Por: J.A. LINDGREN ALVES
Embaixador de carreira, atual cônsul geral do Brasil em São Francisco (EUA), ex-diretor geral do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do Ministério das Relações Exteriores (Brasília) e ex-membro da Subcomissão das Nações Unidas para a Prevenção da Discriminação e Proteção das Minorias (Genebra)
Resumo
Assim como o neoliberalismo, as teorias da pós-modernidade espalharam-se por todo o mundo, em um processo que teve início nos Estados Unidos. Os movimentos sociais, ao se tornarem culturalistas, incorporaram e desenvolveram o pós-modernismo, abandonando o universalismo que sempre caracterizara as posições de esquerda. Essa americanização dos movimentos sociais permitiu estabelecer firmemente as questões de gênero, sexualidade e etnicidade na agenda política, mas tal agenda se tornou tão exclusivista que deixou de contemplar conquistas sociais mais amplas. Tendo em conta a especificidade de cada situação, os movimentos sociais do Brasil precisam saber avaliar melhor os modelos que pretendem seguir.
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One remembers, indeed, Freud’s delight at discovering an obscure tribal culture, which alone among the multitudinous traditions of dream-analysis on the earth had managed to hit on the notion that all dreams had hidden sexual meanings – except for sexual dreams, which meant something else! So also it would seem in the postmodernist debate, and the depoliticized bureaucratic society to which it corresponds, where all seemingly cultural positions turn out to be symbolic forms of political moralizing, except for the single overtly political note, which suggests a slippage form politics back into culture again.1
FREDRIC JAMESON, 1984
It is crucial to perceive how postmodern racism emerges as the ultimate consequence of the postpolitical suspension of the political, of the reduction of the state to a mere police agent servicing the (consensually established) needs of market forces and multiculturalist, tolerant humanitarianism.2
SLAVOJ ZIZEK, 1998
INTRODUÇÃO
No cenário de desumanização em que acaba de transcorrer a passagem do século XX ao século XXI, os males de nosso mundo canhestramente globalizado são quase sempre atribuídos, com justíssimas razões, ao absolutismo do mercado como única verdade nos quatro cantos da Terra.
Raramente assumido pelos agentes que o propagam com a designação doutrinária que o torna reconhecido, o neoliberalismo penetra e se consolida inclusive nas cidadelas antes mais inexpugnáveis ao imperialismo do capital. Menos perceptível, porque muito mais sutil, e muito menos criticada, porque geralmente vista por seu lado positivo, a mesma disseminação se dá com as idéias da pós-modernidade e seu antiuniversalismo.
Originárias do Ocidente tanto quanto o iluminismo por elas denunciado, as teorias “pós-modernas” são hoje em dia estudadas em quase todo o planeta, na Europa como nas Américas, na Índia como na Eslovênia, na Sérvia como na Austrália, nos centros de estudos de Berkeley como nas universidades de Pequim (ou Beijing, como se diz agora). Entendê-las é sempre bom, em qualquer parte do mundo. Difícil é evitar que sua manipulação não acabe funcionando como alavanca e escusa aos males generalizados pelo absolutismo do mercado.
Enquanto na esfera da economia, o neoliberalismo é, como se alega, a doutrina necessária daquilo que a tradução do “idioma global” rotula de capitalismo tardio (em inglês, late capitalism), a pósmodernidade – ou pós-modernismo, no dizer de grandes críticos como Fredric Jameson e Terry Eagleton – é a lógica cultural que o fundamenta e dele emana na esfera das artes, da literatura, das ciências humanas e de práticas político-sociais correntes. Por menos que assim deseje o logos relativizante do pósmodernismo “epistêmico” (para falar com Foucault), simultaneamente individualista e anti-subjetivista num desconstrutivismo infinito (para falar com Derrida), sua praxis da diferença exacerbada concorre fatalmente para que o mercado se apresente como o universal que sobrou. Mais do que pelo fim da Guerra Fria e do chamado “socialismo real”, isso se tornou possível porque em algum momento do século XX, particularmente em torno de 1968, os antigos atores das lutas universalistas passaram a encarar separadamente cultura e economia. E, como quase tudo o que tem ocorrido na experiência histórica do mundo desde o século XVIII, para o bem e para o mal, essa separação metodológica, intelectualmente engendrada no pensamento europeu, traduziu-se em práticas consistentes primeiro nos Estados Unidos. De lá se espalhou por todos os continentes, num processo de americanização muito pouco analisado.
Quando se diz americanização, pensa-se logo, em geral, pelo lado positivo, no espírito empreendedor que constrói obras fabulosas, no pragmatismo imediatista do pensamento e da ação, na paixão pelo novo como sinônimo de progresso, na divulgação dos ideais e dos meios de higiene e conforto, no liberalismo político e nas instituições-modelo das democracias modernas. Pelo lado negativo, costumam vir à mente, ademais da imagem costumeira do capitalista gordo (que antes fumava charuto e hoje é antitabagista sobretudo para não pagar contribuições sociais e indenizações) a esmagar o trabalhador, a propaganda eficaz comercial ou não, os modismos de gosto duvidoso, as baboseiras hollywoodianas, os hambúrgueres sabor-papel engolidos com Coca ou Pepsi-Cola, o consumismo irrefreável como vício e auto-afirmação, a dominação da realidade pelos media – ou pela “mídia”, como se diz no Brasil, com redação aportuguesada e gênero e número invertidos de palavra latina pronunciada em inglês.
Há também, evidentemente, americanizações que são neutras, como a dos jeans e do rock, totalmente universalizados. Mas existe, igualmente, outro tipo de americanização cultural, mais sutil e ambivalente, a que pouca gente se refere, até porque talvez dela não se dê a devida conta: a americanização de movimentos sociais a partir de suas lideranças. Sua compreensão é necessária ao nosso Brasil
dual, onde o arcaico e o pós-moderno convivem num (des)equilíbrio absurdo, a fim de que a luta imprescindível pela modernização nacional não se venha a revelar ainda mais problemática do muito que já tem sido.
Para procurar entender essa americanização “da esquerda” é preciso retroceder no tempo a uma fase também tumultuada, mas num sentido distinto de nosso tumulto atual.
OS GOOD OLD SIXTIES E A CULTURALIZAÇÃO DA POLÍTICA
Os “bons anos 60” são para qualquer um a época dos Beatles e da bossa nova, do LSD e dos grandes festivais, de Kennedy e de Khrushev, do Sputnik e da viagem à Lua, de Che Guevara e de Mao, da pílula anticoncepcional e do sexo livre sem ids. São igualmente anos de Guerra Fria e Guerra do Vietnã, de desobediência civil e rebelião dos jovens, de revolução e contra-revolução, da Primavera de Praga e da Doutrina Brejnev. São também, em vastas partes do mundo relativamente periféricas (o Brasil, entre elas), anos de agitação e golpes militares, de passeatas e repressão, de idealismo utópico e ditaduras crescentemente sombrias. Para a Organização das Nações Unidas (ONU), a década de 60 foi, sobretudo, a década da descolonização. Foi nela que se deu a independência do maior número de Estados afro-asiáticos emersos do sistema colonial.
Foi nela que se estabeleceu o conceito positivo de um Terceiro Mundo capaz de produzir progresso com liberdade para toda a “aldeia global”, e ganhou foros de possibilidade tangível uma Nova Ordem Econômica Internacional – sepultada antes de nas cer. Foi, apesar de tudo, no cômputo geral do mundo, uma época de otimismo, embalado por esperanças emancipatórias, com crença num futuro solidário, diferente da época presente.
Entre os acontecimentos de maior influência local e internacional até agora, a década de 60 testemunhou os êxitos do movimento negro norte-americano pelos direitos civis, assim como o encerramento de sua mobilização nacional unitária e unificadora. Testemunhou da mesma forma o fortalecimento do movimento de mulheres como força social autônoma, assinalando o início da revolução que causou. Ambos os movimentos e suas transformações tiveram e têm ainda reflexos bastante profundos no cenário brasileiro.
