sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Terra Madre




Terra Madre: uma aliança planetária que conjuga ética e prazer


A rede Terra Madre, do movimento Slow Food, "é uma aliança planetária por um melhor sistema do alimento, mais humano e sustentável: um sujeito novo, que conjuga ética e prazer, política e beleza", afirma Carlo Petrini, cozinheiro italiano fundador do movimento Slow Food, em artigo para o jornal La Repubblica, 10-12-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

O primeiro Terra Madre Day ocorre enquanto o Slow Food completa 20 anos: não é por acaso. O Slow Food, com o Terra Madre Day, cresceu, de fato, em uma rede muito mais ampla do que a própria associação, envolvendo, além dos seus sócios, algo como 2.000 comunidades do alimento de todo o mundo, dando vida a um movimento global que, no entanto, está muito enraizado e difundido em nível local.

Fazem parte dele todos os que sentem o alimento como central para as suas existências e que o veem como um meio para propôr uma mudança, a reivindicação da própria soberania alimentar e uma vontade sadia de democracia participativa.

A rede é composta tanto pelos produtores quanto pelos "coprodutores", isto é, quem rejeitou a ideia de ser consumidor passivo a tal ponto que não quer mais ser identifcado com esse nome. É uma aliança planetária por um melhor sistema do alimento, mais humano e sustentável: um sujeito novo, que conjuga ética e prazer, política e beleza. Um sujeito que, enquanto se realiza o encontro de Copenhage, diz fortemente aos poderosos que é preciso partir de um sistema do alimento diferente para reduzir as emissões e estreitar uma relação harmoniosa com o ambiente.

As comunidades da rede Terra Madre – agricultores e cidadãos do Norte e do Sul do mundo – produzem e consomem alimento sem superexplorar os recursos, mantêm viva a sua própria cultura alimentar, usam energias renováveis, combatem o desperdício e se empenham em comportamentos virtuosos nos seus próprios territórios.

O Terra Madre Day nos dá o sentido de uma rede que toma sempre mais corpo, que se torna ponto de referência concreto para todos aqueles que têm no coração o alimento, o ambiente e as alegrias que podem nos dar. È a partir do que comemos que mudaremos o mundo, fazendo coisas pequenas mas tangíveis na nossa realidade cotidiana, como fazem desde sempre as comunidade do Terra Madre. São a semente de um novo humanismo. Celebremos com elas e sigamos o exemplo.

'Rebelem-se contra a ditadura da velocidade', exorta o pai da Slow Food


Ele cita Sêneca: "A vida não é breve, mas longa. Somos nós que a desperdiçamos". O fundador da Slow Food, Carlo Petrini, combate há 20 anos a ditadura da velocidade, "culpada não apenas pelos males difusos, pelo estresse, pela insatisfação, pela alienação, mas também pela atual crise mundial".

A reportagem é de Alessandra Retico, publicada no jornal La Repubblica, 24-04-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Em que sentido?

As finanças criativas são a "extremização" de um sistema inteiro de valores baseado na velocidade. Criaram uma economia virtual em que o que vale é consumir, e depressa, para recomeçar rapidamente. A essência da nossa sociedade se fundamenta na rapidez, nas necessidades induzidas, nos desperdícios. Um frenesi que nos reduziu a este ponto de recessão, esvaziados de significados e de bens.

A lentidão é um conceito bonito, mas às vezes é vago, anacrônico.

Eu gosto de chamá-la de medicina homeopática. Estaria sendo louco se eu pensasse que ela funciona para todos e sempre, que é um fim em si mesma. Ela é útil se nos confrontar. A lentidão é um governo da própria liberdade. Às vezes, decisões rápidas são úteis, às vezes é preciso refletir. Este é o momento histórico perfeito para recuperar a calma: para não cometer outros erros, para escolher o que mais nos agrada.

Nem sempre é possível, lhe objetariam.

Deixar um e-mail pela metade, estar com quem amamos, comer localmente, inventar o próprio ritmo, decidir que o tempo, e até o tempo livre, existe. Uma alternativa à tirania do mundo globalizado é mais do que possível: basta seguir a terra, a fisiologia da natureza. Faz bem à saúde, constrói uma economia finalmente participativa.


Antigos saberes agrícolas podem nos levar para o futuro


As antigas culturas alimentares não estão um degrau abaixo da ciência acadêmica ou da pesquisa financiada por grupos privados. Nem são imóveis no tempo.

Publicamos aqui um trecho de "Terra madre. Come non farci mangiare dal cibo" [Terra Mãe. Como não sermos comidos pela comida, em tradução livre] (Ed. Giunti, 173 páginas), o novo livro de Carlo Petrini, cozinheiro italiano fundador do movimento Slow Food.

