Constatamos aqui taxas de juros da ordem de 140% na média geral, atingindo níveis estratosféricos no cheque especial, no cartão e nos empréstimos pessoais das financeiras. Estes juros são da ordem de 6 a 7% (ao ano) no máximo na Europa.
Fonte: ANEFAC, Pesquisa de Juros.Para pessoa jurídica, os juros anuais se mantêm em 68% durante 3 anos, sendo que os juros correspondentes na Europa seriam da ordem de 3% ao ano. É importante lembrar que neste período a taxa básica de juros Selic caiu de 19,75% para 13,75%, ou seja, 6 pontos percentuais (queda de 30,4%), sem que houvesse redução da taxa média para pessoa jurídica ou para pessoa física no mercado financeiro.
A situação aqui é completamente diferente dos bancos dos países desenvolvidos, que trabalham com juros baixos e alavancagem altíssima. Essencial para nós, é que sustentar no Brasil juros que são da ordem de mil por centos relativamente aos juros praticados internacionalmente, só pode ser realizado mediante uma cartelização de fato. Para dar um exemplo, o Banco Real (Santander Brasil) cobra 146% no cheque especial no Brasil, enquanto o Santander na Espanha cobra 0% (zero por cento) por seis meses até cinco mil euros. Os ganhos dos grupos estrangeiros no Brasil sustentam assim as matrizes. Lembremos ainda que a Anefac apresenta apenas os juros, sem mencionar as tarifas cobradas. Os resultados são os spreads fantásticos e lucros impressionantes que o setor apresenta, sobre um volume de crédito no conjunto bastante limitado (39% do PIB) para uma economia como o Brasil. A intermediação financeira tornou-se assim um fator central do chamado “custo Brasil”, e um vetor central da concentração de renda, e portanto de travamento dos processos produtivos. Os lucros são tão impressionantes, que ao abrigo deste cartel mesmo grupos de comércio, em vez de se concentrar em prestar bons serviços comerciais, hoje se concentram na intermediação financeira. [23]
No período 2001-2008 menos da metade dos ganhos de produtividade do trabalho foi repassada ao trabalhador. A relação desigual entre o aumento de produtividade do trabalho e a remuneração (CUT – Custo Unitário do Trabalho) aparece claramente na pesquisa do IBGE e nos comentários do IPEA. [24]
A Pesquisa Industrial Mensal – Produção Física do IBGE indica, por exemplo, que entre 2001 e 2008, houve aumento de produção física da indústria brasileira na ordem de 28,1%, com ganhos de produtividade do trabalhador de 22,6%. A folha de pagamento por trabalhador, em contrapartida, cresceu, em termos reais, 10,5% no mesmo período de tempo. Por conta disso, o Custo Unitário do Trabalho (CUT) – entendido como a razão entre o rendimento real médio por trabalhador ocupado e a produtividade – apresentou queda de 10,2% no mesmo período de tempo. Noutras palavras, a remuneração dos trabalhadores não tem acompanhado plenamente os ganhos de produtividade da indústria brasileira. Se não são os salários a incorporar completamente os ganhos de produtividade, não podem ser percebidos sinais de pressão sobre os custos de produção, o que poderia sugerir alguma pressão inflacionária. Sem o repasse pleno da produtividade aos trabalhadores, estimula a expansão do estrato superior na distribuição de renda no Brasil.
Esse processo apenas acelera uma tendência histórica. Junta-se aqui o efeito concentrador da intermediação financeira, com o não repasse dos aumentos da produtividade do trabalho aos trabalhadores No caso brasileiro, a queda da participação da remuneração do trabalho na renda nacional, durante os anos 1995 - 2004 foi da ordem de 45% para 35%, o que representa ao mesmo tempo uma queda mais acelerada do que a verificada nos países desenvolvidos vistos anteriormente e um nível absurdamente baixo.
O crescimento econômico, em particular na segunda gestão Lula, permitiu simultaneamente o aumento da renda dos estratos superiores e a melhoria muito significativa do rendimento dos trabalhadores. O salário mínimo na gestão Lula teve um aumento real de 46,05%, o que atinge cerca de 25 milhões de trabalhadores e 18 milhões de aposentados. Em 2009, a partir de fevereiro, o salário mínimo passou para 465 reais (160 euros). De certa forma, o Brasil já adotou uma política anticíclica antes da crise ao expandir o consumo na base da sociedade. Mas sejamos realistas: o ponto de partida é muito baixo e a desigualdade herdada é extrema. Uma política keynesiana ainda terá de subir vários degraus no Brasil. [25]
O Brasil tem evidentemente um grande trunfo na mão, que é a possibilidade de usar os bancos oficiais para reintroduzir concorrência no mercado cartelizado, permitindo ao mesmo tempo dinamizar a economia ao estimular consumo e investimento. Este mecanismo, ao que tudo indica, está sendo progressivamente implantado. O sistema de intermediação financeira dos grandes grupos terá de evoluir para mecanismos de concorrência, inclusive porque a cartelização é ilegal. No curto prazo, no entanto, parece claro que o funcionamento protegido da concorrência de um grupo de gigantes com lucros imensos gera, paradoxalmente, uma situação mais estável do que a da sobre-exposição dos grupos financeiros dos países desenvolvidos. O problema aqui é de que em vez de termos intermediários financeiros que facilitam as iniciativas econômicas, temos atravessadores que as encarecem. A intermediação financeira tornou-se aqui num dos principais instrumentos de concentração de renda e de desequilíbrios sociais.