Os Avatares do Movimento Norte-americano pelos Direitos Civis
É ponto pacífico entre historiadores da matéria que o assassinato de Martin Luther King Jr., em 4 de abril de 1968, praticamente encerrou a fase do movimento norte-americano pelos direitos civis, que exigia do governo da União responsabilidade e
ação garantidora da não-discriminação racial. Encerrou-o não somente porque foi conseqüência imediata dessa morte a aprovação pelo Congresso do Civil Rights Act de 1968, que deveria culminar a reforma legislativa em defesa da igualdade formal, proibindo a discriminação habitacional e federalizando a obrigação de controlar ingerências contra direitos da pessoa. Encerrou-o sobretudo porque, depois dela, as facções predominantes no movimento negro – que já existiam antes, mas não eram tão expressivas – não mais compartilhariam o “sonho” de Martin Luther King de uma “cidadania de primeira classe”, numa sociedade irmanada, em que as pessoas não fossem julgadas “pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo de seu caráter”.3 Visibilidade e impacto maior, nos Estados Unidos e no resto do mundo, passaria a ter a movimentação black power, cujo líder Stokely Carmichael logo advertiu a “América Branca” do erro que ela teria cometido: o de “matar o único homem de nossa raça, na geração mais velha do país, a quem os militantes, os revolucionários e as massas de pessoas negras ainda escutariam”.4
Na seqüela do assassinato de Luther King, os guetos urbanos negros entraram em convulsão. Os levantes civis de caráter racial, em mais de uma centena de cidades, e a repressão a eles tiveram um saldo negativo de 40 mortos, três mil feridos e bilhões de dólares perdidos em propriedades destruídas.5 Pior e mais conseqüente foi o fortalecimento, naquele período, da convicção entre os jovens negros de que a sociedade norte-americana seria, nas palavras de Alan Brinkley, “irredimivelmente racista”, e o “liberalismo tolerante e inter-racial, inadequado à tarefa da libertação”.6 Para isso também contribuiu o assassinato de Robert Kennedy, pré-candidato à presidência da República pelo Partido Democrata, em 6 de junho de 1968, como que a reconfirmar, trágica e eloqüentemente, a suposta incapacidade de assimilação das aspirações igualitaristas da população pobre, em geral, e das minorias étnicas, em particular, pelo liberalismo avançado, que ele simbolizara. Reação ajustada a um sistema segregacionista, que, conforme herança classificatória escravista do antigo Império Britânico, definia a população nãobranca pelo critério de “uma gota de sangue” (este permitira no passado a escravidão de quem tivesse algum ascendente negro e até hoje rejeita a mestiçagem como espúria), o radicalismo black power, que se tornou predominante no movimento negro norte-americano, ainda assim não era monolítico. Na classificação de Manfred Berg, havia entre seus militantes diferentes facções, “pluralistas” e “nacionalistas”. Os “pluralistas” postulavam o “controle comunitário” do comércio, das escolas e da polícia nas áreas de população negra, além de organizações políticas efetivamente independentes (em contraste com a National Association for the Advancement of Colored People–NAACP, maior agrupamento nacional, até agora existente, que sempre dialogou com o governo, exerce pressão no Congresso e repudia o racismo às avessas). Mas eram reputados moderados por aceitarem a idéia de uma “sociedade norteamericana”. Os “nacionalistas”, por sua vez, subdividiam-se em separatistas territoriais, revolucionários anticapitalistas e culturalistas afrocêntricos. Todos utilizavam conceitos e terminologia marxista, mas todos davam prioridade – ou exclusividade – ao recorte racial sobre o recorte de classe.7 A continuação dessa história é bastante conhecida. Enquanto os programas sociais da “guerra contra a pobreza” de Lyndon Johnson sucumbiam ante os gastos – e derrotas – da guerra do Vietnã, e a “nova esquerda” assumia um revolucionarismo extremamente difuso, a exacerbação “nacionalista” – hoje em dia se diz culturalista – do movimento negro alienou os brancos liberais que com ele se aliavam e votavam no Partido Democrata. O segregacionismo branco voltou ao proscênio com a candidatura independente de George Wallace à presidência da República;8 a classe média, normalmente alienada, que simpatizara com os negros sofredores do início da década, passou a encarar o movimento negro crescentemente assertivo como uma ameaça à Nação; Richard Nixon foi eleito presidente pelo Partido Republicano no final de 1968 (tendo sido ele quem, afinal, adotou o sistema de quotas nas contratações de serviços públicos, que complementariam
a “ação afirmativa” da esfera da educação).
O movimento negro norte-americano, como instrumento articulador de luta no cenário político nacional, praticamente deixou de existir. Manteve, por outro lado, perfil alto e militante no exterior. Já havendo influído na Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965 (cujo artigo 4.º preconiza o sistema de preferências da “ação afirmativa”), seu consistente ativismo na campanha internacional contra o apartheid sul-africano, até a abolição desse regime, teve provavelmente maior repercussão em governos estrangeiros do que nos governos de Washington. Serviu e serve ainda de modelo, em muitos aspectos, às lutas dos negros brasileiros e de outros países, por reconhecimento e melhores condições sociais. Dentro do país, porém, sua influência se manifesta quase exclusivamente no campo cultural.
Escritores negros, norte-americanos e de outras nacionalidades, passaram a fazer parte do cânon obrigatório escolar; os livros didáticos atuais procuram valorizar o elemento negro na história do país; as grandes universidades contam com departamentos de estudos étnicos. Até mesmo uma celebração alternativa ao Natal, a Kwanzaa, inventada em Los Angeles, em 1996, por Ronald McKinley (rebatizado Maulana Ron Karenga) com denominação swahili e inspiração africana, mas não existente na África, foi oficializada no calendário cívico-escolar entre 26 e 31 de dezembro, para livrar os afro-americanos da “humilhação” de comemorar um festejo europeu.9 Sintomaticamente, numa população negra ainda majoritariamente cristã e protestante, bastante dividida hoje em dia pelo viés classista (inclusive no que diz respeito às posições diante da ação afirmativa, ora em declínio no país), o grupo politicamente militante mais numeroso, herdeiro da tradição black power nos dias atuais, parece ser a Nação do Islã, liderada por Louis Farrakhan, espécie de resposta culturalista ao movimento branco da Identidade Cristã, protestante e profundamente racista.10 Em 1968, pouco após a morte de Martin Luther King, seu herdeiro e continuador político Ralph Abernethy tentou reeditar a histórica Marcha sobre Washington de 1963, decisiva no contexto da luta pelos direitos civis, na qual King uma vez mais expusera, com grande repercussão, o seu “sonho” igualitarista.11 A passeata de Abernethy, cinco anos depois, tinha o objetivo de manter viva a mobilização integracionista, já então voltada contra a pobreza e a discriminação econômica incidente sobretudo nos negros, acorde com a visão de King (por ele preconizada, mas nos dias de hoje quase totalmente esquecida) de que os direitos civis não se realizam separadamente dos direitos econômico-sociais. O evento de 1968 obteve participação e repercussão diminutas. Em 1995, o líder muçulmano Louis Farrakhan decidiu fazer o mesmo de 1963, convocando uma “Marcha de Um Milhão” sobre Washington. Tendo ou não realmente um milhão de participantes, a convergência de negros em 1995 sobre a capital da República causou impacto pela magnitude e trouxe à Nação do Islã grande notoriedade. Impressionou, da mesma forma, num sentido radicalmente oposto, porque, ao contrário do caráter abrangente e multirracial de sua antecessora exitosa dos tempos de Luther King, a marcha de Farrakhan excluiu não somente os brancos, mas também as mulheres de qualquer raça ou cor.12 Ao alienar as mulheres dessa grande iniciativa e, conseqüentemente, da atividade política em geral, em paralelo à exibição de um fundamentalismo retrógrado que poucas nações islâmicas africanas ou asiáticas ainda ousariam ostentar,13 a Nação do Islã norte-americana se auto-elimina a possibilidade de receber apoio de outros movimentos sociais conseqüentes, particularmente daquele que mais cresceu desde a década de 60, nos Estados Unidos e internacionalmente: o movimento das mulheres.
O Movimento Internacional das Mulheres: feminismo da igualdade e feminismo da diferença
É fato bastante documentado, pelo menos no Ocidente, que a luta histórica das mulheres por seus direitos humanos, gerais e a elas específicos, vem de longa data. Todos conhecem a figura das sufragettes norte-americanas e britânicas em suas manifestações pelos direitos políticos da população feminina, por tanto tempo denegados ainda no século XX.
Muitas mulheres e homens, não necessariamente militantes, são familiarizados com o extraordinário projeto de Declaração dos Direitos da Mulher, redigido por Olympe de Gouges no calor da Revolução Francesa. Alguns – mais corretamente, algumas – terão lido a obra de Mary Wollstonecraft A Vindication of the Rights of Women, também do século XVIII. Praticamente todas as sociedades, ocidentais e orientais, atualmente cultivam com admiração as personagens históricas respectivas que funcionaram como precursoras do movimento feminista. Foi, contudo, na década de 60, no contexto das lutas antiautoritárias da chamada “nova esquerda”, com sua visão abrangente das opressões disseminadas nas sociedades capitalistas, assim como nos países de socialismo burocrático, e com o célebre slogan de que “o pessoal é político”, que o movimento social das mulheres, como atualmente entendido, começou a firmar-se com autonomia e vigor. Emergiu nos Estados Unidos em paralelo aos movimentos contra a Guerra do Vietnã e pelos direitos civis, recebendo desse segundo influência notável. Um de seus marcos foi, por sinal, a fundação por Betty Friedan, em 6 de outubro de 1966, da National Organization of Women (NOW), que, a exemplo do NAACP dos negros, postulava a igualdade de direitos – nesse caso com os homens – em todos os aspectos da vida social, econômica e institucional.14 Cronista “engajado” da rebelião dos anos 60, Todd Gitlin descreve, com episódios ilustrativos, como as estudantes e jovens norte-americanas militantes da nova esquerda foram se distanciando gradativamente de seus companheiros de campanhas libertárias e igualitaristas, no curso de 68. Faziam-no ao observar, na pele própria e das outras, a distância gritante existente entre o antiautoritarismo por eles propugnado e o conservadorismo opressivo que mantinham nas relações privadas.15 A autonomia, originalmente forjada em grupos de estudo que liam Simone de Beauvoir e Betty Friedan, desenvolvia teorias próprias, emancipatórias, a respaldar sua asserção política, e se organizava em redes, nacionais e transnacionais, para a ação desejada. Germinaria primeiro na forma do movimento women’s lib, que iria incentivar suas homólogas transcontinentais na Europa Ocidental,16 na América Latina, no Japão e no Brasil, ainda durante a efervescência social de 1968.
