quinta-feira, 29 de maio de 2014

O Marco Civil da Internet, NetMundial e o menosprezo aos cidadãos

"Considerando que a atual governança da Internet resultou num processo criminoso de espionagem, sem que nada tenha sido comentado no documento final da NetMundial, apesar do discurso inicial da Presidente Dilma Rousseff, o tempo é que vai nos dizer o que vai acontecer com o Marco Civil da Internet no Brasil e no exterior", escreve José Rodrigues Filho, professor da Universidade Federal da Paraíba e foi pesquisador nas Universidades de Harvard e Johns Hopkins (EUA), em artigo publicado por EcoDebate, 02-05-2014.
Eis o artigo.
O projeto de lei que instituiu o Marco Civil da Internet foi sancionado pela Presidente Dilma Rousseff, durante a abertura do encontro da NetMundial, realizado em São Paulo, nos dias 23-24 de abril do corrente ano, com a presença de representantes de cerca de 80 países. De um lado, o Brasil poderia dizer: vejam o nosso marco civil da internet e que os governos de seus países deveriam fazer o mesmo. Do outro lado, os Estados Unidos satisfeitos por ter conseguido abraçar o Brasil em seus esforços políticos de divulgar o discurso corporativista de Multistakeholder. Para alguns, era possível dizer: Tudo está muito bem, vamos. tomar caipirinhas. Para o ICANN, institutição americana responsável pela governança atual da internet, todos estavam felizes, considerando que estavam convergindo para os valores de um modelo de governança, denominado de Multistakeholder, ou seja, o modelo de governança corporativa americano. Mas, no final do evento, como era de se esperar, chegou-se ao momento desagradável. Nem os Estados Unidos, nem a União Europeia, defensores de uma governança corporativa da internet, que menospreza os cidadãos-usuários, aceitaram abraçar a idéia de neutralidade da internet, ponto forte de nosso Marco Civil. Conforme foi noticiado, se quisermos mais internet e mais democracia, devemos esquecer NetMundial e ICANN.
Apesar do discurso corajoso de nossa Presidente, em favor da liberdade, da neutralidade da internet e contra a espionagem em massa, não houve impacto no resultado final daNetMundial. Comenta-se que a versão final do documento sobre os princípios dagovernança da internet é pior do que versões anteriores, razão pela qual deve servir de alerta para os cidadãos do mundo inteiro. Sem conhecer os fatos, torna-se difícil comentar sobre as razões pelas quais a Presidente Dilma aceitou que o Brasil fosse um dos co-organizadores do evento, juntamente com ICANN. Pela sua história e como vítima de um processo de espionagem criminoso, será que a Presidente Dilma Rousseff se rendeu ao discurso Multistakeholder, ao lado dos Estados Unidos?
Comenta-se que, com base neste discurso, nada de concreto aconteceu nos últimos 15 anos durante as reuniões Multistakeholders, a não ser a observação de que, ao longo dos anos, a tecnologia tem se voltado contra os cidadãos-usuários, enquanto ferramenta de espionagem, controle e opressão. O modelo multistakeholder é esmagado pelas botas daNSAGoogleFacebookApple e muitos outros que, de forma unilateral, não desejam moldar a tecnologia para beneficiar os cidadãos. Infelizmente, o discurso multistakeholder é o preferido por boa parte dos técnicos de tecnologia de informação, que enxergam apenas as questões técnicas da tecnologia, relegando as questões de contexto e outras questões sociais. Este é o modelo que inclui as principais corporações da Internet, o governo dos Estados Unidos e seus aliados nas comunidades técnicas e parte da sociedade civil. A questão que se levanta é a seguinte: Neste modelo, quem são os representantes dos interesses públicos, quando as corporações, que dominam os eventos, estão defendendo seus próprios interesses?
Portanto, o modelo multistakeholder é visto como a transformação do modelo econômico neo-liberal, responsável pela devastação da tragédia humana no mundo inteiro, mas celebrado por alguns por conta da dominação da Internet pelos Estados Unidos, suas corporações e um limitado número de países aliados, responsáveis pela implementação de um modelo de governança, que abre espaços para a participação de stakeholders do setor privado, mas nenhuma participação para stakeholders interessados no interesse público. Similar ao modelo econômico neo-liberal, o modelo multistakeholder não permite uma regulamentação externa para proteger o público e seus interesses. Portanto, estamos diante de um modelo que prioriza a privatização da governança, com a participação de alguns membros da sociedade civil que, muitas vezes, depende de viagens pagas pelas grandes corporações, o que dificulta se ter a internet como um bem social, diante da dominação das grandes corporações, reforçada pelos processos do modelo multistakehlders.
Os cidadãos-usuários brasileiros receberam o primeiro golpe durante as discussões doMarco Civil no Congresso Nacional. Boa parte da classe política, tanto aliada do governo como de oposição, rejeitou a idéia do projeto incial apresentado pelo governo, que defendia que os dados de cidadãos brasileiros fossem armazenados no Brasil. De nada valeram as denúncias de espionagem de Edward Snowden, de nada valeram a espionagem feita contra a nossa Presidente, as elites políticas se mantiveram favoráveis ao status quo, enquanto defensoras das grandes corporações, inclusive internacionais. Parecem pouco interessadas na segurança dos usuários e, consequentemente, na segurança do país como um todo. Se não for criada uma estrutura de segurança dentro do nosso país, dificilmente isto vai acontecer se for feita noutros países. Pode até ser um processo mais caro, mas, em se tratando de melhor segurança, temos que pagar um preço por isto. Porém, para viabilizar a aprovação do projeto, o governo abriu mão de um dos pontos mais importantes do projeto inicial, referente ao armazenamento de dados no Brasil de usuários brasileiros.
Em se tratando de armazenamento de dados, vale a pena mencionar recente pesquisa realizada na Europa, após as denúncias de espionagem e que tenta mostrar o comportamento e atitudes dos executivos das grandes corporações. Mais de 90% dos executivos de países como Alemanha, França, e Inglaterra demonstraram ser favoráveis a que os dados de suas organizações fossem mantidos dentro do próprio país e não mais em organizações dos Estados Unidos. Isto demonstra a grande preocupação com a segurançacibernética, que não parece ser o caso no Brasil, como ficou demonstrado quando da votação do Marco Civil da Internet, que para ser aprovado levou o governo a retirar do projeto inicial o tópico inerente ao armazenamento de dados de cidadãos brasileiros. Por que manter dados dos cidadãos brasileiros em banco de dados das grandes corporações americanas, dentro dos Estados Unidos, diante do que estamos percebendo? O que nos alegre foi o recente depoimento, segundo a imprensa, do Ministro das Telecomunicações,Paulo Bernardo, de que vai lutar para obrigar empresas de internet a manter dados de cidadãos brasileiros, no Brasil.
Considerando que a atual governança da Internet resultou num processo criminoso de espionagem, sem que nada tenha sido comentado no documento final da NetMundial, apesar do discurso inicial da Presidente Dilma Rousseff, o tempo é que vai nos dizer o que vai acontecer com o Marco Civil da Internet no Brasil e no exterior. O significado da participação do Brasil como co-organizador da NetMundial, ao lado dos Estados Unidos, não está clara. Porém, pelo que se observa, o país foi realmente convencido pelos Estados Unidos a se engajar no modelo Multistakeholder, que, como vimos, menospreza os cidadãos, deixando de discutir o que lhes interessa e o que é de interesse público.

