quarta-feira, 21 de abril de 2010

Vulcão explicita os limites da globalização





Assim como a crise financeira, o vulcão Eyjafjallajokull mostrou que o mundo precisa de sociedades mais simples. O homem propõe e a natureza dispõe. Dificilmente somos mais vulneráveis do que quando nos sentimos isolados. O milagre da moderna aviação nos protegeu da gravidade, da atmosfera, da cultura, da geografia. Fez com que nos sentíssemos cidadãos de todos os lugares. Mas, quando a natureza se interpõe, nos deparamos com a realidade de uma separação de milhares de quilômetros. E descobrimos que, afinal, não escapamos do mundo físico.

O comentário é de George Mombiot, jornalista e escritor britânico, em artigo publicado no The Guardian e traduzido pelo jornal O Estado de S.Paulo, 21-04-2010.

Sociedades complexas e interligadas têm maior capacidade de recuperação do que as mais simples. Durante as secas na África, nos anos 90, as pessoas que tinham menos parceiros comerciais foram as mais atingidas. Quanto mais ampla a área geográfica da qual extraíam seus alimentos, menor foi o impacto da fome.

Após certo ponto, a conectividade se torna um perigo. Quanto mais extensas as linhas de comunicação, mais dependentes somos da produção de empresas de outros países e maior é o potencial de perturbação. Essa é uma lição que aprendemos com a crise dos bancos. Alguns milhares de mutuários que não conseguiram pagar suas hipotecas nos EUA quase quebraram a economia global. Se o vulcão islandês continuar vomitando cinzas, pode produzir o mesmo efeito.

Há vários tipos de vulnerabilidade. A mais catastrófica seria uma tempestade solar, que causa um aumento repentino da corrente direta em nossas redes de eletricidade, queimando os transformadores. Poderia ocorrer em questão de segundos, mas precisaríamos de anos para nos recuperarmos.

Como destaca a revista New Scientist, um evento como esse desmantelaria a maior parte dos sistemas que nos mantêm vivos. Destruiria as estações de tratamento e bombeamento de água. Paralisaria a distribuição de petróleo, reduzindo a oferta de alimentos. Afetaria hospitais e sistemas financeiros.

Os geradores de emergência só funcionariam até o fim das reservas de petróleo. Transformadores queimados não podem ser reparados - devem ser substituídos. As companhias distribuidoras de energia não estão preparadas para esse tipo de catástrofe. A mesma falta de planejamento existe caso a oferta global de petróleo comece a declinar.

O relatório mais recente do governo britânico afirma que "uma crise de energia será inevitável se não houver uma expansão da produção e da capacidade de refino". "Até 2012, o excedente da capacidade de produção de petróleo poderá desaparecer. Em 2015, o déficit poderá chegar a 10 milhões de barris diários", diz o documento.

Os custos da energia e os impactos ambientais já ultrapassaram os benefícios de uma complexidade crescente. Pela terceira vez em dois anos, descobrimos que as viagens aéreas são o elo frágil do nosso sistema. Em 2008, o aumento do custo dos combustíveis tirou do mercado várias linhas aéreas. O vulcão arruinará muitas outras. A indústria da aviação, grande consumidora de energia, depende do clima, que é incontrolável. E quanto maior nossa dependência do avião, mais vulneráveis nos tornamos.

O fornecimento de petróleo, os custos ambientais e sociais do setor e sua vulnerabilidade significam que os atuais níveis dos voos não poderão ser mantidos. Temos uma opção. Podemos começar a desativar o setor enquanto há tempo e encontrar maneiras de viver passando a depender menos dele. Ou podemos ficar sentados esperando que a realidade física simplifique o sistema por meios mais brutais.

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