Ao contrário do movimento negro norteamericano, arrefecido no final dos anos 60 em contraste com a radicalização das facções culturalistas, o movimento de mulheres ganhou força decisiva a partir dos anos 70. Isso se deu tanto em função de seu ativismo manifestado em diferentes países, como por sua penetração no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) e sua incorporação pelo Conselho Econômico e Social. A ONU proclamou 1975 como “Ano Internacional da Mulher”, convocando na cidade do México a I Conferência Mundial sobre a Mulher: Igualdade, Desenvolvimento e Paz, a qual, por sua vez, ensejou a elaboração da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, adotada pela Assembléia Geral em 1979 (internacionalmente em vigor desde 1981, embora com muitas reservas).
A Conferência do México de 1975 iniciou a série de encontros mundiais sobre a situação da mulher, o quarto dos quais até agora – mas certamente não o último da série – foi a Conferência de Beijing, de 1995, maior encontro internacional de todos os tempos.17
Não cabe aqui uma tentativa de análise das diferentes vertentes do movimento feminista, que variavam desde posições igualitaristas, liberais e socialistas (feminismo da igualdade), às posturas essencialistas, antipatriarcais e “separatistas”, associadas ou não ao lesbianismo prático e ideológico (feminismo da diferença), muitas vezes em articulação com o movimento dos gays.18 Cabe, sim, observar que, ademais da entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho em escala planetária, de sua crescente presença na vida pública, política e econômica da maioria dos países, das conquistas representadas pelas creches e legislações de apoio à maternidade, pela afirmação de seus direitos reprodutivos e sexuais, o movimento de mulheres praticamente modificou em todo o mundo a maneira de pensar e, em muitas partes, o comportamento de todos. Com raras exceções deliberadas e ainda muitos deslizes de linguagem geralmente inadvertidos (até mesmo entre as mulheres), o homem já não se apresenta sozinho como sinônimo da espécie; os direitos humanos, em todas as suas categorias, passaram a abranger também, necessariamente, todos os direitos da mulher; 19 o discurso oficial dos governos e movimentos sociais – sem falar no da Academia – passou a atentar mais seriamente para as distorções que o discurso
tradicional embutia, facilitando a perpetuação de opressões; a mulher tornou-se afinal reconhecida universalmente como sujeito da História (exceto provavelmente para pós-modernos empedernidos que rejeitam as noções “iluministas” de história e de sujeito, de natureza humana e, sobretudo, de valores universais).
De todos os conceitos oriundos do pensamento feminista, o que se tem comprovado mais permanente e conseqüente é o do gênero. Na expressiva colocação de Gerda Lerner, ele seria “a de- finição cultural de uma conduta como apropriada aos sexos em uma sociedade dada em uma época dada. Gênero é uma série de papéis culturais. É um disfarce, uma máscara, uma camisa de força na qual os homens e mulheres dançam sua dança desigual”. 20
Interpretado a partir da linguagem dominante, mas em oposição a um determinismo biológico atribuído ao sexo, o conceito feminista de gênero desvendou as relações de poder que subjaziam à limitação “natural” da mulher ao espaço doméstico, revelando a posição de inferioridade que lhe era culturalmente imposta. Foi, no dizer de María-Milagros Rivero Garretas, “uma categoria de análise tremendamente libertadora quando cunhada no início dos anos 70”, embora com o passar do tempo ela se tenha revelado “menos revolucionária do que as de patriarcado ou de política sexual”.21 Talvez precisamente por isso, por ser menos revolucionária, a conceituação feminista de gênero tenha obtido aceitação universal. Incorporada também pelos homens, ela é hoje consagrada em diversos documentos normativos internacionais, em particular na Plataforma de Ação da Conferência de Beijing, de 1995. Esta assinala em seu terceiro parágrafo: A Plataforma de Ação salienta que as mulheres compartilham problemas comuns que só podem ser resolvidos por seu trabalho conjunto e em parceria com os homens para alcançar o objetivo da igualdade de gênero em todo o mundo. Ela respeita e valoriza a total diversidade de situações e condições das mulheres e reconhece que algumas mulheres enfrentam barreiras especiais a sua
capacitação.22 Ainda que o chamado “feminismo da diferença” continue a produzir teorias revolucionárias com algum alcance prático entre grupos reduzidos, não é ele que se tem demonstrado útil para os avanços das mulheres em geral. Seja na Conferência de Beijing, seja na prática social de quase todos os países, é o “feminismo da igualdade” que tem conseguido vitórias, acrescidas ao longo dos anos (malgrado graves regressões, relativamente isoladas em determinadas regiões e culturas). Tais conquistas gradativas, que representam, no conjunto, profunda ruptura com uma tradição histórica de mais de 4 mil anos, asseguram plenamente ao movimento de mulheres nascido na década de 60 inquestionável caráter revolucionário, não sendo exagerado afirmar ter ele constituído, no século XX, a única revolução que deu certo – apesar de obviamente inacabada.
OS IMPASSES DO CULTURALISMO EXACERBADO
Se até o momento este texto se concentrou nas experiências dos movimentos dos negros e das mulheres, iniciados nos Estados Unidos e extrapolados para o resto do mundo com as necessárias adaptações, é porque ambos trazem em si, no que têm de vitoriosos, a mensagem do universalismo, sem a qual se dissolve a idéia dos direitos humanos. No entanto, para muitos intelectuais que se pretendem comunitariamente orgânicos numa linha gramsciana desvinculada de classe, essas “facções” de maior êxito em ambos os movimentos alegadamente não representariam “a esquerda”. Esta residiria apenas no essencialismo radical do “culturalismo” aguerrido, praticado na Academia, dos Estados Unidos e alhures.
Não é preciso recorrer ao chavão despiciente do “politicamente correto” (PC), usado pela direita para criticar os excessos do culturalismo. A um observador distanciado como o autor destas linhas impressiona a freqüência com que se lê e ouve nos Estados Unidos a expressão culture wars (guerras de culturas), significando o radicalismo identitário da militância cultural, o patrulhamento por ela dos estudos e da linguagem acadêmica, em detrimento da participação efetiva em causas abrangentes de interesse geral. Impressiona mais ainda a massa crítica de estudos aprofundados por intelectuais que se autoconsideram de esquerda – sejam da “esquerda antiga”, progressista liberal ou socialista, sejam ex-integrantes
da “nova esquerda”, agora já envelhecida, sejam ainda pragmáticos pós-modernos, de esquerda moderada – preocupados com a fragmentação política propiciada pelo multiculturalismo rígido ora praticado na sociedade norte-americana.23 Exagerada ou acurada, soa significativa a imagem, já quase clássica, de Todd Gitlin, em seu Crepúsculo de Sonhos Comuns (título de livro que é de per si um grande achado), de que “enquanto a esquerda marchava sobre os departamentos de inglês nas universidades, a direita conquistava a Casa Branca”.24 Bastante citada pelos que compartilham tal preocupação, a frase de Todd Gitlin resume acuradamente as idéias e inquietações dele próprio e de todos os demais. Porque foi a partir da opção pelo direito à diferença na militância radical de esquerda que o conservadorismo se firmou, de maneira quase absoluta, na política norte-americana. Firmou-se, aliás, antes e mais profundamente do que o próprio neoliberalismo (este iniciado com Reagan) como verdadeiro pensamento único das elites dominantes. Com seus aspectos morais e religiosos muito estritos, suas vertentes nativistas e patrióticas, seus valores tradicionais de família e comunidade (ainda que com acenos episódicos em favor de parentes homossexuais “desgarrados”), mas nenhuma atenção à situação de classe e à exploração pelo poder, o conservadorismo norte-americano ficou tão “consensual”
que tornou negligenciáveis as diferenças entre os dois grandes partidos. Quem tiver dúvidas sobre sua continuidade até os dias de hoje pode consultar as eleições presidenciais de 2000, de resultados tão próximos quanto os programas dos dois candidatos principais, sem desatentar para a performance irrisória da alternativa oferecida por Ralph Nader e o Partido Verde à chamada corporate America. É, aliás, sob o rótulo oficial de “conservadorismo compassivo” que o novo presidente da República, George W. Bush, dá início, no século XXI, ao governo da única potência mundial verdadeira.
