segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Tolstoi





Publico a comunicação de José Milhazes na sessão realizada no Centro Cultural de Belém a propósito do centenário da morte de Lev (Leão) Tolstoi.

"Excelentíssimos senhores e amigos, começo por agradecer-vos pelo facto de terem vindo a esta reunião organizada pelo Centro Cultural de Belém.

Fui convidado a apresentar a esta reunião uma comunicação sobre um olhar de Leão Tolstoi sobre a Rússia, tarefa que rapidamente compreendi ser muito difícil, se não impossível, visto que o grande escritor e pensador russo não se preocupou apenas e não tanto dos problemas da sua pátria, mas de toda a Humanidade. As suas ideias filosóficas e morais visam melhorar a Humanidade em geral, e não apenas a Rússia em particular. O aperfeiçoamento moral e espiritual dos russos era, para Leão Tolstoi, parte integrante do aperfeiçoamento moral universal. É a ele que pertence a frase: “o patriotismo é o último refúgio dos canalhas”.

Tão paradoxais são as ideias do pensador, como iremos ver mais abaixo, como paradoxais são as atitudes das autoridades russas face a ele em diversas épocas.

Pode parecer inacreditável, mas é verdade: em 2008, na Rússia não foram praticamente celebrados os 180 anos do seu nascimento. Mais, nesse ano, por incrível que pareça, três tribunais russos consideraram algumas das suas ideias “extremistas”.

Tolstoi foi acusado de “atiçar a inimizade e ódio contra a religião”, o que fez ressuscitar a luta entre o escritor/pensador e a Igreja Ortodoxa da Rússia que terminou com a sua excomunhão.

Mas é preciso reconhecer que o centenário da sua morte não está a passar despercebido, bem pelo contrário. E simbólico é o facto de, ontem, ter reaberto ao público, depois de obras de restauro, a casa-museu de Tolstoi em Iassnaia Polan, ninho da nobreza onde o conde nasceu.



Na reviravolta moral e ética que irá ocorrer na vida de Tolstoi, sobre a qual nos debruçaremos mais abaixo, o pensador russo dedicou particular atenção ao Cristianismo como uma doutrina moral e as ideias éticas dessa religião são interpretadas por ele de um ponto de vista humanista, como a base da irmandade universal dos homens.

Isto levou-o a analisar o Evangelho e obras teológicas de um ponto de vista crítico, dando essa análise origem a obras como “Estudo da Teologia Dogmática”, “Em que consiste a minha fé” e “O Reino de Deus está dentro de nós”.

Essas e outras obras foram mal recebidas pela Igreja Ortodoxa Russa, pois ele questionava a dogmática cristã, negava a necessidade da existência do corpo clerical e criticava fortemente a aproximação da Igreja em relação ao Estado.

Aqui convém recordar que, desde a época de Pedro o Grande, no início do séc. XVIII e a revolução comunista de 1917, a Igreja Ortodoxa Russa, a mais numerosa no Império, dependia directamente do Governo russo através do Procurador do Santo Sínodo, ou seja, era dirigida por um funcionário leigo. Na era comunista, o Santo Sínodo foi substituído por um Comité Estatal para Assuntos Religiosos. Ou seja, a Igreja estava acorrentada e dominada pelo poder civil, o que era fortemente contestado não só por Tolstoi.

Essas críticas foram bem recebidas por uma parte significativa da intelectualidade russa, mas receberam fortes críticas da Igreja Ortodoxa e levaram a que o Santo Sínodo excomungasse Tolstoi em 1901.

Em 2006, Kirill I, actual Patriarca de Moscovo e de Toda a Rússia da Igreja Ortodoxa Russa, justificou da seguinte forma a excomunhão do escritor:

"Alguns consideram que a Igreja amaldiçoou o grande escritor, como se o tivesse injustamente ofendido. Não é nada disso. A Igreja apenas constatou o que realmente existia" - declarou o clérigo ortodoxo no programa televisivo "A Palavra do Pastor". Segundo ele, "a excomunhão é apenas a constatação do facto de que uma dada pessoa não pertence à Igreja, e isto é particularmente importante compreender no caso da história de Leão Tolstoi".

"O próprio escritor afastou-se da Igreja. E o que ele disse de Cristo, da Igreja, dos sacramentos mostra a sua rotura total com a Igreja" - sublinhou o futuro patriarca, acrescentando: "e visto que muitas pessoas estavam convencidas de que Leão Tolstoi, falando assim e continuando a ser um cristão ortodoxo, lançava grande confusão no seio da Igreja e na vida social".

Deve-se constatar também que tanto o regime czarista que governou a Rússia até 1917, como o regime comunista que ruiu em 1991, nunca ousaram pôr em causa a importância de Tolstoi enquanto escritor, mas levantavam sérias reservas face a Tolstoi enquanto pensador.

O dirigente comunista Vladimir Lénine, no artigo “Lev Tolstoi como espelho da revolução russa”, escrito a propósito da primeira revolução russa de 1905, sublinha, por um lado, o papel do escritor como um denunciador dos maiores males e chagas da sociedade capitalista, mas, por outro lado, considera-o a expressão do pensamento retrógrado dos camponeses russos.