sábado, 24 de maio de 2014

Bases sociais da crítica à ordem capitalista

Novas massas?
Classe média, consumismo e bases sociais da crítica à ordem capitalista
por GÖRAN THERBORN
Se quiserem fazer sentido político, as críticas ao capitalismo devem ter – ou arranjar – uma base social. Nos séculos XIX e XX, a crítica mais relevante ficou conhecida como “questão operária” – sua base mais representativa se encontrava justamente na classe operária industrial em ascensão. Era um tema que interessava não só às organizações operárias emergentes e seus eventuais simpatizantes, de convicções liberais, mas também à opinião conservadora; até os fascistas, os inimigos mais violentos do movimento operário, se organizaram a partir desse exemplo. Os operários industriais mantiveram sua posição proeminente até a década de 1970, quando surgiu uma base social para a luta anticapitalista nos movimentos anticolonialistas, mobilizados pela libertação nacional das colônias e contra o “desenvolvimento dependente” imposto pelo imperialismo.
Contudo, nos últimos trinta anos assistimos a uma desindustrialização no Norte, que deteve e inverteu a marcha do operariado. Já a industrialização bem-sucedida de países líderes do Sul, durante esse mesmo período, resultou sobretudo na visão atual de que o desenvolvimento capitalista também é possível na Ásia, na África e na América Latina, ao contrário do que diziam as teorias da dependência, outrora influentes. Assim, será que existe hoje alguma força social que poderia assumir o papel da classe trabalhadora organizada ou dos movimentos anticolonialistas do século XX? No momento, não se veem as camadas de massas anticapitalistas – uma situação nova para o capitalismo, no contexto dos últimos 150 anos. Contudo, se não procurarmos movimentos anticapitalistas, mas sim formações que encerrem, potencialmente, uma posição crítica ao desenvolvimento capitalista contemporâneo, veremos que há forças sociais importantes se manifestando. Podemos distinguir quatro tipos diferentes.
A primeira força social potencialmente crítica consiste em populações pré-capitalistas que resistem às intrusões das grandes empresas. Os principais atores são os povos indígenas, que em tempos recentes alcançaram certo poder. Eles são politicamente significativos na América Andina e na Índia, mas também se encontram em grande parte do Sul e criaram redes de contatos internacionais. Eles não são numerosos o bastante, tampouco dispõem de recursos suficientes para exercer grande influência, a não ser em termos locais; suas lutas, porém, podem se articular com movimentos críticos de resistência mais amplos. Hoje representam considerável força na Bolívia, onde compõem com uma coalizão governamental turbulenta, e na Índia, onde centralizam uma insurgência em grande escala; em ambos os casos, os organizadores provêm da tradição do movimento operário – na Bolívia, mineiros socialistas demitidos, transformados em plantadores de coca; na Índia central, revolucionários profissionais maoistas. Estes últimos andaram sofrendo reveses, mas não foram derrotados nem destruídos. No México, os zapatistas ainda conservam a região de Lacandona, no estado de Chiapas. Essas mobilizações podem ser contraditórias: em Bengala Ocidental, de governo comunista, os camponeses que defendem suas terras contra projetos de desenvolvimento industrial impediram uma virada para o estilo chinês e empossaram um regime de extrema direita.
A segunda força crítica, em grande parte extracapitalista, é composta das centenas de milhões de camponeses sem-terra, trabalhadores informais e vendedores ambulantes que constituem as vastas populações das favelas em muitas partes da África, Ásia e América Latina. (Seu equivalente no Norte talvez seja o crescente número de jovens marginalizados, tanto nativos como imigrantes, excluídos da esfera do emprego.) Eles constituem, em potencial, um alentado fator de desestabilização para o capitalismo. A ira e a violência reprimidas dessas camadas já se mostraram muitas vezes explosivas, resultando em pogrons étnicos ou apenas em vandalismo descontrolado. No entanto, esses “miseráveis da terra” também já se envolveram em lutas contra despejos e pelo acesso a água e energia elétrica; tiveram papel significativo nas revoltas árabes de 2011 e nos protestos contra a austeridade econômica no litoral norte do Mediterrâneo e do Mar Negro – Grécia, Espanha, Bulgária, Romênia.
Em que condições essas forças poderiam se articular com alguma alternativa socioeconômica viável? Qualquer alternativa crítica precisaria falar diretamente a suas preocupações fundamentais – sua identidade existencial coletiva e seus meios de subsistência. Para atingir em profundidade esses estratos populares, seriam necessários meios de comunicação específicos e líderes carismáticos, com trânsito por todas as redes. Como a população urbana geralmente não é organizada, essa força com potencial crítico só entrará em ação se gerada por um acontecimento de natureza imprevisível.
A dialética cotidiana do trabalho assalariado capitalista segue atual, embora tenha se reconfigurado geograficamente. A classe operária industrial que subsiste no Norte continua fraca demais para representar algum desafio anticapitalista; a austeridade econômica e as ofensivas capitalistas, contudo, estão engendrando protestos de horizonte curto – inclusive na França, onde, em 2010, operários organizados ameaçaram interromper o fornecimento de gasolina, e, em 2012, metalúrgicos ocuparam fábricas. Os novos trabalhadores industriais na China, Bangladesh, Indonésia e outras partes do Sul podem ter mais cacife para fazer demandas anticapitalistas, mas sua posição fica debilitada pela vasta oferta de mão de obra. Além disso, esses trabalhadores já estão sendo ultrapassados por padrões de emprego mais fragmentados do setor de serviços. Repetidas tentativas de fundar partidos operários, da Nigéria à Indonésia, fracassaram; o único sucesso nos últimos trinta anos foi o PT no Brasil. Tanto na Coreia do Sul como na África do Sul há movimentos operários importantes, baseados nos sindicatos, mas lhes faltam articulações políticas fortes: os sindicatos sul-africanos são ofuscados pela natureza do governo do ANC (Congresso Nacional Africano), e na Coreia os sindicatos se veem prejudicados por um partidarismo mesquinho, que no final de 2012 conseguiu torpedear um projeto, já bem desenvolvido, de formação de um partido de esquerda unido.
Embora no Sul as lutas de classe tenham obtido aumentos salariais e, em certa medida, condições de trabalho menos horríveis, parece improvável que se transformem num desafio mais sistêmico. No leste da Ásia, em particular, o capitalismo industrial está conseguindo elevar os níveis de consumo de modo muito mais rápido que as economias europeias, de desenvolvimento mais lento. É verdade que os atuais governos do Partido Comunista na China e no Vietnã não descartam uma virada anticapitalista – que seria viável, caso fosse tentada. Para tanto, seria preciso que o crescimento apresentasse uma queda e também ocorresse uma mobilização eficaz dos trabalhadores contra a enorme desigualdade, que ameaça a “harmonia” ou coesão social do capitalismo comunista. Tal conjectura é imaginável, mas altamente improvável, pelo menos em médio prazo. Cenário mais promissor pode ser a articulação das lutas operárias com as lutas comunitárias por habitação, saúde, educação ou direitos civis.
Uma quarta força social potencialmente crítica pode estar surgindo no seio da dialética do capitalismo financeirizado. Camadas da classe média – incluindo, como fator decisivo, os estudantes – desempenharam papel fundamental nos movimentos de 2011 na Espanha, Grécia, Oriente Médio árabe, Chile, bem como nos protestos mais fracos do movimento Occupy nos Estados Unidos e na Europa – e na onda de manifestações na Turquia e no Brasil, em 2013. Essas irrupções levaram às ruas tanto jovens da classe média como das camadas populares contra sistemas capitalistas corruptos, exclusivistas, causadores de polarização social. Eles não conseguiram desestabilizar o poderio do capital, ainda que em 2011 dois governos tenham sido derrubados, Egito e Tunísia. No entanto, talvez venham a se revelar como ensaios gerais para dramas que estão por vir.