É verdade que as preocupações dos autores aqui aludidos voltam-se para a sociedade norteamericana em sua especificidade, ecoando, com análises e sugestões, dúvidas levantadas em muitas áreas – e muito exploradas pela direita – se ainda existiria de fato uma nação norte-americana. Mas a insistência dessas preocupações deve valer pelo menos como sinal de alerta também para outros povos em que o multiculturalismo imperfeito também está presente, com graus maiores ou menores de explosividade latente.
Com ou sem nexo causal imediato, desde que os grandes movimentos sociais, começando pelos Estados Unidos, passaram a atentar mais para objetivos identitários do que para a comunidade nacional e o universo de todos os seres humanos, o neoliberalismo implantou-se decisivamente em todo o globo terrestre. As “guerras culturais” adquiriram, no mundo, feições muito mais sangrentas do que na América (do Norte ou do Sul). Os conflitos novos da ex-Iugoslávia, da Chechênia, da Ásia Central exsoviética, de Ruanda, do Burundi, do Congo, assim como outros, antigos, recrudescidos por quase todo o continente asiático, são casos de gravidade variada em que minorias identitárias étnicas ou religiosas explodem ou são esmagadas com violência, na periferia do mundo globalizado pelo neoliberalismo multicultural. A mesma lógica se manifesta no centro europeu do sistema internacional, em incidentes de agressão discriminatória, muitas vezes respaldada por políticas “nacionalistas”, contra imigrantes, ciganos e judeus. Não se precisa, portanto, de especialização no tema das minorias para perceber, como o professor Will Kymlicka, que “desde o fim da Guerra Fria, os conflitos etnoculturais tornaram-se a fonte mais comum de violência política no mundo, e eles não mostram qualquer sinal de arrefecimento”. 25 Nem é de estranhar tampouco que o crítico mais versátil e profundo da obsessão multiculturalista – que ele chama de pós-moderna e pós-política, associada ao livre mercado e ao humanitarismo – surgido nos anos 90 seja originário de país que antes integrava a esfacelada Iugoslávia: o filósofo e psicanalista esloveno Slavoj Zizek, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Ljubljana.26 Não se quer aqui dizer que a insistência no cultural como elemento de autoconscientização não tenha representado papel emancipatório importante, ou que a abstração da cultura do determinismo econômico, impulsionada pelo pós-estruturalismo francês e adotada com grande convicção pela “nova esquerda” dos anos 60 e 70, não tenha sido útil, em especial no Ocidente. Porque esclarecedora de muitos aspectos até então encobertos das realidades sociais, a separação interpretativa desses dois condicionantes – cultura e economia – conscientizou vastos segmentos populacionais para mobilizações necessárias. A compreensão das opressões disfarçadas no discurso universalista tradicional, da onipresença do poder sobre os corpos dos indivíduos – explicitada por Foucault e muito desenvolvida no pensamento feminista – e da instrumentalização da razão iluminista para fins anti-humanistas – analisada por Horkheimer e Adorno, que não eram “pós-modernistas” – foi elemento imprescindível aos poucos avanços sociais efetivamente alcançados na segunda metade do século passado. Mas é válido indagar até que ponto a globalização incontrolada teria dado margem ao nível atual de fragmentação e indiferentismo planetários, se as alas “esclarecidas” dos movimentos emancipatórios não tivessem adotado, com o fervor que o fizeram, um perspectivismo radical; se, com a obsessão identitária, não tivessem acabado por reduzir suas metas a fins microcomunitários; se a noção do direito à diferença não tivesse sobrepujado a dos direitos humanos; se a esquerda da esquerda – sua suposta vanguarda – não se tivesse também americanizado. Com preocupações voltadas para seu país, o norte-americano Todd Gitlin observa: Muitos expoentes da política de identidades são fundamentalistas – na linguagem da Academia, “essencialistas” – e a crença em diferenças grupais essenciais facilmente transita para a crença em uma superioridade. (...) O cultivo da diferença não é nada de novo, mas a pura profusão de identidades que reivindicam separação política nos dias de hoje é sem precedentes. E aqui está talvez a novidade mais estranha da situação presente: que o conjunto de reconhecimentos
grupais tome tanta energia daquilo que se apresenta como esquerda.27 A observação de Gitlin, professor em Berkeley, motivada pelo cenário que o circunda, é complementada tomando por base a Europa, com maior abrangência, por Terry Eagleton, professor em Oxford, para quem:
O Ocidente está agora inchado de políticos radicais cuja ignorância das tradições socialistas, nem por isso menos suas, é, entre outras coisas, decorrência de amnésia pós-modernista. E nós nos estamos referindo aqui ao maior movimento de reforma a que a história já assistiu. (...) Encontramo-nos agora confrontados com a situação meio farsante de uma esquerda cultural que mantém um silêncio embaraçado ou indiferente sobre aquele poder que é a cor invisível da própria vida diária, que determina nossa existência – às vezes literalmente – em qualquer lugar, que decide em larga medida o destino das nações e os conflitos destrutivos
entre elas. É como se quase todas as outras formas de sistemas opressivos – Estado, media, patriarcado, racismo, neocolonialismo – pudessem ser debatidas sem problema, mas não aquele que tão freqüentemente define a agenda de longo prazo para todos esses assuntos, ou pelo menos está implicado com eles até a raiz.28 O poder a que se refere Terry Eagleton é, evidentemente, o poder do capital; o sistema, o do capitalismo em sua fase atual. Estes o pós-modernismo não discute. Nem se preocupa em sugerir contrapesos ou alternativas plausíveis, a não ser dentro dos grupos de identidade restritos ou em esquemas teóricos tão impraticáveis quanto confusos29 – por mais que os pós-estruturalistas, pelo menos nos anos 60, tanto se rebelassem contra todas as opressões. Daí a radical afirmação de Slavoj Zizek, conhecedor das feições mais sombrias do fundamentalismo identitário micronacionalista em sua própria região, de que a maneira apropriada de se lutar contra o ódio étnico não é com sua suposta contrapartida natural, a tolerância étnica, e sim com mais ódio político dirigido contra o inimigo comum.30 Embora outros ódios destrutivos abundem no multiculturalismo atualmente hegemônico no Ocidente, esse ódio político criativo, de feições e objetivos universalistas, propugnado pelo filósofo de Ljubljana, não existe nos Estados Unidos. Nem tem condições de existir de forma coordenada, por razões muito específicas que veremos em seguida, embora algum lampejo de articulação nessa linha comece a aparecer na confusa movimentação de vários grupos da sociedade civil organizados em rede contra os emblemas da globalização corrente.
ESPECIFICIDADES NORTE-AMERICANAS INTRANSPONÍVEIS
Em decorrência do afrocentrismo originalmente black power, o negro norte-americano é hoje oficialmente designado African American (não Afro- American, como seria gramaticalmente correto, aparentemente porque, no entender dos radicais, a expressão hifenizada implicaria a valorização do termo “americano” sobre o prefixo “afro”).31 Por emulação, os índios, antigos “peles vermelhas” – que também começaram a atuar coordenadamente em 1968 32 – passaram a chamar-se Native Americans. Para uma sociedade que sempre foi muito mais um mosaico de peças justapostas do que o cadinho misturador (melting pot) pelo qual a propaganda oficial a definia, o gentílico composto tornou-se um grande achado. Os brancos minoritários, inicialmente perseguidos ou ainda objeto de preconceitos, também se autodenominaram “americanos irlandeses” (Irish Americans), “americanos poloneses” (Polish Americans) e assim por diante, para valorizar as respectivas “culturas”. Sempre desconsiderando a mestiçagem como categorização válida, por mais que ela seja evidente e, no caso em questão, autenticamente norte-americana, o serviço de imigração e os censos oficiais passaram a exigir que os indivíduos “não-brancos” se autoclassificassem como African American, Native American, Asian ou Pacific Islander, ademais do quase injurioso Hispanic (que se aplica a todos os brasileiros não-negros, assim como aos mapuches, aimaras e quêchuas, ou descendentes de incas, astecas e maias, mas não aos cidadãos espanhóis), 33 ao passo que os brancos de origem européia são simplesmente brancos, ainda que se considerem predominantemente russos, irlandeses ou italianos. Nos Estados Unidos, com suas peculiaridades históricas, econômicas e organizacionais, essas identificações diferenciais persistentes e obsessivas dos descendentes de escravos, de coolies e de imigrantes de toda e qualquer origem – contrastantes com o que ocorre com inegável naturalidade no Brasil (sem aqui pretender exumar o defunto mito de nossa democracia racial)34 – têm suas razões de ser, não apenas “culturais”. Uma delas, não-contemplada a priori, mas não-negligenciável a posteriori, é a própria expansão capitalista do mercado doméstico de bens de consumo, com a oferta de produtos e a propaganda ajustadas ao recorte identitário das minorias-alvo. Estas, com um total nacional de 77 milhões de pessoas e já representando mais da metade da população da Califórnia, levam as agências publicitárias a movimentar anualmente 2 bilhões de dólares em campanhas adaptadas ao perfil psicossomático e idiossincrático de cada minoria.35 Do ponto de vista histórico, é praticamente incontroverso entre os estudiosos da matéria que a nação norte-americana idealizada pelos founding fathers (Pais Fundadores) era para ser exclusivamente branca, protestante e anglo-saxã – ou, mais corretamente, anglo-germânica em geral. Ainda que a composição da população se tenha alterado substancialmente com o passar do tempo, essa idealização germanófila antiintegracionista e antimiscigenante subjazia à idéia da “sociedade norte-americana” até recentemente. Seria natural, portanto, que as “minorias” étnicas encontrassem meios organizacionais para se afirmarem como “cidadãs” efetivas, ainda que para isso sua “nacionalidade” precisasse aparecer composta, remetendo-se às origens ascendentes, em contraste com a cidadania oficial, simplesmente “americana”. Além disso, a auto-identificação dos indivíduos nessas categorias restritivas era e ainda é necessária para que a respectiva microcomunidade receba os recursos orçamentários pertinentes, distribuídos às diferentes constituencies de acordo com o número de seus integrantes, inclusive para o ensino público das respectivas línguas e/ou “tradições”. Michael Lind divide a história dos Estados Unidos desde a Guerra de Independência em três fases distintas. A Primeira República, que ele chama de Anglo-América, estendeu-se até a Guerra de Secessão. Nela havia dúvidas até se os irlandeses, por serem católicos, seriam realmente “americanos”, quanto mais os judeus e os negros. A Segunda República, ou Euro-América, conquanto iniciada após a abolição da escravatura, definiria como condição de “americanidade” apenas a ascendência européia e uma religião cristã, não necessariamente o protestantismo.
