sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

O porquê do retorno do sagrado




Um artigo de Charles Taylor


O filósofo Charles Taylor, em artigo publicado no jornal Corriere della Sera, 15-01-2009, aborda a "tese da secularização" e sugere que hoje vive-se uma redescoberta do espírito. Segundo ele, "é necessário também saber trazer à superfície aqueles valores vividos profundamente pelas pessoas, isto é, articulá-los, dar voz a eles". A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o artigo.

É surpreendente, mas as ciências sociais, de resto nascidas secularizadas, foram até agora cegas e surdas frente aos valores espirituais. Salta aos olhos a total indiferença que não poucos filósofos, sociólogos e historiadores reservam à dimensão do espírito. As consequências desse desinteresse são pesadas no nível da imprensa e da opinião pública, especialmente a culta. Mas não é suficiente que, ao redor da religião, tenha sido criada intencionalmente uma cortina de indiferença e de ignorância; assim, a fé se torna objeto de contínuos ataques. É significativa a frase do Nobel Steven Weinberg, que além do mais é um cosmólogo e não um sociólogo: “Há pessoas boas que fazem coisas boas, e pessoas ruins que fazem coisas ruins, mas, se quiserem encontrar pessoas boas que façam coisas ruins, voltem-se para a religião”. Em alguns países, essa frase se tornou quase um provérbio e é repetida pela imprensa e nos bares. É impressionante que um homem como Weinberg se saia com tal frase, um homem que viveu grande parte da sua vida em um século, o XX, que conheceu os regimes mais opressivos da história. É essa objeção que eu utilizo logo que alguém se sai com a frase de Weinberg. E obtenho, invariavelmente, a seguinte resposta: “Mas o comunismo era uma religião!”. Em síntese, para alguns, a palavra “religião” se tornou sinônimo de irracionalidade e até mesmo de assassínio.

Na prática, há quem entenda por “religião” um complexo de crenças que pode induzir pessoas boas e pacíficas (que não matariam nem uma mosca, sei lá, para conseguir um ganho pessoal) a se transformar em assassinas por uma “causa”. Um modo de pensar bastante rústico, esse. Ao qual se coloca uma outra objeção ainda: Hitler, Stalin, Pol Pot, Mao etc. eram todos inimigos da religião. O outro efeito negativo da mentalidade antirreligiosa é o atraso com o qual o verdadeiro problema da violência que cresce nas nossas sociedades é enfrentado. Ninguém está imune ao risco de ser arrancado da própria vida tranquila e recrutado na violência de grupo. Está na espreita a tentação de assumir como um alvo um outro grupo social e de considerá-lo responsável por todos os nossos males. Ora, a tarefa urgente é entender o que leva grupos inteiros de pessoas a se sentirem prontos para ser cooptados em um projeto do gênero.

Mas temos uma abordagem imperfeita sobre esse problema. Grandes escritores como Fëdor Dostoevskij iluminaram a origem da violência e do delito, que, porém, ainda permanece envolvida no mistério. E é incompleto o conhecimento que temos acerca do caminho seguido por personagens dotados de carisma espiritual, como Gandhi, para convencer as massas a repudiar a violência, parando-as justamente quando estavam por ultrapassar a linha de não retorno. Sem intervenção de autoridades espirituais, frequentemente os esforços melhor intencionados também não conseguem impedir que a história se faça “sobre a mesa do açougueiro”, como disse Hegel. E dá calafrios pensar que Robespierre votou contra a pena de morte nas primeiras discussões sobre a Constituição republicana.

Recentemente, trabalhei para compreender quais são hoje os significados e as implicações do termo “secularização”. Durante muito tempo, a sociologia considerou esse processo como inevitável. Algumas características da modernidade – o desenvolvimento econômico, a urbanização, a mobilidade em contínuo aumento, o nível cultural mais alto – eram vistas como fatores que teriam provocado um inevitável declínio da crença e da prática religiosa. Era a famosa “tese da secularização” e, durante muito tempo, dominou o pensamento nas ciências sociais e nos estudos históricos. Essa convicção foi abalada por acontecimentos recentes. A religião reagiu à modernização, respondeu ao desafio demonstrando a própria vitalidade. Em todo o caso, porém, a religião se tornou a base para uma mobilização política e o fenômeno é inclusive ameaçador, dadas as proporções que assumiu. É hora de conhecer a fundo essa dinâmica, os benefícios e os malefícios que comporta, ver claramente em um mundo que a velha teoria da secularização ainda esconde à vista. A incapacidade de distinguir a dimensão espiritual da vida humana nos torna incapazes de explorar temas vitais. Então, trata-se de reportar a espiritualidade ao centro e em domínios abertos em que descobertas decisivas são possíveis.

No mundo secularizado, ocorreu que as pessoas se esqueceram das respostas às principais perguntas sobre a vida. Mas o pior é que se esqueceram também das perguntas. Os seres humanos – que o admitem ou não – vivem em um espaço definido por perguntas profundas. Qual é o sentido da vida? Existem modos de vida melhor e piores, mas como são reconhecidos? Quais são os modos úteis para o indivíduo e para a comunidade à qual pertence? Qual é o fundamento da minha dignidade pessoal, que eu procuro defender por mim mesmo, a cada dia? As pessoas têm fome de respostas para todas as questões e, se se dão conta ou não, sentem a necessidade de vê-las resolvidas por qualquer um. Haverá quem considere errada ou absurda a minha ideia. Eu estou certo de que é fundamentada.

Fala-se de “descoberta do espírito”, em analogia com as descobertas que ocorrem na biologia, física e química. Mas é mais exato falar de “redescoberta do espírito”: o homem tem uma excepcional capacidade de se esquecer de coisas que conhecera e depositara no profundo do coração. Os filósofos, a partir de Platão, analisaram essa característica humana. Heidegger fala, a propósito, de “esquecimento do ser”. Eu penso que o homem desliza em uma “desmemória do ser”. Creio que caímos em um tipo especial de esquecimento. Em todo o caso, o mundo moderno se funda sobre uma cadeia bem precisa de desmemórias.

Uma das regras principais do saber humano é tirar para fora as respostas inarticuladas que as pessoas se dão na vida. Por isso, temos necessidade de um novo conhecimento da razão. Não se trata simplesmente de se mover com procedimento dedutivo por meio de um argumento. É necessário também saber trazer à superfície aqueles valores vividos profundamente pelas pessoas, isto é, articulá-los, dar voz a eles. Penso que é muito perigoso esquecer os valores, porque novidades positivas diversas emergiram no nosso tempo, enquanto o povo respondera, de um certo modo, às perguntas que as novidades pressupunham. Boa parte da violência ocorrida no nosso mundo provém do fato de que os jovens são recrutados por causas que os transformam em horríveis robôs assassinos. Quem os recruta é uma oferta que promete dar um conteúdo às suas vidas. Estão sem trabalho, sentem-se sem futuro, não têm (não podem ter) o sentido da dignidade. Sim, deram uma resposta a uma pergunta. Uma resposta extremamente destrutiva, porque autodestrutiva. E nós estaremos desesperados, se não conseguirmos recomendar-lhes, em tempo útil, uma resposta diferente.



O capitalismo apostou em paixões, não na moral




Por: Renato Janine Ribeiro,
(professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo)

Capitalismo, burguesia e às vezes modernidade são palavras que parecem se referir ao mesmo universo. Mas há diferenças. A burguesia pode ter surgido ainda perto do ano 1000, afirma a historiadora francesa Régine Pernoud. Já nos séculos XII e XIII, as cidades italianas vão-se emancipando dos senhores feudais e passando ao poder dos citadinos, dos burgueses, dos que têm dinheiro mas não são da anterior nobreza. Contudo, é no século XV ou XVI que se dá a grande ruptura conceitual, que talvez mostre um capitalismo indo além dos burgueses, ou pelo menos dos burgueses entendidos como cidadãos dos burgos. Essa ruptura supõe que não basta ter dinheiro, é preciso que ele se torne capital. O capital é o dinheiro tornado poder. Uma pessoa pode ter muito dinheiro no banco mas, se não for quem decide como se vai utilizá-lo, seu poder é bem limitado.

Para o dinheiro se tornar poder, uma mudança nas mentalidades, nas instituições e na produção se faz necessária. É difícil datá-la. Mas quem melhor a expõe talvez seja Bernard Mandeville, médico holandês radicado na Inglaterra, que, no começo do século XVIII, escreve um livro escandaloso, "A Fábula das Abelhas", também conhecido pelo subtítulo, que é "Vícios privados, benefícios públicos". É interessante notar que vários leitores, apressadamente, transformam o final do subtítulo em virtudes públicas, o que não é o caso.

Qual a tese central de Mandeville? É que as virtudes podem causar grandes prejuízos à sociedade, e os vícios ser-lhes úteis. Assim resumido, lembra muito Maquiavel. Os dois causaram forte aversão em seus leitores - e não-leitores. Mas Maquiavel prudentemente só deixou publicar seu "Príncipe" depois de sua morte, enquanto Mandeville teve a audácia de editar sua "Fábula" ainda jovem, sendo até levado a julgamento (e absolvido) por isso.

Há uma forte diferença entre os dois autores. Maquiavel entende que o príncipe, e só ele, pode violar a palavra dada e faltar à moralidade cristã. Somente o soberano pode afastar-se da religião, em nome do que depois se chamará a "razão de Estado". Já Mandeville entende que as pessoas em geral podem infringir a moralidade, assim fazendo prosperar a sociedade. Ou seja, para Maquiavel, a infração ao bem é restrita ao chefe de Estado e tem sentido sobretudo político. Já a exceção ao bem se torna, com Mandeville, mais difundida - e seu sentido é econômico, antes de mais nada.

Vamos aos dois grandes exemplos de Mandeville. O primeiro é o do ladrão que assalta rico abade a transportar uma fortuna destinada a ficar inútil, infecunda, entesourada. O assaltante a dilapida, em comida, bebida e mulher. Ora, pergunta o autor, quem faz mais pela humanidade, o gordo sacerdote, cujo dinheiro não circula, ou o bandido que com as moedas roubadas irriga as artérias da economia? O segundo exemplo é o das prostitutas de Amsterdam. Coisa ruim, concorda Mandeville - mas que evita algo pior por que, se os marinheiros que chegam ao porto após meses "sem mulher" não dispuserem de profissionais, haverão de atacar senhoras e senhoritas "de família". Por isso, explica, os austeros governantes da cidade calvinista toleram a prostituição, que, embora sendo um vício privado, acarreta - como a ganância do ladrão ou do empresário - benefícios públicos.