No geral tanto nos países desenvolvidos, como no Brasil, cada vez mais os lucros corporativos estão alimentando atravessadores financeiros, gerando uma ampla classe de rentistas. A questão, vista do ponto de vista de “quem paga”, tende a deslocar-se, na visão das pessoas, para pensar melhor em “a quem pagamos”. Trata-se de poupanças da população. Este ponto é essencial, pois tratando-se de um cassino gerado com dinheiro da população, proteger os especuladores pode legitimamente ser apresentado como uma proteção à própria população, pois é o dinheiro dela que está em risco. Isto gera, evidentemente, uma posição de chantagem, e uma correspondente posição de poder. E permite deixar de lado o que deve ser a questão central da canalização das poupanças: não se os intermediários estão ganhando ou perdendo dinheiro, mas a que agentes econômicos, a que atividades, a que tipo de desenvolvimento e com que custos ambientais devem servir estas poupanças. Bastará assegurar que não quebre um sistema cujo produto final não está servindo?
Para o Brasil, paradoxalmente, a crise financeira pode representar uma oportunidade. Somos o país da desigualdade. A metade da população ainda precisa ter acesso ao consumo básico diversificado, incluindo nisto não só o alimento e outros bens de primeira necessidade, mas também o consumo de bens sociais como saúde e educação, de infraestruturas sociais como redes de saneamento e redes de banda larga de comunicação e assim por diante. Em outros termos, uma expansão dos programas, em grande parte já desenvolvidos pelo governo, tem a virtude de ao mesmo tempo começar a resgatar a nossa imensa dívida social, e de dinamizar, através da maior demanda agregada (consumo popular e investimento público), as próprias atividades empresariais. Reorientar as nossas capacidades de financiamento cada vez mais neste sentido – ainda que reduzindo a dimensão do rentismo financeiro e das atividades especulativas – faz todo sentido.
As medidas propostas: salvar o sistema ou transformá-lo?Naturalmente, dado o peso político do sistema especulativo mundial engendrado nas últimas décadas, predomina na mídia e nas tomadas públicas de posição a busca de um simples conserto, um “arreglo” como dizem os hispânicos, que permita aos especuladores voltar aos bons dias. Inclusive, quase não se encontram explicações sobre os mecanismos: a mídia se concentra no que se tem chamado de “economia de elevador”, jogando diariamente cifras sobre porcentagens de ganhos e perdas, e entrevistando magos que decifram o futuro dos altos e baixos, sobre os quais em geral não têm a mínima idéia. A palavra chave, que protege o consultor, é sempre que “o mercado está nervoso”, o que implica cientificamente que tudo é possível.
Mas a realidade é que algumas coisas mudaram de forma irremediável, constituindo deslocamentos sistêmicos. Primeiro, há o fato que a credibilidade dos Estados Unidos e o seu papel de liderança planetária, já fortemente abalados pelos golpes desferidos contra as Nações Unidas, as guerras irresponsáveis, o uso escancarado da tortura, e o desprezo geral pela concertação internacional – afundaram de maneira impressionante. Houve um deslocamento geopolítico sistêmico em direção ao mundo multipolar.
Segundo, se já depois do calote de Nixon em 1971, com a desvinculação do dólar da sua cobertura em ouro, já se falava na morte do sistema Bretton Woods, hoje a visão torna-se muito mais ampla, pois houve uma falência generalizada dos mecanismos de regulação que se acreditava serem funcionais. Em particular, a regulação financeira havia sido montada como instrumento destinado a impedir o comportamento irresponsável por parte dos países em desenvolvimento, e a crise surge nos países que se propunham como modelo. Não há instrumentos de regulação multilateral para esta situação. A imagem de um Bretton Woods II, no sentido de uma reformulação sistêmica dos processos regulatórios e das regras do jogo, está no horizonte.
Um terceiro ponto importante, é que diferentemente da crise de 1929, em que cada país se recolheu em posturas defensivas para lamber as suas feridas em mercados protegidos, desta vez há uma atitude concertada e multilateral para se enfrentar a crise. A rapidez com a qual se levantaram recursos para salvar instituições cuja credibilidade é baixíssima, mas cujo poder de estrago é imenso, aponta para uma nova cultura de construção de políticas multilaterais, mas também para o imenso poder político dos especuladores, que tudo farão para conter mudanças estruturais.