Esse abrandamento de critérios visava a abarcar na “nação americana” as massas de imigrantes brancos entrados no país desde o final do século XIX até a década de 1950. Os negros, evidentemente, continuavam excluídos. A Terceira República, ou a América Multicultural, corresponde à época atual, tendo se iniciado com o movimento pelos direitos civis. Ao contrário, porém, do que o movimento postulava, Michael Lind detecta atualmente uma verdadeira inversão de resultados: “Uma revolução que começou como uma tentativa de expurgar o direito e a política de classificações raciais e de alargar a classe média com a inclusão dos desprivilegiados terminou, ironicamente, dando origem ao renascimento do governo com consciência de raça e ao triunfo do conservadorismo econômico”.36
Nos meios acadêmicos dos Estados Unidos multiplicam-se os estudos dedicados aos direitos das minorias e às formas possíveis de implementálos com legitimidade, inclusive no que diz respeito à representação política.37 Quase todos se voltam para a situação norte-americana em sua especificidade, abordando muito superficialmente casos graves como o dos Bálcãs. E a sociedade norte-americana, passada ou atual, é tão distinta das sociedades “homogêneas” européias (em que as camadas heterogêneas se têm comprovado geralmente tão belicosas ou se acham tão cerceadas que não dá para falar em direitos coletivos) quanto de uma sociedade miscigenada como a brasileira, ou a cubana, ou a venezuelana (em que nada do que é discutido nos textos tem possibilidade de aplicação). Exemplo desse tipo de estudo certamente intransferível para outras realidades – se é que tem alguma possibilidade de aplicação concreta nos próprios Estados Unidos – pode ser visto nas propostas de Iris Marion Young para
dar legitimidade à representação de grupos minoritários na esfera política (mediante a alocação de fundos para que os grupos possam reunir-se e elaborar linhas de ação a serem consideradas pelos decisionmakers etc.). Independentemente do mérito das propostas, a lista de “grupos” contemplados por Íris Marion Young relaciona as seguintes categorias de indivíduos: “mulheres, negros, americanos nativos, chicanos, portorriquenhos e outros americanos de língua espanhola, americanos asiáticos, homens gays, lésbicas, pessoas da classe trabalhadora (working class people), pessoas pobres (poor people), idosos e pessoas portadoras de deficiências físicas ou mentais”.38 A par da intransferibilidade das sugestões da autora – pelas características inteiramente distintas das minorias existentes em outros países, pela imprecisão das fronteiras grupais em populações miscigenadas e pela evidente indisponibilidade de recursos públicos para a implementação de tais consultas regulares em países do Terceiro Mundo –, poder-seia inquirir se esse tipo de formulação, e até de preocupação, não é mera decorrência de hábito que o culturalismo identitário dos anos 60 e 70 e o multiculturalismo oficial vigente desde então criaram no pensamento de esquerda. Afinal, se os “grupos” contemplados na proposta envolvem as “pessoas pobres” em geral e as “pessoas da classe trabalhadora”, seria necessária essa divisão toda? Não seria mais lógico lutar simplesmente pelos direitos de representação adequada dos pobres e trabalhadores? Faz sentido falar nos pobres como uma minoria cultural assemelhada, por exemplo, à dos chicanos? Será que a mulher rica não-trabalhadora faz questão de representação especial? Será que o burocrata negro bem-sucedido ou o chicano proprietário de firma lucrativa, investidores ambos em mercados financeiros, que votam regularmente no Partido Republicano e são contra a “ação afirmativa”, porque perpetuaria discriminações disfarçadas,39 estarão tão preocupados com a representação de sua “cultura africana” ou “hispânica”?40 Com o crescimento exponencial das minorias raciais hispânica e asiática (na Califórnia, o mais populoso dos 50 estados, os brancos já são apenas 46,7%), com o desmantelamento em curso da “ação afirmativa” e com a tendência à abolição do ensino público bilíngüe, o multiculturalismo obsessivo norte-americano torna-se uma forma de asserção identitária crescentemente expletiva, que pouco traz de concreto – a não ser, talvez, em matéria de autoestima. Mas aí pode colocar-se um novo problema para os mestiços. Afinal, se é evidente que as culturas se mesclam, porque não o podem fazer os indivíduos? Jamais reconhecidos como tais, os mestiços norte-americanos podem agora, desde o censo de 2000, autodefinir-se como plurirraciais, pertencentes a mais de uma “etnia de origem” (African American e Hispanic, por exemplo), mas não como os mulatos, caboclos, cafusos ou genericamente “pardos” (nos recenseamentos brasileiros) que efetivamente são. Não o fazem, em primeiro lugar, porque os formulários do recenseamento não contemplam essa opção. Em segundo lugar, não o fazem por temer reduções de recursos para a respectiva constituency racial com que mais se identificam.41 Não o fazem, também, porque, tendo sido por tanto tempo considerados negros pelo critério escravista britânico da gota de sangue “contaminadora”, legalmente mantido após a independência, a abolição e a Guerra
Civil do século XIX, inclusive na proibição de casamentos mistos, tal critério se acha hoje interiorizado de tal maneira que ao próprio mestiço pareceria “de direita” declarar-se miscigenado.42 Numa sociedade em que a mistura etno-racial é forçada a gerar identidades duplas ou múltiplas, não sínteses criativas, uma sociedade mestiça será sempre objeto de desconfiança, e o sincretismo cultural, sempre visto com maus olhos. Assim como para o indivíduo oriundo de acasalamento inter-racial soaria vergonhoso assumir-se mestiço nos Estados Unidos, o próprio jazz, evidentemente híbrido, reconhecido por todos no passado como predominantemente negro, começa a ter sua negritude contestada. 43 Para o movimento negro norte-americano (ou o pouco que resta dele com expressividade política), assim como para os negros brasileiros por ele influenciados, a sociedade brasileira, além de injusta, que efetivamente é, representa uma dor de cabeça não somente para a busca de soluções. É um problema difícil de ser entendido.