Como é sabido, o pensamento de Leão Tolstoi mudou radicalmente durante a sua longa vida. Enquanto jovem, o seu comportamento pouco se distinguia do comportamento dos nobres russos da sua idade. Rafael Lowenfeld, escritor alemão, tradutor das obras de Tolstoi para a língua alemã e um dos seus primeiros biógrafos, escreveu: “Depois das privações de Sevastopol, onde Tolstoi combateu durante a Guerra da Crimeia, a vida da capital era duplamente encantadora para um jovem rico, alegre, impressionável e aberto. Tolstoi gastava dias inteiros e até noites em borracheiras, cartas e festas com ciganos”.

Segundo alguns estudiosos, o processo de revisão radical dos princípios étnicos e morais iniciou-se precisamente depois da sua participação na Guerra da Crimeia, em 1854, onde combateu heroicamente em Sevastopol. É esse o cenário das suas obras reunidas na colectânea “Contos de Sevastopol”.

Regressado a São Petersburgo, em Novembro de 1855, Tolstoi adere ao círculo literário Sovremennik, que reunia famosos homens das letras como Nekrassov, Turgueniev, Ostroksvi e Gontcharov. Ele é recebido como “a grande esperança da literatura russa”, participa em jantares e conferências, vê-se envolvido nas discussões e conflitos entre escritores, mas rapidamente se sente um estranho naquele meio. “Essas pessoas faziam-me enjoar, eu próprio estava enjoado comigo mesmo”, escreveu ele em “Confissões”.

A morte do irmão mais velho Nicolau, em 1860, é outro dos marcos importantes da transfiguração moral e ética do escritor, transfiguração essa que demorou cerca de 30 anos, durante os quais escreveu as mais conhecidas das suas obras “Guerra e Paz”, “Ana Karenina” e “Ressurreição”.

Este último romance é de extrema importância nessa transfiguração moral de Tolstoi, pois é uma espécie de confissão de um dos graves pecados da sua juventude. Dmitri Nekhliudov e Ekaterina Maslova têm protótipos na vida real. O escritor contou ao seu biógrafo Pavel Biriukov sobre os “crimes” que cometeu durante a juventude ao seduzir Gacha, criada de uma das suas irmãs: “ela era pura, eu seduzia-a, ela foi expulsa e perdeu-se”.

Durante essa travessia, Lev Tolstoi começa a preocupar-se cada vez mais com os problemas da Humanidade em geral, considerando que os problemas do seu país só poderiam ser resolvidos nesse contexto.

Não será exagero afirmar que o pensador Tolstoi apresentou soluções para os problemas da Rússia e do mundo nos finais do séc. XIX e início do séc. XX que continuam a ser radicais ainda hoje.

Tomemos, por exemplo, a ideia de Estado do pensador, expressa numa das suas últimas obras: “O caminho da vida”.

Não conhecendo pessoalmente, nem mantendo correspondência com Piotr Kropotkin, Lev Tolstoi tem do Estado uma opinião muito idêntica à de um dos pais do anarquismo. É próxima também a posição face à cidadania: “Não pode um homem que vive no Canadá ou no Kanzas, na Boémia, na Ucrânia, Normandia, ser livre enquanto se considerar, e frequentemente, ter orgulho em ser cidadão britânico, norte-americano, austríaco, russo. Não pode também o Governo, cuja vocação consiste em conservar a unidade de uma união tão impossível e sem sentido como a Rússia, Grã-Bretanha, Alemanha, França, dar aos seus cidadãos a verdadeira liberdade, nem algo semelhante a ela como é feito em todas as engenhosas constituições monárquicas, republicanas ou democráticas”.

Segundo ele, “a principal e quase única razão da ausência de liberdade é a pseudo-doutrina sobre a necessidade do Estado. As pessoas podem ser privadas da liberdade mesmo sem Estado. Mas não pode haver liberdade se as pessoas pertencerem ao Estado”.

E aqui não há excepções, nem para os estadistas mais bem intencionados. Tolstoi é peremptório: “Um estadista honesto e virtuoso é uma contradição interna tal como uma prostituta casta ou um alcoólico sóbrio”.

Quantos dos políticos actuais desmentem esta constatação do pensador russo? – pergunto eu.



Leão Tolstoi cita as palavras de Mikhail Bakunin, outro dos grandes ideólogos e teorizadores do anarquisno: “As mudanças que se colocam agora perante a Humanidade consistem na transição do estado animal para o humano. Esta transição só é possível com o desaparecimento do Estado”.

Mas, ao contrário dos teóricos do anarquismo, Tolstoi recusa liminarmente a violência como meio para acabar com o poder e até a existência do Estado.




Isto levou a que alguns dos estudiosos o coloquem entre os pais do anarquismo, mas, ao contrário dos anarquistas clássicos, Tolstoi vê o fim do Estado no estabelecimento daquilo a que chama o “verdadeiro cristianismo”. Por isso, o seu anarquismo é definido como “anarquismo cristão”.

“A doutrina cristã não prevê destruir nada, nem uma organização sua que substitua a anterior. A doutrina cristã distingue-se de todas as outras doutrinas sociais não porque ela fale de uma ou de outra organização da vida, mas em que consiste o mal e o verdadeiro bem da vida de cada pessoa e, por conseguinte, de todas as pessoas”.

No fundo, para Tolstoi, o Estado deixa de ter sentido de existência se as pessoas seguirem os princípios: “não faças ao outro o que não queres que te faça a ti”, “ama o próximo como a ti mesmo”.

No entanto, o seu “cristianismo” entrou em colisão com a igreja oficial na Rússia, pois, tal como no caso do Estado, o pensador russo não aceita uma igreja estruturada, organizada.