Instinto animal, destruição criadora e outras expressões que temos lido nos últimos anos - um período de grande celebração, na mídia, do capitalismo pouco controlado pelo Estado - derivam, em última análise, desses dois grandes pensadores. A grande idéia de Maquiavel é que o bem, se estiver no poder, leva os Estados à breca. A grande idéia de Mandeville é que podemos canalizar nossos pendores para "o mal", de modo que produzam efeitos socialmente positivos. Em comum, os dois não crêem na bondade natural do homem - ou melhor, não crêem que uma eventual bondade humana traga resultados bons para a sociedade. Para que a sociedade esteja bem, o bem tem de ser reduzido. Mas nenhum deles defende o mal pelo mal: o que querem é canalizá-lo. O segredo da vida social beneficiada está em sabermos utilizar, no homem (isto é, em nós mesmos), o que não é bom, mas pode ser bem aproveitado. Está em desistirmos de uma aposta na bondade humana, coisa de sacerdotes, para - aceitando-nos como somos - gerarmos uma vida mais confortável.



Essa é a chave do constante jogo capitalista entre bem e mal, entre a difícil moralidade e, digamos, a espontaneidade do instinto. Vi, quinze anos atrás, interessante espetáculo na TV inglesa: no congresso do Partido Conservador, velhinha após velhinha protestava contra a abertura do comércio aos domingos, "dia do Senhor", dia de estar com a família. O governo - também conservador - não estava nem aí para elas. Os conservadores não crêem mais nos valores da família e da religião, tanto que a direita hoje fala mais em liberalismo. Querem a liberdade de empreender. É verdade que a ética protestante analisada por Weber era muito rigorosa, e que nada ou pouco tem a ver com o thatcherismo. Mas sustento que a ética dos pastores de Genebra teve menor impacto histórico do que o hábil jogo de Mandeville que faz do mal, não emergir o bem, mas emergirem bens.

Quer isso dizer que o capitalismo está condenado à ganância, que pode destruir o mundo, assim como está eliminando riquezas enormes? Não sei. O que deu força ao capitalismo é que apostou em paixões, digamos, fáceis de seguir. As alternativas a ele, feudais ou socialistas, exigem mais de nós. O capitalismo é confortável. Não pede uma alta moralidade. Lida com os homens "como eles são". Uma sociedade cristã, socialista ou amiga da natureza demandaria muito mais de todos nós. Será que nos dispomos a pagar o preço da moral? Ela não é barata. Por isso, a questão é mais funda: pode ser que, estes séculos, estas décadas, tenhamos vivido na ilusão de que dava para viver bem e para viver segundo o bem. Pode ser que não dê. Pode ser que tenhamos de escolher. A ética é cara. Pode custar riqueza, cargos, a própria vida. Estaremos dispostos a incluir o heroísmo, talvez até o martírio, em nosso rol de experiências possíveis? Se não, a destruição periódica que o capitalismo efetua pode continuar sendo mais conveniente para nós.

Mesmo que, um dia, o planeta acabe.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Agrofloresta

História do Sítio São José da família Ferreira
Vi ontem no canal Futura um programa chamado jeitinho brasileiro. No programa a história da família Ferreira que tem um Sítio autosustentável em Paraty. Claro, que a primeira coisa que fiz hoje foi procurar mais referências na internet e acabei achanod o blog deles. Abaixo transcrevo a história da famíla até chegar no grau de sustentabilidade de hoje.
O blog com endereço e contatos é: http://agroflorestaferreira.blogspot.com/
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O local foi descoberto em 17 de novembro de 1987, a partir daí o local foi preparado para a construção de um barraco para moradia. Contava com a ajuda de dois amigos do serviço. A construção era coberta com palha e mudei sem colocar porta em 18 de janeiro de 1988, depois a porta foi feita de vara.
Entrei para morar nessa terra com minha mulher e três filhos, a coragem e a Fé em Deus.
Deixei para trás 18 anos de carteira assinada e varias profissões inclusive a de mestre de obras. Estava sendo mais um começo na minha historia, desta vez com muita esperança porque era o que sempre quis: voltar para a terra, era um sonho de quase 18 anos. Em pouco tempo já estava colhendo o básico.
Em julho de 1989 começamos a colher os primeiros cachos de banana, era acultura de mercado da região, acreditava-se que a banana era uma boa alternativa. Também introduzi a cultura do café pensando em melhorar a renda, para cobrir as despesas. O sonho era comprar um animal para carregar a compra, também queria comprar uma vaca, mas a renda ia embora nas despesas com o transporte da banana e com o que nos tínhamos que comprar na cidade. Como o café não tinha comércio na região tinha que levar pra fora e o dinheiro ia embora com as despesas. Com isso notei que precisava tomar um outro rumo, não perdendo as esperanças, mas precisava de um outro rumo de trabalho.
Em 1993 colhi a terceira safra de café e depois de colher e beneficiar não consegui comprador, vendi a metade e foi tudo nas despesas de transporte. Desisti, cortei tudo e plantei pasto, pois era o meu sonho criar vaca. Mas apesar da grande colheita de banana não sobrava dinheiro para comprar nem um bezerro. Continuava dependendo da renda extra ou trabalhava fora ou então tirava palmito do mato, mesmo sendo contra a minha vontade.
Em agosto de 1994 completo cinco mil pés de banana plantados, foi meu ultimo plantio de banana, na época nos colhíamos 350 cachos de banana. Em 1995 invisto mais na cultura do inhame e passo a fazer tentativas de venda e também alimento outros cultivos, mesmo assim continuo fazendo bico ou tirando palmito.
No ano de 1996 surge a necessidade de reformar a casa e começamos a fazer cursos de fabricação caseira, mas nós não tínhamos matéria prima para fabrica nada, mas a esperança continuava. Em 1997 derrubei a casa para fazer uma outra, preparei o alicerce na esperança de construir no ano seguinte. No mês de agosto nasce Jonatan, nós estávamos com uma colheita de 500 cachos de banana por mês, o que nos dava uma renda média de R$ 1.700,00.
Em julho de 1998 a grande decepção, não temos mais para quem vender a banana, com isso não só tinha que fazer bico, tinha que ir mais longe. Abençoado por Deus consegui um serviço em São Paulo, onde trabalhei quatro meses e consegui levar alguns trocados para tentar uma nova alternativa.
Em 1999 passamos a vender inhame, aipim (mandioca), e em seguida os doces. Na luta para fazer os doces tinha a dificuldade para comprar as embalagens e de como negociar o produto, mas não paramos, fizemos outros cursos de capacitação, entre eles o de adubação verde e orgânica.
Foi em três de Setembro de 1999 que eu tive o primeiro contato com a agrofloresta. Com essa descoberta já comecei a fazer experimentos e logo percebi que seria possível melhorar a produção. Durante o mês de setembro a dezembro de 1999 eu voltei no tempo lembrando que via meu pai recuperar o solo com resto de vegetação, tive a certeza que esse sistema era tudo que precisava para sair da dificuldade.
Em 2000 fizemos alguns experimentos, e em Março fizemos uma viagem para conhecer um sistema agroflorestal produzido no Vale do Ribeira, em São Paulo. A partir daí o sitio entrou num planejamento de um projeto agroecológico para a sustentabilidade com qualidade de vida. Antes de criar o nosso projeto de sustentabilidade, a renda do sitio só garantia 18% das despesas da família, tínhamos que completar as despesas com trabalho fora ou cortando palmito.No ano de 2001 a história começou a mudar, a nossa renda passou de 18% para 32% naquele ano. Já em 2002 a renda foi para 48%, passando para 61% em 2003 e para 82% em 2004. Quando realizamos a nossa primeira Vivência Agroflorestal a qualidade de vida estava se concluindo... e no ano de 2005 alcançamos 100% da renda vinda das atividades do sitio.
As Vivências são visitas programadas ao sitio para pessoas interessadas em conhecer nosso estilo de vida. A maioria dos visitantes tem sido estudantes de agronomia, engenharia florestal, biologia, entre outros. Nosso estilo de vida vem atraindo pessoas de vários segmentos da sociedade, não só estudantes, mas de toda a sociedade como professores e leigos, que desejam conhecer a agricultura que conservamos longe da tecnologia moderna.
Nosso trabalho apesar de ser com o esforço próprio, em cinco anos, alem de conseguirmos melhorar a nossa renda, também conseguimos contribuir para a preservação do meio ambiente em nossa volta. Durante o período de 2000 a 2005 produzimos e plantamos 31.844 mudas de espécies arbóreas e frutíferas, sendo que 80% foram de espécies nativas da mata atlântica. No mesmo período plantamos 52.474 mudas de palmito, sendo um total de 84.318 mudas plantadas em cinco anos.
Em 2006, resolvemos parar a produção de mudas para cuidar de outras atividades como a pesquisa do desenvolvimento das arvores e das frutíferas, mas a idéia é plantar mais 68.580 mudas em uma área de pasto a partir de 2007. A nossa meta é mostrar que para preservar a natureza não é tirando o homem do campo, mas sim educando e orientando para que viva em harmonia com o mesmo e contribuindo para a conservação ambiental. Nosso propósito é conservar a tradição agrícola que a cada dia está deixando de existir.
O Sitio São José com muita fé em Deus continua firme na agroecologia, plantando, produzindo e preservando a nossa cultura agrícola. Já superada nossas expectativas com todos os resultados positivos em todos os aspectos, vamos continuar com nossa produção de mudas para plantar nas próximas vivencias que serão realizadas nos próximos anos sempre no mês de Novembro, momento em que reunimos pessoas que tenham interesse na agroecologia e na sustentabilidade rural. O sítio São José hoje com seu sistema agroflorestal vem garantindo a sustentabilidade e a qualidade de vida da propriedade, longe da tecnologia moderna podemos zelar pela nossa saúde cultivando sem agredir a natureza, podemos nos alimentar bem e oferecer um produto de qualidade para nossos visitantes. Hoje podemos oferecer um produto turístico rural e ecológico com qualidade sustentável.Nosso Sistema Agroflorestal tem como meta a auto sustentabilidade com qualidade de vida, porque no meu ponto de vista a agricultura familiar precisa ser bem planejada. Ter como meta a produção baseada no consumo diário, para ter certeza que está consumindo um alimento saudável. Nosso sistema mostra que ser auto sustentável e produzir uma diversidade de alimento é vem mais viável do que produzir em alta escala determinado produto. O armazenamento de nossos produtos são em conserva natural e ela nos garante o abastecimento na época de baixa produção.Sem tecnologia moderna na produção ou fabricação, o Sítio São José tem como meta resgatar e conservar as tradições agrícolas que estão se perdendo a cada dia com o avanço datecnologico no campo.
Agricultor José Ferreira

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Consumismo tecnológico

Minha participação é bissexta, mas ainda continuo acompanhando e tentando acrescentar algo interessante a esse blog. Segue uma entrevista enviada a mim por Ricardo Musse com Fernando Tulo Molina, da Universidade de Quilmes. A Entrevista saiu no Jornal da Ciência de hoje, 20/01/2009, e está disponível em http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=61116
Aí vai.
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Notícias
Terça-Feira, 20 de janeiro de 2009

JC e-mail 3682, de 16 de Janeiro de 2009.