A PÓS-MODERNIDADE NA ATUAÇÃO SOCIAL
Naquilo que constitui de longe sua conquista mais durável, segundo a análise intimorata de Terry Eagleton, o pós-modernismo ajudou a estabelecer as questões de gênero, sexualidade e etnicidade na agenda política de maneira tão firme que se torna hoje impossível imaginar seu abandono sem uma luta decisiva.44 Ajudou, como o professor de Oxford faz questão de sublinhar, porque, conforme por ele recordado e aqui explicitado desde o início, o movimento pelos direitos civis e o movimento de mulheres precederam à pós-modernidade e ao conjunto de teorias que se impuseram como pós-modernismo. 45 Mas esse estabelecimento das novas questões identitárias foi feito, ainda segundo Terry Eagleton, “em mera substituição às formas mais clássicas das políticas de esquerda, que lidavam com classe, Estado, ideologia, revolução, modos de produção material”.46 Ao respaldar com seu arsenal teórico o essencialismo identitário nos movimentos sociais, o pensamento pós-moderno estimulou o perspectivismo epistemológico na teoria do conhecimento e reintroduziu o relativismo dos valores no fulcro das ciências humanas. Produziu, assim, uma inversão inusitada nas posições da esquerda, do universalismo igualitarista à defesa intransigente do direito à diferença, colocando-a numa situação bastante aproximada daquela que sempre foi da direita, defensora de tradições e crenças singulares como elementos imprescindíveis ao progresso do grupo. Como diz Eric Hobsbawm:
Hoje tanto a direita como a esquerda acham-se dominadas por políticas de identidade. Infelizmente, o perigo de desintegração numa simples aliança de minorias é inusualmente grande para a esquerda, pois o declínio dos grandes slogans universalistas do iluminismo, que eram essencialmente slogans de esquerda, deixa-a sem qualquer caminho óbvio para formular o interesse comum através de fronteiras seccionais. O único dos chamados “novos movimentos sociais” que atravessa todas essas fronteiras é o dos ecologistas. Mas, infelizmente, seu atrativo político é limitado e tende a permanecer assim.47
Perfeitas na substância, essas críticas e inquietações, enunciadas na Europa por pensadores ligados à chamada “esquerda antiga”, socialista ou social-democrata, voltam-se sobretudo, ainda que não apenas, para a esquerda norte-americana, cuja capacidade de influência externa é, no mundo pós-Guerra Fria, esmagadoramente maior do que a de qualquer outra. Nas palavras sempre francas de Terry Eagleton,
Muito do pós-modernismo originou-se dos Estados Unidos, ou pelo menos criou raízes rapidamente por lá, e reflete alguns dos problemas políticos mais intratáveis daquele país. É assim, talvez, um pouco etnocêntrico desse antietnocentrismo, embora não um gesto desconhecido daquela nação, projetar seu quintal político sobre o mundo ao largo. Há hoje um instituto de estudos pós-modernos na Universidade de Beijing, enquanto a China importa Derrida junto com Diet Coke.48
A influência da esquerda norte-americana é, sem dúvida, sensível no meio universitário de outros países, assim como entre lideranças de movimentos sociais contemporâneos. É ela que faz presente no Brasil como no resto do mundo uma admiração acrítica pelas teorias pós-modernas, transformadas em modismos a que se apegam os mais variados intelectuais, “desconstrutivistas” ou não. É ela que faz muitos militantes brasileiros assumirem posições que nos Estados Unidos podem, talvez, justificar-se pela opulência capitalista, mas no Brasil soam absurdas e impraticáveis ante nossas características antropológicas e condições econômicas (como a reivindicação de indenizações financeiras pela escravidão passada, a ser paga não se sabe bem a quem, com verbas tiradas não se sabe de onde, ou da remuneração pelo governo do trabalho doméstico das mulheres). É ela que produz atualmente nossa inacreditável capacidade de autoflagelação, considerando- nos piores do que todos os demais nos campos mais diversos: no racismo (depois de termos sido apontados como modelo pelos intelectuais franceses, que não desconheciam nossos problemas, mas viam a miscigenação como o melhor caminho para sua superação), no machismo (quando o Brasil ostenta número maior de governadoras de estado ou prefeitas de cidades importantes do que os Estados Unidos, onde o puritanismo da sociedade é capaz de punir as prostitutas de rua pelo crime de prostituição e isentar a pornografia mais gritante que pague impostos comerciais), na perseguição à homossexualidade (é fato que se matam homossexuais em ambos os países, mas daí a dizer-se que as perseguições brasileiras configuram uma política governamental a justificar concessão de asilo é algo que evidentemente extrapola a realidade).49 Isso para não falar de nossos crimes ecológicos, supostamente decorrentes de políticas governamentais maquiavélicas ou da índole má de nosso povo, em contraste com o natural respeito norte-americano pelas culturas tradicionais (os poucos Native Americans sobreviventes que o digam!) e seu arraigado preservacionismo ambiental (os Estados Unidos destruíram toda a mata primitiva, atualmente replantada, da Costa Leste, em muito menos tempo do que o Brasil vem destruindo a mata atlântica, e o mesmo vem ocorrendo com a redwood forest californiana, sem que a população esteja nem de longe em situação de miséria desesperada). Malgrado todos esses caveats, pertinentes para a situação do Brasil e do mundo, o autor destas linhas acredita que nem todas “as esquerdas” se tenham efetivamente “americanizado”. A grande americanização político-social que houve em todo o mundo com o final da Guerra Fria parece ter sido temporalmente limitada até meados da década passada. Nessa época, o triunfalismo neoliberal, com o respaldo de antigos pensadores “progressistas”, chegara a afirmar que a divisão de posições políticas entre esquerda e direita se encontrava superada. Por sorte, o grande Norberto Bobbio, com sua sapiência habitual, foi dos primeiros a chamar atenção para tal falácia. E a recolocar as posições da esquerda verdadeira em seu eixo natural, evidentemente universalista, ainda que diante de problemas particularizados, ao afirmar, em 1994: Nenhuma pessoa de esquerda pode deixar de admitir que a esquerda de hoje não é mais a de ontem. Mas, enquanto existirem homens cujo empenho político seja movido por um profundo sentimento de insatisfação e de sofrimento perante as iniqüidades das sociedades contemporâneas – hoje talvez menos ofensivas do que em épocas passadas, mas bem mais visíveis –, eles carregarão consigo os ideais que há mais de um século têm distinguido todas as esquerdas da história.50 A esquerda relativista, epistemologicamente perspectivista e obsessivamente identitária foi e é, por razões muito específicas já aqui explicitadas, a esquerda “cultural” norte-americana. Mas, afinal, sejamos francos: a expressão “esquerda norte-americana” é de per si, quase sempre, um oximoro, tão incongruente que chega a transformar em “de esquerda” liberais que alhures seriam no máximo conservadores esclarecidos. A militância de esquerda existiu, sim, nos Estados Unidos, inclusive em sentido revolucionário, com números expressivos, apenas episodicamente, como nos anos da década de 1960, em virtude de uma guerra imperialista que dizimava suas vidas e esperanças, em território distante. Hoje em dia há, é verdade, entre os norte-americanos, muita gente inspirada por ideais de solidariedade altruísta, capaz de praticar filantropia nos mais distantes rincões, muitas vezes ao risco da própria vida. Algumas o fazem com uma paixão mais ou menos arrogante, capaz de enfrentar com altivez e heroísmo os mais cruéis ditadores; outras com uma ingenuidade que irrita os próprios beneficiários. Mas figuras humanísticas com a profundidade e a abrangência temática de um Noam Chomski são raríssimas numa população de mais de 280 milhões. Além de desconhecidas do cidadão comum, chegam a soar chocantes nos próprios meios intelectuais pelo contraste com tudo o mais que se vê na circunvizinhança. Os demais militantes da “esquerda norte-americana” só podem ser “culturalistas”, porque a isso são impelidos pelas circunstâncias do país, em particular sua riqueza astronômica (embora muito concentrada, ela é tão avassaladora que não pode deixar de ter importante efeito cascata). Nas palavras demolidoras de Pierre Bourdieu e Loïc Wacquant: “O ‘multiculturalismo’ americano não é nem um conceito, nem uma teoria, nem um movimento social ou político – ainda que pretenda ser tudo isso ao mesmo tempo. É um discurso-tela (...) que engana tanto aqueles que estão nele como os que não estão. Além do que é um discurso norteamericano, embora pense e se apresente como universal”. 51
De um modo geral, com as exceções que confirmam a regra, a esquerda européia contemporânea não aparece refletida nas preocupações de Terry Eagleton e de Eric Hobsbawm reproduzidas neste texto e certamente não se enquadra no foco de atenções exclusivamente norte-americano de Todd Gitlin ou de Michael Lind (assim como de Richard Rorty e muitos outros pensadores norte-americanos não-mencionados nominalmente neste artigo). A França tem demonstrado que a aliança estudantes- trabalhadores de 1968 ainda é capaz de reverberar em novas greves, como as de 1995, de alcance respeitável. A maioria dos intelectuais europeus, a exemplo desses aqui citados, e outros ex-integrantes da hoje velha “nova esquerda” não cessam de denunciar o neocapitalismo vigente, apontando idéias plausíveis que pelo menos controlem sua voracidade. Preocupam-se, sim, conforme demonstram Bourdieu e Wacquant na citação acima, com a possibilidade de contaminação da esquerda de outros continentes por características da “esquerda cultural” norte-americana. Mas até mesmo o feminismo, movimento social originalmente norte-americano que mais contribuiu com idéias e ações para o pósmodernismo teórico, evoluiu de tal maneira, sem abandonar o conceito de gênero, para objetivos tão abrangentes que já há quem fale hoje – errônea e enganadoramente – de uma fase “pós-feminista”.52 Se, como interpreta Terry Eagleton, a maior contribuição do pós-modernismo às lutas sociais contemporâneas foi a asserção do gênero, da sexualidade e da etnicidade na agenda política, isso foi e permanece positivo. O que não se pode permitir é que, a exemplo do que ainda ocorre em setores da esquerda norte-americana ou setores americanizados alhures, o identitário se erija em absoluto, o essencialismo
cultural se torne a única preocupação política e o perspectivismo domine a idéia do conhecimento, renegando a possibilidade do real universal.
