Dar preço ao carbono é um debate mundial crescente entre os
pesquisadores envolvidos com a mudança climática. O ponto é como fazer
isso de forma a reduzir a emissão de gases-estufa e financiar a
adaptação aos impactos da mudança climática. O exemplo de como alguns
países vêm se adiantando a isso é um dos pontos altos do livro "O
Imbróglio do Clima" organizado pelo economista José Eli da Veiga, que
será lançado no dia 26/11, em São Paulo, na livraria Fnac de Pinheiros, a
partir das 16 horas.
O comentário é de Daniela Chiaretti, publicado pelo jornal Valor, 25-11-2014.
É conhecida a visão cética de Veiga ao processo internacional da
ONU na costura de um acordo climático global. Em seu capítulo no livro,
o colunista do Valor diz com todas as tintas que a convenção sobre
mudança do clima da ONU foi feita às pressas e que "parece ínfima a
possibilidade de que se encontre efetiva solução para qualquer problema
global em arenas de 193 Estados". Bombardeia o Princípio das
Responsabilidades Comuns Mas Diferenciadas (CBDR, na sigla em inglês),
um dos pilares da convenção. Esse princípio reconhece que, se todos têm
responsabilidade em relação à crise climática, a quota dos Estados
Unidos é diferente da de Burundi. É verdade que há muitos matizes nessa
comparação (um país em desenvolvimento como o Brasil não pode ter a
mesma responsabilidade que outro como o Haiti, por exemplo) e ajustes
dessa gradação estão sendo pensados - inclusive pelo Brasil.
O livro reúne quatro autores e dá um panorama atual da ciência do
clima e suas controvérsias, além da discussão econômica que envolve o
debate climático. É um dos momentos em que Veiga discorre sobre as
estratégias dos países pioneiros em dar preço ao carbono. Ele lembra
que, entre 1993 e 1997, quando as negociações culminaram noProtocolo de
Kyoto, a estratégia que venceu foi a do comércio dos direitos de
emissão, conhecida por cap-and-trade (estabelecer um teto de emissões e
comercializar as licenças para emitir). O exemplo mais expressivo desse
mercado de créditos de carbono é o europeu, que envolve 11.500 empresas,
responsáveis por 40% das emissões do bloco, mas que está em crise nos
últimos anos, com o preço do carbono muito baixo. Esse caminho, segundo o
economista, impediu que deslanchasse o "historicamente comprovado
recurso à tributação" e acabou fazendo com que "meros 7% das emissões
globais decarbono" estejam hoje dentro desses dois mecanismos de
formação de preço.
Há taxas-carbono na Dinamarca, Finlândia, Irlanda, Suécia, Reino
Unido, Noruega e Suíça. O Chile acaba de criar a sua. O exemplo da
Columbia Britânica, no Canadá, merece destaque. É, diz o economista, o
melhor dos impostos climáticos em vigor. A taxa na província canadense
incide sobre a queima de todos os combustíveis fósseis, sem aumentar a
carga tributária. Por uma tonelada de carbonoa empresa pode desembolsar
US$ 20, mas, para evitar que os negócios sejam prejudicados, a alíquota
do imposto de renda das pessoas jurídicas foi reduzida de 12% para 10%. O
problema é que o exemplo tem que ser seguido por outras províncias
canadenses e por estados dos EUA, para evitar perda de competitividade.
"A única maneira eficaz de se administrar a mudança climática é a
adoção de uma taxa mundial, mas incidente sobre o consumo, de modo que o
preço de qualquer mercadoria também reflita seu correspondente teor de
carbono", resume Veiga.
O economista e pesquisador em economia do meio ambiente Petterson
Molina Vale volta a esse tema em seu capítulo, uma análise atual da
intersecção entre as questões climáticas e a economia. Retoma estudos de
economistas como Robert Pindyck, do MIT, que "propõe a pergunta
fundamental", diz Vale, sobre "qual dever ser o preço do carbono, e
responde categoricamente que "ninguém sabe." Ele ilustra as dificuldades
de se criar taxas-carbono com o exemplo da França, que desde 2009
discute o assunto, sempre com muita oposição à ideia. "O custo político
da imposição de um preço sobre carbono é elevado, pois se trata de um
tributo que incide sobre a base da cadeia produtiva (produção de
energia) e com isso se propaga pelo sistema de preços".
Vale, que foi aluno de Veiga, também desconstrói qualquer esperança
que se possa ter sobre "ações do tipo universalista, em que todos os
países com emissões relevantes assumem compromissos de forma sincrônica e
coordenada". Para ele, são "inviáveis tanto teoricamente quanto na
prática". Ele acredita que, depois da fracassada conferência de
Copenhague, em 2009, "o eixo da tomada de decisão passa a ser de países,
regiões, cidades e empresas". É uma meia-verdade. É fato que países,
regiões, cidades e empresas estão se mexendo bastante na questão
climática na imensa lacuna da negociação internacional. Mas a maioria
esmagadora das empresas fala muito e faz pouco e muitas políticas
públicas locais acabam dando em nada - basta jogar uma lupa em várias
políticas climáticas estaduais e municipais brasileiras.
O acordo climático é complexo porque tem que fechar, ao mesmo
tempo, cortes de emissão, fundos de adaptação, fundos climáticos,
proteção das florestas e ver como, afinal, governos decidirão sobre
transferência de tecnologia se esta é uma esfera de domínio privado -
todos, fronts de ação nascidos nos fóruns climáticos internacionais. Mas
parece bastante razoável a afirmação de Vale de que "a ação climática
se baseará cada vez mais no princípio do aprendizado pelo percurso,
passando-se a priorizar a ação local à negociação internacional."
Vale surpreende ao indicar ao leitor um expediente pouco comum nos
textos dos estudiosos do clima. Diz que quem não estiver interessado em
"complexidades técnicas" pode pular alguns itens. É um artifício
simpático, que, no entanto, não funciona no primeiro texto do livro, o
que trata da ciência do clima e é escrito pela professora Sonia Maria
Barros de Oliveira, do Instituto de Geociências da USP. A ela coube a
tarefa de atualizar os achados que estão no último relatório do Painel
Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês), o
braço científico da ONU. Em linguagem bastante acessível, transcorre
sobre as mudanças nas temperaturas da superfície e nos oceanos, nas
geleiras e nos gelos marinhos, na concentração de CO2 e metano na
atmosfera e até no que se conhece dos últimos 800 mil anos. É um
mergulho no que existe de mais atual na ciência do clima.
O que dizer do capítulo escrito pelo físico Luiz Carlos Baldicero
Molion? Desperta muito interesse o "Alarme falso: o mundo não está em
ebulição!", escrito pelo mais famoso pesquisador brasileiro da corrente
que nega que o clima esteja mudando em função das atividades humanas.
Mas o debate democrático sobre o tema, proposto por Veiga, pode ser
frustrado se o leitor desconhecer o que venha a ser o albedo planetário
ou não faz ideia do que quer dizer "a desativação colisional". O recado
de Molion é claro, no entanto: "Ninguém, no mundo, mesmo nos países
avançados, consegue prever o clima com três meses de antecedência, que
se dirá com antecipação de cem anos!". Se ele estiver certo e a
esmagadora maioria dos cientistas no Brasil e no mundo, errada, então é
melhor seguir a recomendação dos crentes e entregar a Deus toda esta
história de mudança do clima.
"O Imbróglio do Clima"
José Eli da Veiga (org.). Editora: Senac SP. 164 págs., R$ 54,9