Os discursos sobre a nova classe média se multiplicaram nos últimos dez anos. Quando se originam na África, Ásia e América Latina, ou discorrem sobre essas regiões, predomina o tom triunfalista – embora mais cauteloso acerca da Europa Oriental –, que proclama a iminência de grandes mercados de consumidores solventes. Corretos ou não, discursos de classe são sempre significativos socialmente, de modo que o recrudescimento, a nível global, do discurso da classe média é um notável sintoma da década de 2010. Normalmente não aponta para nenhuma dialética social crítica; pelo contrário, em geral aplaude o triunfo do consumismo. A classe trabalhadora está desaparecendo dos documentos do Partido Comunista chinês e vietnamita, enquanto na Europa – Alemanha à frente – o ideal de uma “sociedade empresarial” substituiu a autoimagem de “sociedade assalariada” de meados do século XX. Comentaristas políticos costumam ver na classe média um alicerce promissor para economias “sólidas” e para a democracia liberal, embora economistas ponderados, particularmente no Brasil, já enfatizassem a fragilidade da noção de classe média e o risco sempre presente da pobreza a que muita gente está exposta. Já nos Estados Unidos predomina a preocupação com o declínio da classe média, em status econômico e peso social. A Europa Ocidental não seguiu exatamente o mesmo caminho: ali a noção de classe média sempre foi mais circunscrita do que nas Américas ou na Ásia – incluindo a China pós-maoista – devido à presença discursiva já bem estabelecida de uma classe trabalhadora. Fora da Europa, o novo conceito de classe média hoje engloba a vasta massa da população que fica entre os muito pobres e os ricos – com frequência a linha de pobreza é definida como uma receita ou despesa diária de 2, 4 ou 10 dólares, enquanto o limite superior exclui apenas os 5 ou 10% mais ricos.
Diferentemente da classe operária industrial, o composto heterogêneo conhecido como “classe média” não tem nenhuma relação específica com a produção, tampouco abriga tendências próprias de desenvolvimento, salvo o consumo ilimitado. No entanto, não importa como seja definida, a classe média – ou partes substanciais dela – já demonstrou ser capaz de atuar politicamente de modo significativo, e sua importância aumenta com o declínio ou a desorganização do proletariado industrial. A crescente classe média do Sul global merece particular atenção, pois pode ser crucial na definição das opções políticas.
Justamente por sua indeterminação social, a pressão da classe média pode ser aplicada em direções diferentes, e até opostas. No Chile, a classe média mobilizada atuou fortemente por trás do golpe de Pinochet, enquanto na Venezuela, em 2002, ela apoiou uma tentativa fracassada de desbancar Hugo Chávez; seis anos depois, os abastados “Camisas Amarelas” de Bangcoc derrubaram o governo da Tailândia. Como mostra a história da Europa do século XX, a classe média não é uma força intrinsecamente a favor da democracia. Mas também tem exercido pressão por mudanças democráticas, tendo atuado em Taiwan e na Coreia do Sul na década de 1980 – ao lado dos operários industriais – e na Europa Oriental em 1989. Foi uma força fundamental no Cairo e em Túnis em 2011, e defendeu os protestos populares de rua na Grécia, Espanha, Chile e Brasil em 2011–13. Sua volatilidade política é vividamente ilustrada pelas guinadas no Egito, desde a aclamação da democracia até a adulação aos militares e sua crescente repressão, aceitando, efetivamente, a restauração do ancien régime sem Mubarak.
Mas as intervenções críticas de forças da classe média também podem se manifestar nas urnas. Em 2012 a Cidade do México, com uma população igual à de um país europeu de tamanho médio, elegeu um prefeito de esquerda pelo quarto mandato consecutivo; o candidato, Miguel Ángel Mancera, abocanhou quase 64% dos votos, números que sugerem um bloco popular incontornável. Na Índia, a trajetória do AAP, o Aam Aadmi Party (Partido do Homem Comum), continua indefinida. O avanço espetacular do partido e de seu líder, Arvind Kejriwal, deveu-se a uma nova aliança que uniu manifestantes anticorrupção de classe média a um conjunto de propostas concretas sobre o acesso a água e outros serviços públicos, que podiam beneficiar camadas mais amplas. O novo partido venceu em Nova Delhi, bem como em nove dos doze distritos eleitorais das castas mais desfavorecidas, assumindo o governo da capital em fins de 2013 – e deixando o cargo depois de apenas 49 dias, quando seus esforços legislativos para coibir a corrupção se paralisaram por falta de aprovação do governo central. Na Indonésia, um candidato reformista, Jokovi, ganhou o governo de Jacarta em 2012, vencendo (com uma plataforma de ampliação dos serviços de educação e saúde e promoção do “urbanismo empresarial”) as forças locais do establishment, além de uma odiosa campanha sectário-religiosa (seu companheiro de chapa era um chinês cristão). Também aqui a força e a eficácia das alianças de classe – sua capacidade de oferecer melhorias tangíveis às massas populares – ainda estão por surgir.
O capitalismo – e sobretudo o capitalismo industrial – tem sido alvo de críticas culturais desde que o poeta William Blake denunciou seus “tenebrosos moinhos satânicos”. Durante muito tempo o sistema simplesmente passava direto por essas lamentações, mas o ano de 1968 pôs fim ao sossego. Os movimentos então simbolizados não fizeram muito progresso contra o capitalismo em si, mas exerceram impacto sobre as relações sociais: conseguiram erodir o patriarcado e a misoginia, deslegitimar o racismo institucional, reduzir a deferência e a hierarquia – em suma, promoveram a igualdade existencial, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos. Contudo, boa parte dessas transformações culturais vem sendo absorvida pelo capitalismo avançado, com a informalidade das indústrias de alta tecnologia, a onda de mulheres em altos cargos executivos, a generalização dos direitos dos gays e do casamento homossexual, a figura social do bubo, o burguês boêmio com dinheiro e valores de esquerda, e assim por diante.
Os movimentos baseados numa crítica cultural da sociedade capitalista sempre clamaram pela limitação e a regulamentação do desenvolvimento capitalista; ou então apresentaram formas alternativas de vida. As próximas décadas podem vir a conhecer pelo menos quatro tipos de movimentos crítico-culturais significativos, tanto pela abordagem da “limitação” como pela proposta de“alternativas”. Historicamente, o argumento mais importante a favor da limitação apontou a ameaça que o capitalismo desenfreado representa para a coesão social. A questão ambiental é mais recente, com sua discussão sobre o risco que o ecossistema corre pelas consequências não intencionais da industrialização, cada vez mais fora de controle.
Entre as “alternativas”, a relevância dosocialismo anda suspensa, porém há outras visões claramente discerníveis, mais parecidas com o comunismo no sentido marxista original do que com o socialismo industrial do século XX. Hoje é possível identificar dois desses movimentos, pelo menos em embrião, ambos oferecendo a promessa de uma qualidade de vida superior à do capitalismo. A primeira, mais bem articulada na Alemanha, parte da experiência dos países desenvolvidos e tem uma ênfase “pós-crescimento”. A segunda apresenta uma alternativa geossocial, derivando sua força do Sul não capitalista.
Em primeiro lugar, a coesão social é muito menos vital para as elites de hoje do que era para as elites de séculos anteriores. Os exércitos com alistamento obrigatório foram em grande parte substituídos por forças mercenárias; os meios de comunicação têm ajudado a tornar as eleições internas “administráveis”; o consenso econômico predominante sustenta que a confiança dos investidores internacionais tem mais influência sobre o crescimento econômico do que a coesão do desenvolvimento. Para as elites do Norte, a coesão implica uma pressão sobre os imigrantes para se assimilarem melhor, em nome da “integração”. É verdade que existe uma preocupação oficial da União Europeia com a coesão social, mas na prática isso se manifesta sobretudo em termos geográficos, com o financiamento de programas de desenvolvimento nas regiões mais pobres. Durante a crise atual, que impôs uma dura austeridade econômica sobre as populações do sul da Europa, vê-se pouco interesse oficial pelo aumento da exclusão social. A coesão nacional já não é mais considerada a chave para o poder imperial – como foi nos séculos XIX e XX, quando a “revolução vinda de cima” da dinastia Meiji no Japão, e as tentativas menos bem-sucedidas de outros regimes, desde a China da dinastia Qing até o Império Otomano, a via como a base da moderna força geopolítica. Após a Segunda Guerra Mundial, o desenvolvimento capitalista nacional coeso era o objetivo dos governantes eleitos do Japão e também dos militares de Taiwan e da Coreia do Sul, o que reverteu em sociedades industriais cujos baixos níveis de desigualdade econômica só ficavam a dever, no mundo capitalista, aos Estados europeus do bem-estar social. Para os governantes da República Popular da China, a coesão social continua a ser um critério decisivo do desempenho político. A extraordinária desigualdade produzida pela China nos últimos 35 anos – tão diferente da trajetória igualitária, de crescimento rápido do Japão, Coreia do Sul e Taiwan – torna insustentável a autoimagem da China como uma “sociedade harmoniosa”. Isso também pode ocorrer em outras partes do Sul.