As diferenças precisam, sim, ser respeitadas – muito mais do que “toleradas”, que é vocábulo da direita –, mas elas não se podem sobrepor ao ideal mais amplo da igualdade, eterna e incontestemente de esquerda, e que, exatamente por isso, deu origem e justificação às próprias lutas identitárias das minorias oprimidas.
Em Seattle, em 1999, contra a OMC, assim como em Washington e Praga, em 2000, contra o FMI e o Banco Mundial, os movimentos mais heterogêneos, inclusive norte-americanos, articulados em cadeia, amalgamados por algum tipo de identidade, demonstraram, na forma de protestos e passeatas, estar conscientes de que precisam unir-se para lograr objetivos mais amplos, de sentido universal e igualitarista. Uma primeira tentativa de organização mais coerente ocorreu em Porto Alegre, no Fórum Social Internacional, no início de 2001.
Os objetivos focais desses movimentos não foram ainda alcançados, até mesmo porque eles são hoje de difícil definição. Mas uma conquista, pelo menos, eles certamente já ajudaram a obter: no discurso contemporâneo agora ninguém mais fala em “consenso neoliberal”.
O MOVIMENTO SOCIAL PELOS DIREITOS HUMANOS
No texto citado um pouco acima, Eric Hobsbawm declara que apenas o ecologismo, entre os novos movimentos sociais, ultrapassa todas as fronteiras seccionais da esquerda. Já Boaventura de Sousa Santos reconhece, alhures, com alguma perplexidade, que é na linguagem dos direitos humanos que atualmente se manifestam os agentes sociais cuja mobilização emancipatória no passado girava em torno das idéias de socialismo e revolução.53 Na verdade, o movimento internacional dos direitos humanos também ultrapassa fronteiras seccionais – menos, naturalmente, as seções que compõem a extrema esquerda, assim como a extrema direita, refratárias por definição à idéia de direitos. O problema é que esse segundo “novo movimento social”, ainda mais do que os outros, antigos e modernos, sofre forte influência de posições norte-americanas. Por isso, com exceção do período de 1993, quando ajudou a mobilizar o mundo para a Conferência de Viena sobre direitos humanos, seu “atrativo político” se afigura ainda mais limitado do que o do ambientalismo. Sem preocupações econômicas corretas, com os direitos econômicos e sociais crescentemente transferidos à filantropia da sociedade civil e os direitos civis impostos internacionalmente pela ótica do humanitarismo (militar ou não), a nova normatividade emergente para os direitos humanos configura, no lúcido e chocante entendimento de Slavoj Zizek, “a forma em que se apresenta seu exato oposto”.54 Levando em conta a influência enorme dos Estados Unidos nessa esfera, para se ter esperança é preciso estabelecer uma clara distinção entre os grupos norte-americanos que efetivamente defendem os direitos humanos da Declaração Universal, inclusive nos Estados Unidos, e aqueles de visão mais curta, reprodutores acríticos do que lhes ensinam os ideólogos do patriotismo ianque, que condenam sem senso crítico tudo o que não espelhe os direitos civis norte-americanos. Os primeiros, se influentes no mundo, podem ajudar concretamente a luta pelos direitos de todos, gravemente violados também em seu próprio país. Os segundos podem até ter razão em muitas oportunidades, ao não encontrarem alhures o respeito dos Estados Unidos pelos direitos civis, mas tendem a perdê-la logo, pois ignoram – sem querer ou deliberadamente – a trama de influências complexas, nacionais e internacionais, políticas, jurídicas, religiosas e sobretudo econômicas, que interagem nesses direitos. A fim de se evitar uma multiplicação de Kossovos no cenário unipolar desse princípio de século, antes de partir pelo mundo numa das típicas cruzadas de que se imbuem com freqüência os cidadãos peregrinos da terra da Liberdade, do Marlborough e do McDonald’s, seria bom se cada um deles tratasse de fazer seu exame de consciência. E forçasse seus altos representantes nos três níveis de governo a fazer também o dever de casa, que, para ser universal, é de todos. A nós, os influídos de sempre, cabe, porém, a maior das responsabilidades, na medida em que dela depende nossa sobrevivência autônoma: a de escolher adequadamente quem, afinal, tem legitimidade para nos ajudar na matéria, num mundo em que os universais vêm perdendo a parada para os identitários diversos. Ou optar por seguir às apalpadelas nosso próprio caminho, cientes de que o Brasil que queremos não pode, não deseja, nem tem condições para desejar ser, a sério, culturalmente essencialista.
O Brasil precisa ser, sim, antidiscriminatório com os que, de alguma maneira, aparecem “diferentes” e auxiliá-los a vencer, material e psicologicamente, a inferioridade em que tantas vezes vivem. Até porque, queiramos ou não os cidadãos brasileiros, a “diferença” é parte ontológica de nossa identidade essencial. São, portanto, absolutamente inaceitáveis a disparidade de níveis econômico-sociais que ainda separam os segmentos negros e brancos de nossa população, assim como a violência “civil”, criminal e policial, que brutaliza prioritariamente negros e mestiços, situados na parte mais baixa da escala social.
Mas o Brasil precisa ser sobretudo mais equânime na distribuição universalista da riqueza nacional, ou simplesmente não será. Essa melhor distribuição da abundância ou da escassez, juntamente com a da justiça, já tão postergada no decurso da História pátria, não ocorrerá se abandonarmos, em favor de uma eficácia ilusória engendrada pela globalização sem amarras, a possibilidade de políticas públicas voltadas para as vastas camadas de pobres e miseráveis, sem identidade ou cidadania dignas desses termos. Ou se simplesmente importarmos, sem a devida massa crítica, modelos que podem até ser válidos, mas ainda nem sequer deram certo, nas sociedades específicas, modernas ou pósmodernas, dentro das quais se criaram.
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Notas
1 Tradução.
2 Tradução.
3 Apud BERG, 1998, p. 417. O célebre discurso de King que insistia no “I have a dream” foi feito no encerramento da Marcha sobre Washington, em agosto de 1963.
4 Ibid., p. 398.
5 Segundo as contas de BRINKLEY, 1998, p. 224.
6 Ibid.
7 BERG, 1998, p. 408.
8 O ex-governador do Alabama, candidato pelo Partido Independente, não ganhou, mas obteve votação impressionante.
9 Nas escolas públicas elementares de São Francisco, crianças de todas as etnias, que não têm nenhuma idéia do que seja o swahili, muito menos da parte do mundo em que essa língua é falada, são forçadas a decorar palavras exóticas, malpronunciadas em inglês, cujo significado comporia os “conceitos-chave”, muito idealizados, da kwanzaa, recentemente inventada nos Estados Unidos. Menos mal quando se recorda que foi também na Califórnia (região de São Francisco), e na mesma época, que a esquerda cultural afro-americana tentou, sem êxito, adotar o inglês malfalado dos negros incultos como língua oficial de ensino comunitário, denominada ebonics (de ebony, ébano).
10 Como já descrevi alhures as características de ambas, permito-me remeter a meu “No peito e na raça – a americanização do Brasil e a brasilianização da América” (LINDGREN ALVES, 2000).
11 Cf. supra nota 3. [confirmar] Na verdade, a metáfora do sonho fora usada antes por Martin Luther King em diferentes sermões, mas foi na marcha de 1968 que o discurso se tornou nacional e internacionalmente conhecido.
12 BERG, 1998, p. 419. No entender de Manfred Berg, essa marcha deve ser vista como uma manifestação importante de solidariedade e orgulho racial de um vasto segmento da população que ainda se considera vítima de discriminações. Mas a mensagem de auto-afirmação, capitalismo negro, disciplina e combate às drogas da Nação do Islã, com seus “vigilantes muçulmanos” e seu racismo radical, antibranco e anti-semita, seria “conservadora”.
13 A revolução iraniana contou com participação decisiva das mulheres. Ainda que depois lhes tenham imposto o tchador, os aiatolás nunca chegaram a excluí-las totalmente da política. Apenas a Arábia Saudita e alguns poucos emirados árabes do Golfo, para não falar do desvario obsessivo dos talibãs afegães, seguem políticas de exclusão total das mulheres em qualquer atividade pública.
14 CASTELLS, 1997, p. 177.
15 GITLIN, 1987, sobretudo cap. 16: “Women: revolution in the revolution”,pp. 362-376.
16 Sobre a influência do movimento de mulheres norte-americanas na Alemanha, cf. MALECK-LEWY & MALECK, 1998, pp. 373-395.
17 Sobre a Conferência de Beijing, cf. LINDGREN ALVES, 1996.
18 Para uma análise dessas vertentes, cf. CASTELLS, 1997, particularmente o capítulo intitulado “The end of patriarchalism”. As expressões feminismo da igualdade e feminismo da diferença, bastante difundidas, eu retirei de RIVERO GARRETAS, 1994.