Quarto, e particularmente importante para nós, com a reunião do G20 em 15 de novembro de 2008, há pela primeira vez um reconhecimento planetário de que o mundo dito “em desenvolvimento” existe não apenas como fonte de matérias primas e de problemas, mas como fator essencial da construção de soluções. [26]
Finalmente, o abalo planetário da confiança nas instituições financeiras não tem volta, pois são milhões os que foram prejudicados nas suas poupanças ou aposentadorias, e circulam em todos os meios de comunicação as contabilidades duplas, o uso dos paraísos fiscais para fraudar tanto o público como as obrigações fiscais, a falsificação dos dados sobre a situação real das instituições, o compadrio que preside às atividades das agências de avaliação de risco. No caso da Enron, depois da WorldCom e da Parmalat, houve uma ofensiva de propaganda em defesa do sistema, sugerindo a imagem das maçãs podres (bad apples) num sistema saudável. Hoje, esta imagem mudou, e a reconstrução da confiança só se dará no quadro de mudanças sistêmicas. São muitas bad apples. Esta mudança de contexto ainda não chegou a Basileia. [27]
Não é o caso aqui de entrar no detalhe da enxurrada de propostas que surgem, veremos apenas os rumos gerais. É interessante consultar as 47 propostas elencadas na sequência da reunião do G20 em novembro de 2008, a bateria de sugestões desenvolvidas por Barack Obama para reequilibrar a economia norte-americana (indo bastante além do mercado financeiro), a consulta organizada por Eichengreen a um conjunto de especialistas dias antes da reunião do G20, as propostas preliminares do Comitê de Supervisão Bancária de Basileia. Trata-se por enquanto de propostas, não mais do que isto.
Da mesma forma como Bretton Woods exigiu dois anos de preparação por equipes técnicas, não se fará uma reformulação real em pouco tempo. Trata-se, até agora, de uma ampla lista de idéias. E não devemos perder de vista que os responsáveis (e beneficiários) do sistema jogarão a carta do tempo, esperando que a crise amaine para que nada mude. Elencamos a seguir alguns elementos destas primeiras propostas, sabendo que ainda carecem do arcabouço técnico de sua sistematização e do poder político de sua implementação.
Agrupando as propostas segundo os seus eixos de impacto, as mais significativas vêm na área da governança, já que claramente ninguém estava governando coisa alguma. [28] A principal questão envolve a existência ou não de um instrumento supranacional de regulação financeira global, na linha de uma World Financial Organization (WFO) análoga à Organização Mundial do Comércio (WTO na sigla inglesa). Dado o caráter internacional dos processos especulativos, a sua evolução para sistemas racionais de canalização de capitais em função de necessidades reais do desenvolvimento terá de alguma forma ser coordenada ao nível mundial. Na reunião do G20, qualquer opção neste sentido foi vetada pelos Estados Unidos, que colocaram nas resoluções a afirmação de que os problemas serão resolvidos antes de tudo pelos “reguladores nacionais”. Os Estados Unidos assim preservam a sua capacidade de agir mundialmente, mas de se regularem nacionalmente. Com esta visão, evidentemente, simplesmente não haverá regulação. [29]
Sobra então a cosmética relativa às organizações multilaterais existentes. Isto envolve a capitalização do Fundo Monetário Internacional, cujos recursos, da ordem de 250 bilhões de dólares, são ridículos frente à dimensão dos rombos financeiros gerados pelos bancos. Propõe-se igualmente a redistribuição dos votos no Fundo, retirando o poder de veto dos EUA. O BIS deveria também passar a ser administrado de forma mais ampla e receber maiores poderes e assim por diante. Continuamos, no entanto, no quadro destas propostas, com o dilema central: a finança se tornou mundial, mas não há nada que se pareça com um banco central mundial. Fluxos mundiais versus regulação nacional; processos globais versus gestão fragmentada. Who’s in charge?
Neste plano tem sido ainda colocado um argumento central: com a regulação fragmentada atual, qualquer país que passe a exercer algum controle sobre o movimento de entrada e saída de capitais, visando assegurar o seu uso produtivo e evitar os movimentos pró-cíclicos, passa imediatamente a ser discriminado nos movimentos, tanto pelos investidores institucionais como pelas agências de risco. A regulação, nestas condições, ou é planetária ou ineficiente.
Os conteúdos da regulação reforçada proposta são relativamente óbvios, e não muito misteriosos: trata-se antes de tudo de limitar a alavancagem, que atingiu conforme vimos níveis absurdos. Trata-se também de assegurar a transparência dos processos, e de organizar o acesso às informações não apenas individualmente, mas em termos sistêmicos. [30] Uma exigência igualmente óbvia é o controle da dupla contabilidade, que se generalizou, bem como o controle dos paraísos fiscais e das fraudes associadas ao “off-shore” financeiro. As agências de avaliação de risco ganhariam um quadro regulatório (“regulatory framework”) e não poderiam ser financiadas por quem avaliam. [31]
Este tipo de recomendações constitui uma visão de que o sistema deve se manter, mas a sua governança deve melhorar. O problema básico, naturalmente, é o das próprias condições da governança. O elefante no meio da sala – o que não dá para não ver, e que é grande demais para mover – é o pequeno clube de gigantes mundiais que maneja todo este processo, que desencadeou o caos e que chamamos por alguma razão misteriosa de “forças de mercado”. A delicadeza com que se trata este grupo comove. Na declaração do G20 de 15 de novembro, merece apenas três linhas: “As instituições financeiras também (!) devem arcar com a sua parte da responsabilidade na confusão (turmoil), e deveriam fazer a sua parte para superá-la, inclusive reconhecendo as perdas, melhorando a informação (disclosure) e fortalecendo a sua governança e práticas de gestão de risco”. [32]
Claessens é dos poucos que coloca com clareza a necessidade de “um novo regime para os grandes bancos internacionais”: “One internally consistent approach, perhaps the only one, is to establish a separate regime for large, internationally active financial institutions. This would mean an ‘International Bank Charter” with accompanying regulation and supervision, liquidity support, remedial actions as well as post-insolvency recapitalisation fund in case things go wrong. The idea is that a separate international college of supervisors, with professionals recruited internationally, would regulate, license and supervise these institutions”. [33] Em troca destas mudanças, os grupos poderiam “agir livremente”.