12. Falsa neutralidade

Para Fernando Tula Molina, da Universidade de Quilmes, as crenças de que a ciência e a tecnologia são politicamente neutras e de que as inovações são sinônimo de progresso afastam o conhecimento das necessidades sociais
Fábio de Castro
A ciência e a tecnologia estão longe de ser politicamente neutras e as novas descobertas não correspondem necessariamente a progressos para a sociedade, segundo o professor Fernando Tula Molina, da Universidade de Quilmes, na Argentina. Para ele, embora façam parte do senso comum, as noções de neutralidade científica e determinismo tecnológico representam obstáculo para uma ciência democrática, capaz de melhorar a sociedade.
Ideias como essas foram expostas por Molina em nove sessões entre agosto e dezembro de 2008, durante o 15º Seminário Internacional de Filosofia e História da Ciência, realizado pelo Grupo de Filosofia, História e Sociologia da Ciência e da Tecnologia do Instituto de Estudos Avançados (IEA), da Universidade de São Paulo (USP).
O seminário foi um produto do Projeto Temático Gênese e significado da tecnociência: relações entre ciência, tecnologia e sociedade, Universidade de São Paulo, apoiado pela Fapesp e coordenado por Pablo Rubén Mariconda, do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Doutor em filosofia pela Universidade de Buenos Aires, Molina permaneceu no Brasil como professor convidado do projeto. No evento, discutiu o tema “Controle, rumo e legitimidade das práticas científicas".
Para avaliar as implicações científicas e sociais das práticas tecnológicas, o professor propõe uma distinção entre a “eficácia” e a “legitimidade” dessas práticas – e busca elementos conceituais para a compreensão das origens culturais dessa distinção e da complexidade dos diferentes atores envolvidos.
Segundo Molina, que também é pesquisador adjunto do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet), na Argentina, “essa compreensão contribuirá para que se encontrem os caminhos que levem ao acordo requerido pelas políticas científicas nos espaços de diálogo das instituições democráticas”.
– Uma das idéias centrais desenvolvidas pelo senhor durante o seminário realizado no mês passado em São Paulo é a de que a ciência não pode ser dissociada da política. Como essa questão foi tratada nos debates?
Molina – As discussões tiveram origem em um Projeto Temático apoiado pela FAPESP dirigido pelo professor Pablo Mariconda, do Grupo de Filosofia, História e Sociologia da Ciência e da Tecnologia do IEA, responsável pelo seminário. Esse projeto discute a gênese e os significados da tecnociência. Isso envolve questões históricas, filosóficas e sociológicas, mas no fundo tudo está virando uma área importante ligada à política. Tentamos problematizar duas idéias que hoje são muito fortes em nossa cultura: a neutralidade da ciência e o determinismo tecnológico. Essas duas noções estabelecem no imaginário popular uma idéia de que a ciência é neutra, desprovida de política, quando, na verdade, a ciência – e sobretudo a tecnologia – tem muita política.
– Como esse aspecto político se manifesta?
Uma das linhas que está sendo desenvolvida é que essa política pode ser vista com clareza, por exemplo, no chamado código técnico. Esse gravador digital que você está utilizando, por exemplo, possui um design que encerra em si todo o contexto de sua concepção e está ligado a determinadas estratégias. Essas estratégias representam interesses – que, no caso de uma sociedade capitalista, correspondem aos interesses das corporações. São interesses que têm a ver com o consumismo tecnológico. O projeto do gravador já prevê quando ele sairá de linha, isto é, carrega consigo uma estratégia de obsolescência programada. Para que você consuma mais, é preciso que na sua cabeça a aquisição de novos produtos tecnológicos seja entendida como um progresso. Você acredita que está progredindo e tem um aparelho melhor, de última tecnologia. Mas eventualmente os aparelhos mais antigos tinham mais qualidade. Isso é pura política.
– Essa é a idéia do determinismo tecnológico?
Uma crença de que o produto que acaba de ser lançado é necessariamente melhor, mais eficiente e mais desejável? Sim. É uma estratégia de consumo que se baseia na novidade. O produto é um bem cultural que se vale do valor simbólico que tem a “eficácia” na nossa cultura, levando a pessoa a pensar que os produtos desenvolvidos mais recentemente são melhores. Mas isso é uma falácia. Outra falácia está no discurso político oficial dos nossos países: a idéia de que o cientista pode dizer o que é melhor para a sociedade. O cientista não sabe o que é melhor para a sociedade. Não existem nem mesmo elementos conceituais para abordar essa questão. O seminário teve, portanto, a tarefa central de instalar uma discussão e conscientizar sobre alguns erros. Muitos desses erros, como o individualismo, têm origem filosófica.
– Como o individualismo é tratado nessa discussão?
Quando a lógica predominante é a de que alguém só consegue ganhar quando os demais perdem, o resultado é que as pessoas passam a achar que podem ser livres apenas de portas fechadas. O que gostaríamos de opor a essa idéia individualista é a possibilidade de pensar que, ainda hoje, apesar das assimetrias e desigualdades do capitalismo, podemos aprender a nos organizar de um jeito diferente e reaprender a conviver. A convivência é o ponto central da política em um sentido muito antigo, do qual já falava Sócrates. Como todos os atores, tão diferentes, podem conseguir a felicidade e a plenitude no meio de todos, no espaço restrito da pólis? A ideia de democracia que está por trás do seminário é mais profunda que uma noção de igualdade: é a ideia de que somos todos diferentes.
– Qual o efeito desse contexto dominado pelo individualismo sobre o desenvolvimento tecnológico e científico?
Vamos tentar falar do conjunto ciência e tecnologia: a tecnociência. Se as pessoas acreditam que o investimento em ciência e tecnologia leva o país a crescer automaticamente, melhorando a vida da população, temos o determinismo tecnológico. Nesse caso, já que o resultado seria necessariamente bom para todos, o investimento poderia ser feito sem preocupação com a participação da coletividade – esse determinismo tecnológico é favorecido em um contexto individualista.
– Então, sem a participação da coletividade nas decisões científicas e tecnológicas, os avanços do conhecimento não chegam a beneficiar a sociedade?
Acho que é por isso que temos que combater o determinismo tecnológico. Com essa lógica, o investimento não volta diretamente para a população, mas para as corporações. Os investimentos públicos formam técnicos, especialistas e recursos humanos para a universidade e para o sistema tecnológico. Mas essas pessoas poderão desenvolver tecnologias que melhorem as corporações, não necessariamente o país. Se nossa sociedade tem base tecnológica e capitalista, mesmo que se possa desenvolver a melhor tecnologia, ela irá se limitar a desenvolver a tecnologia com melhor custo-benefício. Tudo o que está envolvido com essas tecnologias será avaliado do ponto de vista quantitativo, porque estará orientado pela produtividade. Incluindo as relações com trabalhadores.
– Esse tipo de modelo tecnológico tenderia a agravar o quadro de exclusão social?
Acredito que sim. A tecnologia orientada pela produtividade só é acessível a quem tem determinado poder de consumo. As distâncias sociais que deveriam ser diminuídas por conta da tecnologia começam a aumentar. O crescimento das diferenças sociais agrava a violência. No fim, a tecnologia, que poderia ter um papel de inclusão, acaba fazendo o contrário.
– As tecnologias sociais seriam um possível caminho para contornar esses problemas?
O Brasil tem uma rede muito boa de tecnologia social. Ela tem 700 organizações – a maioria organizações não-governamentais –, sendo 400 muito ativas. Todas pensam em confrontar essa idéia da tecnologia capitalista associada à corporação. Nesse modelo fundamentado na produtividade, não se pode acessar o conhecimento – que deve ser patenteado. O usuário não é dono do meio onde essa tecnologia vai se produzir e não se pode decidir para onde vai o benefício do desenvolvimento.
– Essas tecnologias teriam então mais legitimidade?
As tecnologias sociais têm um papel importante na democratização do conhecimento, mas elas não chegam a garantir a legitimidade da forma como a entendemos. É preciso distingui-la da eficácia. A tecnociência tem eficácia, mas não tem legitimidade social. Esses dois conceitos muitas vezes são confundidos no próprio discurso do desenvolvimento tecnológico, que está baseado na ideia de controle. O que é o controle? Uma coisa é poder controlar a matéria ou a partícula – como pode a nanotecnologia – no espaço e no tempo. Esse é o controle científico, que é necessário e desejável. Mas não suficiente. Outra coisa é poder dar legitimidade a esse controle.
– E como dar mais legitimidade ao controle das práticas científicas?
Para mim, a legitimidade não está no conteúdo das decisões sobre os rumos tecnológicos, mas no jeito como essas decisões são tomadas. Se a decisão foi tomada de maneira coletiva e democrática e daí gerou os rumos e decisões, isso a legitima, não pelo conteúdo, mas pela forma coletiva. O que temos que pensar é quais são os atores em cada âmbito que deveriam participar democraticamente, sendo reconhecidos como diferentes e igualmente importantes, do rumo mais democrático da enorme capacidade tecnológica que já temos. Mas se não conseguimos dar a isso um caráter democrático, então o rumo será tecnocrático e corporativo. A responsabilidade é nossa. A palavra-chave é participação.
– Há propostas para melhorar essa participação?
O controle tecnológico, voltado para o controle da matéria no espaço e no tempo, não tem, em si, nenhuma legitimidade. Propomos dois novos eixos para pensar essa legitimidade: o tempo da educação e o espaço da participação política. Para melhorar essa participação, temos que gerar um espaço de protagonismo social em que os outros atores possam interagir com os cientistas. O especialista tem uma função consultiva importante, um compromisso de indicar as possibilidades, mas não a prerrogativa de ditar os rumos. Com a ajuda dele, o leigo poderia ter a possibilidade democrática de decidir o futuro. Mas isso não acontece. Na nossa organização estamos excluídos de todas as decisões tecnológicas. Não temos o espaço da participação política.
– E quanto ao tempo da educação?
Levamos tempo para educar alguém a ser crítico com a tecnologia e a conhecer sua própria capacidade de decisão e sua autonomia de criatividade. Essa é a dimensão do tempo da educação. Temos que introduzir essa discussão na escola inicial, porque ali as crianças já têm celular, videogames e muitas possibilidades tecnológicas. Seria importante começar a combater cedo a idéia introjetada de que a ciência é apolítica. Ao superar as idéias de neutralidade e determinismo do desenvolvimento tecnocientífico, só nos restará a possibilidade de um desenvolvimento político, democrático, com participação cidadã. Mas esse cidadão crítico ainda não existe, daí a importância dessa dimensão da educação.
– Ainda estamos muito distantes da formação desse cidadão crítico?
Talvez nem tanto. Podemos pensar no que aconteceu com a cultura ecológica. As crianças e as novas gerações já colocam o problema ecológico de forma mais prioritária. Isso ocorreu, entre outros fatores, porque a ecologia começou a ser apresentada às crianças de forma muito forte, desde a escola inicial. Acho que poderia acontecer o mesmo com o problema tecnológico. Para isso temos que começar a refletir com mais clareza sobre lixo tecnológico, obsolescência planejada, qualidade tecnológica, durabilidade, tecnologias para o futuro, tecnologias sustentáveis, tecnologias adequadas aos problemas – e não apenas ao consumo em massa – e tecnologias customizadas, que não impõem uma única solução, como se fôssemos todos iguais.
(Agência Fapesp, 16/1)