Esta forte contradição fez perder a paciência da Igreja oficial, no caso, a Igreja Ortodoxa Russa, que acabou por excomungar o pensador. Tolstoi não via nessa instituição religiosa a sucessora do Estado, mas o fim deste implicava também o desaparecimento da primeira, pois “a verdadeira fé não precisa de Igreja”. Como está bem explícito no título de um dos seus livros: “O Reino de Deus está em vós”.

Esta visão anti-Estado de Tolstoi prevê a negação de todas as instituições que o constituem e em que ele se baseia: a negação da propriedade privada, dos tribunais, do serviço militar e da violência em geral.

No caso da violência, tal como face ao Estado, Tolstoi recusa-a totalmente como meio de conseguir objectivos políticos, sociais e económicos. Numa das obras já citadas “O Reino de Deus está em vós”, o pensador expôs as bases da sua doutrina de não-violência e de resistência pacífica, que teve seguidores famosos como Mahatma Gandhi e Martin Luther King.

Neste sentido, as ideias do escritor russo aproximam-se também do Budismo, religião que ele conhecia muito bem e estudou profundamente.

“Uma das principais desgraças das pessoas é a concepção falsa de que umas pessoas podem, através da violência, melhorar, organizar a vida de outras pessoas”, escreveu Tolstoi no “Caminho da Vida”.

Palavras visionárias do pensador russo sobre os regimes ditatoriais: comunismo e fascismo, que marcaram o século XX.

Este poder de visão está bem patente na análise que Leão Tolstoi faz da Revolução Republicana de 1910 em Portugal.

O grande escritor e pensador russo, recebeu a notícia com alguma dose de humor.

Valentin Bulgakov, um dos secretários de Tolstoi, escreveu nas suas memórias: “Em Setembro (Outubro segundo o calendário gregoriano) rebentou a revolução em Portugal. Eu contei a Lev Nikolaevitch que, segundo as informações dos jornais, o rei português Manuel, depois de fugir do palácio, esteve duas horas escondido numa adega. Tolstoi observou a propósito: - As revoluções são inevitáveis nos Estados modernos. É como um incêndio, toda a Terra arderá... Chegará a hora e todos eles, esses reis, esconder-se-ão nas adegas!”.

Porém, ao analisar o carácter “relativamente pacífico da revolução em Portugal, Tolstoi assinalou: “No nosso país, se tal coisa acontecer, não terá lugar uma revolução portuguesa”.

Os posteriores acontecimentos na Rússia vieram dar-lhe razão. Em nome da construção de uma sociedade sem classes e de um futuro comunista sem Estado, Lénine, Trotski e Estaline transformaram o seu país num verdadeiro campo de concentração. “Tanto os estadistas como os revolucionários consideram justo e útil matar outras pessoas. Eles têm princípios segundo os quais pensam que podem saber quem é necessário precisamente matar para o bem comum”, sublinha Tolstoi.

Com ideias como estas, certamente que Tolstoi teria sido devorado pelo Moloque bolchevique ou cuspido do seu país, como foram expulsos centenas de cientistas, escritores, filósofos, etc.

Mas voltemos atrás, à medida que a idade vai avançando, o pensador vai radicalizando a sua posição de negação do mundo envolvente, não poupando nada, nem ninguém, incluindo a sua própria pessoa. É o período de obras como “A morte de Ivan Ilitch”, “A Sonata para Kreutzer”, o “Padre Sérgio”, o “Cadáver Vivo” ou o conto “Após o Baile”. Ao mesmo tempo que descreve um quadro da desigualdade social e do modo fútil como as camadas instruídas queimam a vida, Tolstoi continua a colocar perante si e perante a sociedade questões sobre o sentido da vida e da fé, intensifica as críticas a todos os institutos do Estado, nega a ciência, a arte, os tribunais, o casamento, os êxitos da civilização.

No Verão de 1909, um dos visitantes de Iassnaia Poliana, residência de Tolstoi nos arredores de Moscovo, começou a manifestar o seu entusiasmo e agradecimento pela escrita de obras como “Guerra e Paz” e “Anna Karenina”. O escritor respondeu: “isso é o mesmo que ir visitar Edisson e dizer-lhe que o respeito muito porque dança bem mazurka”.

“Dou importância a outro tipo de livros”, acrescentou ele tendo em vista as suas obras de cariz filosófico e religioso.

Em obras suas de crítica cultural e estética: “Sobre a Arte”, “O que é a arte?”, “A escravidão do nosso tempo”, “De Sheakspeare e do drama”, Tolstoi faz uma crítica demolidora de génios como Dante, Rafael, Sheakspeare, Bethoven, etc., chegando à conclusão. “quanto mais nos entregamos à beleza, mais no afastamos do bem”.

Assim Tolstoi chega à renúncia total do que é material: “Tenho nojo da minha vida; sinto-me mergulhado nos pecados, logo que saio de um, entro noutro. Como emendar pelo menos um pouco a minha vida? Há um meio de todo eficaz: reconhecer a minha vida no espírito, e não no corpo, não participar em actos sujos da vida corporal. Se desejares isso de todo o coração, verás como a tua vida começará a emendar-se. A vida era má apenas porque a tua vida espiritual servia a vida corporal.

A sua filosofia e princípios morais, à medida que se iam radicalizando, acabavam por entrar em contradição com a própria vida real de Tolstoi e provocavam conflitos no seio da numerosa família. A sua negação da propriedade privada, por exemplo, foi uma das razões que o leva a romper com a família no fim da vida. Isso provocou forte descontentamento de vários membros da família, incluindo a esposa.