No conjunto, é óbvio que um sistema onde um país detém o poder de emitir uma moeda cujo uso é internacional, é estruturalmente desequilibrado. Qualquer proposta de se regular gigantes planetários sem haver um sistema supranacional efetivo é estruturalmente ineficaz. Na realidade, estamos aqui no reino do “wishful thinking”, de propostas destinadas a negociar a transição até sairmos magicamente do fundo do poço, para saudar a volta dos happy days e esperar a próxima crise. [34]
A grande incógnita neste início de 2009, é o próximo presidente dos Estados Unidos, que recebe um país profundamente desmoralizado e caótico nos planos político, militar, econômico e sobretudo ético. O caos gerado nesta presidência Bush, em que o poder de fato foi exercido não por um presidente, mas por corporações, políticos corruptos e fundamentalistas religiosos, abre espaço para mudanças profundas. Se as forças que estão se agregando em torno a Barack Obama terão dinamismo suficiente para gerar mudanças institucionais, é um ponto de interrogação, mas em todo caso é um potencial e uma oportunidade. Aliás a crise, ao cimentar a eleição de Obama, algo de positivo já trouxe.
A convergência das crises: um outro desenvolvimento, outras instituiçõesTivemos portanto de imediato numerosas propostas de consertos do sistema, sem mexer na sua lógica. A intenção é claramente mostrar que no futuro será diferente, pois teremos governos severos e austeros que cobrarão resultados. Haverá postura e ética no sistema reformado. E os grupos responsáveis por tudo isto, que aliás aparecem tão pouco na mídia quando os dias são bons, passarão a se comportar de maneira socialmente responsável. As propostas surgem mesmo sem muita base institucional ou elaboração técnica, porque uma massa de poupadores no planeta está sendo atingida diretamente – da classe média para cima – pelo derretimento das suas poupanças e das suas esperanças de aposentadoria. [35] E na medida em que o caos financeiro gerado pelos especuladores está atingindo os produtores efetivos de bens e serviços, é o povo em geral que passa a sofrer as consequências. Dentro do sistema, há uma clara consciência da volatilidade política da situação. Propostas, em consequência, surgem rapidamente. A sua implementação – a não ser os trilhões demandados pelos grandes grupos – obedecerá a outros ritmos.
O caos sistêmico gerado e a clara perda de governança econômica, frente ao desespero de uma imensa massa de pessoas prejudicadas, estão gerando um novo clima político. Estão se abrindo possibilidades de se colocar na mesa propostas mais amplas no sentido de um desenvolvimento que tenha pé e cabeça. Mais precisamente, gera-se um espaço para que surjam alternativas de desenvolvimento, e para que – não parece um objetivo exorbitante – o nosso próprio dinheiro sirva para fins úteis. Não se deve sonhar excessivamente – muito do espaço político gerado dependerá da profundidade da crise – e esta é uma incógnita. Mas é importante sim organizar alternativas sistêmicas, pois o que estamos sofrendo é uma crise estrutural de curto e médio prazos dentro de um quadro de crises mais amplas que se avizinham, particularmente nos planos social, climático, energético, alimentar, de água e outros.
As propostas que estão surgindo vêm de pessoas como Jeffrey Sachs, que propõe que o uso dos recursos financeiros seja formalmente vinculado à construção das Metas do Milênio. Stiglitz trabalha com uma visão de fazer os objetivos de qualidade de vida nortearem a alocação de recursos, e não apenas o chamado Produto Interno Bruto. Hazel Henderson resgata a importância da taxa Tobin, que cobraria um imposto sobre transações internacionais especulativas para financiar um desenvolvimento socialmente mais justo. Ignacy Sachs trabalha com a visão de uma convergência da crise financeira com a crise energética e a necessidade de repensarmos de forma sistêmica o nosso modelo de desenvolvimento. Não se trata aqui de um idealismo excessivo, e sim de uma apreciação fria dos nossos desafios.
O gráfico que apresentamos abaixo constitui um resumo de macro-tendências, num período histórico de 1750 até a atualidade. As escalas tiveram de ser compatibilizadas, e algumas das linhas representam processos para os quais temos cifras apenas mais recentes. Mas no conjunto, o gráfico permite juntar áreas tradicionalmente estudadas separadamente, como demografia, clima, produção de carros, consumo de papel, apropriação da água, liquidação da vida nos mares e outros. A sinergia do processo torna-se óbvia, como se torna óbvia a dimensão dos desafios ambientais. [36]
O comentário do New Scientist sobre estas macrotendências foca diretamente o nosso próprio conceito de crescimento econômico:
The science tells us that if we are serious about saving the Earth, we must reshape our economy. This, of course, is economic heresy. Growth to most economists is as essential as the air we breathe: it is, they claim, the only force capable of lifting the poor out of poverty, feeding the world’s growing population, meeting the costs of rising public spending and stimulating technological development – not to mention funding increasingly expensive lifestyles. They see no limits to growth, ever. In recent weeks it has become clear just how terrified governments are of anything that threatens growth, as they pour billions of public money into a failing financial system. Amid the confusion, any challenge to the growth dogma needs to be looked at very carefully. This one is built on a long standing question: how do we square Earth’s finite resources with the fact that as the economy grows, the amount of natural resources needed to sustain that activity must grow too? It has taken all of human history for the economy to reach its current size. On current form, it will take just two decades to double.