OBS: Relacionada a esse assunto, veja ainda a postagem: "A bioética versus o niilismo tecnocientífico"

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

O oceano Ártico está bombeando mais calor na atmosfera


Entrevista especial com Mark Serreze


A calota polar do Ártico nunca foi tão pequena quanto atualmente. Um estudo da WWF apontou que em 2008 o nível de cobertura de gelo do Pólo Norte está inferior aos 4,13 milhões de quilômetros quadrados do ano anterior. A espessura do gelo na região é tão fina que já se prevê que, em alguns dias do verão, o Ártico pode ficar praticamente sem gelo. “Em comparação com o resto do Planeta, o Ártico é a via rápida para as consequências das alterações climáticas”, disse-nos o professor de Geografia da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, Mark Serreze. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Serreze explicou qual a situação do Ártico e da Antártida hoje, além de falar sobre como o aquecimento global está atingindo o pólo norte e que consequências isso gera para o Planeta. “A cobertura do gero marinho funciona como uma barreira, um isolante, entre a atmosfera quente e o frio bastante intenso abaixo do oceano de gelo. Quando perdemos essa cobertura de gelo sobre o mar, perdemos o isolador. Com isso, o oceano começa o bombeamento de calor na atmosfera, contribuindo para o aquecimento do Planeta”, relatou ele.

Mark Serreze é pós-graduado em geografia e professor e pesquisador da Universidade do Colorado, nos Estado Unidos. É também cientista sênior do Centro Nacional de Monitoramento de Neve e Gelo (NSIDC). Recentemente, desenvolveu uma pesquisa, juntamente com a professora Julienne Stroeve, em que revelou provas importantes de que as temperaturas da região do Ártico estão se elevando numa velocidade maior do que as do restante do mundo.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Em que situação está, atualmente, o degelo do Ártico?

Mark Serreze
- Em comparação com o resto do Planeta, o Ártico é a via rápida para as consequências das alterações climáticas. Em setembro de 2008, o nível do mar de gelo foi o segundo mais baixo registrado pelos satélites, apenas um pouco mais elevado do que o registrado um ano antes. O mar de gelo da Groenlândia está começando a derreter por baixo, contribuindo para o aumento do nível do mar. O Permafrost [1] (o solo congelado que subjaz as terras do Ártico) está aquecendo e descongelando. Áreas que antigamente eram desarborizadas estão, hoje, tomadas por arbustos. Essa é a situação geral do Ártico, atualmente.

IHU On-Line – O gelo Ártico pode desaparecer?

Mark Serreze
– A capa de gelo do mar Ártico é suscetível ao desaparecimento durante o final do verão e o princípio do outono (nos meses de agosto e setembro) em, provavelmente, 30 anos ou mais. No entanto, ainda haverá gelo no inverno durante séculos, mesmo com o aquecimento global, e este continuará sendo frio e escuro. Porém, o gelo que se forma no inverno vai derreter durante o verão.

IHU On-Line – Por que a temperatura no Ártico sobe mais rapidamente do que o resto do mundo?

Mark Serreze –
Há uma série de razões que explicam o motivo pelo qual a temperatura do Ártico irá aumentar mais do que em outras regiões do Planeta, mas o mais importante é o efeito de perda da capa de gelo marítimo flutuante. A cobertura do gero marinho funciona como uma barreira, um isolante, entre a atmosfera quente e o frio bastante intenso abaixo do oceano de gelo. Quando perdemos essa cobertura de gelo sobre o mar, perdemos o isolador. Com isso, o oceano começa o bombeamento de calor na atmosfera, contribuindo para o aquecimento do Planeta. Isso é conhecido como amplificação do Ártico. Observações que fizemos mostram que a amplificação do Ártico já começou.




IHU On-Line – Num plano mais amplo, qual é a situação dos oceanos?

Mark Serreze –
Como disse antes, o oceano Ártico está bombeando mais calor na atmosfera e, com isso, todos os oceanos estão aquecendo também. O gelo do mar está sendo “machucado” de duas formas: com o clima quente e com a temperatura mais quente do Oceano Ártico. Ambos significam que o verão tende a derreter mais gelo e o crescimento de gelo no inverno será menor.

IHU On-Line – O Pólo Sul está na mesma situação do Pólo Norte? Qual é o estado atual de gelo no sul dos oceanos?

Mark Serreze –
O mar de gelo antártico é o que aumentou ligeiramente, em grande parte em resposta às mudanças na circulação da atmosfera. Não há surpresa alguma nisso. Todos os nossos modelos climáticos mostram que é no Ártico onde os sinais de aquecimento global se apresentarão de modo mais acentuado e que a Antártica vai mudar de forma muito mais lenta. Ao sul, o gelo marinho pode mesmo aumentar por algum tempo. Os céticos com relação às mudanças climáticas gostam de argumentar que, já que a Antártica não está realmente mudando como o Ártico, os cientistas que estudam o clima devem estar errados. Mas são eles quem estão errados, uma vez que, em relação às mudanças climáticas, a Antártida sempre comportou-se muito bem.






IHU On-Line – Em sua opinião, com que perspectiva o homem deve olhar e tratar o ecossistema?

Mark Serreze –
Quanto mais tempo esperarmos para enfrentar as alterações climáticas, o problema será pior. Esta questão não diz respeito simplesmente ao aquecimento, mas como este aquecimento mudará o Planeta (como, por exemplo, nos padrões de precipitação), afetando tanto a parte terrestre quanto os oceanos e os ecossistemas.

IHU On-Line – O sistema político mundial está dando que tipo de resposta para o problema dos oceanos e, sobretudo, o problema do aquecimento global?

Mark Serreze –
Para que finalmente os nossos líderes eleitos nos Estados Unidos aceitem que o aquecimento global é real e que precisamos fazer algo sobre isso. O aquecimento global é um problema mundial e exige uma solução global. No entanto, os Estados Unidos têm de assumir a liderança em relação às soluções para o aquecimento global. Tenho esperança de que agora finalmente fará isso.

Notas:

[1] Permafrost é um termo inglês para nomear o tipo de solo encontrado na região do Ártico. É constituído por terra, gelo e rochas permanentemente congelados. Esta camada é recoberta por uma camada de gelo e neve que, se no inverno chega a atingir 300 metros de profundidade em alguns locais, ao se derreter no verão, reduz-se para de 0,5 a 2 metros, tornando a superfície do solo pantanosa, uma vez que as águas não são absorvidas pelo solo congelado.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

A ‘walmartização’ da economia global


Uma entrevista com o autor do livro Por que não nos odeiam. A verdadeira história do conflito de civilização. Uma análise corrosiva e brilhante da globalização e das formas de resistência que se desenvolvem no norte e no sul do planeta. A reportagem e a entrevista são de Benedetto Vecchi e foram publicadas pelo jornal Il Manifesto, 21-05-2008.

Mark LeVine é um jovem estudioso – ensina História Moderna do Oriente Médio na Universidade da Califórnia – para quem o paradigma do conflito de civilização é restrito; na verdade o considera o resultado de uma campanha ideológica real e oportuna para garantir a hegemonia ocidental no planeta. No volume Porque Não nos Odeiam (DerivaApprodi), sustenta que há muitos mais pontos de contato entre um homem de negócios do Marrocos e da Califórnia do que entre um operário de Chicago e um manager wasp da Wal-Mart. Para LeVine, na realidade, a globalização favoreceu o crescimento de uma elite global que compartilha não a religião, mas a mesma tendência de viver como um corpo separado dentro do estado-nação onde nasceram. Para o resto da população mundial, ao contrário, a articulação da identidade, das formas de vida produz uma colcha de retalhos na qual, por exemplo, o Islã convive com a música heavy metal ou o rap.





O senhor escreve muito sobre a difusão global de estilos de expressão, sobre formas artísticas que vêm moldadas segundo os contextos locais. O Senhor quer dizer que a globalização neoliberal está parada, enquanto a cultural não?