No entanto, a exclusão social, a desigualdade e o deslocamento continuam a ser uma possível base para as críticas vindas de baixo, como já mostraram os recorrentes movimentos de protesto dos últimos anos. A lógica de O Capital não dá conta das atuais sociedades capitalistas, que também incluem áreas não capitalistas, com seus espaços e serviços públicos. No momento, o capitalismo está decidido a invadir todas as esferas da vida social – restringindo, ainda que não abolindo necessariamente (por enquanto), tudo que é público. Essa disseminação cria correntes de resistência, de defesa do que é público ou não comoditizado. Recentemente tem havido uma proliferação global desse tipo de movimento de protesto: contra a privatização do ensino superior no Chile e em outras partes da América Latina; contra a comercialização dos espaços públicos em Istambul; e, na Suécia, um ressentimento, mais abafado porém amplo, contra a desestatização de escolas e serviços sociais.
A mercantilização das relações sociais e o enfraquecimento, promovido pelo neoliberalismo, de qualquer noção de interesse público ou senso de responsabilidade social têm proporcionado grandes oportunidades para a corrupção. Mesmo em países como a Suécia, antes regidos por uma ética de serviço público muito forte, embora agora vilipendiada, os negócios obscuros entre a esfera pública e a privada se tornaram endêmicos. No Sul, onde a corrupção maciça é sistêmica na maioria dos países – e também na China e no Vietnã –, as campanhas em prol das “mãos limpas” são comuns, porém têm pouco impacto. Vez por outra são efetivas, como aconteceu nas manifestações de Nova Delhi. Iniciados em 2011 por Anna Hazare após a roubalheira descarada propiciada pelos Jogos da Commonwealth de 2010, os protestos acabaram se transformando no Aam Aadmi Party. Os movimentos contra a corrupção e a exploração comercial de espaços e serviços públicos tendem a crescer, já que as provocações vão se multiplicar, e também porque hoje os cidadãos são menos deferentes à autoridade, mais bem informados e mais fáceis de mobilizar por meio das mídias sociais. Um caso exemplar foi o da Turquia em 2013. Contudo, se esses protestos não integrarem configurações sociopolíticas mais amplas, eles vão permanecer – juntamente com as manifestações contra o endividamento e os despejos – dentro dos limites do sistema capitalista.
Na década de 1980, ambientalistas críticos ao capitalismo se organizaram num movimento social que ainda tem considerável expressão. Pode-se dizer que os desafios ecológicos apresentados por alterações climáticas, poluição urbana, pilhagem de oceanos e esgotamento de reservas hídricas reiniciaram a dialética entre o caráter social das forças de produção e a natureza das relações de propriedade existentes – uma dialética que a desindustrialização e o triunfo do capitalismo financeiro no Norte haviam suspendido. O impacto dessa crítica provavelmente vai depender de sua capacidade de desenvolver uma responsabilidade regulatória coletiva e ao mesmo tempo não exigir sacrifícios como o não crescimento. Uma questão crucial é a desastrosa poluição das cidades chinesas – inclusive, espetacularmente, Pequim – e de outros centros urbanos da Ásia. Na China, a poluição também está destruindo grandes áreas de solo arável. Ao exigir a regulamentação pública, o ambientalismo poderia se articular com as críticas ao capitalismo financeiro desenfreado. As escassas alianças desse tipo ressaltam a fraqueza da esquerda no Atlântico Norte – para não mencionar a obsessão chinesa, ainda praticamente incontestada, de recuperar o atraso econômico.
Uma crítica ao consumismo poderia assumir uma nova forma geracional. “1968” foi um movimento jovem – “Não confie em ninguém com mais de 30 anos” –, ao passo que nos protestos de 2011 no Mediterrâneo e no Chile, ou no Brasil em junho de 2013, muitos manifestantes estavam acompanhados dos pais. A crise devastadora do neoliberalismo na Argentina no alvorecer do século xxi acarretou vigorosos protestos de rua de aposentados, em defesa de suas pensões. Um movimento crítico poderia emergir das populações idosas da Europa e do Japão, em especial entre os mais velhos da geração de 1968. Poderiam ser protestos por qualidade de vida – serenidade, segurança, estética – em detrimento da expansão econômica e acumulação de capital. É pouco provável que ganhem muito impulso fora da Europa ou Japão, exceto, talvez, na região do rio da Prata e entre as minorias das “primeiras nações” indígenas. O consumismo parece persistir como a principal dinâmica cultural.
Articulada pelo movimento do Fórum Social Mundial, a crítica feita pelo Sul global ao capitalismo do Atlântico Norte foi levada mais adiante pelo estudioso português Boaventura de Sousa Santos em sua obra Epistemologias do Sul. Sua análise provavelmente exercerá uma influência cada vez maior devido às mudanças geopolíticas do poder planetário; mas também é provável que encontre resistência arraigada, e não apenas das elites do Norte. O consumismo está seduzindo novas e vastas camadas do Sul, que acorrem, em adoração, aos shopping centers que brotam como cogumelos. Boaventura e outros estudiosos abrem um espaçocrítico que deveria abalar a arrogância cultural do Norte. O problema deles é que se dirigem sobretudo àqueles que têm mais a perder com a sua mensagem: os modernos do Norte. No entanto, o espelho do Sul que o movimento do Fórum Social Mundial mostrou ao capitalismo do Atlântico provavelmente será incorporado ao pensamento crítico do Norte – tal como deveria ser.
Em resumo: as populações pré-capitalistas, lutando para conservar seu território e seus meios de subsistência; as massas “excedentes”, excluídas do emprego formal nos circuitos da produção capitalista; os trabalhadores fabris explorados em todas as zonas ex-industriais decadentes e outras zonas empobrecidas; novas e antigas classes médias, cada vez mais oneradas com o pagamento de dívidas às corporações financeiras – estas constituem as possíveis bases sociais para as críticas contemporâneas à ordem capitalista dominante. O avanço exigirá, quase com certeza, alianças entre essas bases e, portanto, a articulação de seus interesses. Para qual caminho, ou quais caminhos, vai pender a nova classe média na África, Ásia e América Latina? Esse será um fator determinante e vital.
Se a classe média em ascensão representou a vanguarda do desenvolvimento capitalista na Euro-América do século XIX, hoje sua função não é mais essa. O capital financeiro e as empresas multinacionais há muito tempo usurparam esse papel. Em vez disso, a classe média precisa tomar partido em sociedades fortemente polarizadas, seja ao lado dos oligarcas contra os pobres, seja com o povo contra os oligarcas. Qualquer crítica viável ao capitalismo do século xxi terá que recrutar grande parte da classe média, abordando algumas de suas preocupações e procurando articulá-las numa direção crítica, igualitária. Isso implicaria respeitar os valores clássicos da classe média de trabalho duro, autossuficiência, racionalidade e justiça. Será preciso articular a compatibilidade desses interesses com as demandas populares de inclusão e igualdade, e a sua incompatibilidade com as práticas insensatas das elites financeiras, os capitalistas de compadrio e os regimes corruptos ou autoritários. A classe média, em especial os assalariados e profissionais liberais, também está potencialmente aberta a críticas culturais feitas ao capitalismo, em especial quanto a questões ambientais e de qualidade de vida. Contudo, dada a inconstância política da classe média, qualquer virada progressista vai exigir a mobilização de considerável força popular entre as duas primeiras correntes sociais já mencionadas: as populações pré-capitalistas invadidas ou marginalizadas, e os trabalhadores que procuram se defender na esfera da produção. 