Recusando-se a seguir o princípio do “olha para o que digno, mas não para o que eu faço”, Tolstoi dá o último passo na ruptura com o mundo que o rodeia e abandona o lar e a família.

A sua fuga do lar no fim da vida parece ser a sua última tentativa de materializar as suas ideias, mas faltou tempo. Passou por alguns dos lugares mais sagrados da Ortodoxia russa, mas acabou por não se reconciliar com a igreja, como lhe pediam numerosos amigos.

A 20 de Novembro de 1910, Tolstoi falecia na pequena estação ferroviária de Astapov.

Não obstante as autoridades czaristas terem feito tudo para que o funeral de Tolstoi não se transformasse num acontecimento nacional, vários milhares de pessoas conseguiram chegar a Iassnaia Poliana, para participarem no seu funeral.

Talvez outro paradoxo. A julgar por alguns números, o seu legado intelectual é muito mais procurado fora do que dentro da Rússia. Por exemplo, se a livraria electrónica russa ozon – a maior do país - tem à venda menos de cem títulos de Tolstoi, sendo a maioria livros usados, na amazona.com, em inglês, poderemos encontrar mais de cinco mil títulos.

O sacerdote, filósofo e teólogo ortodoxo Alexandre Men, barbaramente assassinado nos anos 90 do séc. XX, escreveu: “Tolstoi continua a ser a voz da consciência. É a censura viva para aqueles que estão convencidos de que vivem em conformidade com os princípios morais”.

O ditado bem diz que “ninguém é profeta na sua própria terra”. No caso de Tolstoi, a palavra terra deve ser escrita com letra maiúscula, ser sinónimo de planeta.

Não poderia deixar de abordar, antes de terminar a minha comunicação, a Cimeira Rússia-NATO que se realizou ontem em Lisboa. Acho que a data não foi escolhida para que esse evento coincidisse com o dia do centenário da morte do grande pensador russo, mas o facto é que coincidiu.

Falou-se muito de guerra e de paz, talvez mais da primeira do que na segunda, mas o certo é que ouvi numerosas vezes os dirigentes de numerosos países a declarem até à exaustão que “a guerra fria terminou”. Ao conversar com um alto representante de um dos países membros da NATO, perguntei: “Terminou a guerra fria? Outra vez?”.

Ele olhou para mim e acrescentou: desta vez, parece mesmo que sim. Se assim for, e se as relações entre a Rússia e a NATO continuarem a evoluir no sentido da aproximação, da redução do vector militar e do aumento da vertente civil e humanitária na cooperação bilateral, então poderemos alimentar uma esperança muito ténue de que, pelo menos no Velho Continente, algum dos ideais de Tolstoi se concretize.

Obrigado pela atenção.



segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Mudanças climáticas : a voz dos índios



Sobre a mudança climática, o governo brasileiro e os povos indígenas’. Nota das organizações indígenas


“Ao governo, às organizações não governamentais e outros interesses estranhos exigimos que parem de assediar e inculcar nos nossos povos e comunidades ilusões e propósitos relacionados com o mercado de carbono que podem comprometer a sua integridade sociocultural, respeitando o nosso ritmo e a criação de condições para o entendimento desta e outras questões emergentes, em prol da preservação dos nossos territórios e suas riquezas, mas principalmente da nossa vida”. A afirmação integra a nota pública da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), reproduzida pelo sítio do Cimi, 09-11-2010.

Eis a nota.





A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), considerando a contribuição milenar dos nossos povos proteção e preservação da Mãe Terra, da biodiversidade, de milhares de espécies animais e vegetais, das reservas de água doce, de plantas medicinais e no enfrentamento das mudanças climáticas, entre outros feitos, rechaça a visão reducionista que vê em nossos territórios apenas depósitos de carbono, potencialmente lucrativos, nem sempre para as nossas comunidades. As nossas terras são o nosso lar, a base de sustentação da nossa identidade e cultura e da nossa convivência com outros seres vivos e demais elementos da Natureza.

Portanto recusamos o olhar mercantilista com que mais uma vez agentes externos, nacionais ou internacionais, se aproximam de nossos territórios e povos, incentivando-os a se envolver em potenciais negócios milionários, sem antes entender a complexidade das mudanças climáticas , além de seus efeitos ou impactos, considerando a história e o contexto da atual crise, que não é só climática, mas também econômica, energética, ambiental, social e de valores.

Daí que os governos dos países ricos, e agora aderidos pelos países ditos emergentes, dentre eles o Brasil, estão mais preocupados em recuperar o seu poderio, no controle ou repartição do mundo, ao invés de consertar o estrago que vem causando ao meio ambiente como conseqüência do modelo econômico que adotaram: poluidor, de extrativismo industrial e depredador, responsável pela atual catástrofe de inundações, secas, processos de desertificação, degelos, desaparecimento de espécies e ecossistemas, chuva ácida, poluição urbana, águas contaminadas, doenças, conflitos sociais, deslocamento populacional, empobrecimento, depredação de recursos naturais, descaracterização sociocultural e riscos de dizimação de povos, enfim, de atentados contra a vida do pla neta e da humanidade.

Por isso, antes de pensar na transferência de recursos para os países pobres ou na discussão e implementação de mecanismos de compra de crédito de carbono, a preocupação dos governos deve ser assumir metas concretas necessárias para a efetiva e comprovada redução de gases de efeito estufa nos seus respectivos países.