Na atual globalização, o social e o econômico foram “culturalizados”. Explico-me: as empresas baseiam seus lucros no poder da marca, enquanto fazem uma rede de empreendimentos externos fazer o trabalho “sujo”. Tudo isso significa que empresas, como Nike ou Microsoft, vendem a idéia de um produto que é produzido por outros. Também, no livro escrevo sobre “walmartização” da economia global. Wal Mart não é somente uma empresa transnacional, mas também um modelo de relação entre capital e força de trabalho oposto àquele normalmente definido como fordista. Nas fábricas automobilísticas de Henry Ford, é sabido, os salários eram relativamente altos, de tal modo que os operários podiam comprar o modelo T que produziam. Wal Mart, ao contrário, paga salários tão baixos que os seus empregados conseguem apenas sobreviver. Essa tendência de rebaixamento salarial vale em todo o mundo. Por exemplo, na Jordânia, as empresas não contratam os trabalhadores jordanianos ou palestinos, mas os homens e mulheres provenientes de Bangladesh ou do Paquistão, porque são “mais baratos”; desse modo, pode-se pagar-lhes pouquíssimo e rapidamente podem ser substituídos a qualquer momento. E isso acontece também em Dubai, em Israel, em qualquer lugar.

Atualmente, Rotana, o gigante saudita do entretenimento, traz à luz produtos culturais dentro de um modo de produção que não é assim tão diferente do que os intelectuais islâmicos denunciavam como orquestração ocidental de eliminar a diversidade cultural do Islã. Ao mesmo tempo, são manifestadas fortes tendências underground em que a hibridização entre o Islã e outras “culturas” é muito acentuada. Por exemplo, os jovens mulçumanos – o grupo demográfico mais importante dos países árabes – produzem artefatos culturais “contaminados”. E, desse modo, existem muitíssimos grupos de jovens islâmicos que tocam Heavy Metal. Essa é a “cultura de interferência”, o lado positivo da globalização que pode ajudar a formação de ações políticas e relações econômicas alternativas àquela proposta pelos extremistas neoliberais ou religiosos.

No volume, a globalização é sinônimo de desigualdade, uma bomba-relógio que pode trazer uma nova guerra global bem mais temível do que aquela preventiva desejada por George W. Bush. Cresce, além disso, a ascensão da China e da Índia. O senhor não acredita que realmente o ingresso fragoroso deles na boa sala de estar da economia mundial trará outro tipo de globalização e que precisará considerar recomposta aquela que o pesquisador Ken Pomerranz chamou de eterna “grande divergência”?



O livro de Pomeranz A grande divergência é importante, porque convida a olhar os eventos atuais dentro de uma perspectiva histórica de longa duração. Pomeranz afirma que até 1750 a China era a sociedade econômica e socialmente mais desenvolvida do mundo. Então, uma combinação de fatores (presença de enormes recursos naturais como o carvão e a madeira unidos ao acesso colonial às minas de prata do Novo Mundo) permitiu a alguns países o velho continente – a Inglaterra, França e mais tarde a Alemanha – conquistar a liderança da economia mundial. Concordo com essa reconstrução, porque ajuda a compreender o fato que o desenvolvimento capitalista europeu, e, mais tarde, o estadunidense, baseou-se sobre o que eu chamo de “a matriz da modernidade”. O colonialismo e o nacionalismo são fenômenos amplamente estudados: sem eles não teria sido possível o desenvolvimento capitalista.

Igualmente estudada é a tendência de reduzir os fenômenos sociais à entidade mensurável. Uma tendência à racionalização usada para construir a ideologia sobre superioridade ética, cultural do Ocidente com relação ao resto do planeta.

A atual relevância da China e da Índia no panorama mundial está seguramente em contra tendência em relação à história dos últimos séculos. Todavia, a realidade que está escondida atrás do “milagre asiático” é menos rósea que contínua. Na China, por exemplo, a democracia permanece uma miragem, ao passo que a opressão em que é mantida grande parte da população e o aumento das desigualdades sociais são os preços pagos pelos chineses pelo desenvolvimento econômico. Para completar esse triste afresco há o deslocamento voraginoso de milhões de camponeses em direção à cidade. A Índia, por sua vez, é com certeza um país democrático, mas com milhões de trabalhadores que recebem salários um pouco acima do nível de pobreza, enquanto se multiplicam as denúncias de corrupção do pessoal político e da burocracia estatal. O milagre econômico chinês e indiano está, sim, mudando o equilíbrio na globalização, mas não representa um modelo alternativo para ela. A China e a Índia constituem-se um exemplo de como funciona hoje a globalização.

Segundo o senhor, o Islã tornou-se uma marca global. Provocação por provocação: não acha que a reivindicação de uma identidade islâmica seja, na realidade, um modo para afirmar uma marca que participa do grande banquete da economia mundial?


Depende de qual Islã se fala. Existem, de fato, inumeráveis expressões da cultura islâmica, muitas das quais estão em conflito profundo, e freqüentemente radical, uma contra a outra. Por exemplo, se é desenvolvida uma cultura islâmica neoliberal, freqüentemente é ridiculariza como o “Islã do ar condicionado”, que é explícita da burguesia muçulmana, uma classe social protagonista na definição das políticas neoliberais dos regimes autoritários como o Egito, o Marrocos, a Tunísia, onde a repressão dos grupos islâmicos e de outros opositores foi particularmente brutal. A elite islâmica neoliberal vive em comunidade fechada, exibem artigos de grife, estão sempre conectados à rede, exatamente como a elite ocidental. Comportamentos e estilos de vida que têm a sua representação na visão distópica proposta na arquitetura de Dubai.

Até eu creio, então, que a elite dos países muçulmanos participa do grande banquete da economia mundial. Há, no entanto, mulheres e homens islâmicos que lutam contra a pobreza em seus países. A verdadeira questão é como todos nós, independentemente de nossa religião ou nacionalidade, podemos sentar-nos a uma mesa em que cada um possa comer segundo sua necessidade. Isso significa achar uma saída do neoliberalismo, antes que os danos sociais, ambientais e políticos desses produtos se tornem irreversíveis.

Um novo consenso é necessário




A superação da crise atual, sistêmica e estrutural, exige a construção de uma nova agenda civilizatória. Para isso, é preciso formar uma maioria política que alie capital produtivo e estratos sociais organizados, como trabalhadores e seus sindicatos, associações de bairros e entidades de classe média. Uma das principais tarefas é a defesa da sustentação das atividades produtivas com redistribuição da renda e riqueza acompanhada da democratização das estruturas de poder, produção e consumo.

A análise é de Márcio Pochmann, presidente do IPEA, em artigo publicado pela Agência Carta Maior, 11-01-2009.


Eis um trecho do artigo:

"(...)Neste começo do século XXI, quando se conforma a sociedade pós-industrial que têm mais 70% das ocupações envolvidas com atividades intangíveis, a produtividade que mais cresce é aquela que decorre do trabalho imaterial. A concentração dessa nova e imensa riqueza em poucas mãos é que potencializa a grave crise do capital globalizado. O enfrentamento dessa crise requer receitas novas, contemporâneas com as oportunidades atualmente em curso. A transformação da propriedade em favor de todos, especialmente as decorrentes das propriedades financeira e intelectual, impõe exigências como educação para a vida toda, não mais para as faixas precoces da vida (crianças, adolescente e jovem).

Adultos e velhos necessitam continuar estudando ao longo da vida, especialmente numa sociedade cuja expectativa média de vida deve superar os 100 anos de idade. Para educação de vida toda, em que o exercício do trabalho pode ser realizado em qualquer lugar (casa, praça, aeroporto, rodoviária, entre outros), deixa de ser funcional a velha e rígida divisão fordista da atividade (trabalho) com inatividade (estudo), pois o trabalho material é realizado fundamentalmente no local próprio de trabalho (fábrica, escritório, fazenda, laboratório, etc.).

Com o trabalho imaterial sendo efetuado cada vez mais fora do seu local tradicional, não há razão técnica que justifique as longas jornadas oficiais de trabalho do século 20, pois do contrário o cidadão permanece plugado no trabalho heterônomo quase 24 horas por dia. Aumentar o tempo livre requer financiamento público, como para as ações que envolvam descontaminar o trabalhador das novas doenças profissionais.

Enfim, há oportunidade para que tudo isso pode e deve ser feito nos dias de hoje. Ademais da lutas sociais em termos do embate das idéias que possam revolucionar o projeto de sociedade atual, urge implantar uma profunda reforma do Estado que implique avançar o fundo público para mais de 2/3 do total do excedente econômico, por meio da tributação dos ricos, sobretudo os detentores das novas riquezas imateriais.

Da mesma forma, a ação estatal de novo tipo requer o seu próprio empoderamento para tratar do novo contexto global controlado por somente 500 grandes grupos econômicos, responsáveis por quase 50% do Produto Interno Bruto mundial. A defesa do espaço nacional, com exploração plena de todo o potencial econômica impõe fortalecimento da iniciativa privada, com novas regras que permitam ampliar a competição, mesmo com ação estatal em setores potencializadores da sociedade pós-industrial. Este Estado está ainda por ser constituído. Somente uma nova maioria política poderá viabilizar essa complexa e necessária construção. Que o Brasil lidere esse movimento, assim como na Depressão de 1929 foi um dos protagonistas a adotar o keynesianismo avant la lettre e, por isso, permitiu ser um dos primeiros países a superá-la."

Sem chuva da Amazônia, SP vira deserto





São Paulo tem vocação natural para deserto. Só não é terra seca porque existem os Andes e a Amazônia. "Os Andes não vão sair de lá, a não ser que aconteça um cataclisma. Mas destruir a Amazônia para avançar a fronteira agrícola é dar um tiro no pé do agronegócio." O agrônomo Antonio Nobre, 50 anos, 22 deles vividos na Amazônia e autor da frase acima, tem se dedicado a estudar e dar visibilidade aos trabalhos de colegas sobre o regime de chuvas no país, uma área difícil, de poucos dados, e fundamental no horizonte do aquecimento global. "A Amazônia é uma bomba hidrológica gigantesca que traz a umidade do Oceano Atlântico para dentro do continente e garante que a região responsável por 70% do PIB da América do Sul seja irrigada", continua.

A reportagem e a entrevista é de Daniela Chiaretti e publicada pelo jornal Valor, 12-01-2009.

Antonio Nobre vem de família rara. O pai era jogador de futebol, a mãe, pintora. Criaram seis filhos com DNA dominante de cientista. O irmão mais velho é Carlos Nobre, um dos maiores climatologistas do país. Paulo estuda como a destruição da Amazônia afeta os oceanos e é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), onde também trabalham Carlos e Antonio. Outro irmão é professor da Fundação Getúlio Vargas, o caçula faz doutorado em ecoturismo no Colorado (EUA). A única mulher do time é psicóloga e astróloga - "faz pesquisa no sutil", diz Antonio, casado com uma pesquisadora do Inpe.