O texto foi publicado no jornal La Repubblica, 20-11-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Se quisermos começar a pensar sobre a comida com bom senso, sem preconceitos, e tentar de algum modo corrigir o sistema global industrial agroalimentar, devemos desfazer absolutamente um lugar comum: a rejeição a priori do passado e de tudo aquilo que tem sabor de passado. Assim como as economias das comunidades são consideradas marginais, e a busca do prazer alimentar, um coisa elitista, também a tradição, os saberes antigos, os estilos de vida mais sóbrios são investidos de um preconceito enraizado e são pontualmente marcados como nostálgicos e fora da realidade. Isso faz com que se liquidifiquem como superados séculos de cultura popular, e que, portanto, grande parte do saber próprio das comunidades do alimento – ou ainda mais as suas origens – não sejam nem levados em consideração.

É paradoxal que a maioria das pessoas reconheça a superioridade – embora, talvez, considerando-a uma prerrogativa elitista – de muitos produtos tradicionais, artesanais, tirados de ingredientes frescos e da estação, produzidos e consumidos localmente, mas depois não reconheça o importante valor das culturas e das competências que os criaram. Quase dizendo: "Sim, são melhores, mas estão fora do mundo, só existem em pequenos nichos, é a mesma coisa que comer mal".

Não acredito que seja o caso de renunciar assim, sem se perguntar se existem alternativas possíveis. Estamos convictos de que, justamente sobre esses saberes, as comunidades fundarão o seu papel de protagonistas da terceira revolução industrial. Não é provocação, mas consciência de que, se o mundo pede energias limpas, produções sustentáveis, reuso e reciclagem, abatimento do desperdício, prolongamento da durabilidade dos bens, alimentos salutares, frescos e de qualidade, as comunidades do alimento não estão apenas em linha, mas já estão até na vanguarda. Seja por causa das técnicas utilizadas, mas ainda mais por causa da mentalidade que as apoia.

De fato, é lógico que não é possível replicar os seus métodos em todo o lugar, fundamentados talvez sobre tecnologias muito limitadas. É normal que esses aspectos da sua existência não sejam exportáveis para todos os lugares – embora em alguns casos não seja impossível – porque são filhos de uma adaptação local, e, no local, funcionam muito bem. Ao invés, é fundamental estudar sua sistematicidade, entendida como harmonização em um sistema complexo, e compreender os seus motivos.

Não se pode continuar considerando os saberes tradicionais e populares como um degrau abaixo dos da ciência que sai das universidades ou da pesquisa financiada por grupos privados. Pelo contrário, eles têm a mesma dignidade. O "savoir faire" agrícola é filho de uma experiência secular, e pouco importa que a sua praticidade seja demonstrada ou demonstrável cientificamente. Assim como também seria errado desejar uma supremacia desses conhecimentos, que eu defini como saberes lentos. É preciso que se instaure um diálogo em que os preconceitos sejam colocados à parte, em que a pesquisa esteja também ao seu serviço, e em que pesquisa e ciência colaborem sobre o mesmo plano paritário.

À tradição, muitas vezes, associa-se também o erro de vê-la como uma dimensão imóvel, que pertence ao passado. Até quem se refere a ela, a relata e a honra corre muitas vezes o risco de cometer o erro de vivê-la como um "unicum" que não evolui, que se interrompeu em um certo ponto. Essa é uma visão que acaba nos separando das nossas raízes, que nos tira a memória daquilo que fomos, da história dos nossos povos.

As comunidades sabem bem disso. Para elas, a tradição não é uma repetição monótona de gestos, ritos e produções. São abertas às novidades e a tudo o que, no sulco da tradição, pode lhes fazer progredir, sabem que é verdadeira aquela frase (da qual se abusa um pouco) que entende a tradição como "uma inovação bem sucedida" e a colocam em prática. Não abandonam o velho pelo novo, ao invés, inserem o novo no sistema complexo que forjou a sua identidade. Sabem de onde provêm e tem muito claro quais são os seus objetivos.

Não devemos decidir se é melhor a tradição ou o progresso, o passado ou o futuro, mas sim rejeitar generalizações, reducionismos e a separação desses conceitos, a sua contraposição. As comunidades existem para a continuidade da tradição, levam-na no coração e protegem a sua memória justamente porque lhes dá identidade em um mundo que tende à homologação, mas sabem bem que cometeriam um grave erro se não quisessem aproveitar os meios que a globalização e a tecnologia lhes oferecem. Querem apenas poder fazer isso de maneira responsável, com bom senso. Querem comer, e não ser comidos.


Fontes:

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=27789


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