quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Quando o mundo da Internet se torna movimento político





Com a difusão da web no mundo, um bilhão e 700 milhões de usuários (¼ da população mundial), certamente existem hoje mais instrumentos para resistir ao poder. Valores e interesses alternativos podem ser melhor defendidos diante daqueles que prevalecem. Entre poder e contrapoder, para usar a expressão de Manuel Castells, o jogo está em aberto (e não fechado em vantagem do primeiro), graças às redes sociais, às comunidades virtuais, ao Facebook, MySpace, Twitter, ao e-mail, a toda forma de Internet móvel e à autocomunicação individual de massa, que caracteriza a paisagem tecnológica contemporânea. A barreira da porta de ingresso para a cena pública se levantou.

A reportagem é de Giancarlo Bosetti, publicada no jornal La Repubblica, 10-12-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A mobilização "lilás" ["cor da vitalidade e da autoafirmação"] do No-B Day [No Berlusconi Day], construída em menos de 20 dias, mostra que a praça web começou a funcionar também na Itália. As "smart mobs", as multidões inteligentes das quais Howard Rheingold fala há anos, já fizeram várias aparições: nas Filipinas, em 2001, foi um movimento organizado com os SMS para impulsionar a renúncia do presidente. Na Espanha, depois do atentato de Atocha, as teses do governo foram descartadas e punidas com o voto, por meio dos celulares. No Irã, a contestação das últimas eleições viajava pelo Twitter. Cita-se entre nós o precedente de Beppe Grillo, com o seu V-Day, mas se tratava de um personagem já muito conhecido.

Pelo contrário, a Praça San Giovanni, no último dia 05 de dezembro, ficou cheia por meio de organizadores pouco conhecidos. Era evidente o caráter "horizontal" da mobilização, acentuado pela colocação dos políticos entre os espectadores.

Nos EUA, a política já foi amplamente redesenhada pela web. Obama havia recrutado Chris Hughes, um dos fundadores do Facebook, para a sua campanha, e ele deve ao YouTube tanto quanto J. F. Kennedy deve à TV e F. D. Roosevelt ao rádio. Trata-se do país com o mais alto índice de penetração da Internet (75%). Entre nós [italianos], menos da metade da população tem acesso à Internet e, por isso, a performance da marcha No-B Day é uma etapa a ser lembrada: a política que tente se adequar.

Um traço claro da direção da mudança já é evidente: não se trata da utopia da "e-democracy", mas de uma radical atualização das técnicas da competição. A web anunciava desde o início a queda de barreiras entre os cidadãos e a política. Ross Perot entrava em cena na campanha presidencial norte-americana de 1992 com a ideia da democracia direta via digital. Al Gore promovia as "autoestradas da informação" em 1994, e, em 1995, falava-se da "ascensão da república eletrônica" (Lawrence Grossman).

E nos anos seguintes a Internet verdadeiramente modelou a cena pública, mas não no sentido em que muitos haviam idealizado: democracia direta, assembleias eletrônicas, disseminação do poder. Não, ao contrário, a Internet se mostrou um imbatível instrumento de parte: a Internet é partidária das eleições, porque está na sua natureza a vocação de reunir as pessoas por vias de afinidade, para organizá-las em torno de objetivos comuns. A Rede, para a política, reúne pessoas com pensamentos, interesses, atitudes muito mais semelhantes do que colocar alguns indivíduos diante de outros com ideias e interesses conflitantes. A Rede é a "praça eletrônica", não porque seja uma ideal "ágora" deliberativa, em que as partes confrontam seus próprios argumentos, mas sim porque é justamente "a praça" onde se manifestam por uma ideia comum. Um dia, terá que ser possível obter das tecnologias de rede meios para melhorar todo o sistema democrático, mas no momento é claro quantos benefícios, rapidamente, as organizações partidários e os movimentos sociais podem conseguir em termos de transparência, economia, rapidez, eficácia. Apenas se o quisessem.

A capacidade que temos com a Internet de fazer com que a informação de um de nós possa se estender rapidamente aos outros, a custos baixíssimos ou nulos, tem um grandioso potencial de liberdade. Apenas temos que estar atentos e acautelar-nos com relação ao que Cass Sunstein ("Republic.com 2.0", Ed. Princeton, 2007, e "Going to Extremes", Ed. Oxford, 2009) chama de o risco do "perfect filtering", da filtragem perfeita de indivíduos afins, que a Rede exerce inexoravelmente atraindo o semelhante ao semelhante, com uma autosseleção que tende a excluir vozes discordantes.

A discussão entre pessoas que estão sempre de acordo entre si pode nutrir cumplicidades, desencorajar verificações, aumentar o desprezo pelos outros, fazer com que se cometam erros em cascata, ou melhor, em "cibercascata", até chegar a acreditar como verdadeiras notícias falsas e a polarizar extremismos. É saudável que, de norma, nas praças, também virtuais, circulem ideias em liberdade e pareceres opostos.

A "tirania da maioria" está sempre à espreita, ainda mais em países, como o nosso, que sofrem não apenas da brecha digital (metade da população fora da Rede. Nos EUA, a penetração é de 75%), mas também a breche de imprensa (subiu para 40% o percentual alheio aos meios de imprensa) e onde a dependência da TV generalista para a informação política continua assustadoramente alta (70% para todos, 81% entre os idosos).

O pluralismo da informação continua em sofrimento, o jogo entre poderes e contrapoderes continua em aberto, a competição entre informações do alto do velho mass-medium e informações por baixo das redes sociais está em curso, mas sempre é preciso estar um pouco ansioso pelo resultado final da partida.

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