Com mestrado em biologia tropical pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (o Inpa, de Manaus), e doutorado em biogeoquímica pela Universidade de New Hampshire, há cinco anos Antonio é o homem do Inpa dentro do Inpe. Em sua sala em São José dos Campos (SP), rodeado por quadros da mãe, busca conectar a experiência amazônica com o que os satélites enxergam do espaço. Como todos os cientistas que se dedicam à mudança climática, o que vê não é promissor. "Temos cinco ou seis anos para impedir que uma catástrofe maior se estabeleça."

Entre os mais novos estudos que vem recolhendo sobre o regime das chuvas, há dados impressionantes. A Amazônia evapora, em um único dia, 20 bilhões de toneladas de água. "Este rio voador, que sai para a atmosfera na forma de vapor, é maior que o maior rio da Terra", diz Antonio, comparando o potencial de chuvas da Amazônia às 17 bilhões de toneladas de água que o Amazonas lança todos os dias no Atlântico. "Está se descobrindo que a floresta é dez vezes mais importante do que se imaginava", diz ele. "Estudos mostram que, nas regiões com floresta, a chuva continua igual por 500 km, 2 mil km; nas regiões do mundo onde ela foi tirada, dentro do continente é deserto", explica.

O cientista lembra que as primeiras consequências do desmatamento já são sensíveis. Em Tocantins, Pará e Mato Grosso já se detectam temperaturas muito altas. O Rio Grande do Sul está perdendo safras. "Não é para parar com o desmatamento da Amazônia em 2015. Era para parar ontem. Tem que ser zero, nenhuma árvore mais derrubada. Precisamos replantar a floresta."

Na entrevista, Nobre explica como chuvas, ventos, oceanos e florestas estão interligados e por que alterar este equilíbrio pode trazer danos irreversíveis à vida.

Eis a entrevista.

Como o senhor interpreta as chuvas que castigam Santa Catarina, Minas, Espírito Santo?

O único comentário que tenho é que lamentavelmente isso pode ser fichinha diante do que está vindo. Eventos extremos sempre aconteceram, mas a Terra tem mecanismos de atenuação. Agora, como a humanidade tem perturbado esses mecanismos, estamos tendo um aumento de frequência desses eventos. Professores da Universidade Federal de Santa Catarina disseram que o sofrimento que esta chuva produziu é quase 100% responsabilidade da forma como foi feita a ocupação naquela região. É o mesmo que acontece em Minas, no Rio e está sendo imposto na Amazônia. Um sofrimento decorrente de construir em encostas íngremes, de cortar floresta e deixar a região fragilizada. O problema não é da natureza, é humano. Santa Catarina é uma região propensa a esse tipo de evento, infelizmente. Mas também é uma prova da falência do sistema político brasileiro, que só atende ao imediatismo. O Código Florestal, desrespeitado, é de 1965 e nem leva em consideração as mudanças climáticas. Se levasse, seria muito mais restritivo, porque só temos cinco ou seis anos para impedir que a catástrofe maior se estabeleça sem chance de retorno.

O Brasil está enxergando a Amazônia com outros olhos?

O imaginário coletivo coloca nas florestas tropicais de modo geral, e na Amazônia, de modo particular, a sensação de algo de muito valor, de coisa grandiosa, mística. A Amazon.com não escolheu seu nome à toa. As pessoas atribuem esse valor ao sentido de paraíso perdido, de riqueza, de vida. Isso é senso comum. Exceto por um povo no mundo: o brasileiro.

Por quê?

Porque o brasileiro médio acha que está deitado eternamente em berço esplêndido. E ele entende por isso vastas áreas propícias para agricultura, chuvas plenas, clima ameno, rios caudalosos que permitem geração de energia, um eldorado de minerais e agora o petróleo. É um país abençoado. Isso define a visão ufanista de que temos valores extraordinários no Brasil.

E não é assim?

Analise o que falei: área para agricultura, água nos rios para energia, biocombustíveis, minerais, não tem nada vivo! Bem, a agricultura é viva, mas não é natural. O berço esplêndido do brasileiro é a terra aberta, não há registro da nossa herança viva. É a nossa visão cultural. O verde está lá, tremulando na bandeira, mas não o valorizamos.

Por que não?

Várias razões. Uma é a que chamo herança maldita dos invasores. O europeu que chegava aqui, na colonização, era o que tinha de pior naquela sociedade. Mercenários que encontravam uma terra sem lei nem rei, onde havia uma floresta de vigor incrível, ouro, povos sem exército nem pólvora. Toda essa abundância ofertada obscenamente para pilhagem. E com o agravante da Igreja, que dizia que os povos da terra não tinham alma enquanto não fossem batizados. Portanto, o conhecimento da natureza que esses povos tinham valia zero. Assim se removeu o saber indígena do "pool" cultural do brasileiro e o pouco caso com o ambiente passou a fazer parte do nosso caráter.

Como se muda isso?

Primeiro reconhecendo que tem carrapato em cima da vaca. Por que o brasileiro chama floresta de mata? Mata é coisa sem valor. Porque era assim para o invasor e nós perpetuamos a rapina. Continua ativa a mesma mentalidade, hoje disfarçada de direito, que faz parte do nosso sistema de valores, foi incorporada no governo e se disfarçou. Agora se chama desenvolvimento. Temos que reconhecer esse fardo ignaro e pensar positivamente para frente. Parar de brigar ambientalista com desenvolvimentista e redescobrir nossa identidade. O brasileiro tem uma reação forte contra pirataria: "Estão roubando os nossos bens", diz, indignado. Mas um ataque sem precedentes aos biomas, com tratores e correntões, motosserra e fogo não desperta revolta. É claro que temos que desenvolver, precisamos de agricultura. O Blairo Maggi [governador do Mato Grosso e um dos maiores produtores de soja do mundo] perguntou outro dia se queremos árvores ou se queremos comida. É um dilema totalmente falso.

Por quê?

Porque sem árvores não tem água e sem água não tem comida. Uma tonelada de soja consome várias toneladas de água para ser produzida. Quando exportamos soja, estamos exportando água doce para países que não têm esta chuva e não podem produzir. É o mesmo com o algodão, com o álcool. Água é o principal insumo agrícola. Se não fosse assim, o Saara seria verde, porque tem solos fertilíssimos.

As pessoas acreditam que chuva é um fenômeno eterno...

Pois é. Mas pense numa caixa d´água. Se tem só um cano saindo e nenhum entrando, vai esvaziar. Os rios saem dos continentes e vão para o oceano. Precisa ter alguma volta de água ou seca o continente.

De onde vem essa água?

Essa é uma pergunta que ninguém se faz. Aprendemos assim na escola: a água salgada do mar evapora pela ação do sol, o sal fica no mar e a água doce forma as nuvens. O vento sopra a umidade, chove no continente e a água volta para os rios.




Está errado?

Então devia ter água em todos os continentes da Terra, mas existem desertos, não é? É só olhar o globo e ver que em toda a zona equatorial tem florestas. Ou tinha, as estamos destruindo. Mas nas áreas contíguas, a 30 graus de latitude norte e sul, existem desertos. O Kalahari, deserto da Namíbia, o Atacama, o Saara. Isso tem uma explicação, chama-se circulação de Hadley: a parte central do planeta recebe maior radiação solar, ilumina muito, é uma área muito quente, evapora muita água, a evaporação produz chuvas na região. A produção de chuva faz com que o ar circule assim: sobe no Equador e desce a uns 30 graus norte e sul. O ar que sobe, perde umidade, chove; quando desce rouba umidade da superfície e formam-se os desertos. Só há duas exceções, no Sul da China, um lugar atrás do Himalaia, e na região que produz 70% do PIB da América do Sul, o quadrilátero que vai de Cuiabá a Buenos Aires e de São Paulo aos Andes. Toda essa atividade econômica depende de chuva. Se prevalecesse a circulação de Hadley, seria deserto também. Teria floresta na Amazônia e aqui não teria nada.

E por que não é deserto?

Por duas razões. Uma, publicada pelo José Marengo [outro especialista em clima, do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Inpe]. Se esta região deveria ser deserto e não é, tem algo na América do Sul que é diferente. O quê? Os Andes, uma parede de 6 mil metros de altura, que corta o continente até a Patagônia. Funciona assim: a massa de ar gira sempre de leste para oeste em cima do Equador e o vento sopra ao contrário na faixa entre a zona equatorial e a polar. A umidade do Atlântico entra sobre a Amazônia, a floresta a mantém, e se não existissem os Andes passaria direto ao Pacífico. Mas o ar bate na cordilheira e no verão consegue chegar ao sul e irrigar o nosso quadrilátero produtivo.

É uma chuva importante?

Significa mais de 90% da chuva que cai na região. A transmissão de umidade da Amazônia para o centro agrícola da América do Sul é o que faz produzir e não deixa a área virar deserto. A condição dos Andes é importante, é por isso que o pessoal diz que o Acre é onde o vento faz a curva. Mas é o segundo fator que considero o mais importante: temos uma esponja verde como cabeceira de água na América do Sul, a floresta amazônica. As árvores conseguem evaporar mais água do que os oceanos por unidade de área.

Como é esta comparação?

Nobre: Uma árvore grande, com copa de 20 metros, chega a evaporar 300 litros de água por dia. No oceano, 1 m2 é 1 m2 de superfície evaporadora. Mas 1m2 de floresta chega a ter 8, 10 m2 de folha. Evapora oito, dez vezes mais que o oceano. A floresta é como um radiador de automóvel, é um evaporador otimizado. As folhas são distribuídas em vários níveis por 40 m de altura. O vento vem, encontra a superfície cheia de galhos, faz turbulência, gira, entra pelo meio. Isso ajuda a remover umidade da superfície. Medimos o quanto a Amazônia evapora, é um número astronômico: 20 bilhões de toneladas de água em um dia. Para ter ideia do que é este volume, o rio Amazonas lança 17 bilhões de toneladas de água por dia no Atlântico. Este rio voador, que sai para a atmosfera na forma de vapor, é maior que o maior rio da Terra.

É por isso que o senhor diz que avançar a fronteira agrícola para a Amazônia é dar um tiro no pé?

Claro. A Amazônia é uma gigantesca bomba de água. A evaporação precisa do sol para acontecer. Calculamos quanta energia seria necessária para evaporar toda aquela água. Quantas Itaipus precisaríamos para evaporar um dia de água da Amazônia? Precisaríamos de 50 mil Itaipus a plena carga.

