temo que elas não possam simplesmente ser ignoradas. A recusa em admitir qualquer validez à teoria da conspiração é ela mesma uma forma de ilusão espetacular – crença cega no mundo cor-de-rosa liberal, racional, no qual todos temos “direitos”, no qual “o sistema funciona”, no qual “valores democráticos prevalecerão a longo prazo” por que a natureza assim o determinou.
A História é uma grande bagunça. Talvez conspirações não funcionem. Mas temos de agir como se elas realmente funcionassem. Na realidade, o movimento não-autoritário não somente necessita de sua própria teoria da conspiração, ele necessita de suas próprias conspirações. “Funcionem” elas ou não. Ou respiramos juntos ou nos sufocamos todos por iniciativa própria. “Eles” estão conspirando, nunca duvide disso, esses palhaços sinistros. Não apenas deveríamos nos armar com a teoria da conspiração, deveríamos ter nossas próprias conspirações – nossas TAZ – nosso comando de mercenários da guerrilha ontológica – nossos Terroristas Poéticos – nossas maquinações do caos – nossas sociedades secretas. Proudhon assim o disse. Bakunin assim o disse. Malatesta assim o disse. É a tradição anarquista.
Notas:
1. Controversa organização política direitista de Washington, DC, conhecida como anti-comunista e anti-semita, e que através de seu jornal Spotlight lançou uma campanha contra o agente da CIA E. Howard Hunt, acusando-o de conspirador no assassinato de J. F. Kennedy. (Nota do Tradutor)
2. Organização de ultradireita criada em 1958 em Indianápolis em homenagem a um agente da CIA e também missionário protestante. (N. do T.)
3. Conta a lenda que o CFR (Council on Foreign Relations), o Conselho de Relações Exteriores, é o braço americano de uma sociedade ultra-secreta originalmente organizada na Inglaterra, com os planos de instruir e governar todas as fases da política externa americana, e o objetivo final de dissolver as fronteiras mundiais e estabelecer um governo mundial único. Do CFR teriam participado quase todos os diretores da CIA e todos os secretários da Defesa dos EUA. Os Bilderberg seriam uma poderosíssima e semi-secreta sociedade da elite internacional que se reúne anualmente para definir os programas econômicos e políticos mundiais, com representantes somente do mundo anglo-saxão e da Europa ocidental. David Rockefeller, por sua vez, teria sido patrono do CFR, membro dos Bilderberg e criador da denominada Comissão Trilateral, outra dessas sociedades secretas da elite mundial que incluiria aqui membros do Japão. Teorias conspiratórias “clássicas” ligam essas três organizações ao grupo dos Illuminati, numa trama de dominação mundial. (N. do T.)
4. O anticapitalismo de direita se traduz, entre outras coisas, pela nostalgia aristocrática de um passado pré-industrial por certos grupos ultradireitistas, como, por exemplo, a TFP no Brasil, ou certos grupos monarquistas. (N. Do T.)
5. Editora underground de Los Angeles, célebre nos meios contraculturais por publicar os Amok Dispatches, verdadeiras fontes bibliográficas de todo tipo de material subterrâneo, conspiratório, transgressor, banido. (N. do T.)
6. Banda gótico-eletrônica de tendência satanista formada por Nickolas Schreck e Zeena LaVey, filha de Anton LaVey, fundador da Igreja de Satã.(N. do T.)
7. Mae Magnin Russel é tida como a “rainha das teorias da conspiração”. Ela acreditava, por exemplo, que os assassinatos de Kennedy e de Martin Luther King, os assassinatos perpertrados por Charles Manson e seu grupo, e o sequestro de Patty Hearst tinham todos sido planejados pela extrema direita juntamente com a CIA, o FBI e a Máfia numa massiva conspiração feita para desacreditar a esquerda e estabelecer um estado fascista. (N. do T.)
8. Cliometrics ou “história social-científica quantitativa” designa uma técnica de análise histórica fundada na quantificação de dados empíricos. Seus defensores mais radicais consideram-na o método científico por excelência da análise histórica.
9. Organização de inteligência baseada na Alemanha, a Gehlen Org seria composta de antigos agentes da SS e da Gestapo - incluindo, entre outros, Klaus Barbie -, tendo sido fundada, na Alemanha do pós-guerra, com a ajuda do advogado dos Rockfeller, Allen Dulles, que teria contratado o espião alemão Reinhart Gehlen para reviver a agência de espionagem SS e se tornaria depois a agência espiã BND da Alemanha Ocidental. Na verdade, a CIA teria sido formada a partir da Gehlen. (N. do T.)
10. S & L (Savings and Loans) - No final da década de 80 e início da de 90, as “poupanças e empréstimos” norte-americanos faliram. Em 1984, a administração e o Congresso dos EUA acreditavam que a crise das poupanças e depósitos era em torno de 20 a 30 milhões de dólares. Operadores do setor então inundaram Washington com lobistas, contribuições para campanhas, e viagens gratuitas de avião para recantos paradisíacos, entre outros agrados. Como resultado, o problema foi varrido para debaixo do tapete. Ele só voltou a aparecer nas eleições presidenciais de 1988, quando se descobriu uma crise que alcançava entre 400 e 500 bilhões de dólares. (N. do T.)
10. Na teoria do caos, atratores estranhos são sistemas dinâmicos atraentes e magnéticos que quando entram em estado de caos passam a ser designados como tais. Em 1970, físicos passaram a estudar os sistemas dinâmicos do imprevisível, denominando-os de atratores estranhos, expressão usada por David Ruelle e Floris Takens. Pelo fato dos atratores não serem nem curvas e nem superfícies lisas, mas objetos de dimensões não inteiras, Benoît Mandelbrot denominou-os de fractais. (N. do T.)

Tradução de Ricardo Rosas

Link: Site de Hakim Bey (www.hermetic.com/bey).