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Vigilância sobre o cidadão

Notícias censuradas, vigilância do cidadão: perspectiva histórica da vigilância massiva nos Estados Unidos e o papel do Facebook na rede da NSA

 

 

“Não há nada de novo na vigilância política”, escreveu Aryeh Neier no New York Review of Books após rastrear a espionagem política do governo federal dos Estados Unidos desde a criação da Agência Federal de Investigações(FBI), em 1908. Embora as revelações atuais sobre o alcance da espionagem de cidadãos da Agência Nacional de Segurança (NSA) difiram dos primeiros precursores, o importante “é reconhecer que persistem formas muito antigas de vigilância”.
A reportagem é de Ernesto Carmona e publicada no sítio argentino Argenpress, 13-05-2014. Ernesto Carmona é jornalista e escritor chileno, jurado internacional do Projeto Censurado. A tradução é de André Langer.
Claro que também há enormes inovações tecnológicas, como o programa secreto “Aprendizagem profunda” [Deep learning] de tecnologia de inteligência artificial (AI) desenvolvido pelo Facebook com a intenção de identificar melhor a informação segura sobre seus usuários. O projeto, supervisionado por um grupo de oito membros chamado “Equipe AI”, pretende prever futura atividade on-line dos usuários a partir da análise dos dados das contas já existentes.
O The Washington’s Blog garantiu que “a NSA repete o que o rei Jorge fez aos norte-americanos durante o tempo da colônia”. O artigo cita Randy Barnett, professor de direito constitucional de Georgetown, sobre como a Corte de Vigilância da Inteligência Estrangeira aparentemente “aprovou secretamente a apropriação exaustiva de informações sobre todos os estadunidenses para que este ‘metadados’ pudesse proporcionar, mais adiante, a causa provável para uma busca em particular. De acordo com Barnett, esta indiscriminada captura de dados é “semelhante aos mandados judiciais gerais expedidos pela Coroa para autorizar buscas de colonos norte-americanos”.
O artigo do The Washington’s Blog também cita um memorando de David Snyder, publicado pela Electronic Frontier Foundation, que reconhece que os pais fundadores reunidos em 1791 para adotar a Carta de Direitos poderiam ter se surpreendido com a tecnologia da NSA, mas sem dúvida estavam familiarizados com “a vigilância ao por atacado que o governo é acusado de fazer hoje”, na forma do “abuso expansivo do poder pelos reis Jorge II e III que invadiram a privacidade de comunicações dos colonos”.
Com a Quarta Emenda, os fundadores tomaram medidas enérgicas para acabar com a capacidade do governo de realizar uma vigilância maior de estadunidenses comuns. “A pergunta para nós hoje é se vamos renunciar a esse ideal americano, ou se vamos tomar as medidas necessárias para voltar a ele”.
Em um artigo publicado em junho de 2013 pelo Global Research, James Petras observou que a NSA espia milhões de cidadãos dos Estados Unidos, mas no exterior vai “muito além de meras ‘violações da privacidade’, como colocavam muitos especialistas legais”. Petras escreveu: “A pergunta fundamental é: que represálias e sanções derivam da ‘informação’ que se recolhe, classifica e converte em operacional nestas redes massivas de espionagem doméstica”? Devemos compreender – afirmou – as consequências políticas e econômicas da NSA como ‘estado espião’. “Quanto maior é a polícia secreta, maiores são suas operações. Quanto mais regressiva for a política econômica doméstica, maior é o medo e o ódio da elite política”.

Programa de Pesquisa em Inteligência Artificial do Facebook

Com um programa secreto de pesquisa, o monstro das redes sociais Facebook experimenta um programa de “aprendizagem profunda” [deep learning] de tecnologia de inteligência artificial com a intenção de identificar melhor a informação segura sobre seus usuários. O projeto de “aprendizagem profunda” da Artificial Intelligence (AI), supervisionado por um grupo de oito membros chamado “Equipe AI”, pretende concentrar-se na análise de dados das contas existentes para prever futuras atividades na rede dos usuários.
Segundo a MIT Technology Review (20-09-2013), “a ‘aprendizagem profunda’ mostrou o potencial de como a base do software poderia trabalhar as emoções ou os acontecimentos descritos no texto, embora não estejam identificados explicitamente, reconhecer objetos em fotos e fazer previsões sofisticadas sobre prováveis comportamentos futuros das pessoas”.
O Google já fez experiências bem sucedidas utilizando tecnologia de “aprendizagem profunda” para desenvolver um software capaz de reconhecer imagens específicas nos vídeos do YouTube. Quando atingir seu pleno funcionamento, é provável que a nova tecnologia permita ao Facebook analisar e classificar diversos interesses pessoais e afinidades sociais, não apenas a partir dos textos que qualquer um escrever no Facebook, mas também a partir das fotos postadas pelos usuários.
Potencialmente, o Facebook pode promover sua tecnologia de “aprendizagem profunda” para que seus anunciantes possam produzir publicidade e criar promoções para futuros usuários, que os críticos reconhecem como um aumento cada vez mais pesado dos problemas relacionados à privacidade. Como observa Madison Ruppert em End the Lie(21-09-2013), o Facebook já tem em andamento uma série de projetos de tecnologia, que inclui uma enorme base de dados de reconhecimento facial, e foi citado recentemente a um tribunal de violações de privacidade, além de ter um claro papel a serviço da espionagem da NSA, sobretudo na Europa. O ministro do Interior alemão, Hans-Peter Friedrich, no começo de julho de 2013 aconselhou que aqueles que têm medo de serem objeto de vigilância da NSAevitem os serviços oferecidos por gigantes estadunidenses da internet como o Google, Facebook, Microsoft e qualquer outro que tenha seus servidores nos Estados Unidos.

