segunda-feira, 15 de junho de 2009

O pecado da carne


"Alimentar animais com cereais e outros grãos, em vez de capim, que não concorre com cardápio humano, é uma aberração ecológica, e cujos danos ambientais, que ainda não se refletem sobre os preços, já pairam no ar", escreve Tomás Togni Tarquínio, antropólogo e ambientalista, em artigo publicado no Jornal de Brasília e reproduzido por EcoDebate, 15-06-2009.

Segundo ele, "devastamos nossos cerrados e florestas para produzir soja que, ao final, somente 10% será transformada em carne, leite e derivados na Europa e Ásia. Os 90% restantes são dissipados em calor e transformados em um caríssimo estrume. Enquanto que o planeta abriga um bilhão de pessoas subnutridas. A resposta para esse sistema de produção e consumo predatório e desigual somente poderá surgir da Ecologia Política, que no Brasil, infelizmente, ainda é vista como um simples problema de bagres".

Eis o artigo.

No registro sagrado, seria questão de tratar do pecado da luxúria, mas como o registro é profano, o problema é a gula. Rajendra Pachauri, Prêmio Nobel e presidente do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC), tem razão ao dizer que devemos comer menos carne bovina para conter as modificações climáticas. A criação de animais confinados, junto com as queimadas, são os principais responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa produzidas pelo setor primário. O consumo mundial de carnes passou de 145 milhões de toneladas em 1990 para 272 milhões em 2007. Praticamente dobrou em 15 anos.

A criação intensiva de animais depende da agricultura para alimentar os rebanhos. Essa agricultura, que segue os padrões da revolução verde, é voraz consumidora de matérias e energia, sob a forma de adubos, máquinas, equipamentos e outros insumos. A criação intensiva também exige muito espaço, não para os animais confinados, mas para cultivar os grãos, cereais e forragens que os alimentam. Um terço da superfície agrícola útil do planeta está ocupado por culturas destinadas à alimentação de animais confinados. Mas a Ciência Ecológica nos ensina que os animais, particularmente os mamíferos, são péssimos transformadores de produção primária (vegetal) em produção secundária (animal).

Em outros termos, para se obter um quilo de carne a vaca é preciso alimentá-la com dez quilos de vegetais (matéria seca). Ora, no caso da pecuária intensiva, um quilo de boi é feito com oito quilos de grãos (soja, trigo, milho) e com mais dois quilos de forragens (afinal trata-se de um herbívoro e não de um granívoro ou carnívoro). Além do mais, essas culturas de grãos são exigentes em água. A produção de um quilo de trigo necessita, pelo menos, mil litros de água, ou seja, um quilo de boi alimentado com rações a base de cereais consome, direta ou indiretamente, algo em torno de 10 mil litros de água. Quanto às emissões de CO2, a produção de quilo de carne de boi confinado emite, aproximadamente, 25 quilos de equivalente CO2 (dez vezes mais do que a produção confinada de aves). Emite a mesma quantidade de gases de efeito estufa do que um carro ao percorrer cem quilômetros.

Por essa razão, alimentar animais com cereais e outros grãos, em vez de capim, que não concorre com cardápio humano, é uma aberração ecológica, e cujos danos ambientais, que ainda não se refletem sobre os preços, já pairam no ar.

Devastamos nossos cerrados e florestas para produzir soja que, ao final, somente 10% será transformada em carne, leite e derivados na Europa e Ásia. Os 90% restantes são dissipados em calor e transformados em um caríssimo estrume. Enquanto que o planeta abriga um bilhão de pessoas subnutridas. A resposta para esse sistema de produção e consumo predatório e desigual somente poderá surgir da Ecologia Política, que no Brasil, infelizmente, ainda é vista como um simples problema de bagres.


O mapa acima mostra o avanço da soja

sobre o território brasileiro entre 1960 e 1997 (em verde)




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