Fonte: New Scientist (18 October 2008, p 40). [37]Estamos aqui entre pessoas que entenderam que se trata de um sistema que sem dúvida deixou de funcionar, e que está portanto em crise, mas que sobretudo é um sistema que quando funciona é inviável. As soluções têm de ser mais amplas. Esta visão mais ampla pode – e apenas pode – viabilizar mudanças mais profundas.
A crise financeira tem esta particularidade de ser pouco transparente em termos de dinâmicas e de soluções, para a população em geral. Não é muito viável se colocar na rua grandes manifestações relativas à mudança dos mecanismos de regulação do BIS de Basileia. A grande defesa do sistema absurdo de especulação que enfrentamos, é que pouquíssimas pessoas entendem o que se passa. Mas se os mecanismos são obscuros, os impactos são visíveis, e estes sim podem mobilizar.
A perda de empregos por parte de gente que estava cumprindo bem as suas funções produtivas, porque uns irresponsáveis gostam de ganhar dinheiro com poupança dos outros, gera indignação. A perda da base de sobrevivência de cerca de 300 milhões de pessoas no planeta que viviam de pesca artesanal, porque grandes empresas de pesca oceânica estão acabando com a vida nos mares, está gerando outra faixa de irritações políticas. O caos climático está trazendo as primeiras amostras do seu potencial, e está gerando outros desesperos, além de tomadas mais amplas de consciência. A contaminação da água doce por excessos de quimização, insuficiências clamorosas de saneamento, e esgotamento de lençóis freáticos, está levando a um conjunto de crises setoriais que envolvem desde a redução da pesca até à tragédia de 1,8 milhão de crianças que morrem anualmente por não ter acesso à água limpa, e à ameaça de regiões rurais que dependiam de uma segunda safra com irrigação.
Não é o caso aqui de fazer um elenco das nossas tragédias. Mas o fato é que, com um pouco de recuo, já não são crises setoriais, e representam sim uma crise mais ampla de governança local, nacional, regional e planetária. Há uma convergência de problemas que se avolumam, cuja sinergia os torna mais ameaçadores, e cuja raiz comum encontra-se ao fim e ao cabo no fato que os nossos mecanismos atuais de governança não são suficientes. Com a globalização, financeirização e oligopolização de grandes eixos de atividades econômicas, o mercado perde de forma acelerada as suas funções reguladoras. E as alternativas, particularmente a capacidade de planejamento e de intervenção organizada, formas participativas e descentralizadas de gestão, gestão em rede e sistemas de parcerias, estão engatinhando. E o papel central do Estado, obviamente, tem de ser resgatado, nas numa visão muito mais horizontal e participativa.
Ignacy Sachs resume bem o dilema: que desenvolvimento queremos? E para este desenvolvimento, que Estado e que mecanismos de regulação são necessários? Não há como minimizar a dimensão dos desafios. Com 6,7 bilhões de habitantes – e 70 milhões a mais a cada ano – que buscam um consumo cada vez mais desenfreado, e manejam tecnologias cada vez mais poderosas, o nosso planeta mostra toda a sua fragilidade. A questão básica que se coloca para a reformulação do sistema de intermediação financeira é que é criminoso o desperdício das nossas poupanças e do potencial mundial de financiamento no cassino global, quando temos desafios sociais e ambientais desta dimensão e urgência, e que necessitam vitalmente de recursos.
O desperdício de recursos financeiros nas dinâmicas atuais é avassalador. Segundo as Nações Unidas, “medidos em termos de paridade de poder de compra do ano 2000, o custo de se liquidar a pobreza extrema – o montante necessário para puxar 1 bilhão de pessoas para cima da linha de pobreza de $1 por dia – é de $300 bilhões”. [38] A realidade é que a utilidade marginal do dinheiro, em termos de sua capacidade de gerar qualidade de vida, decresce rapidamente quanto mais se eleva a renda. Em outros termos, quanto mais os recursos são orientados para a baixa renda, maior é a utilidade. Em termos prosaicos, rendem mais. Assegurar a renda mínima planetária faz todo sentido, é uma forma simples, com as tecnologias atuais, de multiplicar o valor real dos recursos. Como, além do mais, os recursos que chegam à base da pirâmide são transformados em demanda efetiva, e não em especulação, estimulando, portanto, a produção e o emprego, é a própria produtividade sistêmica dos recursos que aumenta. A solução que permite enfrentar simultaneamente os dramas sociais, os desafios ambientais e a racionalidade no uso de recursos econômicos está na resposta organizada às necessidades mais prementes da base da pirâmide. Estamos vivendo a era do desperdício. É tempo de orientar os recursos para os seus usos mais produtivos.