Fontes de História de vigilância massiva:

— Aryeh Neier, “Spying on Americans: A Very Old Story,” New York Review of Books, June 18, 2013,http://www.nybooks.com/blogs/nyrblog/2013/jun/18/spying-americans-very-old-story/. 
— David Snyder, “The NSA’s ‘General Warrants’: How the Founding Fathers Fought an 18th Century Version of the President’s Illegal Domestic Spying,” Electronic Frontier Foundation, no date,
https://s.eff.org/files/filenode/att/generalwarrantsmemo.pdf. 
— James Petras, “The Deeper Meaning of Mass Spying in America: Political and Economic Consequences of ‘The Spy State’”, Global Research, June 16, 2013, 
http://www.globalresearch.ca/the-deeper-meaning-of-mass-spying-in-america-political-and-economic-consequences-of-the-spy-state/5339336. 
— “We’ve Know for Some Time that the NSA is Spying on Congress.” Washington’s Blog, January 8, 2014,
http://www.washingtonsblog.com/2014/01/spying-congress.html.
— “500 Years of History Shows that Mass Spying is Always Aimed at Crushing Dissent.” Washington’s Blog, January 9, 2014, 
http://www.washingtonsblog.com/2014/01/government-spying-citizens-always-focuses-crushing-dissent-keeping-us-safe.html.
— Projeto Censurado: 
http://www.projectcensored.org/us-mass-surveillance-historic-perspective/ 
Student Researcher: Rubi Vazquez (Sonoma State University) 
Faculty Evaluator: Peter Phillips (Sonoma State University)
Fontes Facebook:
— “Facebook Has Set Up a New Artificial Intelligence Group” InfoSecurity, September 23, 2013,http://www.infosecurity-magazine.com/view/34651/facebook-has-set-up-a-new-artificial-intelligence-group/.
— Tom Simonite, “Facebook Launches Advanced AI Effort to Find Meaning in Your Posts,” MIT Technology Review, September 20, 2013, http://www.technologyreview.com/news/519411/facebook-launches-advanced-ai-effort-to-find-meaning-in-your-posts/. 
— Madison Ruppert, “Facebook Wants to Use Artificial Intelligence to Better Understand What You Post, Predict Online Actions” End the Lie, September 21, 2013, http://endthelie.com/2013/09/21/facebook-wants-to-use-artificial-intelligence-to-better-understand-what-you-post-predict-online-actions/#axzz2l2dn664d.
— End de Lie 03-07-2014: http://endthelie.com/2013/07/03/german-interior-minister-dont-use-google-and-facebook-if-you-fear-nsa-surveillance/#FgLWjVDpbv63vFhk.99 
— Projeto Censurado: http: // www.projectcensored.org/facebooks-artificial-intelligence-research-program/ 
Student Researcher: Andrevious Shaw (Florida Atlantic University) 
Faculty Evaluator: James F. Tracy (Florida

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Livro de economia lidera lista de mais vendidos da Amazon


Desigualdade social em quase 700 páginas de um livro. O assunto, a princípio, pode não atrair a curiosidade de tantas pessoas, mas “Capital In The Twenty-First Century” (O Capital no Século XXI, em tradução livre), do economista francês Thomas Piketty, alcançou nesta semana o primeiro lugar na lista dos livros mais vendidos da Amazon, superando títulos como “Frozen” e “Game of Thrones”. Logo após o lançamento da edição em inglês, no mês passado, o livro já aparecia entre os entre os 100 mais vendidos da varejista on-line. Além disso, foi elogiado por críticos e economistas.
A reportagem é de Andrea Freitas, publicada pelo jornal O Globo, 27-04-2014.
Piketty, de 42 anos, é professor na Escola de Economia de Paris e seu livro trata da história e do futuro da desigualdade, a concentração de riqueza e as perspectivas de crescimento econômico. A tese central do livro — cujo título é uma alusão a “O Capital”, de Karl Marx — é que a desigualdade não é um acidente, mas uma característica do capitalismo e os excessos só podem ser alterados por meio da intervenção estatal. O trabalho argumenta que, a não ser que o capitalismo seja reformado, a ordem democrática será ameaçada.
O autor considera que o mundo está voltando a um “capitalismo patrimonial”, no qual boa parte da economia é dominada por uma riqueza herdada, que está crescendo, criando uma oligarquia. Como solução para uma desigualdade extrema, Piketty propõe uma taxação anual em todo globo sobre riqueza de até 2%, combinada com um imposto de renda progressivo que chega a 80%.
De acordo com o economista, o crescimento econômico moderno e a difusão do conhecimento permitiu evitar desigualdades em escala apocalíptica como previsto por Marx. O francês alerta, no entanto, que as estruturas profundas do capital não foram modificadas e a desigualdade não foi tão combatida como se imaginava nas otimistas décadas pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945). E o principal fator de desigualdade — a tendência de os lucros sobre o capital excederem a taxa de crescimento econômico — hoje ameaça gerar um abismo tão extremo que é capaz de gerar descontentamento e minar os valores democráticos. Para o economista, a ação política restringiu desigualdades perigosas no passado e pode fazê-lo novamente.
Nova agenda
“Respostas satisfatórias têm sido difíceis de serem encontradas por falta de informação adequada e de teorias claras”, afirma a apresentação do livro no site da Amazon. Reunidos ao longo de 15 anos, o autor analisa dados fiscais, desde o século XVIII, sobre 20 países, entre eles Estados Unidos, França, Alemanha, Reino Unido e Japão, como forma de desvendar os principais padrões econômicos e sociais. “Suas descobertas vão transformar o debate e estabelecer a agenda para a próxima geração de pensamento sobre riqueza e desigualdade”, afirma a Amazon.
E a obra de 685 páginas tem sido muito elogiada. “A principal razão é porque ele prova agora, de forma irrefutável e clara, o que todos nós, de alguma forma, já suspeitávamos: os ricos estão ficando mais ricos em comparação com os demais e sua riqueza não está indo para baixo, na verdade está indo para cima”, escreveu Rana Foroohar, da “Time”.
O economista vencedor Nobel de Economia de 2008, Paul Krugman, escreveu no “New York Times” que o trabalho de Picketty é o mais importante do ano em economia e talvez também seja o melhor da década. “Piketty, sem dúvida o maior especialista do mundo em renda e desigualdade de renda, faz mais do que documentar a crescente concentração nas mãos de uma pequena elite econômica. Ele também apresenta um argumento poderoso de que estamos no caminho de volta ao ‘capitalismo patrimonial’, no qual os altos comandos da economia não são dominados apenas pela riqueza, mas também pela riqueza herdada, na qual nascimento importa mais do que esforço e talento”, escreveu o americano.
Trabalho duro
Para a revista britânica “The Economist”, o livro tem como objetivo revolucionar a forma como as pessoas pensam sobre a história econômica dos últimos dois séculos e pode muito bem conseguir isso. “É, antes de tudo, um olhar muito detalhado de 200 anos de dados sobre a distribuição de renda e riqueza em todo o mundo desenvolvido”.
Jordan Weissman, da “Slate”, compara Piketty a um astro do rock e destaca o interesse que o economista francês despertou também em Washington: “Passando recentemente pela capital federal, ele teve um breve encontro com o secretário do Tesouro Jack Lew, o Conselho de Assessores Econômicos e o FMI”.
Em entrevista ao jornal francês “Le Monde”, Piketty reconhece que o sucesso superou o que ele esperava, mas afirma que o livro é resultado de muito tempo de trabalho sobre desigualdade. “A novidade é que é um trabalho mais abrangente, por isso é normal que ele chame mais atenção. Estou surpreso com o sucesso, mas ao mesmo tempo o objetivo era chegar a tantas pessoas.”
Na Amazon.com, a versão em capa dura sai a US$ 24,59, sem custos de envio. Na versão brasileira do site, a edição para Kindle pode ser obtida on-line a R$ 49,19.