A contribuição dos povos indígenas no enfrentamento da mudança climática e na preservação da biodiversidade e dos recursos naturais nos diversos biomas não é de agora, e isso tem que ser reconhecido e valorizado pelo Governo e o povo brasileiro. Por isso é fundamental que se conclua a demarcação das terras indígenas e se garanta a sua proteção perante as distintas formas de invasão: empreendimentos madeireiros, latifundiários, agroexportadores, garimpo e pesca ilegal, empresas de mineração e grandes empreendimentos de infra-estrutura.

O Governo brasileiro deve também res peitar rigorosamente ás normas nacionais e internacionais que asseguram o direito dos povos indígenas à consulta livre, prévia e informada, assegurada principalmente nos artigos 6º e 7º da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e na Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas.

Nessas condições, não basta pretender mostrar ao mundo, no marco das negociações sobre a Convenção do clima, que a sociedade civil é consultada, porque até o momento essa participação se deu de maneira informal, limitada e praticamente sem a participação dos povos e organizações indígenas.

Para a APIB, está mais do que claro que não cabe somente ao governo, e muito menos a setores empresariais, organizações não governamentais e até indivíduos oportunistas, definir o destino e a participação dos povos indígenas em quaisquer medidas ou ações que afete os seus interesses.<>
Até o momento, o Governo brasileiro possibilitou processos de consulta em questões como o Estatuto dos Povos Indígenas e a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas (PNGATI). Por que então não envolver os povos indígenas na discussão da questão climática, dos serviços ambientais e inclusive dos mecanismos de Redução de emissões por desmatamento e degradação (REDD), mesmo para fins de esclarecimento sobre o assunto e para saber se os povos e comunidades indígenas estão ou não interessados em participar desta nova promessa de “bem-estar” e “futuro promissor”?

A APIB alerta sobre os riscos de quaisquer iniciativas que ao invés de levar melhorias podem prejudicar a integridade sociocultural, territorial e ambiental das terras e povos indígenas.

Como em outras ocasiões, a APIB reitera o seu entendimento a respeito das políticas públicas voltadas aos povos indígenas, no sentido de que a participação dos povos indígenas deve ser garantida na sua formulação, implementação e avaliação, através do diálogo institucionalizado e formal. E as políticas, programas e projetos devem se pautar pela transversalidade e a articulação interna para assegurar a sua gestão e aplicabilidade eficiente, atingindo os seus objetivos mas sobretudo os interesses e as aspirações dos seus destinatários. Essa unidade de ação necessariamente requer de uma visão e comportamento articulado dos distintos órgãos de governo envolvidos com a questão indígena.

Dessa forma a APIB espera que o Governo brasileiro assegure processo qualificado de consulta aos povos indígenas, para não omitir a sua participação e contribuição na elaboração do Plano Nacional de Mudança Climática, sem esquecer que esta questão não pode ser tratada de forma isolada, mas sim no contexto da PNGATI, cujos objetivos já tratam dos serviços ambientais oferecidos pelos povos e terras indígenas, além de muitas outras demandas e propósitos relacionados com a gestão territorial e ambiental dessas terras.

Ao governo, às organizações não governamentais e outros interesses estranhos exigimos que parem de assediar e inculcar nos nossos povos e comunidades ilusões e propósitos relacionados com o mercado de carbono que podem comprometer a sua integridade sociocultural, respeitando o nosso ritmo e a criação de condições para o entendimento desta e outras questões emergentes, em prol da preservação dos nossos territórios e suas riquezas, mas principalmente da nossa vida.

Brasília, 09 de novembro de 2010.

APIB - ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL
APOINME – ARPIN SUDESTE – ARPIN SUL – ARPIPAN – ATY GUASU – COIAB

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Manifesto Telekommunista


Na era das telecomunicações internacionais, da migração global e do surgimento da economia da informação, como o conflito de classes e a propriedade podem ser entendidos? Partindo da economia política e de conceitos relacionados à propriedade intelectual, o"Manifesto Telekommunista", deDmytri Kleiner, é uma contribuição fundamental para formas baseadas emcommons, colaborativas e compartilhadas de produção cultural e distribuição econômica.

O texto foi publicado no blog do Institute of Network Cultures, 21-10-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Propondo o "comunismo de risco" como um novo modelo para a auto-organização dos trabalhadores, Kleiner converte o seminal"Manifesto do Partido Comunista" deMarx e Engels à era da Internet. Como um modelo peer-to-peer, o comunismo de risco aloca capital que é extremamente necessário para realizar o que o capitalismo não pode: a proliferação em curso da cultura livre e das redes livres.

Ao desenvolver o conceito de comunismo de risco, Kleiner faz uma crítica dos regimes de direitos autorais e das atuais visões liberais do software livre e da cultura livre que buscam capturar a cultura para dentro do capitalismo. Kleiner propõe o copyfarleft e fornece um modelo útil de uma Peer Production License [Licença de produção colaborativa].

Encorajando os hackers e os artistas a abraçar o potencial revolucionário da Internet para uma sociedade verdadeiramente livre, o "Manifesto Telekommunista" é um chamado político-conceitual à luta contra o capitalismo.