As alternativas não serão construídas da noite para o dia. Algumas medidas são óbvias, e já estão sendo amplamente discutidas: controlar os paraísos fiscais, taxar os movimentos especulativos, organizar sistemas de controle e regulação sobre os intermediários financeiros, voltar a separar as atividades propriamente bancárias dos investidores institucionais, criar sistemas locais de financiamento e assim por diante.
Mas numa visão mais abrangente, temos de estar conscientes de que estamos enfrentando a construção de uma nova institucionalidade. O planeta não sobrevive – e muito menos o bípede curiosamente chamado de homo sapiens – sem amplos processos colaborativos, visão de longo prazo, planejamento e intervenções sistêmicas. O papel do Estado precisa ser resgatado, já não como socorro de iniciativas corporativas irresponsáveis, mas como articulador de um desenvolvimento mais justo e mais sustentável, e com forte participação da sociedade civil organizada.
Um outro mundo não é apenas possível, é necessário. O desafio para o mundo progressista é aproveitar as janelas de oportunidade que a crise financeira nos abre, para sistematizar uma visão alternativa. Temos de mostrar que uma outra gestão é possível.
Viável? Lamentavelmente, esta não é a questão. As medidas terão de ser tomadas. O aquecimento global, por exemplo, está se dando, e a opção de se queremos ou não enfrentá-lo não está na mesa, e sim o como. A crise financeira representa apenas uma oportunidade – e não uma garantia – para organizarmos uma convergência de forças da sociedade interessadas num desenvolvimento que tenha um mínimo de viabilidade econômica, de equilíbrio social e de sustentabilidade.
Notas[1] “A sedução do jogo envolveu até gerentes de empresas industriais, como os da Sadia, que perdeu R$670 milhões apostando em derivativos, e a Aracruz, que perdeu R$1,85 bilhão” – Bernardo Kucinski, Revista do Brasil, Novembro 2008, p. 18; a Sadia demitiu 350 funcionários em janeiro de 2009, como se fossem os responsáveis.
[2] A Lehman, por exemplo, com alavancagem de 31 em 2007, entrou numa corrida para reduzi-la e tentar evitar a quebra que acabou ocorrendo. (Business Week, july 28, 2008, p. 27). A revista explica um mecanismo simples: se a instituição emprestou 150 bilhões sobre um capital de 10 bilhões, portanto com uma alavancagem de 15, uma redução de 3 bilhões de capital próprio a obrigaria a reduzir a sua exposição em 45 bilhões (3 bilhões x 15) para manter a mesma alavancagem. Haja “liquidez”. No momento da quebra a Lehman tinha bilhões em cerca de um milhão de acordos de “derivativos” com cerca de 8 mil empresas, deixando os novos administradores bastante desorientados.[Business Week, October 20, 2008, p. 34.
[3] Raghuram Rajan, diretor do departamento de pesquisa do FMI, Finance and Development, IMF, September 2005, p. 54, sob o título “Risky Business”. – No original: “While it is hard to be categorical about anything as complex as the modern financial system, it’s possible that these developments are creating more financial-sector induced procyclicality than in the past. They may also create a greater (albeit still small) probablility of a catastrophic meltdown”.
[4] IMF, Finance and Development, December 2007, Sub-prime: Tentacles of a Crisis, p. 15 e ss. O autor do artigo, Randall Dodd, é Senior Financial Expert in the IMF Monetary and Capital Markets Department.
[5] New Scientist, 25 October 2008, p. 9.
[6] The Economist, Credit-rating agencies: Special Report – 28 de março de 2005, p. 67 e 68. A última citação é de Glenn Reynolds, de uma firma independente de pesquisa de crédito, no mesmo artigo. O The Economist de 15 de novembro de 2008 refere-se ao “oligopólio criado”, e ao “central conflict bedevilling the industry:although ratings are relied on by investors and regulators as impartial measures, the rating agencies are paid by those they rate for their judgments. With their marks of approval stamped all over the most toxic assets poisoning the financial system, they were quickly blamed for helping cause the credit crunch”(p. 91).
[7] Paul de Grauwe explica: “We learned from the Great Depression that in order to avoid such crises we have to limit risk taking by bankers. We unlearned this lesson during the 1980s and 1990s when the banking sector was progressively deregulated, thus giving banks opportunities to seek high risk investments. The culmination of this deregulatory movement was the repeal of the Glass-steagall Act in 1999 under the Clinton Administration. This ended the separation of the commercial and investment banking activities in the US – a separation that had been in place since the 1930s banking collapse. Repeal of the Glass-Steagall Act opened the gates for US banks to take on the full panoply of risky assets (securities, derivatives and structured products) either directly on their balance sheets or indirectly through off-balance sheet conduits. Similar processes of deregulation occurred elsewhere, in particular in Europe, blurring the distinction between investment and commercial banks, and in the process creating “universal banks”. It now appears that this deregulatory process has sown the seeds of instability in the banking system”. Paul de Grauwe, Returning to narrow banking, What G20 leaders must do to stabilise our economy and fix the financial system, VoxEU.org Publication, November 9, 2008, p. 37 – O documento apresenta visões e propostas de 17 especialistas, em trabalho coordenado por Barry Eichengreen - http://www.voxeu.org/index.php?q=node/2543
[8] Disponível em http://www.monthlyreview.org/081201foster-magdoff.php
[9] O Economist informa: “The world is only beginning to couint the cost of the bust. In America the share of household and consumer debt alone went up from 100% od GDP in 1980 to 173% today, the equivalent to around $6 trillion of extra borrowing” – The Economist, A Special Report on the Future of Finance, Janeiro 24, 2009, p. 20.