Como atua essa bomba?

Cerca de 50% da chuva cai de novo na floresta. O fato de ela absorver essa energia toda na superfície e liberar em altitude, onde condensam as nuvens, produz circulação atmosférica. A floresta gera uma bomba que puxa o vento do oceano para dentro da terra. Chega este ar cheio de umidade, chove, a floresta evapora, o ar úmido continua seu caminho para dentro do continente, chove de novo. São 4 mil km até os Andes. Quando alcança os Andes, ainda está carregado de umidade, bate na cordilheira, desce e vai irrigar as plantações de soja do Centro-Oeste, Sudeste, Sul e segue. Estudos mostram que nas regiões com floresta, a chuva continua igual por 2 mil km. Nas regiões onde foi tirada, lá para dentro do continente é deserto. As primeiras consequências do desmatamento já estão disponíveis. O Rio Grande do Sul já está perdendo safras. Se desmatarmos e enfraquecermos a bomba, a região toda vai secar, porque é seu destino natural.




A Amazônia, então, é fundamental para a agricultura?

Está se descobrindo que a floresta é dez vezes mais importante do que se imaginava. Tem outros fatores, também: a floresta faz chover. Essa foi uma descoberta fantástica do projeto LBA (Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia). Gotas precisam de alguma coisa sólida para se formarem, é fácil perceber quando se tira uma garrafa de refrigerante da geladeira e formam-se gotinhas em volta. A floresta emite vapores orgânicos para a atmosfera, que funcionam como sementes de nuvens. Mas precisa ser a quantidade certa para chover, se tiver demais não chove. A fumaça das queimadas introduz partículas demais na atmosfera, seca as nuvens e elas não chovem. Durante o período seco, das queimadas, a floresta sempre mantinha uma chuvinha que a deixava úmida e não-inflamável. Agora passam dois meses sem chover. A floresta começa a ficar muito seca e o fogo entra por ela. As árvores da Amazônia, diferente do Cerrado, não têm resistência ao fogo. Um fogo bobo mata todas as árvores que têm raízes rasas, e aquela floresta está condenada. Existem árvores imensas sendo destruídas assim.

Então é um mito que a Amazônia é muito forte?

É forte quando o regime de chuvas está perfeito, mas com fogo, correntão e motosserra fica difícil. Em Tocantins, está dando 40 graus. No Pará e no Norte do Mato Grosso, registramos temperaturas muito altas. Cuiabá é quentíssima. Já está em curso um processo que a gente não sabe se é sem volta e temos que acabar com a hipocrisia que acende esse debate. Não é para parar com o desmate em 2015. Era para parar ontem, zero, nenhuma árvore mais derrubada. Temos que replantar a floresta.

O sr. faz uma espécie de militância científica?

Foi o efeito da floresta no meu espírito. Eu me senti muito frustrado com tudo o que vivenciei na Amazônia. Tive uma fase de militância ambientalista, depois vi que temos que ter pé no chão e não falar só "não pode". Mas, se destruirmos as florestas, vamos estourar o nosso sistema climático. A condição do sistema terrestre hoje é a de já estarmos na UTI com falência múltipla de órgãos. Isso é o aquecimento global. A queima de combustíveis fósseis tem papel importante, mas a destruição dos órgãos de manutenção do clima, florestas e oceanos é o principal fator para o descontrole global. Não adianta todos os carros virarem elétricos se continuarmos a desmatar.

Quem conhece as coisas da Amazônia?

Os povos nativos, intuitivamente. Mas são desrespeitados, não são valorizados. Temos que considerá-los um dia, se quisermos ser uma grande nação. E existe o conhecimento científico disperso em uma enorme variedade de disciplinas. Eu sou um garimpeiro de pérolas, em diferentes áreas. É isso que faço, ligo uma coisa à outra.

O senhor é otimista sobre a nossa mudança de consciência?

Não consigo ver a mudança sem passarmos, infelizmente, por uma catástrofe. Aqui, o crescimento sem controle do agronegócio está danificando o funcionamento hidrológico da América do Sul. Enquanto lá fora se fala em serviços ambientais, aqui é só agronegócio, aço, minério, assuntos do século XX. A gente só chega depois, temos mentalidade de colônia até hoje. Mas o mundo vai depender cada vez mais dos nossos serviços ambientais. O Brasil não é só grãos.




Extraído de: http://www.unisinos.br/_ihu/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=19253

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

O que Debord diria...?

Ontem e Hoje...


Selecionado, bebê nasce na Inglaterra sem gene para câncer de mama




O primeiro bebê britânico selecionado para não ter um gene relacionado ao câncer de mama nasceu em Londres, informou nesta sexta-feira (9) o hospital do University College. O embrião que deu origem à menina passou por um diagnóstico pré-implante, para evitar que a criança tivesse uma variação do gene BRCA1, que aumenta o risco de câncer de mama ou de ovário.

Em junho do ano passado passado, a mãe, de 27 anos, decidiu recorrer à escolha genética após ver de perto o caso familiar. Três gerações de mulheres de sua família --entre elas sua avó, mãe, irmã e uma prima- tiveram o tumor diagnosticado. O marido também é portador do gene.

O diretor da Unidade de Reprodução Assistida do hospital, Paul Serhal, que não informou a data do nascimento, disse hoje que "a menina não terá que enfrentar o risco desta carga genética do câncer de mama ou câncer de ovário quando for adulta". A identidade dos pais criança não foi anunciada.

Sem a intervenção da ciência, a menina teria entre 50% e 80% de probabilidades de desenvolver o tumor. Por isto, a equipe médica examinou diversos embriões e selecionou os que estavam livres deste gene.

Cerca de mil bebês nasceram até agora se beneficiando deste método de seleção genética para eliminar a carga genética de outras doenças, como a fibrose cística ou a doença de Huntington.


Esse tipo de procedimento está proibido na Alemanha, Áustria, Itália e Suíça. Em compensação, é autorizado na Bélgica, Dinamarca, Espanha e Reino Unido. Na França é permitido apenas para detectar uma doença genética incurável, como a miopatia ou mucoviscidose.

Em 2006, o Reino Unido ampliou a possibilidade de recorrer ao diagnóstico, acrescentando a mutação genética BRCA 1.


Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u488217.shtml


quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Alerta amarelo


"...todos os sem-abrigo que queiram ter uma cama para descansar durante a noite o podem fazer. Mas as estações de metro e a Gare do Oriente também poderão abrir durante a noite para quem não tenha casa, mas só no caso de as condições meteorológicas se agravarem e se se passar para o nível de alerta vermelho, que neste momento é amarelo".


(Extraído de : Blog Farpa Kultural)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Inteligência suicida ?


Inteligência suicida e os ataques dos bandidos



Por: Salvador Nogueira

Então, eu moro em São Paulo.
Uma das coisas que inevitavelmente a gente pensa depois de uma crise de violência como essas --sem precedentes na cidade e no Estado-- é "por que tem de ser assim?". Não sei a sua opinião, mas para mim uma situação como essa, de total descontrole do governo, histeria da população e desfaçatez dos bandidos, agride a minha própria humanidade. Gosto de acreditar que vamos --e estamos sempre a-- progredir. No que diz respeito ao futuro da nossa espécie, na Terra e fora dela, costumo ser um otimista. Mas eventos como esse colocam a incômoda questão: será?

Não se preocupe. O resto da coluna não vai ser sobre a bandidagem -- eu não agüento mais esse assunto e espero que você também esteja se cansando dele, a essa altura do campeonato. Mas acho que surge aqui uma boa oportunidade para discutirmos uma questão transcendente, bem à moda do mensageiro sideral. Então, lá vai ela: estamos sós no Universo?

Esta é a sua deixa. "Ei, peraí", você me diz. "O que a violência urbana tem a ver com vida extraterrestre?" Com vocês, Enrico Fermi, o brilhante físico do século 20.

Cientista italiano radicado nos Estados Unidos, Fermi ficou conhecido por suas pesquisas sobre física de partículas --o famoso Fermilab, em Illinois, ganhou seu nome em homenagem a ele. Mas, no que diz respeito à busca por vida alienígena, ele não era um dos mais entusiásticos apoiadores.

O assunto surgiu na mesa de Fermi e seus colegas num almoço, em 1950. Alguns deles defendiam fortemente a hipótese de inteligência extraterrestre, citando as já conhecidas estatísticas: a Terra é só um planeta, de vários que orbitam ao redor do Sol, que é uma estrela entre 200 bilhões delas na galáxia, que é apenas uma de bilhões e bilhões de galáxias. Como pode, em toda essa quase infinita variedade, haver apenas um lugar com vida inteligente?

Fermi respondeu a seus amigos com uma pergunta. "Muito bem", disse ele. "Mas então onde está todo mundo?"

Pode parecer ingênuo, mas não é. Uns cálculos rápidos mostram que uma civilização inteligente, mesmo num ritmo modorrento (vulgo, abaixo da velocidade da luz), poderia colonizar toda a Via Láctea, com suas incontáveis estrelas, em menos de 1 milhão de anos. Nós ainda não chegamos ao nível tecnológico que permitiria o início dessa colonização. Mas nós só entramos no jogo há uns 160 mil anos (se contarmos apenas a versão Homo sapiens), e a galáxia está aí há uns 13 bilhões de anos. Pelo mesmo argumento estatístico dos entusiastas por alienígenas, alguém deve ter chegado antes de nós. Então, por que ninguém colonizou o Sistema Solar antes que começássemos a explorá-lo? Esse problema ficou conhecido como paradoxo de Fermi --e a resposta para o enigma ninguém ainda tem. (Obrigado pela presença, Enrico. Você pode ir agora.)

Uma possibilidade assustadora é que (e agora você vai entender onde o PCC, Osama bin Laden e outros dessa turma entram na conversa) nenhuma civilização tenha colonizado a Via Láctea ainda simplesmente porque nenhuma civilização consegue sobreviver a si mesma depois que atinge um certo nível tecnológico.