Dmytri Kleiner é um desenvolvedor de software que trabalha em projetos que pesquisam a economia política da Internet e o ideal de auto-organização dos trabalhadores da produção como uma forma de luta de classes. Nascido na União Soviética, Dmytri cresceu em Toronto, no Canadá, e hoje vive em Berlim, naAlemanha. É um dos fundadores do Telekommunisten Collective, que presta serviços de Internet e de telefonia, assim como desenvolve projetos artísticos que exploram a forma pela qual as tecnologias da comunicação sustentam relações sociais, como o deadSwap (2009) e o Thimbl (2010).

A íntegra do texto pode ser encontrada, em inglês, aqui.

Eis alguns trechos do "Manifesto Telekommunista".

Prefácio

Eu cunhei o termo "comunismo de risco" em 2001 para promover o ideal da auto-organização dos trabalhadores da produção como forma de tratar os conflitos de classe. O Telekommunisten é um coletivo sediado em Berlim, na Alemanha, onde eu vivo desde 2003. Encontrei pela primeira vez o termo "Telekommunisten" (que se tornou o nome do coletivo) em 2005, ao visitar o apartamento de um amigo. Ele e seu companheiro de quarto haviam dado o nome "Telekommunisten" à rede local utilizada em seu apartamento para compartilhar o acesso à Internet.

Telekommunisten tem sido usado como um termo depreciativo pela antiga empresa estatal de telefonia da Alemanha, a Deutsche Telekom, que agora é uma corporação transnacional privada, cuja marca T-Mobile é conhecida mundialmente. O uso do termo "comunista" aqui visa lançar a companhia telefônica como uma gigante monolítica, autoritária e burocrática. Essa é uma compreensão completamente diferente do uso positivo do termo como um compromisso no conflito de classe com o objetivo de uma sociedade livre, sem classes econômicas, em que as pessoas produzem e compartilham como iguais, uma sociedade sem propriedade e nenhum Estado, que produz não para o lucro, mas pelo valor social.

Dessa forma, não somos simplesmente um coletivo de trabalhadores-agitadores que lutam na esfera das telecomunicações. O Telekommunisten promove a noção de um comunismo distribuído: um comunismo à distância, um Telecomunismo.

Uma comuna de risco não está ligada a um local físico onde ela pode ser isolada e confinada. Semelhante em topologia a uma rede peer-to-peer, o Telekommunistenpretende ser descentralizado, com apenas uma coordenação mínima exigida no interior da sua comunidade internacional de produtores-proprietários.

Minha experiência é nas comunidades de hackers e de arte, nas quais eu tenho sido ativo desde o início dos anos 1990. As minhas opiniões têm sido desenvolvidas e expressas em correspondências online e offline ao longo do meu envolvimento no desenvolvimento de software, no ativismo e na produção cultural. Embora eu tenha escrito alguns ensaios ao longo dos anos, aqueles que conhecem o meu trabalho geralmente me conhecem pessoalmente, por meio de encontros em espaços sociais eletrônicos e físicos.

O presente trabalho é um "Manifesto", não no sentido de que ele descreve um sistema teórico completo, um conjunto de crenças dogmático ou a plataforma de um movimento político, mas no espírito do significado do manifesto como um começo ou introdução.

Matteo Pasquinelli, que me estimulou a realizar este "Manifesto", sentia que o meu papel como uma voz de fundo na nossa comunidade era muito subterrânea e declarou que era "hora de me lançar" com um texto publicado. Ele me colocou em contato comGeert Lovink, que sugeriu a estrutura e a abordagem do texto e se ofereceu como editor e, por meio do Institute of Network Cultures, como seu publicador.

O "Manifesto Telekommunista" é basicamente uma edição, uma reelaboração dos textos que eu produzi e coproduzi ao longo dos últimos anos. Ele incorpora passagens significativas de "Copyright, Copyleft and the Creative Anti-Commons", produzido em cooperação com Joanne Richardson e publicado originalmente em"Anna Nimmus", no site Subsol. Grande parte do texto referente à comercialização da Internet foi retirada de "Infoenclosure 2.0", coescrito por Brian Wyrick e originalmente publicado na Mute Magazine. Também devo créditos aos editores da Mute Magazine Josephine Berry Slater e Anthony Iles, pelo seu trabalho em"InfoEnclosure 2.0" e em "Copyjustright, Copyfarfleft", grande parte dos quais é reutilizada aqui.

Muitas pessoas ajudaram a integrar e a ampliar os textos originais em um conjunto coeso, particularmente Rachel Somers Miles, do INC, e Elise Hendrick, Mathew Fuller, Christian Fuchs, Alidad Mafinezam, Daniel Kulla, Pit Shultz e Jeff Mann, que ofereceram comentários detalhados. A Licença de Produção Colaborativa incluída neste texto como um modelo para uma licença copyfarleft foi escrita a partir de uma licença Creative Commons, com a ajuda de John Magyar.

Introdução

No prefácio a "Contribuição à Crítica da Economia Política", Marx afirma que, "em uma certa etapa do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em conflito com as relações de produção existentes" [1]. O que é possível na era da informação está em conflito direto com o que é permitido. Editores, produtores de filmes e a indústria das telecomunicações conspiram junto aos legisladores para reprimir e sabotar as redes livres, para proibir a circulação da informação fora do seu controle. As empresas da indústria fonográfica tentam manter forçosamente a sua posição como mediadores entre artistas e fãs, já que os fãs e os artistas se aproximam e exploram novas formas de interação.