Piketty, um problema para a direita

"Todo mundo certamente discorda de 10% a 20% da argumentação de Piketty e todo mundo têm dúvidas sobre talvez outros 10% a 20%. Mas, em ambos os casos, cada leitor tem seus próprios 10% a 20% pessoais. Em outras palavras, há um consenso majoritário de que cada parte do livro é, de modo geral, correta, o que significa haver um quase consenso de que a argumentação geral do livro é, grosso modo, correta", escreve J. Bradford DeLong, ex-vice-secretário assistente do Tesouro dos EUA, professor de Economia na Universidade da Califórnia em Berkeley e pesquisador associado ao Birô Nacional de Pesquisa Econômica, em artigo publicado pelo jornal Valor, 02-05-2014.
Eis o artigo.
No periódico online "The Baffler"Kathleen Geier tentou recentemente fazer um apanhado geral da crítica conservadora ao novo livro "Capital in the Twenty-First Century", deThomas Piketty. O espantoso, para mim, é como revela-se fraca a abordagem da direita contra os argumentos de Piketty.
A argumentação do autor é detalhada e complicada. Mas cinco pontos parecem particularmente relevantes:
1- a riqueza de uma sociedade em relação à sua renda anual cresce (ou diminui) até um nível igual à sua taxa de poupança líquida dividida por sua taxa de crescimento.
2- a passagem do tempo e o acaso resultam inevitavelmente em concentração da riqueza nas mãos de um grupo relativamente pequeno - podemos designá-los como "os ricos".
3 - a taxa de crescimento da economia diminui enquanto os frutos da industrialização mais ao alcance da mão são colhidos; ao mesmo tempo, a taxa de poupança líquida cresce devido a uma reversão da tributação progressiva, ao fim da caótica destruição na primeira metade doSéculo XX e à ausência de razões sociológicas convincentes para que os ricos gastem os suas rendas ou sua riqueza, em vez de poupá-la.
4- uma sociedade em que os ricos têm um grau elevado de influência econômica, política e sociocultural é uma sociedade, sob diversos aspectos, desagradável.
5 - uma sociedade onde a relação riqueza sobre renda anual é um múltiplo muito grande da taxa de crescimento é um ambiente onde o controle sobre a riqueza passa a herdeiros - o que Geier apelidou de "herdeirocracia"; esse tipo de sociedade é sob muitos aspectos ainda mais desagradável do que uma dominada por uma elite rica meritocrática e empreendedora.
Bem, mesmo em forma sintética, esse é um argumento complicado. Por isso, seria de esperar que provocasse o surgimento de um grande volume de material com críticas substanciais. E, de fato, Matt Rognlie atacou o ponto 4, argumentando que o retorno sobre a riqueza varia inversamente em relação à riqueza sobre a renda anual tão fortemente que, paradoxalmente, quanto mais riqueza detêm os ricos, menor sua participação na renda total. Assim, a influência econômica, política e sociocultural dos ricos é também mais fraca.
Tyler Cowen, da George Mason University, em linha com o pensamento de Friedrich von Hayek, argumentou contra os pontos 4 e 5. Os "ricos ociosos", de acordo com Cowen, são um recurso cultural valioso precisamente porque constituem uma aristocracia ociosa. É apenas porque eles não estão vinculados à roda cármica de trabalhar para ganhar seu sustento, comprar suas coisas e gastar para satisfazer suas necessidades e conveniências que eles podem assumir a visão dilatada e/ou heterodoxa sobre as coisas e criar, por exemplo, grande arte.
Outros, ainda, agitavam as mãos e torciam por uma nova revolução industrial que venha a criar mais frutos fáceis de colher e seja acompanhada por uma renovada onda de destruição criativa. Se isso acontecer, será possível mais mobilidade ascendente, negando, assim, os pontos 2 e 3.
Porém o mais extraordinário na crítica conservadora ao livro de Thomas Piketty é quão pouco ela desenvolveu algum desses argumentos e quanto é dedicada a uma furiosa denúncia da capacidade analítica, da motivação e até mesmo da nacionalidade de seu autor.
Clive Crook, por exemplo, argumenta que "os limites dos dados que [ Piketty ] apresenta e a grandiosidade das conclusões que ele tira... beiram a esquizofrenia", produzindo conclusões que são "desprovidas de sustentação ou contraditadas por [seus] próprios dados e análises". E é o "horror de Piketty diante do aumento da desigualdade", especula Crook, que induziu a erro.
James Pethokoukis, por seu turno, julga que a obra de Piketty pode ser reduzida a um tweet: "Karl Marx não estava errado, apenas prematuro. É isso aí. Desculpe, capitalismo. #desigualdadeprasempre".
E há então a pueril acusação de Allan Meltzer, de excessiva "francesidade". Piketty, fique sabendo o leitor, foi colega de seu compatriota francês Emmanuel Saez "no MIT, onde...Olivier Blanchard [do Fundo Monetário Internacional], foi professor. Também este é francês. A França, há muitos anos, implementa políticas destrutivas de redistribuição de renda".
Combinando essas vertentes da crítica conservadora, o verdadeiro problema do livro de Piketty fica claro: o seu autor é um comunista estrangeiro mentalmente instável. Essa é uma velha tática usada pela direita americana, que destruiu milhares de vidas e carreiras durante a era McCarthy. Mas a caracterização de ideias como sendo de alguma forma antiamericanas tem sido sempre um epíteto, e não um argumento.
Por outro lado, nas comunidades americanas de centro-esquerda, como Berkeley, Califórnia, onde moro e trabalho, o livro de Piketty foi recebido com louvor beirando a reverência. Estamos impressionados com o volume de trabalho que ele e seus colegas aplicaram na coleta, compilação e limpeza dos dados; a inteligência e a habilidade com que ele construiu e apresentou seus argumentos; e quanto sangue Arthur Goldhammer suou no trabalho de tradução.
Todo mundo certamente discorda de 10% a 20% da argumentação de Piketty e todo mundo têm dúvidas sobre talvez outros 10% a 20%. Mas, em ambos os casos, cada leitor tem seus próprios 10% a 20% pessoais. Em outras palavras, há um consenso majoritário de que cada parte do livro é, de modo geral, correta, o que significa haver um quase consenso de que a argumentação geral do livro é, grosso modo, correta.
A menos que os críticos de direita contrários a Piketty melhorem o nível de sua crítica e realmente apresentem alguns pontos válidos, essa será a avaliação cristalizada sobre o livro de Piketty. Nenhuma quantidade de "anticomunismo" ou "antifrancesismo" fará diferença.