19 Para uma idéia dos direitos específicos da mulher e sua inclusão no rol dos direitos humanos universais, cf. LINDGREN ALVES, 1996 e 1997, pp. 86-97.
20 Apud RIVERO GARRETAS, 1994, p. 79 (minha tradução).
21 Ibid., p. 78.
22 Report of the Fourth World Conference on Women (Beijing, 4-15 September1995), documento das Nações Unidas A/CONF.177/20, p. 10 (minha tradução). Antes da Conferência, Abramovay já observava que o conceito gênero era central e permeava todo o projeto da Plataforma de Ação, “o que implica trabalhar uma visão renovada das relações sociais” (ABRAMOVAY, 1995, p. 214).
23 Entre a massa de autores e títulos que tratam do problema, posso citar como exemplos o liberal Michael Lind, em The next American nation, o ex-ativista da nova esquerda Todd Gitlin, no muito conhecido The twilight of common dreams, o gozador Robert Hughes em seu quase best seller The culture of complaint, e o filósofo pragmático, antimetafísico e pósmoderno heterodoxo Richard Rorty, em Achieving our nation.
24 GITLIN, 1995, cap. 5: “Marching on the English Department Whilethe Right Took the White House”, pp. 126-165.
25 KYMLICKA, 1995, “Introduction”, p. 1 (minha tradução).
26 Cf. segunda epígrafe no início deste ensaio, retirada de ZIZEK (1998, p. 997). Com já onze livros muito densos e uma infinidade de artigos publicados no Reino Unido, Estados Unidos e outros países do Ocidente (inclusive agora no Brasil), Slavoj Zizek é considerado, inter alia, por Terry Eagleton “o mais formidavelmente brilhante expoente da psicanálise, na verdade da teoria da cultura em geral, que emergiu na Europa nas últimas décadas” (citado na contracapa de Did somebody say totalitarianism?).
27 GITLIN, 1995, pp. 164-165 (minha tradução).
28 EAGLETON, 1996, pp. 22-23.
29 Como as sugestões para uma justiça efetiva, atenta às diferenças de valores das minorias oprimidas, feitas por Lyotard, em Le Différend (1988), ou por Derrida, em “Force de loi: le ‘fondement mystique de l’autorité’” (1990).
30 ZIZEK, 2000, p. 11.
31 Todd Gitlin, que repudia o uso crítico da expressão “politicamente correto”, conta, não obstante, como um estudante negro, em atitude absurda, manifestou-se ofendido com o fato de determinado livro didático usar inadvertidamente a expressão (correta) Afro-American, apontado isso como uma “clara evidência de racismo” do autor. Cf. GITLIN, 1995, p.18.
32 Ocuparam a ilha da Baía de São Francisco, onde se localiza o presídio de Alcatraz, durante várias semanas, com o objetivo de chamar atenção para seus infortúnios.
33 Já tive a oportunidade de assinalar a público de São Francisco, que me achou “divertido”, serem os brasileiros tão hispânicos, no máximo, quanto os norte-americanos anglo-saxões são góticos. Quanto a nossos irmãos de América Latina nos Estados Unidos, eles aceitam, como nós, brasileiros, sem nenhuma hesitação, a qualificação de latinos (dita em inglês com um o no final, para diferenciar de Latin, que quer dizer latino, derivado do Lácio ou da língua latina de Roma Antiga). Nunca ouvi, porém, um mexicano, chileno, boliviano ou peruano qualificar-se voluntariamente como hispânico. Afinal, isso deve corresponder a um brasileiro autoclassificar-se como lusitano.
34 Para não haver mal-entendidos sobre minha posição a respeito desse mito, remeto novamente a LINDGREN ALVES, 2000.
35 Cf., sobre o assunto, o interessante artigo de HALTER (2000). A autora, professora de história na Universidade de Boston, chama atenção inter alia para o fato de que a própria Kwanzaa, celebrada a partir de 26 de dezembro para marcar o caráter anticonsumista da “tradição” negra, em contraste com o Natal, branco e comercializado, encontra-se hoje desvirtuada pela massa de produtos e brinquedos especialmente fabricados com adaptações para venda nesse período, a cujo consumo se entregam com afinco e deleite os afro-americanos. Da mesma forma que as lojas se enchem da menorahs estilizados e caros para os judeus celebrarem, pouco antes do Natal cristão, a Hanukkah israelita, cada dia mais “glamourosa” nos Estados Unidos e oficializada por políticos de todos os credos, que não perdem a oportunidade de ostentar em cerimônias públicas sua tolerância
multiculturalista. O mesmo sentido capitalista evidente poderia ser lembrado a propósito, por exemplo, dos cruzeiros marítimos e vôos charter organizados para gays, uma vez que a orientação sexual é nos dias de hoje também uma categoria cultural.
36 LIND, 1996, pp. 11-12.
37 Uma dessas coletâneas de estudos pode ser encontrada na antologia editada por KYMLICKA (1995).
38 YOUNG, 1989, p. 261, apud PHILLIPS, 1995, p. 291.
39 Muitas lideranças econômicas negras têm-se colocado ostensivamente contra a ação afirmativa com esse tipo de argumento (cf. LINDGREN ALVES, 2000, pp. 95-96).
40 Não quero, evidentemente, dizer com isso que todos os chicanos e negros bem-sucedidos sejam republicanos (ao contrário, a maioria parece ainda ser democrata), ou que sejam contrários à ação afirmativa (a maioria dos bem-sucedidos ainda a favorece e a defende com vigor). Menos ainda pretendo afirmar que eles não sejam objeto de discriminações. O que quero dizer é que sua visão pode ser diferente daqueles que se mantêm em piores condições sociais, preferindo uma assimilação mais completa no mainstream da sociedade norte-americana. E que, em função de seu êxito individual na “sociedade nacional”, a asserção “cultural” de suas origens, reais ou idealizadas, pode constituir mais um fator de incômodo do que uma forma desejada de auto-afirmação.
41 A imprensa interpreta que o número surpreendentemente pequeno de pessoas que se autoqualificaram como pertencentes a mais de uma etnia – média nacional de apenas 2,4% – no recenseamento de 2000 tenha-se devido a esse temor (KIM & NESS, 2001).
42 Orgulhoso da extraordinária diversidade racial apurada na Califórnia pelo censo de 2000, o liberalíssimo S. Francisco Chronicle, em editorial intitulado “California’s changing face”, declarava que “the greatest impact of this amazing diversity is that the five percent of Californians who identify themselve as multiracial have muted such arbitrary racial designations as ‘white’, ‘brown’, or ‘black’”. E evidenciando a falácia do melting pot norteamericano tão alardeado na propaganda oficial, celebrava: “Welcome to the new face of California – not yet a melting pot, but something far more glorious than the sum of its parts” (S. Francisco Chronicle, 30/mar./2001).
43 Acabam de ocorrer na Califórnia debates, cujo resultado desconheço, envolvendo de um lado críticos de jazz, de outro ex-militantes black power, para tentar chegar a uma conclusão se o jazz é ou não música negra.
44 EAGLETON, 1996, p. 22.
45 Ibid., p. 136. Além disso, como assinala Terry Eagleton, nem todos os ativistas desses movimentos definiriam sua política em termos pósmodernos.
46 Ibid., p. 22.
47 HOBSBAWM, 1996, in: ISHAY, 1997, p. 279.
48 EAGLETON, 1996, p. 122.
49 O argumento tem sido utilizado por brasileiros gays em situação ilegal nos Estados Unidos, particularmente na região de São Francisco, para assim evitar a repatriação. Que eles o utilizem não é extraordinário. Curioso é esse argumento vir sendo aceito pela justiça de um país e de uma comunidade cujos gays freqüentemente organizam excursões turísticas para usufruir exatamente daquilo que é anunciado como o liberalismo dos costumes sexuais brasileiros.
50 BOBBIO, 1995, pp. 23-24.
51 BOURDIEU & WACQUANT, 2000.
52 Cf. sobre esse assunto as diversas matérias publicadas no caderno Mais!, da Folha de S.Paulo de 15/out./2000, que têm como chamada “A Nova Onda do Feminismo”, em particular a entrevista com Juliet Mitchell, de Maria Lucia Pallares-Burke.
53 SOUSA SANTOS, 1997, p. 105.
54 ZIZEK, 2001, pp. 244-245.
The Excesses of Culturalism: postmodernity or the americanization of the Left?
Abstract
Just like neoliberalism, postmodernity theories have spread out in theworld in a process that has started in the United States. On becoming culturalist, social movements have incorporated and developed postmodernism, setting aside the universalism that has always characterized the Left. Such americanization of social movements has firmly established questions of gender, sexuality and ethnicity on the political agenda, but the agenda itself has become so exclusivist that it stopped addressing further social advancements. Bearing in mind the specificity of each situation, Brazilian social movements should better evaluate the models they intend to follow.
Keywords SOCIAL MOVEMENTS – IDENTITIES – CULTURALISM – RACE – GENDER – POSTMODERNITY – UNITED STATES – BRAZIL.
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