[10] Em novembro de 2008 a balança comercial dos EUA estava deficitária em 848 bilhões nos 12 meses, segundo The Economist, 15 Novembro 2008, p. 118.
[11] Avaliação de riscos futuros do dólar no WEF de Davos em 2009: “Major fall in US$: Experts consider that the dollar could come under pressure as investors reflect on the long-term impact of current monetary expansion, high fiscal deficits and the continuing fragility of the US financial system.” – World Economic Forum, Global Risks 2009, p. 28 – www.globalrisks2009.pdf.
[12] A reunião do G20 se referiu de maneira extremamente delicada à responsabilidade norte-americana: “Policy-makers, regulators and supervisors, in some advanced countries, did not adequately appreciate and address the risks building up in financial markets” – Statement from the G-20 Summit, November 15, 2008, ponto 3 (grifo nosso, LD).
[13] Típico deste mecanismo é o carry trade, onde um especulador pega um empréstimo barato por exemplo no Japão, e aplica onde rende mais, por exemplo no Brasil. Não produz nada, desorganiza a eficiência da política monetária de cada país, pelo próprio volume de recursos assim mobilizados.
[14] The Economist, November 15, 2008, p. 89.
[15] A Unctad, sob orientação de Rubens Ricúpero, já alertava no início dos anos 2000 para esta deformação do sistema. Ver por exemplo Unctad, Trade and Development Report 2001, p. VII; a avaliação de Ricúpero sobre as dimensões políticas da crise financeira podem ser encontradas em A crise financeira e a queda do muro de Berlim http://dowbor.org/crise/08ricupero.pdf
[16] Marjorie Kelly – The Divine Right of Capital – Berrett-Koehler, San Francisco, 2001, páginas 33 e 35 – Reproduzimos aqui um segmento do que estudamos mais amplamente no ensaio Democracia Econômica, Vozes, 2008 – Ver também http://dowbor.org
[17] As diversas classificações de pagamento aos administradores corporativos, com os valores, podem ser encontradas em http://toomuchonline.org/ExecPayScoreboard.html.
[18] Fonte do gráfico: IMF, Finance&Development, June 2007, p. 21.
[19] Há imensa literatura sobre o assunto. O gráfico acima é do Relatório de Desenvolvimento Humano 1998 das Nações Unidas; para uma atualização em 2005, ver Human Development Report 2005, p. 37. Não houve mudanças substantivas. Uma excelente análise do agravamento recente destes números pode ser encontrada no relatório Report on the World Social Situation 2005, The Inequality Predicament, United Nations, New York 2005; O documento do Banco Mundial, The next 4 billion, que avalia em 4 bilhões as pessoas que estão “fora dos benefícios da globalização”, é igualmente interessante – IFC. The Next 4 Billion, Washington, 2007; estamos falando de dois terços da população mundial. Para uma análise ampliada do processos, ver o nosso Democracia Econômica, Ed. Vozes 2008, bem como o artigo Inovação Social e Sustentabilidade, ambos disponíveis em http://dowbor.org
[20] The Economist, A Special Report on the Future of Finance, January 24th 2009, p. 20; é interessante notar que há pouca divergência nestes dados entre o FMI e The Economist de direita, e uma visão mais de esquerda de Foster e Magdoff. A convergência das cifras também reforça a confiabilidade.
[21] The Economist, A Special Report on the Future of Finance, January 24th 2009, p. 22.
[22] Ver Pesquisa mensal de juros, http://www.anefac.com.br/m3_preview.asp?cod_pagina=10782&cod_idm=1.
[23] Segundo pesquisa industrial divulgada pelo O Estado de S. Paulo “na média entre outubro e dezembro, período mais agudo da crise mundial, que fez subir o custo dos financiamentos, os desembolsos para pagamentos de juros foram 11% superiores aos gastos com salários”. Pesquisa da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) sobre os gastos da indústria brasileira com pagamentos de juros (O Estado de S. Paulo, 02/02/09). O lucro de um grupo, o Bradesco, foi de 7,6 bilhões de reais em 2008, quanto o orçamento do Programa Bolsa Família, que atinge 48 milhões de pessoas, é de 11 bilhões. O “assistencialismo”, evidentemente, não é bem onde se comenta. Até uma pessoa tão pouco suspeita de proximidades com a esquerda como Marcos Cintra, clama contra o cartel de bancos comerciais no Brasil e os spreads escandalosos. (It’s the Spread, Stupid – Folha de São Paulo 2 de fevereiro de 2009), p.3 – Para os não familiarizados, vale lembrar que a formação do cartel significa que todos praticam juros e tarifas semelhantes, e que portanto não temos escolha. Trata-se assim de um imposto privado, e na medida em que cartel é crime, trata-se tecnicamente de crime contra a ordem econômica. A maravilha, é que não há culpado. O culpado é um ente invisível chamado misteriosamente de “mercado”.
[24] IPEA – Pobreza e riqueza no Brasil metropolitano – n.7, agosto de 2008, p. 11 – Documento disponível em http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/comunicado_presidencia/ReducaoPobreza_CPresi7.pdf.