Produtores de software concorrentes, assim como os fabricantes de armas, atuam nos dois lados desse conflito: fornecem as ferramentas para impor um controle, e as ferramentas necessárias para evitá-lo. As relações não hierárquicas tornadas possíveis graças a uma rede peer, como a Internet, são contraditórias com a necessidade do capitalismo de cercamento e controle. É uma batalha até a morte. Ou a Internet como a conhecemos deve ir embora, ou o capitalismo como nós o conhecemos deve ir embora. Será que o capital irá nos jogar de volta às idades escuras da CompuServe, dos telefones móveis e da TV a cabo, ao invés de permitir que as comunicações peerconstruam uma nova sociedade? Sim, se eles puderem. Marx conclui: "Nenhuma ordem social jamais perece antes de que todas as forças produtivas para as quais há espaço nela se desenvolvam. E as novas e mais elevadas relações de produção jamais aparecem antes que as condições materiais de sua existência tenham amadurecido no seio da própria velha sociedade" [2].

O "Manifesto Telekommunista" é uma exploração do conflito de classes e da propriedade, nasce de uma compreensão do primado da capacidade econômica nas lutas sociais. A ênfase é posta sobre a distribuição dos ativos produtivos e seu resultado. A interpretação aqui é sempre amarrada a um entendimento de que a riqueza e o poder estão intrinsecamente ligados, e apenas através do primeiro é que o último pode ser alcançado. Como um coletivo de trabalhadores intelectuais, o trabalho doTelekommunisten está muito enraizado no software livre e nas comunidades de cultura livre. No entanto, uma premissa central deste Manifesto é que o engajamento no desenvolvimento de software e a produção de obras culturais imateriais não é suficiente. A comunização da propriedade imaterial por si só não pode mudar a distribuição de bens produtivos materiais e, portanto, não pode eliminar a exploração. Apenas a auto-organização da produção pelos trabalhadores é capaz disso.

Esta publicação pretende ser um resumo das posições que motivam o projetoTelekommunisten, com base em uma exploração do conflito de classes na era das telecomunicações internacionais, da migração global, e do surgimento da economia da informação. O objetivo deste texto é apresentar as motivações políticas doTelekommunisten, incluindo um esboço do quadro teórico básico no qual ele se enraíza. Através de duas seções interligadas, "Peer-to-Peer Communism vs. The Client-Server Capitalist State" [Comunismo colaborativo versus o Estado capitalista cliente-servidor] e "A Contribution to the Critique of Free Culture" [Uma contribuição à crítica da cultura livre], o Manifesto abrange a economia política de topologias da rede e da produção cultural, respectivamente.

A seção "Peer-to-Peer Communism vs. The Client-Server Capitalist State"centra-se na comercialização da Internet e no surgimento da produção distribuída em rede. Ela propõe uma nova forma de organização como um veículo para a luta de classes: o comunismo de risco. A seção termina com o famoso programa estabelecido por Marx e Engels em seu "Manifesto Comunista", adaptado em um Manifesto para uma sociedade em rede.

Com base na seção anterior, em "A Contribution to the Critique of Free Culture", o Manifesto continua com a história e as dificuldades de percepção do copyright, do movimento do software livre, do dissenso anticopyright/copyleft e da economia política do software livre e da cultura livre. O desafio de ampliar as conquistas do software livre na cultura livre é abordado ao conectá-lo com o programa tradicional da esquerda socialista, resultando no copyfarleft e oferecendo a Licença de Produção Colaborativa como um modelo.

Este texto é particularmente dirigido a artistas, hackers e ativistas politicamente motivados, e não para evangelizar uma posição fixa, mas sim para contribuir com um permanente diálogo crítico.

O Manifesto da Rede Telekommunisten

Escrito a partir do texto extraído da seção 2 do "Manifesto do Partido Comunista". Marx/Engels 1848. [3] [Grifos e tachados conforme o original]

A primeira fase da revolução operária é o advento do proletariado como classe dominante desenvolver uma rede de iniciativas em que as pessoas produzam pelo valor social e partilhem como iguais, e construir e expandir o tamanho econômico dessas iniciativas para o advento do proletariado organizado à posição de ser a classe econômica dominante. Somente quando os trabalhadores controlarem a sua própria produção é que poderemos vencer a batalha da democracia.

O proletariado utilizará sua supremacia política seu poder econômico em expansãopara arrancar, pouco a pouco, todo capital da burguesia, para centralizardescentralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado em classe dominante em um fundo comum diretamente nas mãos daqueles cuja produção depende dele e para por meio dissoaumentar, o mais rapidamente possível, o total das forças produtivas.

Isso naturalmente só poderá realizar-se, em princípio, por uma violação despótica doestruturação de nossas iniciativas a partir do direito de propriedade e das relações de produção burguesas, isto é, pela aplicação de medidas que, do ponto de vista econômico, parecerão insuficientes e insustentáveis, e contrárias a nossos fins, mas que no desenrolar do movimento ultrapassarão a si mesmas e serão indispensáveis para transformar radicalmente todo o modo de produção.

Essas medidas, é claro, serão diferentes nos vários países nas várias comunidades.

Todavia, nos países mais adiantados nas comunidades mais adiantadas, as seguintes medidas poderão geralmente ser postas:

1. Expropriação Mutualização da propriedade latifundiária de todos os instrumentos de produção e emprego da renda da terra em proveito do Estadomútuo.

2. Imposto fortemente progressivo. Estabelecimento de uma renda garantida, na forma de um dividendo pago a cada membro da comunidade de quantia igual à sua quota per capita de todas as rendas coletadas mutuamente.