Animais evoluem no ambiente de competição da natureza, e instintos violentos necessariamente fazem parte desse pacote. Ainda que sejamos conscientes e inteligentes, capazes de ações racionais e não puramente instintivas, nossa evolução nos legou esse fardo. Até aí tudo bem --brigas de estádio não têm o poder de destruir civilizações inteiras.
Infelizmente, o tempo dos socos e pontapés está cada vez mais no passado. Civilizações tecnológicas desenvolvem, com o tempo, formas cada vez mais sofisticadas de violência. Basta lembrarmos as duas tecnologias que impulsionaram nossas primeiras idas ao espaço, foguetes poderosos (vulgo mísseis balísticos intercontinentais) e bombas atômicas. Essas duas criações, juntas, podem facilmente propiciar a destruição da civilização. Felizmente, elas são caras o bastante (ainda) para estar apenas ao alcance de instituições governamentais, mas não nas mãos dos terroristas e criminosos de fundo de quintal. Então, salvo a ação de algum maluco (alguém aí pensou GWB?), por ora, a destruição está fora do alcance.

Sir Martin Rees


Mas por quanto tempo? Em seu livro "Hora Final", o astrônomo real britânico, sir Martin Rees, defende que exista uma chance de mais de 50% de uma grande catástrofe capaz de destruir civilizações ocorrer ao longo do século 21. Ele aponta que, somando-se ao temor nuclear, novas tecnologias, como o desenvolvimento de máquinas minúsculas capazes de auto-replicação e de supervírus, estão atingindo maturidade suficiente para ameaçar a humanidade. Mais que isso, Rees ressalta que o uso de algumas dessas novas tecnologias não exige um esforço do tamanho do Projeto Manhattan (que desenvolveu as primeiras armas nucleares americanas). Em vez disso, qualquer pé-rapado com um mínimo de conhecimento, um laboratório de meia pataca, uma conexão à internet e uns poucos equipamentos e suprimentos pode ser suficiente. E o poder de devastação seria tão grande -- ou até maior --que o de uma bomba atômica.

Trocando em miúdos, o poder de fazer grandes estragos está cada vez mais na mão de indivíduos. E há muitos loucos por aí. Será que essa é a reposta ao paradoxo de Fermi?

Gostaria de acreditar que não. E há os otimistas. O astrobiólogo americano David Grinspoon, por exemplo, em seu livro "Planetas Solitários", usa as estatísticas para superar esse temor. Ele acredita que, com muitas civilizações surgindo no Universo, é muito improvável que pelo menos algumas delas não consigam superar esse "gargalo tecnológico" e sobreviver. Fermi entra correndo pela lateral do palco e diz: "Onde elas estão?"

Grinspoon não sabe. Eu também não. Só sei que, quanto mais tempo nós sobrevivermos a nós mesmos, maiores devem ser nossas esperanças de encontrar alguém lá fora e aplacar a nossa solidão cósmica.


Salvador Nogueira, 27, é jornalista de ciência da Folha de S.Paulo.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Os cybermanos e a periferia globalizada


Por: Vladimir Cunha



Apropriar-se da cultura periférica, simplificá-la e revendê-la no menor espaço de tempo para o maior número de pessoas possível. Durante quase cem anos, essa foi uma das estratégias de sobrevivência da indústria do entretenimento. Ainda que não seja visível a olho nu, como nas embalagens de extrato de tomate, existe um prazo de validade que determina a duração de seus produtos. A indústria do entretenimento não é dinâmica. É estática, monocultural e de curta duração. Daí recorrer à periferia quando lhe faltam idéias, reciclando estéticas e movimentos espontâneos, transformando-os em divertimento limpo e seguro para as massas.

O spiritual do final do século XIX resultou no blues. E o blues, ao misturar-se com o country, deu ao mundo o rock'n'roll, que, bem mais tarde, permitiu aos Beatles fragmentarem-se em discos, pôsteres, lancheiras, bottons e desenhos animados, o primeiro produto de massas da música jovem. A literatura beat forneceu a base teórica/comportamental da contracultura norte-americana dos anos 60, posteriormente transformada no movimento hippie e diluída para ser aproveitada pela indústria na moda, no cinema e na televisão. A morte de Jack Kerouac, a prisão de Timothy Leary e Abbie Hoffman na clandestinidade são o contraponto ao desbunde capitalista de Woodstock e a "psicodelia" como tendência de mercado, um filão lucrativo explorado em forma de pastiche em seriados como The Banana Splits e filmes como A Fantástica Fábrica de Chocolate e, mais tarde, de forma ingênua e equivocada pela Jovem Guarda brasileira.

Não que, vez ou outra, manifestações autênticas de rebeldia e inconformismo artístico escapem ao controle dos mass media. O "fuck" dos Sex Pistols na televisão inglesa é um bom exemplo disso. No entanto, a indústria do entretenimento é, sobretudo, baseada no consenso. Ela pode até usar, em maior ou menor grau, conceitos gerados por movimentos periféricos. Ainda assim, tenderá sempre a reduzi-los ao mínimo denominador comum, aproveitando a novidade apenas como forma de edulcorar formatos anteriores já testados à exaustão.

Em conceito, Christina Aguilera é uma atriz de música negra: usa bases de funk e hip-hop, recorre a inflexões vocais características do R&B e renega a assepsia visual dos ídolos adolescentes da classe média WASP norte-americana. Como as cantoras de rap e de R&B, Christina rebola, usa roupas apertadas e simula ter uma sensualidade que a América branca e conservadora condenaria em outras circunstâncias. Mas Christina é, acima de tudo, um produto da indústria do entretenimento, vendida como passatempo seguro, que desperta em seus fãs tanto fantasias de transgressão social e sexual quanto estimula o conformismo ao estabelecer limites para a sua própria "rebeldia". Da cultura negra, ela utiliza apenas uma estética estilizada e branda, que lhe permite um certo verniz transgressor mas não compromete sua aceitação por parte do grande público.

Partido deste princípio, é possível traçar um paralelo entre o método de apropriação utilizado pela indústria do entretenimento e o desenvolvimento das culturas alternativas no Brasil. Ao contrário dos países onde elas se desenvolvem, certas tendências chegam ao nosso país como um produto destinado ao consumo de uma pequena parcela da sociedade, justamente aquela que possui melhores condições financeiras. O conhecimento e o acesso a determinado produto passam a ser não uma bandeira social e cultural e sim um símbolo de status para ser exibido entre um número restrito de iniciados.
Tomemos o exemplo da música eletrônica no Brasil e a cultura dos VIPs, das microcelebridades, do exclusivismo e dos códigos estéticos. Erroneamente, parte dos consumidores da música eletrônica no Brasil associa o estilo à manutenção de um conceito equivocado de modernidade, fechando-se em grupos e subculturas incipientes. É o que possibilita o surgimento dos clubes com política de porta e a tentativas, às vezes bem-sucedidas, de se estabelecer códigos sociais e estéticos.

Porém, o esnobismo exagerado de parte da cultura eletrônica brasileira acaba por eclipsar a verdadeira modernidade. Em sua essência, a palavra "moderno" está ligada ao modo de fazer as coisas. Ser moderno não é ter acesso a fontes de informação antes de todo mundo ou ter a capacidade de seguir tendências. Ser moderno é criar um fazer diferente, é confrontar aquilo que está estabelecido através de caminhos alternativos. Assim, a modernidade não está nas roupas de griffe "feitas para se usar na rave", nos modismos importados e muito menos no name dropping (mania elitista de citar rótulos e nomes na tentativa de impressionar alguém). A modernidade está, por exemplo, na periferia, que numa tentativa de driblar suas próprias deficiências culturais e financeiras acaba se tornando a fonte das mais interessantes e originais manifestações culturais. Do reggae criado em precários estúdios de dois canais nas favelas de Kingston ao rap saído das festinhas barra-pesada do Bronx, da zoeira musical dos punks londrinos as belas melodias que Cartola criou nos morros cariocas.

Isso só reafirma ainda mais a distorção de valores que regem alguns setores da cena eletrônica brasileira. Aqui é negado às classes mais baixas o acesso a uma cultura que, em seu país de origem, saiu exatamente das zonas mais pobres. As raves começaram como festas ilegais nos subúrbios de Londres, feitas por gente que não tolerava a política dos clubes, e o drum’n’bass nasceu nas quebradas de Brixton com influências diretas do reggae e do rap. E mesmo o DJ-artista, incluindo aí a negação ao star system da indústria cultural, tem raízes fincadas nos bairros negros jamaicanos e norte-americanos, especialmente no caso dos primeiros bailes de rap do final dos anos 70.

No Brasil, ao contrário, essa distorção da cultura eletrônica se estabeleceu em dois pontos distintos: no gueto-chic e na simplificação da e-music, exatamente o modelo de apropriação padrão da indústria do entretenimento. Nos dois casos, o que vemos são atitudes equivocadas. A primeira por transferir para eletrônica todos os vícios das elites brasileiras (através de preços altos, política de porta, preconceito e dress code). A segunda por diluir um estilo musical com propósitos exclusivamente comerciais (qualquer eletrônica passa a ser "techno", qualquer roupa extravagante passa a ser "moderna" ou "clubber", toda a festa se transforma em "rave").

Por outro lado, a descoberta de que a eletrônica, antes de ser um estilo musical, é uma ferramenta que possibilita um fazer artístico diferente, permite a periferia recombinar suas referencias sonoras criando assim música barata e, sobretudo, moderna. Dos subúrbios cariocas sai o funk, o amálgama bastardo surgido da semente plantada por Afrikaa Bambaataa e outros mestres da black music e (dizem) de um sonho revelador no qual o DJ Marlboro aprendeu a programar uma drum machine (“O que acontecerá se a cena electro de NY descobrir o Marlboro?”, alguém já perguntou por aí). Na periferia de São Paulo, legiões de cybermanos adaptam o drum`n`bass a realidade brasileira num processo que gerou artistas como Marky e Patife. E em Belém do Pará, o reggae, o raggamufim` e o drum`n`bass misturam-se a ecos de Kraftwerk em nome do tecnobrega, a meta-música das aparelhagens de som e das turmas de dançarinos de rua.

Obviamente, o maior desafio está em aceitar que a modernidade se faz presente também nos subúrbios, que bairros pobres podem produzir uma cultura de rua original e vibrante. Os rígidos códigos de postura e a vontade de se integrar a uma suposta vanguarda impedem que gêneros como o tecnobrega, o funk carioca e o drum`n`bass dos cybermanos recebam o mesmo grau de importância que a musica eletrônica feita na Europa e nos Estados Unidos. E enquanto periferia aprende que computadores podem fazer arte, o gueto chic deslumbra-se com a sua própria alienação, fingindo que ao seu redor nada acontece. Pelo menos até o próximo modismo.


Fonte: http://kfl.blogspot.com/