“O Capital” de Thomas Piketty: tudo o que você 

precisa saber sobre o surpreendente best-seller

Que o capitalismo é injusto já foi dito antes. Mas é a forma como Thomas Piketty o diz – sutilmente mas com uma lógica implacável – o que levou os economistas da direita a um frenezi, tanto aqui [na Inglaterra] quanto nos Estados Unidos.
O comentário é de Paul Mason, editor cultural e digital do Channel 4 News, em artigo publicado pelo The Guardian, 28-04-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O seu livro – intitulado “Capital in the Twenty-First Century” [O capital no século XXI] – disparou na lista entre os mais vendidos no site Amazon. Tê-lo consigo, em alguns ambientes de Manhattan, se tornou a mais nova ferramenta para se conectar socialmente com jovens progressistas. Ao mesmo tempo, seu autor vem sendo condenado como neomarxista por comentaristas de direita. Afinal, qual a causa de tudo isso?
argumento de Piketty é que, numa economia onde a taxa de rendimento sobre o capital supera a taxa de crescimento, a riqueza herdada sempre crescerá mais rapidamente do que a riqueza conquistada. Assim, o fato de que filhos ricos podem passar de um ano sabático sem rumo a um emprego no banco, na rede de televisão, etc., do pai – enquanto os filhos pobres continuam transpirando dentro de seus uniformes – não é acidental: é o sistema funcionando normalmente.
Se se tem um crescimento lento junto de rendimentos financeiros melhores, então a riqueza herdada irá, na média, “superar a riqueza acumulada de uma vida toda de trabalho por uma ampla margem”, diz Piketty. A riqueza irá se concentrar em níveis incompatíveis com a democracia, irá abandonar a justiça social. Em suma, o capitalismo cria automaticamente níveis de desigualdade que são insustentáveis. A crescente riqueza daquele 1% não é um episódio isolado nem mera retórica.
Para entender por que o sistema dominante acha esta proposição um tanto desagradável, é preciso compreender que se pensava ser o assunto “distribuição” – termo bonito para se referir à desigualdade – um tema acabado. Simon Kuznets, o bielorrusso emigrado que se tornou uma figura importante da economia americana, fez uso das informações disponíveis à época para mostrar que, embora as sociedades se tornassem mais desiguais nos primeiros estágios da industrialização, esta desigualdade diminuiria na medida em que elas alcançassem a maturidade. Tal “curva de Kuznets” fora aceita pela maioria dos profissionais de economia até Piketty e seus colaboradores produzirem as provas para mostrar que isso era falso.
Na verdade, a curva vai exatamente na direção oposta: o capitalismo começou desigual, achatou a desigualdade durante grande parte do século XX, mas atualmente está voltando em direção aos níveis dickensianos de desigualdade no mundo.
Piketty aceita a ideia de que os frutos da maturidade econômica – aptidões, formação e educação da força de trabalho – promovem, de fato, uma maior igualdade. Mas eles podem ser neutralizados por uma tendência mais fundamental no sentido da desigualdade, que é desencadeada onde quer que a demografia, a baixa taxação ou a fraca organização trabalhista permita. Grande parte das 700 páginas do livro são gastas mobilizando as provas de que o capitalismo do século XXI percorre um trajeto só de ida em direção à desigualdade – a menos que façamos alguma coisa.
Se Piketty estiver certo, haverá enormes implicações políticas, e a beleza do livro é que ele nunca se abstém de apontá-las. O pedido feito por Piketty de um imposto global “confiscatório” sobre a riqueza herdada faz outros economistas, em princípio radicais, parecerem familiares. Ele propõe um imposto de 80% sobre os rendimentos acima de 500 mil dólares ao ano nos EUA, assegurando a seus leitores que não haveria nem uma fuga de grandes executivos para o Canadá tampouco uma desaceleração do crescimento, uma vez que o resultado seria simplesmente suprimir tais rendimentos.
Embora supere a agenda macroeconômica, os golpes colaterais do livro contra a moda microeconômica, muitas vezes trazidas em notas de rodapé, parecem uma piada interna contra a geração para a qual todos os problemas pareciam resolvidos, com exceção dos preços da cocaína vendida nas ruas de Georgetown.
Além disso, o livro hipnotizou os profissionais da economia por causa da forma como Pikettycria teoricamente o seu próprio mundo. Ele define as duas categorias básicas, riqueza e renda, de forma ampla e assertiva como ninguém antes tinha se preocupado em fazer. Os termos e as explicações da obra são extremamente simples; com uma infinidade de dados históricos, Piketty reduz a história do capitalismo a um claro arco narrativo. Para se desafiar a sua argumentação, é preciso rejeitar suas premissas e não sua elaboração.
Desde a primeira página ele, ilustra com observações viscerais, o mundo injusto no qual vivemos: começa com o massacre de Marikana e não esmorece. Ele apresenta não só os índices de juros do século XVIII como provas, mas também as obras de Jane Austen eHonoré de Balzac. Usa estes dois escritores para ilustrar como, no início do século XIX, era lógico desdenhar o trabalho a favor do casamento pela riqueza. Isso se tornou tão presente que fortaleceu o mito central do capitalismo e sua justificativa moral: aquela de que a riqueza é gerada pelo esforço, pela criatividade, pelo trabalho, pelo investimento correto, pelo risco assumido, etc.
Para Piketty, o período de meados do século XX marcado pelo aumento da igualdade foi um pontinho produzido pelas exigências da guerra, do poder do trabalho organizado, da necessidade de uma tributação alta, por fatores demográficos e pela inovação técnica.
Dito de forma direta, se o crescimento for alto e o rendimento do capital for suprimido, poder-se-á ter um capitalismo mais igualitário. Mas, diz Piketty, uma repetição da era keynesiana é improvável: o trabalho está enfraquecido, a inovação tecnológica está demasiado lenta, o poder global do capital está demasiado forte. Além disso, a legitimidade deste sistema desigual é alta, isso porque ele encontrou formas de estender a riqueza à classe empresarial de uma forma que não se conseguiu fazer no século XIX.
Se o autor estiver certo, as implicações para o capitalismo são bastante negativas: estamos diante de um capitalismo com baixo crescimento, combinado com altos níveis de desigualdade e baixos níveis de mobilidade social. Se o sujeito não nascer na riqueza, será bastante difícil enriquecer.
Seria Piketty o novo Karl Marx? Qualquer um que tenha lido este último saberá que ele não o é. A crítica de Marx ao capitalismo não era sobre a distribuição, mas sobre a produção: para Marx não seria o aumento da desigualdade, mas sim uma ruptura no mecanismo de lucro o que levaria o sistema a seu fim.
Onde Marx via relações sociais – entre trabalhadores e gerentes, proprietários de fábricas e a aristocracia rural –, Piketty vê apenas categorias sociais: riqueza e renda. A economia marxista vive num mundo onde as tendências interiores do capitalismo são contrariadas por sua experiência de superfície. O mundo de Piketty é feito somente de dados históricos concretos. Então, as acusações de um marxismo suave estão completamente equivocadas.
Mais precisamente, Piketty colocou uma bomba não detonada dentro da economia clássica, dominante. Se a causa subjacente da catástrofe bancária de 2008 foi a queda na renda ao lado de uma crescente riqueza financeira, então – diz Piketty – estas coisas não foram por acaso: não foram produtos de uma regulação frouxa ou de uma ganância simples. A crise é o produto do sistema funcionando normalmente, e devemos esperar mais.
Um dos capítulos mais interessantes é o debate proposto por Piketty do aumento quase universal daquilo que ele chama de “Estado social”. O crescimento contínuo na proporção da renda nacional consumida pelo Estado, gasto nos serviços universais, em pensões e benefícios, sustenta o autor, é uma característica irreversível do capitalismo moderno. Ele observa que tal distribuição se tornou uma questão de “direito” às coisas – de saúde e pensões – em lugar de simplesmente ser um problema dos índices de tributação. A sua solução é uma taxa específica, progressiva, sobre a riqueza privada: um imposto excepcional sobre o capital, possivelmente combinado com o utilização ostensiva da inflação.
A lógica política para a esquerda está clara. Durante grande parte do século XX a redistribuição fora feita através de imposto sobre os rendimentos. No século XXI, qualquer partido que queira redistribuir precisará confiscar a riqueza, e não somente a renda.
O poder da obra de Piketty é que ela também desafia a narrativa de centro-esquerda da globalização, que acreditava que a requalificação da força de trabalho, combinada com uma redistribuição amena, iria promover a justiça social. Isso, demonstra Piketty, é um engano. Tudo o que a social-democracia e o liberalismo podem produzir, com suas atuais políticas, é o iate do oligarca coexistindo com o banco de alimentos para todo o sempre.
A obra de Piketty“Capital in the Twenty-First Century” (diferentemente de “O Capital”, de Marx) contém soluções no próprio terreno do capitalismo: os 15% de impostos sobre o capital, os 80% de impostos sobre os altos rendimentos, uma transparência obrigatória em todas as transações bancárias, uma utilização ostensiva da inflação para a redistribuição da riqueza. Ele considera algumas destas soluções “utópicas”, e está certo nisso. É mais fácil imaginar um colapso do capitalismo do que uma elite consentir com estas ideias.