[25] Ver dados em http://www.brasil.gov.br/noticias/em_questao/.questao/eq762.
[26] A composição do Comité de Basileia de Supervisão de Bancos é eloquente: “The Basel Committee on Banking Supervision provides a forum for regular cooperation on banking supervisory matters. It seeks to promote and strengthen supervisory and risk management practices globally. The Committee’s members come from Belgium, Canada, France, Germany, Italy, Japan, Luxembourg, the Netherlands, Spain, Sweden, Switzerland, United Kingdom and United States.” www.bis.org/press/p081120.htm A era colonial não está tão longe.
[27] O PressRelease do presidente do Comitê: Mr Wellink emphasised that the Committee’s efforts will be "carried out as part of a considered process that balances the objective of maintaining a vibrant, competitive banking sector in good times against the need to enhance the sector’s resilience in future periods of financial and economic stress". Trata-se portanto de manter um sistema visto como “vibrante e competitivo”, com algumas salvaguardas. www.bis.org/press/p081120.htm
[28] O lema do BIS de Basileia comove: “The BIS is an international organization that fosters cooperation among central banks and other agencies in pursuit of monetary and financial stability”.
[29] “We will implement reforms that will strengthen financial markets and regulatory regimes so as to avoid future crises. Regulation is first and foremost the responsibility of national regulators who constitute the first line of defense against market instability.” (Declaração final do G20, ponto 8 - www.nytimes.com/2008/11/16/washington/summit-text.html)
[30] Vários estudos preliminares apontam para o fato que as instituições financeiras faziam o seu cálculo de risco individualmente, mas considerando que o ambiente externo se manteria estável. Assim, ninguém fazia a avaliação de risco sistêmico, nem organizava informações a respeito. Stijn Claessens, do FMI, se refere ao fato que o próprio sistema de informações é inadequado: “The crisis has highlighted the size of information gaps we face, both nationally and internationally. More and better information is needed if markets and authorities are to better assess the build-up of systemic risk. Addressing this requires a review of rules on transparency, disclosure and reporting.” - What G20 Leaders must do... p. 30.
[31] Willem Buiter, da London School of Economics, sugere: “Make it impossible to combine rating activities with other profit-seeking activities in the same legal entity” – What G20 leaders must do... p. 19.
[32] Statement from G-20 Summit, 15 november 2008, ponto 8.
[33] Stijn Claessens, idem, p. 31
[34] As propostas no Fórum de Davos 2009 mostram essa falta total de realismo frente às novas dinâmicas, com um pequeno catecismo chamado “5I Framework” (Insight, Information, Incentives, Investments, Institutions), na linha das bobagens tipo 5 S e semelhantes que ensinamos lamentavelmente nas ciências de gestão. O lema do World Economic Forum nos aparece como bastante cínico: “Committed to Improving the State of the World”. WEF, Global Risks 2009, p. 14 – http://www.marsh.pt/documents/globalrisks2009.pdf . As visões sistematizadas no Fórum Social Mundial 2009 hoje aparecem com toda a sua dimensão de bom senso.
[35] Com bom humor, o Economist de 6-12 de dezembro de 2008 mostra na capa um imenso buraco negro, e a manchete “Where have all your savings gone” (para onde foram todas as suas poupanças). O título é uma brincadeira com a música “Where have all the flowers gone” cantada por pessoas alegres em 1968. Mas na realidade, é a poupança de uma imensa massa de pessoas que foi para o buraco, e estas pessoas não estão nada alegres. Na realidade, não desapareceu riqueza, o mundo continua a contar com o mesmo número de casas, de carros etc. É o direito sobre estas casas e outros bens que mudou de mãos. Esta apropriação de riquezas por quem não as produziu, e inclusive desorganiza os processos produtivos, constitui um dos elementos centrais da deformação do sistema.
[36] New Scientist, October 18, 2008, p. 40; para acessar o gráfico online veja http://dowbor.org/ar/ns.doc; o dossiê completo pode ser consultado em www.newscientist.com/opinion ; os quadros de apoio e fontes primárias podem ser vistos em http://dowbor.org/ar/08_ns_overconsumption.pdf; contribuiram para o dossiê Tim Jackson, David Suzuki, Jo Marchant, Herman Daly, Gus Speth, Liz Else, Andrew Simms, Suzan George e Kate Soper.
[37] 1.Temperatura média no Hemisfério Norte / 2.População / 3.Concentração de CO2 / 4.PIB / 5.Perda de florestas tropicais e áreas florestais / 6.Extinção de espécies / 7.Veículos motorizados / 8.Uso da água / 9.Consumo de papel / 10.Exploração da pesca / 11. Destruição da camada de ozônio / 12.Investimentos estrangeiros
[38] “Measured in 2000 purchasing power parity terms, the cost of ending extreme poverty – the amount needed to lift 1 billion people above the $1 a day poverty line – is $300 billion”. United Nations, Human Development Report 2005, p. 38. Sobre a renda mínima e a sua universalização, ver os trabalhos de Eduardo Suplicy, em particular Renda de Cidadania, Cortez/Perseu Abramo, São Paulo, 2006.
Fonte:
Le Monde Diplomatique (
http://diplo.uol.com.br/2009-01,a2772)