3. Abolição do direito de herança. O direito à participação de todos que contribuem com seu trabalho e a concessão de participação somente pela contribuição do trabalho, não pela herança, compra ou transferência de qualquer tipo.

4. Confisco da propriedade de todos os emigrantes e rebeldes. Um contrato vinculante com todas as iniciativas membro para renunciar a toda propriedade privada de seus próprios bens produtivos e, ao invés disso, tomar posse do que eles precisam, alugando-o de fundos comuns mútuos.

5. Centralização do crédito nas mãos do Estado por meio de um banco nacional com capital do Estado e com o monopólio exclusivo. Estabelecimento de um mercado de títulos mútuo, onde os títulos são vendidos em leilão com o objetivo de construir o fundo comum de bens produtivos.

6. Centralizarão, nas mãos do Estado, de todos os meios de transporte.Desenvolvimento de recursos que coloquem os meios de comunicação e de transporte nas mãos de todos os membros.

7. Multiplicação das fábricas e dos instrumentos de produção pertencentes ao Estado, arroteamento das terras incultas e melhoramento das terras cultivadas, segundo um plano geral. Providenciar a todas as iniciativas a oportunidade de adquirir e estender os instrumentos disponíveis de produção ao maior grau possível.

8. Trabalho obrigatório para todos, organização de exércitos industriais, particularmente para a agricultura. Igualdade de oportunidade a todos para participar e produzir.

9. Combinação do trabalho agrícola e industrial, medidas tendentes a fazer desaparecer gradualmente a distinção entre a cidade e o campo por meio de uma distribuição mais uniforme da população ao longo do país. Abolição de todas as distinções entre produtores e consumidores e a transformação das relações de transações baseadas no mercado à distribuição generalizada, em que a produção de bens sociais tenha precedência sobre a produção de bens para a venda.

10. Educação pública e gratuita de todas as crianças, abolição do trabalho infantil nas fábricas, tal como é praticado hoje. Combinação da educação com a produção material etc. Estabelecer redes de partilha de conhecimento e de competências e sistemas de suporte para todos os membros, e oferecer oportunidades para desenvolver habilidades por meio da contribuição com a produção.

Uma vez desaparecidos os antagonismos de classes no curso do desenvolvimento e sendo concentrada distribuída toda a produção, propriamente dita, nas mãos dos indivíduos associados de abrangendo todo o país mundo, o poder público perderá seu caráter político. O poder político é o poder organizado de uma classe para a opressão de outra. Se o proletariado, em sua luta contra a burguesia, se constitui forçosamente em classe; se converte-se, por uma revolução pela auto-organização, em classe dominante e, como classe dominante, destrói violentamente as antigas relações de produção, destrói, juntamente com essas relações de produção, as condições dos antagonismos entre as classes e as classes em geral e, com isso, sua própria dominação como classe.

Em lugar da antiga sociedade burguesa, com suas classes e antagonismos de classes, surge uma associação em que o livre desenvolvimento de cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos.

Notas:

1. Karl Marx, ‘Preface’, A Contribution to the Critique of Political Economy, Marxists Internet Archive,

2. Ibid.

3. Karl Marx and Frederick Engels, Manifesto of the Communist Party, 1848,http://www.marxists.org/archive/marx/works/1848/communistmanifesto/.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A radiação dos celulares mata ?


Passivo de radiação


"As crianças são loucas pelo celular, e seu cérebro, ainda em formação, absorve até mais radiação que o dos adultos", comenta Ruy Castro, escritor, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 10-11-2010.

Eis o artigo.

O avião pousa em Congonhas, 99% dos passageiros sacam o celular e anunciam para alguém: "Cheguei". Eu, o 1%. As pessoas que me esperam para uma reunião sabem a hora do meu voo e podem passar sem essa informação. Desço a rampa rumo aos táxis, a tempo para o compromisso e saboreando o encontro com alguém querido ou o jantar que virá depois. Enquanto isso, sujeitos passam por mim afobados, rebocando a mala e bufando ao celular, discutindo medidas que não podem esperar nem um minuto ou para quando tiverem acabado de chegar.

Para mim, o estresse provocado por essa comunicação fácil e onipresente já seria asfixiante, motivo pelo qual mantenho distância de celulares -não quero ficar "on" o dia todo. Pois, agora, as graves denúncias da cientista americana Devra Davis, 64 anos, autoridade mundial em saúde pública e ambiental, completam minha apreensão. Seu livro "Disconnect", lançado em NY em setembro e ainda sem editor no Brasil, tem o subtítulo "A Verdade sobre a Radiação dos Telefones Celulares".

Segundo ela, a radiação que se desprende de um celular à orelha reduz as defesas do cérebro, induz à perda de memória, aumenta o risco de Alzheimer, interfere no DNA e é um agente cancerígeno. E a indústria sabe disso, mas ninguém interfere num negócio de trilhões de dólares se não for obrigado.

É cruel. As crianças são loucas pelo celular, e seu cérebro, ainda em formação, absorve até mais radiação que o dos adultos. A radiação de um celular usado num elevador rebate nas paredes e afeta quem está por perto, como acontece com o fumo. E é possível que só agora, anos depois, os verdadeiros efeitos nocivos dos celulares estejam se fazendo sentir.

A primeira pessoa que conheci com celular, em 1993, morreu este ano, de câncer no cérebro. Era um famoso jornalista esportivo.